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Texto 8. Psicanálise e Ciência
Texto 8. Psicanálise e Ciência
Psicanálise e
Ciência
Psychoanalysis and Science
science - the subject of the desire - but Freud, with his discovery of
the unconscious mind, brings a subversion to the cogito of René
Descartes.
Key-words:psychoanalysis, science, knowledge.
Com Freud
“Nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria pudesse dar conta e, muito menos, a ele
imaginar que aquilo que a ciência não nos conferir legitimidade científica.
dá podemos conseguir em outro lugar”
(Freud, [1927] 1974, v. XIX). Partiremos do conceito de “ciência normal”,
tal como Thomas S. Kuhn a descreve, o que
Nosso objetivo, na abordagem sobre a vem a significar “a pesquisa firmemente
questão da psicanálise e da ciência, é baseada em uma ou mais realizações
verificar como a psicanálise conquista para científicas passadas expostas e relatadas em
a ciência um novo continente - o do manuais científicos elementares ou
psiquismo inconsciente - e como esse avançados” (1970, p. 101). Esses manuais e
inconsciente, erigido como objeto, não era livros tornaram-se bastante populares no
nada de que a ciência do tempo de Freud começo do século XIX. Entre eles, podemos
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Psicanálise e Ciência
exemplificar: o “Princípio e a óptica”, de históricas, pois se define muito mais por ser
Newton, a “Eletricidade”, de Franklin, e a uma ciência exegética, hermenêutica ou
“Química”, de Lavoisier, entre outros, que interpretativa”, de acordo com Japiassu
serviram, por um longo tempo, para definir (1989, p. 28).
implicitamente os problemas e os métodos
legítimos de um campo de pesquisa para A formação intelectual de Freud dar-se-á
uma geração de praticantes da ciência. numa atmosfera positivista e cientificista
típicas do século XIX. O espírito positivo,
Ainda, para melhor esclarecer seu conceito testemunhado pelo impulso que toma a
de “ciência normal”, Thomas Kuhn irá lançar história natural do homem em detrimento
mão de exemplos aceitos na prática da condição que conferia uma visão
científica, que incluem, ao mesmo tempo, teológica do mundo, se afirmava. Além do
lei, teoria, aplicação e instrumentação, mais, no século XIX, a crença no
gerando modelos dos quais brotaram as conhecimento científico como o supremo
tradições coerentes e específicas ‘da’ poder resolutivo dos males do mundo -
pesquisa científica, tais como a “Astronomia “crença que Freud guardou por toda a vida -
Copernicana” e a “Dinâmica Aristotélica” ou estava principiando a deslocar as esperanças
“Newtoniana”, entre outros modelos ou que se haviam erguido a favor da religião,
paradigmas muitas vezes bem mais da ação política e da filosofia,
especializados. alternativamente. Freud estava altamente
imbuído de tudo isto” (Jones, 1961, p. 121).
Apresentaremos, neste estudo, a psicanálise
como promotora de uma revolução Ernst Jones nos aponta que o conflito entre
científica que terá início no momento em entregar-se irrestritamente ao exercício do
que “o paradigma existente deixou de
pensamento e ao jogo da fantasia à
funcionar adequadamente” (Kuhn, 1970, p.
necessidade de submeter-se a uma disciplina
126).
científica terminou em uma “inequívoca
vitória desta última” (ibid., p. 122).
Ao promover um corte paradigmático
através de seus conceitos, a psicanálise gera
Freud jamais abriu mão de seu projeto de
um complicador, na medida em que seus
tornar a psicanálise uma ciência. Em uma
pressupostos anunciam que essa ciência se
pequena nota sua, datada de 1920, “Uma
ocupa, sobretudo, da subjetividade num
nota sobre a pré-história da técnica de
tempo em que a exigência era a de se atingir
um conhecimento objetivo e generalista. análise” (Freud, 1976, v. XVIII), faz uma
incisiva réplica às críticas de Havelock Ellis,
A experiência do sujeito, sua história, não pesquisador da ciência sexual e crítico da
são dados que poderiam fornecer um psicanálise, que, em um ensaio de 1919
critério suficiente de credibilidade e (“The philosophy of conflict to sex”), inclui
legitimidade científicas, cabendo à um artigo cujo objetivo é demonstrar que os
psicanálise uma definição muito mais escritos do fundador da análise não devem
próxima às ciências “semiológicas ou ser julgados como uma peça de trabalho
científico, mas, sim, como uma produção A primeira grande Revolução promovida pela
artística. Freud considera a apreciação de H. psicanálise ocorrerá a partir da descoberta
Ellis como resistência e repúdio à análise, da motivação inconsciente nas ações
“ainda que se ache disfarçada sob forma humanas e da sexualidade infantil. Por essas
amistosa e, na verdade, lisonjeante demais” duas vias, um corte é proposto e lançado
(Freud, 1976, v. XVII, p. 315). através de um conjunto de questões que,
além de sustentarem toda a pesquisa
Freud inicia esse trabalho afirmando sua psicanalítica, irão fornecer-lhe material e
disposição de enfrentar tais afirmações com recurso teórico extraídos da escuta clínica.
a mais decidida oposição e o finaliza
apontando a importância da leitura de Ludwig No ano de 1874, o médico Moritz Benedikt
Börne, autor que lhe fora apresentado apresentou sua idéia a propósito do que seria
quando, aos quatorze anos de idade, foi a discussão entre a experiência direta e a
presenteado com suas obras completas; Freud fundamentação científica no capítulo dirigido
afirma que Börne foi o primeiro autor cujos ao método sobre o tratamento da histeria.
escritos o afetaram profundamente e que
ficara espantado em se encontrarem As ciências clínicas têm peculiaridades vis-
expressas, em seu conselho a um escritor à-vis das ciências naturais; elas têm de
A essência do
original, algumas opiniões que ele próprio ocupar-se da prática enquanto base para o
clínico precisa ser
sempre prezara. entendimento teórico da mesma, a saber, outra que não o
sobretudo a anatomia e a fisiologia ainda pesquisador das
ciências da
Uma covardia vergonhosa com relação ao acusam lacunas enormes. A essência do natureza, mais
clínico precisa ser outra que não o exatas
pensar nos retém a todos: a censura do
governo é menos opressiva que a censura pesquisador das ciências da natureza, mais
exercida pela opinião pública sobre nossas exatas (apud Lorenzer, 1984, p. 71).
produções intelectuais. Não é a falta de
intelecto, mas de caráter que impede a A observação de Benedikt, anos antes de
maioria dos escritores de serem melhores que Freud surgir como autor, antecipa uma das
são (Börne apud Freud, [1920] 1976, v. XVII, grandes questões da psicanálise: a clínica da
p. 317). escuta, que, “rompendo com aquela do olhar,
incessantemente invocada por seu empirismo,
Às críticas de seu tempo em relação a seu a modéstia de sua atenção e o cuidado com
anseio de ser homem da ciência, Freud reagiu que permite que as coisas silenciosamente se
com vigor. Em seu manuscrito de 1895, apresentem ao olhar, sem perturbá-Ia com
«Projeto para uma Psicologia Científica», já discurso” (Foucault, 1998, p. 4).
no primeiro parágrafo, apresenta sua
intenção: «a finalidade deste projeto é A invenção da escuta do inconsciente
estruturar uma psicologia que seja uma proposta pela psicanálise rompe com a
ciência natural, isto é, representar os processos Medicina da época, que propunha uma
psíquicos como processos quantitativamente correspondência exata do “corpo” da doença
determinados de partículas materiais com o corpo do homem doente. Era esse o
específicas» (Freud, [1895] 1976, v. I, p. 403). modelo da Medicina que vigorava no século
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Psicanálise e Ciência
XIX, aquele que concedia todo privilégio à hipnóides”. Além do mais, Breuer recusou-
anatomia patológica. se a atribuir à histeria uma etiologia
puramente sexual. Logo após a publicação
Michel Foucault nos descreve essa época dos Estudos sobre a Histeria, Freud inicia a
como aquela que marca a soberania do redação do “Projeto para uma psicologia
olhar, em uma experiência que lê, de uma científica”, artigo escrito em 1895, cuja
só vez, “as lesões visíveis do organismo e a publicação só se realizará em 1950, onze
coerência das formas patológicas; o mal se anos após sua morte.
articula exatamente com o corpo e sua
No texto desse artigo, Freud tentará
distribuição lógica se faz, desde o começo,
demonstrar empiricamente, através de um
por massas anatômicas” (ibid.). “O golpe de
modelo mecanicista da física, a sua ciência,
vista” precisa apenas exercer a verdade no
abordando em ótica distinta “muitas das
lugar onde ela se encontra, um poder que,
questões que a filosofia que o antecedeu
de pleno direito, ele detém (ibid., p. 2).
tratava em outro contexto”, comenta Luiz A.
Garcia Roza (1996, p. 42) em sua avaliação
Ninguém, além do próprio Freud, dará início
sobre o “Projeto”, em Freud e o Inconsciente.
à grande discussão em torno da inscrição da
psicanálise no campo das ciências, a partir,
Para alguns, a psicanálise tem início com o
essencialmente, do seu desejo cientificista,
“Projeto”; para outros, essa obra é uma
do qual jamais irá abrir mão, sem dar conta,
desesperada tentativa de argumentar através
pelo menos a princípio, da impossibilidade de uma linguagem fisicalista exigida pela
de sua pretensão ser derivada da época, segundo Garcia Roza. A proposta de
especificidade do conhecimento que Freud é, de acordo com sua própria
construiu. afirmação, a de elaborar uma “teoria do
funcionamento psíquico segundo uma
Já no ano de 1895, em Estudos sobre a abordagem qualitativa e quantitativa, uma
Histeria, pode-se verificar a busca de Freud espécie de economia da força nervosa”
por uma inscrição no campo das ciências (Freud, [1895] 1976, v. I, p. 403), proposição
(Freud, [1893-1895] 1974, v. 11). Na que manterá durante toda sua obra.
apresentação dessa obra, James Strachey,
tradutor da obra freudiana para o inglês, Sem pretendermos nos colocar ao lado
observa que as divergências entre os autores, daqueles que assinalam ser o “Projeto” a obra
Freud e Breuer, não são ainda observadas, que dará início à psicanálise, nem tampouco
apesar de já existirem. A decisão de em seu extremo, entre aqueles que assinalam
publicação conjunta foi resultado de um ser essa obra o último suspiro de um pensador,
acordo destinado a mostrar à comunidade colocamo-nos, sim, na posição de afirmarmos
científica o trabalho realizado pelos dois a importância vinculada à tentativa de
autores até 1894, época em que a relação inscrição de Sigmund Freud na cena da ciência
científica já havia acabado, visto que Freud de sua época. Essa obra far-se-á presente em
já sustentava a idéia de uma “defesa todo o seu trabalho posterior, bem claramente
psíquica” no sintoma histérico e Breuer observável no capítulo VII de A Interpretação
pensava em uma fisiologia dos “estados dos Sonhos e em “Além do Prazer”, de 1900
e 1920 respectivamente, obras vitais para a Birman em sua obra Psicanálise, Ciência e
compreensão do saber que a psicanálise irá Cultura, no qual o autor ainda esclarece que
inaugurar. tal discurso epistemológico se fez a partir de
uma crítica radical da filosofia positivista da
As críticas relativas à cientificidade da ciência, curiosamente também iniciada na
psicanálise são radicais e partem França através de um dos grandes filósofos
especialmente de epistemólogos oriundos do que tal nação irá produzir, Auguste Comte.
empirismo lógico, preocupados com “a L. Althusser não só contra-atacou as críticas
lógica da explicação”. Japiassu discute, em
que visavam a descaracterizar a cientificidade
Psicanálise: Ciência ou Contra-ciência?, de
da psicanálise como também denunciou a
1989, que os críticos que sustentam suas
tentativa de apropriação dos conceitos
abordagens a partir do empirismo lógico e
psicanalíticos pelos discursos filosóficos,
do racionalismo crítico de Karl Popper
subtraindo-lhes a originalidade teórica. A
indagam se a psicanálise constitui uma
legitimidade dessa ciência é conferida pela
“teoria” propriamente científica, isto é, se se
via de seu objeto teórico, o inconsciente, que
apresenta através de um conjunto de
realizou o corte epistemológico com a A cientificidade
proposições que sistematiza, explica e prevê,
tradição da Psicologia da consciência e com da psicanálise
em certos fenômenos observáveis, e se deve discutida ao longo
a psiquiatria do final do século XIX e início de sua existência
satisfazer às mesmas regras lógicas de uma
do século XX. terá, na década
teoria científica. Afirmam os empiristas: de sessenta, seu
“parece que não podemos deduzir nada de maior defensor
Foi no ano de 1900, com a publicação de A teórico no filósofo
preciso das noções ‘energéticas’ do francês L. Althusser
freudismo, posto que são vagas e Interpretação dos Sonhos, que Freud
metafóricas. São noções sugestivas, mas não apresentou o conceito de inconsciente e
susceptíveis de validação empírica” (Japiassu, demarcou o nascimento da psicanálise,
1989, p. 26). apresentando o seu sujeito, radical em sua
construção, pois subverte aquele oriundo do
A cientificidade da psicanálise discutida ao cogito cartesiano por ser pulsional por
longo de sua existência terá, na década de excelência. A razão, coincidindo com a
sessenta, seu maior defensor teórico no consciência, é colocada em questão, e
filósofo francês L. Althusser. Em sua ninguém, além do próprio Freud, apontou
formulação, “a psicanálise se constituiria melhor para esse rompimento quando
efetivamente como discurso científico, na
declara ser a psicanálise a terceira grande
medida em que produziu um objeto teórico
ferida narcísica sofrida pelo saber ocidental.
articulado de maneira coerente por um
O saber da ciência psicanalítica construiu um
método de investigações e por uma técnica”
objeto cujo vigor e cuja verdade estão
(ibid., p. 27).
sustentados na subversão dos propósitos de
Em 1915, Freud apresenta uma exposição existem pequenas economias’. Não há ciência
completa e sistemática de suas teorias do homem porque o homem da ciência não
psicológicas quinze anos após haver existe, mas apenas seu sujeito” (Lacan, 1998,
apresentado um relato ampliado desses p. 873).
conceitos no sétimo capítulo de A
Interpretação dos Sonhos, que, de certa Falar em psicanálise é, também, falar em
forma, incorpora o que ele já teria proposto processo, em interação e em
em seu “Projeto para uma Psicologia desprendimento ao se tentar alcançar a
Científica”. verdade em realidades fixas e imutáveis. É
abrir mão do tempo vigente, cronológico, é
Os cinco artigos meta-psicológicos, propor trabalhar em uma dimensão de
apresentados entre 1915 e 1917, formam tempo em que um sujeito se estrutura, se
uma série interligada, cuja intenção, segundo cria, se inventa, e que, por isso, é um tempo
o editor, é proporcionar um fundamento singular, inaplicável a outro, é um tempo que
teórico estável à psicanálise. No primeiro só tem lógica se considerado na dimensão
artigo, “Os instintos e suas vicissitudes”, Freud da lógica da estrutura do sujeito em questão
inicia sua argumentação assinalando que, com na psicanálise, o sujeito do inconsciente.
freqüência, ouvimos a afirmação de que as
ciências devem ser estruturadas em conceitos Lacan, em 1964, em seu Seminário 11, os
básicos claros e bem definidos. Todavia, quatro Conceitos Fundamentais da
nenhuma ciência, nem mesmo a mais exata, Psicanálise, nos adverte que o Inconsciente
começa com tais definições. Ressalta, ainda, é “algo de não nascido, de não realizado,
que o primeiro objetivo de uma atividade que fica em espera na área... não é nem ser
científica, que consiste na descrição do nem não ser” (Lacan, 1964, p. 29).
fenômeno, não poderá evitar que nele se
apliquem certas idéias abstratas, isto é, como
Verificamos a insistência de Lacan em
diz textualmente, “idéias vindas daqui e dali”
destacar o que para nós consiste na grande
(Freud, [1915] 1974, v. XVI, p. 137).
ruptura entre as ciências em geral e a
psicanálise, ou seja, a natureza de seu objeto,
Nesse artigo, Freud nos revela a forma como
compreendia o trabalho da ciência, o inconsciente. Ao afirmar que, para os
Entrevistado por Mme lurkell sobre a forma ciência, que é sempre o objeto da realidade
como ele articularia a idéia de que a empírica e não da realidade psíquica
psicanálise aspira ao status de ciência com o (fantasia) e que é, além disto, passivo diante
que ele já se teria referido como epidemia, do desejo do experimentador. O saber do
um fenômeno social, Lacan responde que inconsciente, cada analista obtém às suas
uma epidemia não é um fenômeno social, próprias custas no divã durante a análise à
pelo menos no caso da ciência, e que uma qual se submete como sujeito. É, portanto,
epidemia científica acontece quando alguma um saber que envolve uma “práxis” e que
coisa é tomada como uma simples não se transmite apenas pela via do
emergência, enquanto é, de fato, uma conhecimento, mas, sobretudo, pela
ruptura radical. É um acontecimento experiência.
histórico que se propagou e que influenciou
muito a concepção daquilo que se chama Lacan não é tão preciso ao falar do discurso
universo, que, em si mesma, tem uma base da ciência. Como a maioria dos pensadores,
muito estreita, salvo no imaginário. atribui o advento da ciência moderna a
Descartes, que promoveu a separação entre
A psicanálise é, então, apresentada por Lacan o campo da ciência e o da religião. No
como uma epidemia científica, visto que se Seminário XI, Lacan nos diz:
propaga e abre novas concepções sobre
aquilo que se chama universo. É uma ciência “O que procura Descartes? é a certeza.
moderna na medida em que, com a Tenho, diz ele, extremo desejo de distinguir
modernidade, esteve sempre comprometida. o verdadeiro do falso - sublinhem desejo para
ver claro - no que? - em minhas ações e
Segundo Lacan, a descoberta de Freud caminhar com segurança nesta vida” (Lacan,
inaugura um discurso inédito, uma nova [1964] 1979, p. 210).
modalidade de laço social, a partir da qual
podemos pensar retroativamente as outras Ele chama a atenção para o fato de que
modalidades já existentes desde sempre na Descartes propõe o seu método – a dúvida
civilização (Lacan, 1970/1992). metódica – como um método próprio, que
serve para ele e que ele não impinge aos
No discurso do analista, o sujeito é o sujeito outros. Seria nesse ponto que Descartes
do desejo dividido pelo recalque e pelo encontraria um novo caminho: ele não visa
sintoma. É o mesmo sujeito da ciência, à refutação dos «saberes incertos» (ibid., p.
movido pelo desejo de saber, porém sua 211). Ele abre seu caminho pela via do
posição discursiva não é a de agente (como desejo, desejo de certeza. É a partir do desejo
pode ser no discurso da ciência). que ele chega à dúvida. Segundo Lacan, para
Descartes, «a certeza não é [...] um momento
De acordo com o discurso do analista, o que se possa ter como assentado, uma vez
objeto é ativo, é o próprio analista, movido que foi atravessado. É uma ascese» (ibid., p.
em seu ato pelo saber do inconsciente. 212). Com seu método, ele põe em
Difere pois, radicalmente, do objeto da suspensão radical todos os saberes, mas para
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Psicanálise e Ciência
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colocá-Ios no nível do 1234
sujeito suposto saber,
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complementa Descartes na medida em que
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Deus. 1234
1234 introduz a idéia de que o pensamento está
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1234 encarnado” (ibid., p. 73).
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No entanto, ao evocar1234Deus nesse lugar de
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saber, Descartes inaugura,
1234 ao mesmo tempo, Em “A ciência e a verdade”, verifica-se, de
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uma ciência “com a qual1234 Deus nada tem a
1234 acordo com a análise feita por Askafaré, que
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ver” (ibid., p. 214). A1234
Deus pertencem as
1234 o objetivo de Lacan é apontar que a
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verdades eternas, mas 1234cabe ao homem
1234 psicanálise e determinadas disciplinas têm
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percorrer os caminhos1234que o levem a sua
1234 em comum o fato de que sua submissão às
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verdade. 1234
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1234 exigências das ciências físicas é simplesmente
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1234 suicida. Freud, por ter partido da necessidade
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Lacan ora nos diz que1234
o discurso da ciência
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1234 imperiosa de justificar racionalmente uma
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apaga o sujeito na medida
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1234 em que não leva prática clínica original, distancia-se de Lacan,
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em conta o inconsciente1234
1234 e o desejo, o que
1234 uma vez que se teria engajado na construção
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se aproximaria do discurso
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1234 do mestre, no de um sistema orgânico de conceitos que lhe
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1234 ora nos diz que o
qual o sujeito está oculto,
1234
1234 permitiram fundar a ciência psicanalítica e
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discurso da ciência se 1234
aproxima do discurso
1234 constituir o seu campo de saber naquilo que
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da histérica, no qual 1234
o agente é o próprio
1234 tornou possível avaliar o sentido e o alcance
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sujeito do desejo. 1234
1234 de sua descoberta.
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A questão não é simples, pois, como observa “A ciência permanece sendo um ideal e a
Marco Antonio Coutinho Jorge (2002), cientificidade da psicanálise um projeto, o
Lacan deixou em aberto a possibilidade de programa freudiano” (Askafaré, 2002).
formularmos outros discursos para além dos Askafaré concebe o ponto de distanciamento
quatro que apresentou. O importante para entre Freud e Lacan na medida em que,
nossa pesquisa é que, ao separar o campo neste último, pode ser identificada uma
do saber da psicanálise do campo da ciência, destituição do ideal da ciência, ou, melhor
Lacan abriu novas perspectivas para a dizendo, destituição da ciência como ideal
investigação psicanalítica. da psicanálise.
Segundo Colette Soler (1996, p. 73), o Freud, mesmo nos revelando sua consciência
correlato do sujeito cartesiano é a elisão do sobre a impossibilidade de seu projeto ser
corpo na teoria de Descartes. Por isso, autorizado como um saber ideal, ou seja,
quando Descartes tenta pensar todo o científico, luta contra o que seria o destino
registro do afeto e das paixões, defronta-se inexorável do conhecimento que propôs ao
com uma dificuldade teórica. O corpo mundo: provocar resistências, subverter
elidido é o corpo da sensibilidade, do saberes, viver sob o anátema da maioria
sofrimento, do gozo. “Freud, portanto, compacta.
Maria Anita
Carneiro Ribeiro
Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-
RJ e Pós-Doutora pela PUC-RJ, é
Coordenadora da Especialização em
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