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DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL

CONCRETOS E ARGAMASSAS ESPECIAIS

CONCRETO AUTOCICATRIZANTE

Jean Anschau Corrêa - 00262414

Luiz Fernando Dall’Onder - 00262431

Prof. Ana Paula Kirchheim

Prof. Denise Dal Molin

Porto Alegre, novembro de 2019

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Sumário
1. INTRODUÇÃO..................................................................................3

2. TIPOS DE AUTOCICATRIZAÇÃO........................................................4

2.1 Autônoma.........................................................................................4

2.1.1 Microencapsulamento................................................................4

2.1.2 Solução bacteriana....................................................................6

2.2 Autógeno..........................................................................................7

2.2.1 Carbonato de cálcio (CaCO 3)....................................................8

2.2.2 Silicato de cálcio hidratado (CSH )...........................................9

2.2.3 Influência do tipo de cimento..................................................9

2.2.4 Eficácia da auto cicatrização: tecnologias de melhoramento. 11

3. UTILIZAÇÃO........................................................................................13

4. CONCLUSÃO......................................................................................15

5. REFERÊNCIAS...................................................................................16

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1. INTRODUÇÃO

Uma das principais patologias associadas às estruturas de


concreto é a fissuração. No concreto, as fissuras podem surgir devido a
diversos fatores, tais como: variação de temperatura, retração, gelo e degelo,
composição do concreto, corrosão e esforços de tração e compressão. Além de
comprometer o acabamento e a estética das estruturas e dos revestimentos, as
fissuras acabam por desproteger as regiões internas do concreto,
potencializando o aparecimento de novas patologias [10]. Mesmo
considerando, desde a fase de projeto até a execução e cura do concreto,
todos os motivos que levam o material a fissurar, por ser heterogêneo, as
fissuras ainda podem ocorrer [4]. Por esse motivo, em estruturas de maior
volume de concreto, como reservatórios, estruturas de saneamento e túneis -
em que as fissuras são de fácil ocorrência e não são desejadas, convém utilizar
o concreto auto cicatrizante [3].

O concreto auto cicatrizante é uma tecnologia ainda pouca


difundida na indústria da construção civil brasileira e que é muito estudada
pelas universidades e institutos de pesquisa. A principal característica desse
concreto é a capacidade auto curativa, ou seja, suas propriedades permitem
que, ao surgir a fissura, esta seja preenchida por outros compostos, fechando-
a. A capacidade auto curativa do concreto auto cicatrizante é caracterizada de
duas formas: autógena e autônoma. Na primeira, o concreto possui capacidade
intrínseca de se recuperar, enquanto que na segunda, é necessário a adição
de algum outro mecanismo que dê esta característica ao material [10].

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2. TIPOS DE AUTOCICATRIZAÇÃO

2.1 Autônoma
Como dito anteriormente, a auto cicatrização autônoma configura-
se pela necessidade de adição no concreto, ou seja, algum material que não
necessariamente seria utilizado para produção do concreto é adicionado na
mistura com a intenção de proporcionar a selagem das fissuras. Entre os
métodos autônomos estão o microencapsulamento, soluções bacterianas e a
utilização de agentes expansivos.

2.1.1 Microencapsulamento
Esse método consiste no encapsulamento de um agente
cicatrizante que é liberado no momento em que são abertas as fissuras. A
polimerização do agente cicatrizante é desencadeada pelo contato com um
catalisador incorporado (no caso de materiais de dois componentes como as
resinas epóxi), aderindo às faces internas da fissura e recuperando fortemente
a resistência do material [10]. Joseph et al. [13], indica que o agente
cicatrizante deve ter boa relação custo-benefício, deve ser facilmente
encapsulado, deve migrar facilmente pela área que sofreu dano, deve resistir a
uma potencial reabertura e deve ter propriedades mecânicas suficientes e
compatíveis com a matriz cimentícia. Um método muito parecido com o
microencapsulamento é a utilização de nano tubos contendo agentes
cicatrizantes.

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Figura 1: (a) método básico da abordagem da microcápsula. (b) a imagem ESEM
mostrando uma cápsula rompida. [2]

Figura 2: Lista de agentes cicatrizantes e suas propriedades. [1]

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2.1.2 Solução bacteriana
Consiste na precipitação microbiana do CaC O3 formado através
da interação entre produtos metabólicos gerados pelos próprios organismos e
seu ambiente de inserção [10]. As bactérias na superfície fresca da fissura são
ativadas devido à entrada de água, começam a se multiplicar e precipitar
minerais como calcita, que eventualmente selam a fissura e protegem o reforço
de aço de novos ataques químicos externos [3].

A precipitação do CaC O3 é determinada por vários fatores, que


incluem a concentração de carbono inorgânico dissolvido, pH, concentração de
íons cálcio e presença de locais de nucleação (áreas de brotamento ou reação
extremamente localizada). Os três primeiros desses fatores são fornecidos pelo
metabolismo das bactérias enquanto as paredes celulares das bactérias atuam
como os locais de nucleação [14].

Pelo estudo de caso realizado por PACHECO [10], notou-se que


fissuras de até 0,5mm são passíveis de auto selagem por meio de solução
bacteriana como pode ser observado na figura 4.

Figura 3: Cenário esquemático de recuperação de fissuras por bactérias

imobilizadas em concreto [1].

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Figura 4: Estudo de caso para fechamento de fissuras com soluções bacterianas.
[10]

2.2 Autógeno
A auto cicatrização das fissuras no concreto é dita autógena quando o
concreto possui capacidade intrínseca de auto cicatrizar, ou seja, a cicatrização
das fissuras ocorre devido a reações químicas cujos reagentes se encontram
na matriz cimentícia do concreto, não sendo necessária a adição de outros
materiais [10]. A auto cicatrização autógena ocorre devido à formação de
compostos que preenchem o espaço das fissuras, esses compostos são,
principalmente, carbonato de cálcio (CaC O3) e silicato de cálcio hidratado (CSH
). Para ambos os compostos, para que as reações de cicatrização ocorram, é
imprescindível à presença de água [3].

Além da formação de CaC O3 e CSH , a imersão de detritos para dentro


das fissuras e o inchaço da matriz cimentícia também são fatores que
contribuem para a auto cicatrização autógena das fissuras. A figura a seguir
ilustra as quatro maneiras de auto cicatrização autógena: “a” representa a auto
cicatrização pela formação de CaC O 3, “b” pela imersão de detritos; “c” pela
formação de CSH e “d” pela expansão da matriz cimentícia [4].

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Figura 5: Maneiras de auto cicatrização autógena [4]

2.2.1 Carbonato de cálcio (CaC O3)


A formação dos cristais de carbonato de cálcio ( CaC O3) nas estruturas
de concreto, processo denominado de carbonatação, ocorre através da reação
−¿¿
3 e HC O 3
dos íons C O−2 com íons de cálcio (C a +2) presentes no concreto. Os
−¿¿
íons C O−2
3 e HC O3 são formados a partir da hidrólise do ácido carbônico (
H 2 C O3), ácido fraco formado a partir da reação do gás carbônico ( C 0 2) com a
água ( H 2 O ). A figura a seguir ilustra as reações do processo.

Figura 6: Etapas do processo de carbonatação [3]

A partir das reações mostradas na figura 6, pode-se verificar que quanto


maior for o consumo dos íons de cálcio, maior será a formação do carbonato
de cálcio, proporcionando um melhor preenchimento das fissuras. Entretanto,
vale destacar que a alcalinidade do concreto com a precipitação do carbonato
de cálcio é significativamente menor que a do concreto sem esse composto.

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Por esse motivo, a precipitação do carbonato de cálcio, em concretos armados,
pode facilitar a corrosão da armadura, devido à destruição da camada
passivadora do aço [3].

2.2.2 Silicato de cálcio hidratado (CSH )


Os compostos de CSH são os responsáveis pela resistência mecânica
do concreto. A formação desses compostos ocorre principalmente durante o
período de cura do concreto e sua velocidade de formação depende do tipo de
cimento utilizado. Os compostos anidros responsáveis pela formação de CSH
podem reagir tardiamente, auxiliando no fechamento de fissuras já
desenvolvidas. A reação de hidratação tardia dos materiais anidros ocorre
principalmente nos concretos de menores idades e de baixa relação
água/cimento, onde a reserva de compostos anidros tende a ser
proporcionalmente maior [8].

2.2.3 Influência do tipo de cimento


A maneira como ocorrerá a auto cicatrização autógena do concreto
depende do tipo de cimento utilizado. Nos cimentos que possuem adições
pozolânicas, como CPIV e CPIII, o hidróxido de cálcio - formado através da
solubilização dos íons de cálcio em água -, é consumido para formar silicato de
cálcio hidratado (CSH). Já nos outros cimentos como CPV e CPII, onde não há
adições pozolânicas, o hidróxido de cálcio contribui para a formação dos
cristais de carbonato de cálcio [9].

FRANTZ, L. realizou um estudo comparando a auto cicatrização


autógena de concretos com diferentes cimentos. As três figuras a seguir
mostram os resultados a mesma fissura aos 0 dias e aos 91 dias, para os
cimentos CPII, CPV e CPIV, respectivamente.

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Figura 7: Fissura do concreto com cimento CPII aos 0 dias (esquerda) e aos 91
dias (direita)

Figura 8: Fissura do concreto com cimento CPV aos 0 dias (esquerda) e aos 91
dias (direita)

Figura 9: Fissura do concreto com cimento CPIV aos 0 dias (esquerda) e aos 91
dias (direita)

Como pode se ver pelas figuras 7, 8 e 9, o fechamento da fissura só foi


nítido nos concretos realizados com cimento CPII e CPV. Embora o concreto
realizado com CPIV não tenha obtido visualmente um bom fechamento das
fissuras, foi o que obteve o melhor resultado no ensaio de propagação de
ondas ultrassônicas realizado por FRANTZ. Neste ensaio, a velocidade de
propagação da onda ultrassônica foi maior no concreto realizado com CPIV,
indicando que este é mais denso e, portanto, com menos vazios [9]. Devido a
divergência entre o resultado fotográfico e o ensaio de ondas ultrassônicas,
FRANTZ não concluiu qual cimento é o mais indicado para a auto cicatrização
autógena.

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2.2.4 Eficácia da auto cicatrização: tecnologias de melhoramento

A capacidade de auto cicatrização do concreto de forma autógena tem


eficácia limitada a fissuras de abertura menor ou igual a 15mm [9]. Por esse
motivo, convém utilizar fibras que não permitam aberturas de fissuras maiores
que esse valor, para que a auto cicatrização possa ocorrer eficientemente.
Outra solução possível, além das fibras, para peças como vigas e lajes de
concreto, é considerar no projeto estrutural da edificação uma abertura de
fissuras inferior a 15 mm no momento de se verificar os Estados Limites de
Serviço (ELS).

Como dito inicialmente, a presença de água é fundamental para que a


auto cicatrização autógena ocorra, independentemente do tipo de cimento
utilizado e do composto formado para o preenchimento das fissuras. Para que
se supra a quantidade de água necessária para o processo, uma solução é a
utilização de adições poliméricas no concreto em estado fresco, que tem como
objetivo liberar água no períodos de seca. Além disso, dependendo da
concentração de íons da água que entrou para dentro do concreto, por
osmose, pode haver o aumento de volume dos polímeros, causando um efeito
de bloqueio - fechando a fissura [3].

Para melhor hidratação e cristalização, é interessante adicionar agentes


capazes de promover a inserção de cristais para dentro da fenda. Uma
possibilidade, que ainda é bastante estudado no meio acadêmico, é a utilização
de esporos bacterianos. Quando há o aparecimento de uma rachadura e a
água entra para dentro da fenda, os esporos bacterianos são ativados. As
bactérias auxiliam na formação do carbonato de cálcio pois liberam gás
carbônico após ativadas, que reage com o hidróxido de cálcio [3].

A figura abaixo ilustra os princípios básicos das técnicas que visam o


melhoramento da auto cicatrização autógena. “A” representa a restrição da
abertura da fissura, “B” o abastecimento de água e “C” a adição de
componentes que melhorem a hidratação e a cristalização do carbonato de
cálcio.

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Figura 10: Técnicas de melhoramento da auto cicatrização autógena [3]

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3. UTILIZAÇÃO

Concretos auto cicatrizantes foram utilizados na laje do Museu da


Imagem e do Som (M.I.S.), em Copacabana, e também na Cobertura Fluida do
Museu de Arte do Rio (M.A.R.), no centro da cidade do Rio de Janeiro. Nos
traços dos concretos, conta-se com reduzida a/c, consumo de cimento de pelo
menos 391kg/m3, sílica ativa e aditivo cristalizante [10]. Também foi utilizado
na Linha 4 do metrô do Rio de Janeiro [11].

Figura 11: Cobertura Fluida do Museu de Arte do Rio (Foto: Archdaily.com.br).

13
Figura 12: Museu da Imagem e do Som (Foto: Concursosdeprojeto.org).

Figura 13: Linha 4 do Metrô do Rio de Janeiro (Foto: g1.globo.com).

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4. CONCLUSÃO

A auto cicatrização é uma tecnologia ainda pouco difundida na


engenharia que pode ser uma ótima aliada na conservação de estruturas frente
aos agentes agressivos, aumentando sua vida útil.

A utilização da auto cicatrização autógena mostra como um


correto estudo do traço e dosagem do concreto pode contribuir para estruturas
mais duráveis e resistentes. Já a auto cicatrização autônoma, por meio de
aditivos encapsulados, pode ser muito importante para estruturas com difícil
acesso e elevado custo de manutenção como túneis, pontes e reservatórios.
Entretanto, alguns meios de auto cicatrização como a utilização de soluções
bacterianas ainda necessitam de mais estudos antes de serem utilizadas em
larga escala na construção civil.

Deve-se atentar, porém que a auto cicatrização possui vários


limitantes como, por exemplo, época da abertura, tamanho e espessura da
fissura que podem acarretar numa deficiente ou inexistente selagem; portanto,
cabe ao engenheiro buscar ao máximo evitar a abertura de fissuras por meio
de boas práticas de engenharia que vão desde ao planejamento até a
execução da construção.

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5. REFERÊNCIAS

[1] JONKERS, H. M.; THIJSSEN, A.; MUYZER, G.; COPUROGLU, O.;


SCHLANGEN, E. Application of Bacteria As Self-Healing Agent for the
Development of Sustainable Concrete. In: Proceedings of the 1st
international conference on biogeocivil engineering, Delft, The Netherlands;
June 23-25, 2008.

[2] WHITE, S. R.; SOTTONS, N. R.; GEUBELLE, P. H.; MOORE, J. S.;


KESSLER, M. R.; SRIRAM, S.R.; et al. Autonomic healing of polymer
composites. Nature 2001;409(6822):794.

[3] WU, M.; JOHANNESSON, B.; GEIKER, M. A review: Self-healing in


cementitious materials and engineered cementitious composite as a self-
healing material. Construction and Building Materials. Volume 28, Issue
1, March 2012, Pages 571-583.

[4] TITTELBOOM, K. V.; BELIE, N. D. Self-Healing in Cementitious


Materials - A Review. Materials, 2013.

[5] CAPPELESSO, V. G. Uso de impermeabilizante por cristalização


para redução de permeabilidade do concreto. Monografia de TCC –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Porto Alegre, 2016.

[6] CAPPELESSO, V. G. Avaliação da autocicatrização de fissuras


em concretos com diferentes cimentos. Dissertação (mestrado em
engenharia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Porto
Alegre, 2018.

[7] BIANCHIN, F. H. Avaliação da autocicatrização em concretos


produzidos com aditivo cristalizante e fissurado nas primeiras idades.
Monografia de TCC – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Porto Alegre, 2018.

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[8] BRAUNER, T. B. Avaliação do fenômeno de autocicatrização em
concretos com diferentes relações água/cimento. Artigo para apresentação
no XXX Salão de iniciação científica, UFRGS.

[9] FRANTZ, L. V. Avaliação do fenômeno da autocicatrização em


concretos de diferentes cimentos. Artigo para apresentação no XXX Salão
de iniciação científica, UFRGS.

[10] PACHECO, F. Concreto autorregenerante – Mecanismos de


recuperação de estruturas de concreto armado. Apresentação de slides
sinduscon – nh.

[11] SANTOS, D. C.; POLI, F. B.; WALTER, I. G. S.; PRANDO, K. A. C.;


PETELINKAR, L. T. D.; ROCHA, L. A. O. Concreto autocicatrizante.
Apresentação de slides – Universidade Federal do Paraná - UFPR.

[12] ROIG-FLORES M.; MOSCATO S.; SERNA P.; FERRARA L. Self-


healing capability of concrete with crystalline admixtures. Construction and
Building Materials

Volume 86, 1 July 2015, Pages 1-11.

[13] JOSEPH C, JEFFERSON AD, ISAACS B, Lark R, GARDNER D.


Experimental investigation of adhesive-based self-healing of cimentitious
material. Mag Concr Res 2010; 62(11);831-43.

[14] TITTELBOOM KV, BELIE ND, MUYNCK WD, VERSTRAETE W.


Use of bacteria to repair cracks in concrete. Cem Concr Res 2010;40:157–
66.

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