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Cozinha Brasileira de Raiz

Andrea Cristina Shima da Motta


Missão
“Promover a educação de qualidade nas
diferentes áreas do conhecimento, forman-
do profissionais cidadãos que contribuam
para o desenvolvimento de uma sociedade
justa e solidária”

DIREÇÃO UNICESUMAR

Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva


Filho, Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho, Pró-
Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva, Presidente
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Edu-
da Mantenedora Cláudio Ferdinandi.
cação a Distância; MOTTA, Andrea Cristina Shima da
Cozinha Brasileira de Raiz. Andrea Cristina Shima da Motta.
NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Reimpressão
Maringá - PR, UniCesumar, 2018. Diretoria Operacional de Ensino Kátia Coelho, Diretoria de
124 p. Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha, Direção de Operações
“Graduação em Gastronomia - EaD”. Chrystiano Mincoff, Direção de Mercado Hilton Pereira, Direção
1. Cozinha Brasileira. 2. Raiz. EaD. I. Título. de Polos Próprios James Prestes, Direção de Desenvolvimento
Dayane Almeida, Direção de Relacionamento Alessandra Baron,
ISBN 978-85-459-0196-9 CDD - 22ª Ed. 641.5981 Gerência de Produção de Contéudo Juliano de Souza, Supervisão
CIP - NBR 12899 - AACR/2 do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo,
Coordenador de Contéudo Alexandre Gimenes da Cruz, Projeto
NEAD - Núcleo de Educação a Distância Gráfico e Editoração Jaime de Marchi Junior e José Jhonny Coelho,
Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação - Cep 87050- Designer Educacional Maria Fernanda Vasconcelos, Revisão Textual
900 Maringá - Paraná | unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Jaquelina Kutsunugi, Ilustração André Onishi e Bruno Pardinho,
Fotos Shutterstock e Istockphoto.
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palavra do reitor
Reitor
Wilson de Matos Silva

Viver e trabalhar em uma sociedade global é um as demandas institucionais e sociais; a realização de


grande desafio para todos os cidadãos. A busca por uma prática acadêmica que contribua para o desen-
tecnologia, informação, conhecimento de qualida- volvimento da consciência social e política e, por fim,
de, novas habilidades para liderança e solução de a democratização do conhecimento acadêmico com a
problemas com eficiência tornou-se uma questão de articulação e a integração com a sociedade.
sobrevivência no mundo do trabalho. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar
Cada um de nós tem uma grande responsabilida- almeja ser reconhecida como uma instituição uni-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos versitária de referência regional e nacional pela qua-
fará grande diferença no futuro. lidade e compromisso do corpo docente; aquisição de
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar competências institucionais para o desenvolvimento
assume o compromisso de democratizar o conheci- de linhas de pesquisa; consolidação da extensão uni-
mento por meio de alta tecnologia e contribuir para versitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial
o futuro dos brasileiros. e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade
No cumprimento de sua missão – “promover a interna; qualidade da gestão acadêmica e adminis-
educação de qualidade nas diferentes áreas do conhe- trativa; compromisso social de inclusão; processos
cimento, formando profissionais cidadãos que con- de cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
tribuam para o desenvolvimento de uma sociedade como também pelo compromisso e relacionamento
justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar permanente com os egressos, incentivando a educa-
busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com ção continuada.
boas-vindas

Pró-Reitor de EaD
Willian V. K. de Matos Silva

Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade A apropriação dessa nova forma de conhecer


do Conhecimento. transformou-se hoje em um dos principais fatores
Essa é a característica principal pela qual a de agregação de valor, de superação das desigualdades,
UNICESUMAR tem sido conhecida pelos nossos propagação de trabalho qualificado e de bem-estar.
alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, Logo, como agente social, convido você a saber
é importante destacar aqui que não estamos falando cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar
mais daquele conhecimento estático, repetitivo, a tecnologia que temos e que está disponível.
local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg
renovável em minutos, atemporal, global, demo- modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as
cratizado, transformado pelas tecnologias digitais tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipa-
e virtuais. mentos e aplicações estão mudando a nossa cultura
De fato, as tecnologias de informação e comuni- e transformando a todos nós.
cação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, Priorizar o conhecimento hoje, por meio da
lugares, informações, da educação por meio da conec- Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o
tividade via internet, do acesso wireless em diferentes contato com ambientes cativantes, ricos em infor-
lugares e da mobilidade dos celulares. mações e interatividade. É um processo desafiador,
As redes sociais, os sites, blogs e os tablets acelera- que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores
ram a informação e a produção do conhecimento, que oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem
não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD
em segundos. da Unicesumar se propõe a fazer.
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boas-vindas
Diretoria Operacional de Ensino Diretoria de Planejamento de Ensino
Kátia Solange Coelho Fabrício Lazilha

Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está conceitos teóricos em situação de realidade, de ma-
iniciando um processo de transformação, pois quando neira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja,
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou pro- estes materiais têm como principal objetivo “provocar
fissional, nos transformamos e, consequentemente, uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta
transformamos também a sociedade na qual estamos forma possibilita o desenvolvimento da autonomia
inseridos. De que forma o fazemos? Criando opor- em busca dos conhecimentos necessários para a sua
tunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de formação pessoal e profissional.
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
os desafios que surgem no mundo contemporâneo. mento e construção do conhecimento deve ser apenas
O Centro Universitário Cesumar mediante o geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou
durante todo este processo, pois conforme Freire seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual
(1996): “Os homens se educam juntos, na transfor- de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, as-
mação do mundo”. sista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além
Os materiais produzidos oferecem linguagem disso, lembre-se que existe uma equipe de professores
dialógica e encontram-se integrados à proposta pe- e tutores que se encontra disponível para sanar suas
dagógica, contribuindo no processo educacional, dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza-
complementando sua formação profissional, desen- gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e
volvendo competências e habilidades, e aplicando segurança sua trajetória acadêmica.
Cozinha Brasileira de Raiz

Apresentação do Livro

Professora Especialista
Andrea Cristina Shima da Motta

Querido(a) aluno(a), sinto-me muito honrada a respeito da qual faremos um levantamento


em ter sido convidada a ministrar a disciplina de das bases, indo da cultura ao prato.
Cozinha Brasileira de Raiz. A sensação que tenho Já na segunda e terceira unidades, come-
é a de que já o(a) conheço e que partilhamos a çaremos a abordar as Cozinhas Regionais de
mesma paixão por essa área do conhecimento nosso país, apontando as suas características e
tão rica que é a Gastronomia. buscando compreender suas semelhanças e dife-
Sempre digo em minhas aulas que falar da renciações. Entendo sempre que o que se come
Gastronomia Brasileira é uma grande respon- em uma determinada região é tão importante
sabilidade, porque sempre tem alguém com quanto quando se come e com quem se come,
uma receita, com uma anotação perdida, uma tamanha a importância da comida.
técnica, uma receita da tia, da vó, da infância Dentro dessa proposta, abordaremos as se-
ou de outros tempos; e é essa a nossa cozinha, guintes regiões: o Sul, o Sudeste, o Centro-Oeste,
a cozinha da nossa pátria, da nossa gente. o Norte, o Nordeste e o Sertão Nordestino. Em
Bom, eu sou a professora Andrea Shima da relação a esse último, apesar de haver outras
Motta, formada em Direito e em Gastronomia regiões de sertão no Brasil, o Sertão Nordestino
pelo Centro Universitário de Maringá, onde teve um tópico separado pela sua peculiaridade,
tive a oportunidade de me fascinar por essa riqueza e profundidade cultural e gastronômica.
área que é a gastronomia. Estudei, também, Assim, convido você a falar sobre cozinha
na Universidade Anhembi Morumbi, onde me brasileira com seus avós, tios, lembrar do que
especializei em Padrões Gastronômicos. comiam seus bisavôs quando aqui chegaram ou
Após essas experiências, tive a oportu- quando aqui nasceram. Aconselho que comece
nidade de participar do processo seletivo da a frequentar as nossas feiras livres, onde há
Unicesumar, na qual entrei como docente, per- produtores de sua região para valorizá-la.
manecendo nessa área até os dias de hoje. Vamos, então, iniciar comigo o estudo deste
Em nossa primeira unidade, falaremos um livro?
pouco sobre a Formação da Cozinha Brasileira, Bons estudos!
SUMÁRIO
UNIDADE 1

Formação da
Cozinha Brasileira
13 Uma Cozinha Indígena
23 A Cozinha do Brasil Colonial
35 Cozinha do Brasil:
Monarquia e Império

UNIDADE 2

Cozinha Regional Brasileira:


o Sul, o Sudeste e o
Centro-Oeste
55 Cozinha Regional: Região Sul
65 Cozinha Regional: Sudeste –
São Paulo, Minas Gerais, Rio
de Janeiro e Espírito Santo

79 Cozinha Regional: Centro-Oeste


UNIDADE 3

Cozinha Regional:
o Nordeste, o Norte e
o Sertão do Brasil
91 Cozinha Regional:
Região Nordeste

101 Cozinha Regional:


Região Norte

105 A Cozinha Sertaneja


Legendas de
Ícones

dica do chef habilidades mão na massa saiba mais

fatos e dados minicaso reflita recapitulando

Dica do Chef: dicas rápidas para complementar um conceito, detalhar procedimentos e proporcionar
sugestões. Habilidades: elo entre as disciplinas do curso. Mão na massa: indicação de atividade
prática. Fatos e Dados: complementação do conteúdo com informações relevantes ou acontecimentos.
Minicaso: aplicação prática do conteúdo. Reflita: informações relevantes que proporcionam a reflexão de
determinado conteúdo. . Recapitulando: síntese de determinado conteúdo, abordando principais conceitos.
Saiba mais: Informações adicionais ao conteúdo.
Formação da
Cozinha Brasileira
ANDREA CRISTINA SHIMA DA MOTTA
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Uma cozinha indígena


• A Cozinha do Brasil Colonial
• Cozinha do Brasil: Monarquia e Império

Objetivos de Aprendizagem
• Estudar na literatura especializada a formação da cozinha brasileira.
• Resgatar e identificar algumas técnicas das cozinhas de origem.
• Compreender e contextualizar os elementos formadores da cozinha
nacional.
• Entender a identidade da cozinha de raiz.
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Introdução
Nesta unidade, falaremos um pouco sobre a história e a cultura do Brasil. A minha proposta é
que, por meio desse desvendar da história e da cultura, desenvolvamos fundamentos que nos
tragam a compreensão da formação da Cozinha Brasileira.
Abordaremos a cozinha indígena, ou melhor, a cozinha praticada pelos índios, a qual primei-
ramente encontraremos no Brasil ou Terra de Vera Cruz, como foi denominado nosso país no
início. O primeiro relato sobre essa cozinha está na Carta de Pero Vaz de Caminha, que narra a
primeira informação sobre o cardápio e costumes locais. Ao comentarmos sobre tais costumes,
desvendaremos também hábitos alimentares, técnicas de preparo desses alimentos e utensílios
utilizados pelos primeiros habitantes do Brasil.
Entraremos no conteúdo da Cozinha Colonial, caracterizada pelo período em que a Coroa
Portuguesa inicia, de forma efetiva, a colonização do Brasil, por meio da primeira Expedição e
do início do cultivo da cana-de-açúcar. Nesse sentido, temos que salientar que o Brasil se formou
nesse período, no sentido de que se estruturou uma sociedade em torno da cultura da cana.
Os Engenhos de Açúcar vão caracterizar essa sociedade e influenciá-la de tal maneira que
observaremos resquícios do latifúndio açucareiro no Brasil atual. A casa grande e a senzala, sua
estrutura e intimidade irão determinar de forma definitiva o jeito de ser brasileiro.
Nesta unidade, também abordaremos a Cozinha do Império e da República: na primeira,
temos a influência direta da cozinha portuguesa, ou seja, a entrada do paladar europeu por-
tuguês, que irá se manifestar pelos ingredientes e técnicas: suas carnes, embutidos, temperos,
suas frutas e doces. Já no outro período, inaugura-se uma república nacional, nela, teremos um
Brasil com uma cara mais cosmopolita, mais moderna, afinal de contas, já teremos um Estado
com a declaração da república, e o Estado Nacional se consolida.
Assim, nesta unidade, nós vamos estudar os períodos de formação de nossa cozinha, para
compreendermos nossa identidade gastronômica, entendermos e valorizarmos nossos ingre-
dientes, nossa terra e nosso jeito de fazer cozinha.
Vamos em frente!
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 13

Uma Cozinha
Indígena

No presente tópico, compreenderemos o que é a cozinha indígena,


suas características e sabores. Tarefa difícil essa, principalmente
quando afirmamos que essa é a cozinha mais excêntrica que temos
e a que mais se manteve fiel a sua origem, sem dizer que nesse pe-
ríodo existiam, só na região Amazônica, mais de seiscentas nações.
Só para aguçar a curiosidade, imagine você, qual o gosto de um
arubé? Se você pensa que o molho, esse instituído por Carême,
era conhecido apenas da cozinha clássica, saiba que não, os nossos
indígenas já o apreciavam também pelo arubé, que é um molho
feito a partir da redução do tucupi. Outro exemplo é a formiga
tanajura, que, segundo Cascudo (2004), é prato histórico do Brasil:
“a formiga tanajura, fêmea da saúva, torrada, é prato histórico
desde o século XVI, tradicional no Brasil indígena, mestiço, branco
e mesmo alguns sábios estrangeiros não desdenharam gabos ao seu
capitoso paladar” (CASCUDO, 2004, p. 153). Ele ainda afirma que,
entre os índios do Nordeste, mais especificamente do Maranhão,
a caça dessa iguaria era acompanhada de cantigas.
Cozinha Brasileira de Raiz

A
ntes de falarmos das característi- inhame, na verdade, inhame não era, pois ele
cas (sabores, cores e cheiros) dessa virá mais tarde apenas do contato com os africa-
cozinha, precisamos ter, de forma nos. Na verdade, Caminha falava da mandioca,
clara, que essa é nossa primeira co- frutos semelhantes entre si, em função de suas
zinha, ou seja, a cozinha que os Portugueses, raízes. A mandioca, essa sim, era a raiz que ali-
quando aqui chegaram, encontraram. O docu- mentava o brasileiro (e alimenta). Nesse sentido,
mento que comprova essa afirmativa é a carta afirmava Pero de Magalhães Gandavo que “o que
do descobrimento, mais conhecida como a carta lá se come em lugar de pão é farinha-de-pau.
de Pero Vaz de Caminha (escrivão da expedição Esta se faz da raiz de uma planta que se chama
de Cabral), datada de 24 de abril de 1500. Nela, mandioca, a qual é como inhame” (CASCUDO,
encontramos o primeiro depoimento sobre 2004, p. 77).
a alimentação na Terra de Vera Cruz (apud Em relação à mandioca – Manihot esculenta,
CASCUDO, 2004, p. 74-75): esse alimento fantástico, milenar, que até hoje

Dizem que, em cada casa, se recolhiam se faz base da alimentação brasileira, podemos
de trinta a quarenta pessoas, e que assim classificá-la, de forma genérica, em doces e
os achavam; e que lhes davam de comer amargas. As doces, consideradas não venenosas,
daquela vianda, que eles tinham, a saber,
são conhecidas por nomes diferentes, conforme
muito inhame e outras sementes, que na
terra há e eles comem. a região do Brasil – macaxeiras, no Norte, ou

[...] Aipim, no Rio de Janeiro –, podem ser consu-


midas cozidas, em forma de apetitosas farinhas
Eles não lavram, nem criam. Não há
aqui boi e nem vaca, nem cabra, nem brancas e, também, em variados bolos. Já as
ovelha, nem galinha, nem qualquer amargas, bravas ou venenosas, apesar de muito
outra alimária, que costumada seja ao ricas em amido, são chamadas assim porque
viver dos homens. Nem comem senão
contêm o mortal ácido cianídrico e, por isso,
dessa inhame, que aqui há muito, e dessa
semente e frutos, que a terra e as árvores necessitam de “preparo” antes do consumo.
de si lançam. Agora, imagine você a sabedoria do ameraba,
pois há uma ciência por trás dessa cultura da
Sabe-se indiscutivelmente, pelos estudos, que mandioca, para distingui-las e retirar delas uma
esse alimento, chamado pelos portugueses de infinidade de subprodutos.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 15
Cozinha Brasileira de Raiz

A mandioca era e será, por muitos séculos, a consumido em ocasiões de comensalidade,


comida base do brasileiro. Com os índios, os sendo considerado comida de ritos. O beiju,
portugueses irão aprender a beneficiar essa raiz conhecido como farinha de guerra, que era
preciosa e irão se render ao seu paladar, o que seco e grosso, resistia às viagens dos índios e,
os levou a melhorarem as casas de farinha, com mais tarde, foi companheiro das longas viagens
máquinas e equipamentos. Essa será a comida de de navio entre as terras brasileiras e Portugal
sustância, que “enche o bucho”, que suportará as (CASCUDO, 2004, p.91).
longas viagens, seja em terras tupiniquins, seja A mandioca brava, depois de ralada, é es-
em terras portuguesas, seja em viagens ao conti- premida em um utensílio chamado tipiti, que
nente Africano, as quais buscavam a mão de obra deixa a massa da mandioca quase seca ao ser
escrava. Os pães portugueses, seus biscoitos e prensada nesse cilindro de palha. O líquido
carnes não suportarão as viagens delongadas. venenoso extraído do tipiti, fermentado ao
A história conta que, quando o escravo era ad- sol e fervido longamente, é a manicuera ou
quirido, logo que embarcado no navio negreiro, tucupi, usado em caldos e bebidas, como o
recebia um kit de sobrevivência, chamado de ca- caxiri. Esse caldo precioso irá acompanhar
rapetal, que era feito de desde carnes (peixes, caças) até raízes e frutas,
um punhado de milho sendo também a base do tacacá dos dias
e um punhado maior atuais. De sua primeira decantação extrai-se
de farinha. um amido, conhecido como goma fresca ou
Dos subprodutos polvilho, que irá dar saborosas tapioquinhas
da mandioca, des- e as farinhas de tapioca para os mingaus. Essa
tacam-se as fari- massa prensada, quando seca em forno, dá
nhas e os beijus. origem às infinitas farinhas e aos beijus, ou
O primeiro item seja, o polvilho vem da goma da primeira água
era companheiro da decantação e o beiju, da mesma massa da
irremediável de tudo o farinha de mandioca. É da mandioca brava
que se comia, fosse nos que se faz a maioria dos subprodutos da ali-
dias comuns ou nos mentação indígena, como farinhas, féculas
de festas. A farinha e bebidas.
sempre foi um condu- Outro ingrediente basilar importantíssimo
to principal. Já o beiju, é o peixe, sendo cozido ou assado. Como bem
além de comida de matolagem, era ilustra Leal (1998, p.67):
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 17

Os peixes eram um dos alimentos favo- já comentamos acima). O moquém era uma
ritos dos indígenas, sendo cozidos ou trempe, ou grelha, na qual o índio podia assar
assados. Quando assados inteiros, quase
suas carnes e evitar que elas apodrecessem.
sempre não eram esvaziados e nem es-
camados antes. Também se fabricava a Dessa forma, pode-se afirmar que o moquém
farinha de peixe, que era mais farnel para era muito mais que um utensílio doméstico, ele
viagens ou caçada que alimento habitual. auxiliava na conservação da carne, uma vez que,
ao submetê-la ao fumeiro, diminuía-se a sua
Claro que temos que considerar a disponibili- umidade. E a yapuna, que era uma vasilha de
dade dos alimentos segundo a geografia. Logo, barro, chamada de forno, usada para cozer a fa-
quando da ausência desse peixe, a fonte proteica rinha. Outro equipamento importante era o bia-
era suprida pelas carnes de caça (caititus, porco ribi, que era um forno subterrâneo. Já o forno,
do mato, macaco, anta, lagarto etc.), ou também o tradicional que conhecemos, só apareceu no
por outro ingrediente, que nos dias atuais tem Brasil em razão da colonização portuguesa.
ganhado grande destaque na alta gastronomia
brasileira contemporânea, que são os insetos
(cupins, tanajuras cruas ou cozidas, com farinha
ou paçoca, besouros e o tapuro, esse último tão
saboroso, conhecido como larva de pau podre).
Outro ponto a ser mencionado é que,
quando falamos de um alimento assado, pre-
sumimos de imediato que nossos índios já
tinham a sua disposição equipamentos sofisti-
cados, em sua simplória cozinha do século XVI.
Entendemos, também, que havia um paladar
que manifestava a preferência por um sabor: o
gosto por alimentos assados e cozidos. Como
bem diz a nossa cultura popular, confirmando
o senso comum para essa preferência: “Comida
quente é a que sustenta gente”.
A cozinha indígena era enriquecida pelo
uso de alguns equipamentos, conhecidos como
moquém, yapuna, biaribi e tipiti (esse último,
Cozinha Brasileira de Raiz

Esses equipamentos irão fornecer alimentos im- demandando colheres para a sua apreciação. Já
portantíssimos para a dieta indígena. O moquém o uso do milho é influência dos índios america-
é utensílio de sobrevivência, para tostar e fumar nos, o que irá resultar nos angus. Essa cultura
o peixe, sendo usado quando misturavam esse se espalhou pela região nordeste, centro-oeste
importante ingrediente (peixe) na farinha de e sul do Brasil.
mandioca, com seu ionquet (sal e pimenta) ten- Há de se ressaltar que eles também plan-
do-se assim, a piracuí. Cascudo (2004) conta tavam e comiam abóbora, feijão, fava, cará e
que a carne moqueada nunca era consumida amendoim, sendo esse último muito aprecia-
de imediato, pois era comida de matolagem, de do. As frutas não eram plantadas, apenas co-
sobrevivência. Com a yapuna, farinhas eram lhidas, como exemplo de frutas consumidas
torradas e os beijus eram moldados. A partir pelos índios podem ser citadas: as pacovas, o
do tipiti, temos a manicueira ou tucupi, que é abacaxi, a goiaba, o maracujá, o caju, o mamão,
a base do tacacá e do cauim, esse último parte dentre tantas outras que a farta terra dava. Com
das bebidas inebriantes. Em relação ao biaribi, a pacova ou banana da terra, sempre cozida ou
tem-se que ressaltar que, a partir dele, teremos assada, eram feitos mingaus, caldos e bebidas.
comidas saborosas, feitas assadas em sua cavi- Mais tarde, com o açúcar do engenho, iremos
dade, como completa Cascudo (2004, p. 88): ter as bebidas adoçadas e os doces das frutas.
E como os índios comiam essas comidas?
De assar a caça e a pesca diretamente nas
labaredas passa-se ao calor das brasas, o Qual o tempero das cunhãs (índias cozinheiras)
moquém ou o espeto fincado a distância, que conquistaram também a cozinha portugue-
além do uso das panelas que fazem o sa? Sabemos que o índio sempre apreciou as
serviço sem vigilância especial. Havia
pimentas, das mais ardidas às mais doces, puras
ainda o processo do forno subterrâneo.
Conseguem dar ao alimento uma con- ou acompanhadas. Temos, também, que deixar
centração substancial, e quando retirado claro que o hábito de temperar a comida antes
oportunamente, um sabor inesquecível. de prepará-la é influência do homem branco,
pois o índio sempre temperou seus manjares na
Outra iguaria feita pelos índios é o pirão es- boca. Para tanto, utilizava sal, que era extraído
caldado, feito a partir da farinha de mandioca, das margens dos rios, das águas represadas ou
esse sim comido só aqui nas nossas terras. Já o de algumas plantas. Assim, o sal e a pimenta
pirão cozido que demanda um avanço na técni- eram pilados, dando origem a uma pasta cha-
ca, utensílios e equipamentos, pode já ser uma mada de ionquet. Então, o consumo, que para
influência das açordas portuguesas e suas papas, nós pode parecer um ritual, se dava da seguinte
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 19

forma: colocava-se um punhado de carne na cacau, as de diversas raízes, os sucos de frutas,


boca, em seguida, juntava-se um bocado de que são heranças dos portugueses. As bebidas
ionquet e pronto, os sabores se completavam. fermentadas pela saliva, a partir da mastiga-
Realmente, é uma experiência que vale a pena ção das mulheres mais velhas, tinham o seu
fazermos. uso relacionado ao sobrenatural, assim como
Um precioso ingrediente aromático era o tudo o que o índio faz o tem. Esse sobrenatural
nhambi, erva que lembra o coentro, que era estará ligado à aproximação com os seus deuses,
consumido pelos indígenas e mestiços tanto motivo pelo qual eles ingeriam essas bebidas
cru quanto somente para temperar. Segundo nos seus rituais, dentre elas a caxiri e o cauim.
o Dicionário Informal (NHAMBI..., online), A primeira era feita a partir da fermentação da
“Nhambi é uma palavra indígena que define mandioca e a segunda, a partir da fermentação
planta que os indígenas comiam crua, ou usada do milho. Já o xibe consistia em uma mistura
como tempero em outros pratos. Também cha- de farinha de mandioca com água, apreciada até
mada de coentro-do-pará ou coentro-do-cabo- hoje pelos ribeirinhos, o papa xibé.
clo”. O uso do nhambi veio do contato da cunhã Da farinha carimã ou da puba, teremos os
(cozinheira indígena) com a mulher portuguesa, beijus, que poderão ser feitos de formas variadas
que já usava o coentro (Coriandrum sativum) e condimentados. Nesse particular, vamos citar
trazido pelos portugueses. mais uma vez Cascudo (2004):
E, para finalizarmos, não havia, segundo
Beiju-açu o maior destinado a fazer
os estudiosos, indícios de temperos na panela caxiri; beiju-caua, achatado e largo como
da cunhã. O uso de condimentos importan- ninho de abelhas; beiju-cica, seco ao sol,
tes, quando ocorre, será sempre após a cocção. quebradiço, atraente, e às vezes de goma
de macaxeira (aipim): curandá com cas-
Esses temperos indispensáveis serão a pimenta,
tanhas-do-pará, piladas, beiju membeca,
o ionquet e o nhambi, ingredientes indispensá- mole podendo conter leite de castanhas,
veis dessa cozinha. Da maniva, ainda usavam a requinte posterior, variedade local da
tapioca de coco nortista; beiju peteca,
folha, para preparar um tipo de guisado de várias
grosso batido, espesso, grumo áspero,
coisas, o que dará origem à maniçoba, prato dos mata fome porque deve ser mastigado
dias atuais da cozinha da região norte. com vagar, biju-quira, com pedaços ou
A respeito das bebidas, poderíamos abrir sumo da fruta; beiju-ticanga, seco de
farinha puba, levemente amargo, beiju
uma unidade só para falar delas, pois são va-
toteca, meio queimado, dando bebida
riados os tipos de bebida consumidos pelos e o beiju turua, de tapioca delgado
índios: os caxiris, os cauins, a jacuba ou xibé, o (CASCUDO, 2004, p. 99).
Cozinha Brasileira de Raiz

Como podemos observar, o índio nos deixou


essa herança da farinha de mandioca, esse
patrimônio que dominará o paladar do portu-
guês europeu, fazendo-o ampliar seu plantio
em roças e melhorar as tecnologias usadas. O
português melhorará as casas de farinha e irá
viajar em busca de novas riquezas terra adentro,
com os movimentos das entradas e das ban-
deiras, nessas ocasiões, os viajantes desbrava-
dores sempre deixavam uma roça pronta para
a próxima expedição: a mandioca é quem irá
sustentar o viajante.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 21
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 23

A Cozinha do
Brasil Colonial

Abordaremos, neste tópico, a cozinha do Brasil Colonial, a qual foi


marcada pela chegada da coroa portuguesa que estava determina-
da a colonizar essas terras, com o objetivo de explorar e habitar a
Colônia, que sofria, em função da dimensão territorial, ataques
dos holandeses, ingleses, franceses (que ficaram fora do Tratado
de Tordesilhas) e de piratas.
Mas como era a cozinha de Portugal desse tempo? O que
fazia parte de suas mesas? Durante séculos, Portugal ficou sob
o domínio dos mouros, o que influenciou de forma significativa
a sua cozinha. Na obra Livro de Cozinha da Infanta Dona Maria,
do início do século XVI, encontraremos inúmeras receitas com
tal influência, como as de doces, a pastelaria, uso de especiarias
etc. Economicamente, pelo pioneirismo na expansão marítima,
Portugal desenvolveu uma burguesia abastada, consumidora de
uma culinária requintada apreciada em toda Europa. Os campo-
neses, por outro lado, terão em suas mesas as sopas engrossadas
(sempre com um cereal), os grãos (como as favas) e as carnes
secas e defumadas.
Cozinha Brasileira de Raiz

Esse período no Brasil é marcado pela ex- Como o açúcar era uma iguaria e custava
ploração da cana-de-açúcar, pelo desenvol- caro, um luxo permitido só aos abona-
dos, isto é, a nobreza e o clero. Mesmo
vimento dos engenhos e pela exploração do
por estes, o açúcar era usado com mo-
trabalho escravo. Como comenta Carneiro deração e guardado em arcas especiais,
(2003, p.157): fechadas a sete chaves. Raro e caro, o
açúcar também era vendido por boti-
Durante toda a Colônia, a expansão da cários, pois consideravam que curavam
civilização do açúcar, da sacarocracia, dores de cabeça e melancolias.
marcou não só a economia, como hábi-
tos alimentares brasileiros. Rapadura, A cana-de-açúcar chegará ao Brasil com as expedi-
garapa. Aluás e captés (bebidas fermen-
tadas de milho). Doces de frutas, cujas
ções portuguesas, sendo plantadas primeiramente
receitas, Gilberto Freire recolheu em seu em São Vicente e, mais tarde, em Pernambuco,
livro Açúcar [...]. onde irá se adaptar pelo clima úmido e solo rico
em massapé. A cana chegará a outras regiões, como
Em 1530, a Coroa Portuguesa, temendo perder Espírito Santo e Bahia, mas será em Pernambuco
as terras nacionais, organizou a 1ª expedição que essa cultura irá se aclimatizar.
com o objetivo de colonizar, essa foi comandada Para melhor organizar a Colônia, a Coroa
por Martin Afonso, com a missão de povoar divide o Brasil em Capitanias Hereditárias aos
o território, expulsar os invasores e iniciar o donatários, com a responsabilidade de prote-
cultivo da cana no Brasil. Inauguramos, então, ger, de povoar e produzir a cana-de-açúcar. Esse
o Ciclo da Cana-de-Açúcar, produto que tinha sistema fracassou em função da distância da
grande demanda na Europa, o que despertou metrópole e pela falta de recursos, mas 2 capi-
o interesse da Coroa Portuguesa, uma vez que tanias prosperaram: São Vicente e Pernambuco.
o território Brasileiro oferecia condições ideais A necessidade de intensificação da produção
de adaptabilidade, pelo seu clima e solo, prin- da cana-de-açúcar demonstrou a inadequação
cipalmente na região do nordeste. da mão de obra indígena para esse estágio da
Dessa maneira, as terras Brasileiras darão monocultura. Foi feita, então, a substituição do
lugar a um novo negócio lucrativo para os por- índio pelo negro africano, tal como nas colônias
tugueses, que será a cana-de-açúcar. Como afir- americanas, o que inaugurou o mercado escra-
mam Freixa e Chaves (2008, p. 63), vagista negreiro para a Colônia.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 25

Portugal estabelece, então, o Governo Geral, famílias e se instalavam, assim nascia o povo do
sendo uma forma de centralizar o controle da Brasil, que terá ascendência de índios, portugue-
Colônia. O primeiro Governador Geral foi Tomé ses e africanos. Dessa maneira, a sociedade foi
de Souza. Nesse momento, os proprietários de se organizando de forma estratificada, sendo
terras, dentro das capitanias, clamavam por que no topo estavam os Senhores de Engenho,
participação política. Desenvolveram-se, assim, detentores de poderes políticos, no meio, alguns
Câmaras Municipais dentro da Colônia, que trabalhadores livres e funcionários públicos e, na
eram órgãos políticos dos quais participavam os base, os escravos de origem africana e os índios.
Senhores de Engenho, proprietários de terras. A chamada economia colonial estava então
Os escravos iam desembarcando dos navios baseada no plantation, cujas características são
negreiros, os portugueses entravam com suas a existência de Senhores de Engenho (Grandes
Cozinha Brasileira de Raiz

Latifúndios), monocultura da cana-de-açúcar, independentemente de onde vinham, todas


mão de obra escrava e comercialização apenas eram cozinheiras natas, que irão conquistar a
com a Coroa, constituindo-se, assim, o Pacto Sinhá (Senhora do Engenho). Vale lembrar que
Colonial. o negro não tinha a esperança de retorno ao seu
O comércio do açúcar, por ter grande valor país de origem, o que lhe conferia uma melhor
no mercado Europeu, logo fará que a vida e, adaptação e domesticação do que o indígena.
consequentemente, a cozinha desse período se Essa trágica característica será explorada pelos
desenvolvam em torno do engenho de açúcar, Senhores da época seja na cozinha, seja na cama,
onde a maioria das pessoas morará. O engenho, seja na senzala.
além do local para a extração do açúcar, possuía A Sinhá (mulher portuguesa) impõe e
a Casa Grande do Senhor do Engenho para sua adapta (mais adapta) os hábitos de uma co-
família e escravos, a Igreja e a Senzala. zinha europeia às restrições da colônia, uma
A cozinheira indígena (cunhã) será substi- verdadeira cozinha de subsistência focada no
tuída aos poucos pela escrava negra (nhá-bas), comer sozinho ou em pequenos grupos sem
que trazia em sua experiência uma culinária os requintes da comensalidade de além mar.
mais elaborada com técnicas e temperos, mas,
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 27

[...] Trata-se de uma comida retirada de um modo de produção de subsistência, ajus-


tada ao meio, ao mesmo tempo em que adaptada a um paladar mais úmido, como era
o português, acostumado às comidas cozidas e com caldo. Uma comida sem requinte,
nem cerimônia, nem ritual, feita para se comer sozinho ou em grupos formados pelo
acaso. Um cardápio ordinário e comum, composto por farinha de milho de mandioca,
de peixe um pedaço de carne seca e a mistura toda molhada pelo caldo de feijão, das
favas ou verduras, constituindo um tripé culinário do Brasil colonial (SILVA, 2005 p. 23).

A família portuguesa ou o português que aqui che- Segundo Romio (2000, p. 37-38),
gava nesse período trazia tudo que mais apreciava O cardápio nacional se ampliava. E se
de sua terra de origem na tentativa de recriar o ampliaria muito mais com a instituição
ambiente familiar, principalmente no tocante à das capitanias hereditárias. A partir daí,
começaram a chegar ao país os primeiros
comida. Cascudo (2004, p. 237) completa:
rebanhos de gado de leite e corte, vindos
Quem diz do viajante é a bagagem que das Ilhas de Cabo Verde. Estava-se no ano
leva. Instalando-se definitivamente para de 1534, e o gado era enviado pela mulher
ficar no Brasil, o Português recriou o am- de Martim Afonso, primeiro para a capita-
biente familiar, cercando-se dos recur- nia de São Vicente, da qual era donatário,
sos de curral, quintal e horta, desejando e depois para a Bahia. [...]. De lá o gado
quando possível prolongar o tratamento subiu para o nordeste, especialmente para
em que se habituara, secularmente. Pernambuco, Piauí e Maranhão, depois
descendo para Minas Gerais, Goiás e
Mato Grosso. O gado de Santa Catarina e
O português trará, dessa maneira, para a Colônia Rio Grande do Sul entrou pelo país vindo
seus animais (ovelhas, cabritos, bois, vacas, ga- da região do rio da Prata, trazido pelos
jesuítas e pelos índios catequisados. Com
linhas, patos, gansos) e plantará suas frutas
esses rebanhos, apareceriam também no
variadas, legumes, hortas com suas hortaliças, país as primeiras, caseiras e rudimentares
cereais. Trará, também, sua cultura, costumes produtoras de queijo.
e religião, bem como suas festas, como a de São
João, Natal, Carnaval e a Quaresma, com suas co- Assim, nasceu a cozinha da Casa Grande, a
midas e danças. Das frutas, trará a laranja, o limão, partir das receitas de família, guardadas em
a lima, o melão, as tâmaras e os figos. Dentre os segredo e ensinadas para a cozinheira escrava.
cereais, o arroz. E mais, nabos, abóboras, gengi- A mulher portuguesa ensinará comportamen-
bre, mostarda etc. Suas ervas – salsa, cominho, tos de boa conduta e rituais de comensalida-
cebolinha, manjericão, alfavaca – e hortaliças, de. Introduzirá também na cozinha o fogão e
como agrião, espinafre, couve etc. forno, bem como panelas de fundição trazidas
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da Europa. Ela adaptará os ingredientes, valo- hábitos alimentares: “E com ele nascia a cozinha
rizando o que se encontrava aqui, por exemplo, brasileira, resultado de uma primeira integração
a farinha de trigo raramente será de trigo, mas da culinária portuguesa com a indígena, que
de mandioca, a qual, das mãos da portuguesa, depois foi mesclada à cozinha africana, mas
resultará em bolos de carimã e seus mingaus, tendo um forte domínio do colonizador sobre
que serão adoçados com mel ou açúcar do en- os demais” (LEAL, 2005, p.70).
genho, e beijus mais finos para molhar no leite. No decorrer do século, implantou-se a divi-
São exemplos das produções da cozinha dessa são entre cozinha suja e limpa. Até então, a cozi-
época os bolos de milho, as canjicas, os pudins. nha era uma parte suja da casa, de terra batida
Todas essas alterações sociais vão trazer com três ou quatro pedras, que acomodavam
para a cozinha influências de diversas cultu- o fogo. A cozinha suja era destinada ao trato
ras, revelando técnicas, ingredientes, saberes primário dos ingredientes, tais como limpeza
e sabores, dessa forma, a cozinha, fruto dessa (entranhas, pele, gordura de animais), retirada
sociedade que se constitui, não será totalmen- de cascas, secagem, corte, escaldagem e fervura,
te portuguesa nem indígena, nem africana na e feitura de doces; na limpa, as refeições eram
maneira de preparar os alimentos. Leal (2005) finalizadas.
acrescenta a importância do colonizador nos Outro produto que mereceria uma unidade à
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 29

parte, pela sua importância cultural para nossa ou de milho.


sociedade, é a cachaça, que nascerá no engenho c. As amêndoas e pinhões serão substitu-
de açúcar. Essa bebida, que tanto alegrava o ídas pela castanha de caju e amendoim.
trabalhador escravo, foi discriminada por sécu- d. A doçaria de frutas, como as “adas”,
los por ser bebida de gente desfavorecida. Ela goiabada, bananada, mangada, dentre
era barata e de embriaguez imediata. Cascudo tantas outras.
(2004), em seu Prelúdio da Cachaça, faz a se- e. Substituição dos embutidos portugueses
guinte afirmação: pelas carnes secas.

A cachaça foi a revelação gostosa e f. Criação das bebidas de frutas: refrescos,


catastrófica para negros africanos vinhos, licores, todos adoçados.
e amerabas brasileiros. Dissolvente g. Desenvolvem-se a cozinha suja e a co-
dinástico, dispersador étnico, per-
zinha limpa.
turbador cultural. Graças ao álcool o
mercado africano exportador da es- h. Os cozidos portugueses são adaptados
cravaria prolongou-se, resistindo às para os ingredientes locais, tais como os
repressões, superando os obstáculos
guisados de bredos.
(CASCUDO, 2004, p. 43).
i. O paladar da doçaria, que é até hoje uma
O homem português, entre tantas contribui- característica brasileira.
ções, deixará duas importantíssimas para a co- j. Sobremesas portuguesas: bolos, pão de
zinha brasileira, no tocante ao desenvolvimento ló, folheados, babas de moça, fios de
do paladar: o sabor do sal e o sabor do açúcar. ovos, cremes e manjares.
Vimos que o índio usava o sal com moderação
e conhecia o doce apenas das próprias frutas e
do mel. O sal ainda terá restrição no seu uso,
influência talvez do ameraba, mas o açúcar, esse
sim, irá conquistar a todos.
Em resumo, são heranças portuguesas:
a. Equipamentos como o fogão e o forno a
Na disciplina de Cozinha Internacional,
lenha foram adaptados em função da au- você complementará seus estudos sobre
sência/escassez da fundição do ferro, sendo a cozinha portuguesa e todas as suas ca-
uma evolução para a cozinha indígena. racterísticas principais. Imperdivel!

b. A farinha quase nunca é de trigo, sendo


substituída pela farinha de mandioca
Cozinha Brasileira de Raiz

D
urante o tempo do negro escravo de comida que recebiam. Chamaram-no de
no Brasil, ocuparam eles tarefas nos massapê pela semelhança da cor arroxeada
engenhos, nas lavouras de cana, nas do barro massapê. Como cantavam em suas
minas de ouro e, mais tarde, nos cafe- rodas, podemos ver:
zais. Foram aproveitados também como escra- Se for pirão de água pura,
vos domésticos, nas dependências das fazendas, Não me chame para comê;
principalmente nas cozinhas, e como escravos Que eu morro e não me acostumo
Com esse tal de massapê;
urbanos. As mucamas eram amas de leite das
Eu não sou negro d’Angola
crianças das sinhás. Como atesta Gilberto Freyre Que engole tudo o que vê
(2005 p. 592), em Casa Grande Senzala, “Eram (RECINE; RADAELLI, online).
elas que amamentavam as crianças brancas,
as ninavam, preparavam a comida e o banho Essa era a base da alimentação dos escravos,
morno e contavam histórias”. com exceção do escravo da casa grande que tra-
Do milho, os negros faziam o angu de balhava na cozinha, as doceiras, as copeiras, as
fubá, o mungunzá, adoçado com mel ou com amas de leite, que tinham uma comida privile-
rapadura. O pirão de farinha de mandioca era giada, pois consumiam os restos das refeições
outra constante, foi desenvolvido um pirão do senhor.
escaldado especial, que era consumido com Como bem acrescenta Cascudo, nesse sen-
malagueta para fazer render a pequena porção tido (2004, p. 202-203):

Para o norte, a farinha de mandioca garantia o pirão, indispensável, diário, sinôni-


mo do próprio alimento geral. Pelo interior da Bahia, para o centro e sul do Brasil,
estendia a geografia do milho. A farinha de mandioca não era ignorada e nem
ausente no Sul e Centro, tal e qual o milho ocorria no Norte e Nordeste, mas sem
predominância do primeiro elemento, característicos dos repastos [...]. Já no Rio
de Janeiro a farinha de mandioca figurava inevitavelmente na comida do escravo,
ao lado do feijão-negro [...]. A alimentação do negro numa propriedade abastada
compõe-se de canjica, feijão-negro, toucinho, carne seca, laranjas e bananas. [...]
Angu de milho, toucinho, alguma carne semanal era o regime do escravo em Minas
Gerais, Mato Grosso e Goiás.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 31

Os escravos negros trouxeram para a colônia passavam, deixavam plantadas raízes, abóboras,
o quiabo, a vinagreira, o inhame, o hibisco, o milho e feijão.
gengibre, o gergelim, dentre outros. Ensinaram Comida era pouco farta, mas sempre de
ao brasileiro o consumo da galinha-d’Angola, sustância, em que a rapadura era uma cons-
que contribuirá para o cardápio nacional. tante juntamente com a farinha de milho ou de
Com o declínio dos negócios da cana na mandioca, o toucinho, o feijão e as frutas que
Europa, a Coroa e os proprietários do latifúndio encontravam pelo caminho. Seu café da manhã
açucareiro passarão a ter a necessidade de procu- era composto pela jacuba, pirão apreciado nesses
rar novas riquezas no Brasil. Para tanto, surgirão tempos, conforme podemos imaginar na descri-
movimentos financiados pela Coroa e pelos pro- ção de Freixa e Chaves (2012 p. 185): “O café da
prietários de terra: as Entradas e as Bandeiras, manhã habitual dos bandeirantes era um prato
que terão o intuito de buscar novas riquezas, chamado jacuba, espécie de pirão feito com fari-
aprisionar índios e negros rebeldes fugitivos. nha de milho socada, sobre a qual se derramava
As entradas e as bandeiras serão respon- água fervente, adoçada com rapadura”.
sáveis pela ampliação do território além do A corrida pelo ouro trará aventureiros de
Tratado de Tordesilhas. Serão os Bandeirantes todo o Brasil e gente ainda de Portugal, o que
que encontrarão as primeiras jazidas de ouro promoverá um rápido desenvolvimento da
na região das Minas Gerais, o que inauguraria, região das Minas Gerais em diversas dimensões:
no final do século XVIII, no Brasil Colonial, o urbana, cultural, econômica e social (geração de
Ciclo do Ouro. novos empregos). Isso implicará, inclusive, a
Guiados pelos bugres (índios escravizados), mudança da capital da colônia para a região su-
os Bandeirantes adentravam a mata abrindo deste, ou seja, de Salvador para o Rio de Janeiro.
caminhos e estradas. Na sua matolagem, leva- Por outro lado, essa superpopulação causará
vam mantimentos, como a farinha de pau ou de um desabastecimento da região mineira, em
guerra, que era torrada em tachos de barro. Para relação a produtos básicos, tais como alimentos
cozinhar, usavam uma trempe ou montavam e vestuário.
um fogareiro com pedras e ali aqueciam seus Os viajantes ou tropeiros terão uma grande
caldeirões. A falta de comida seria suprida pelas importância nesse período, uma vez que serão
roças de subsistência, uma vez que, por onde eles que abastecerão as regiões mineradoras com
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animais de carga e mantimentos. Esses animais Uma forma de enfrentar a dificuldade de


vinham do Rio Grande do Sul, mais especifica- abastecimento foi o desenvolvimento das roças
mente dos Pampas, em direção a São Paulo, onde caseiras, que cultivarão a comida de todos os
os viajantes se abasteciam de mantimentos para dias: a couve, o milho, o feijão, a mandioca e
seguirem à região mineradora. As farinhas de alguns animais, como a galinha e o porco. Já
milho e mandioca, o charque, o toucinho, a ra- a carne de boi virá mais tarde apenas, com o
padura e o feijão não podiam faltar. declínio da mineração. Assim, teremos nesse
No que diz respeito a sua comida, ela se período o desenvolvimento da cozinha caipira,
assemelhava à do bandeirante, com pequenas de fundo de quintal, resultado da escassez de
diferenciações, uma vez que também era comida produtos e da carestia dos insumos na região
de matolagem. Usavam com maior frequência a das Minas Gerais. Assim, a comida de viagem
carne de porco, deste era aproveitado quase tudo: se mistura com a comida de fundo de quintal,
eram salgados as orelhas, o rabo e os pés, e a banha com suas farinhas, paçocas de carne, os farnéis,
era usada para conservar as outras partes. a carne seca, a comida de tropeiro e as roças.

Em nossas aulas conceituais, aprende-


remos a manipular, utilizar e cozinhar da
melhor maneira muitos dos ingredientes
típicos da cozinha brasileira estudados
nesta unidade. Pratique bastante!
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 33

E que tal, para nosso almoço de hoje, uma receita da obra Livro de Cozinha da Infanta
Dona Maria, do início do século XVI?

Receita de Galinha Mourisca


Tomareis uma galinha crua e fá-la-eis em pedaços. Então metê-la-eis numa panela e
tomareis uma cebola e salsa, coentro e hortelã, tudo verde, e segá-lo-eis como para
salada, e com duas colheres de manteiga e uma talhada de toucinho tamanho como
meio ovo, e isto tudo dentro da panela com a galinha e com tudo bem afogada. E dês
que for afogada, deitar-lhe-ão água, quanta bastar para se cozer a galinha, porque
lhe não hão-de tornar a deitar mais água. E dês que for acerca cozida, deitar-lhe-ão os
adubos e deitar-lhe-ão sumo de limões. E depois que for muito bem cozida tomareis
um pão e fatiá-lo-eis num prato, e deitareis a galinha em cima, e por cima da galinha
poreis umas gemas escalfados, e por cima canela pisada.

Fonte: Convidei... (2012, online).


Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 35

Cozinha do Brasil:
Monarquia e Império

O presente período, o Brasil Imperial, apresenta uma cozinha ca-


racterizada pela vinda da família real para o Brasil. Só para refrescar
nossa memória, querido(a) aluno(a), Portugal, em janeiro de 1808,
estava em via de ser invadida pelas Tropas Napoleônicas francesas.
O príncipe regente D. João, sem condições de enfrentar Napoleão,
foge com a corte para o Brasil Colônia.
A vinda da família real trouxe para a Colônia o status de Reino
Unido de Algarves. Com a família real, vieram assessores, funcio-
nários, criados, pessoas influentes na corte. Trouxeram, também,
muitos objetos de valor, obras de arte, dinheiro, documentos, livros
e tudo aquilo que puderam trazer.
E o que você acha que comia o povo brasileiro nesse período?
Bom, segundo estudiosos, de maneira geral, o que se comia de
carne, por exemplo, o que era mais comum nas casas da maioria,
era a carne de porco, já a de vaca, era uma preciosidade, reservada
para os dias de festa. E temperavam suas comidas usando gengibre,
pimenta, alho, azeite e gordura.
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A Europa desse período já era uma grande mereço, se perco preciso”. A mesa francesa tinha,
consumidora da boa mesa e do bem receber, para ele, um sentido de diplomacia, pois era em
já havia, na França e na Itália, a profusão de torno dela que grandes decisões políticas eram
restaurantes e casas de chá e café; o serviço im- tomadas. Assim, é nesse contexto vivido pela
pecável à la russe, que substitui o à la française; Europa que chega a Coroa portuguesa ao Brasil.
as louças vindas da Inglaterra ou China; os ma- Dessa maneira, a corte portuguesa que aqui
nuais da cozinha burguesa; Carême, com seus chegou já conhecia alimentos mais sofisticados
molhos e sua confeitaria. Napoleão, apesar de e variados, pratos elaborados e, apesar de pro-
não ser um grande gourmet, apreciava um bom vinciana aos olhos do restante da Europa, já
champanhe, ao ponto de dizer em relação a essa consumia a boa mesa, como nos orienta a autora
bebida uma frase que não me esqueço: “se ganho Romio (2000, p. 109):

Assim da cozinha imperial que desembarcou no Brasil, faziam parte preparos diver-
sos de todo o tipo de carne – de vaca, de vitela, de carneiro, de porco, veado, coelho,
galinha, frango, peru, pato, pombo perdiz, codorna. Do que vivia na água do mar e
dos rios, a variedade era igualmente grande, com receita a base de peixes como dou-
rados ou pagos, além de pescadas, anchovas, bacalhaus, arraias, lagostas, camarões,
ostras, lampreias, mexilhões. Os molhos salgados eram muitos, verduras e legumes
costumavam ser empregados mais em refogados e sopas, mas as saladas, já eram
apreciadas, enquanto as massas apareciam em tortas e empadões, em biscoitos e
pães, e os doces uma tradição definitiva, haviam ganho o requinte na corte.

D. João, assim que chegou, tomou duas decisões tinha interesses comerciais (mais tarde, passará
importantíssimas para a economia brasileira: a a dominar o comércio com o Brasil).
Abertura dos Portos às Nações Amigas e o fim do Entre ações importantes, destacamos: a cons-
decreto que proibia a abertura de indústrias no trução de estradas, a melhoria dos portos, a
território nacional. A Abertura dos Portos veio a entrada do chá, a volta do desenvolvimento
beneficiar, em particular, a Inglaterra, que havia agrícola, bem como a instituição de ministérios,
escoltado Portugal até a Colônia, uma vez que como o da Marinha, o de Guerra e o da Fazenda.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 37
Cozinha Brasileira de Raiz

Foram estabelecidos órgãos para o andamento Mas o povo comum continuará a ter uma
do governo, como: o Banco do Brasil, a Casa alimentação escassa
da Moeda, a Junta de Comércio e o Supremo Os alimentos disponíveis no mercado
Tribunal. Tiveram investimento também as também deixavam a desejar. A carne de
áreas educacionais e culturais, nesse sentido, boi era muito ruim, em razão da longa dis-
tância entre os centros produtores e a nova
podemos mencionar a vinda da Missão Cultural sede do Reino. Transportado a pé, o gado
Francesa, em 1816, que veio ajudar a fundar a chegava magro e cansado sendo abatido
Escola de Belas Artes. Ainda, tivemos as Escolas antes que pudesse se recuperar. A variedade
de peixes frescos posta à venda era peque-
de Ciências, a Escola de Medicina e Cirurgia, na [...] o leite e manteiga, toda importada,
dentre tantas outras contribuições. eram intragáveis (ZARVOS, 2000, p. 108).
Nesse período, os alimentos como leite,
carne e vegetais eram vendidos em feiras livres Os mais abastados da capital carioca, a maioria de
ou nas ruas pelos escravos (escravos de ganho) origem portuguesa, vão desenvolver uma cozinha
a mando de seus senhores. Eram vendidos que imitará a corte no uso de produtos importa-
também pelas escravas os quitutes, os pães de dos, adaptando-os aos pratos nacionais. A cozinha
ló, os quindins de iaiá, o acarajé, os sonhos etc. desse período será marcada por uma mistura dos
Passamos então a ter em nosso território costumes da capital cosmopolita e alguns requin-
a corte, com toda a sua pompa e glamour. Por tes internacionais. Como exemplo, temos o chá,
esse motivo, desenvolve-se no Rio de Janeiro que passa a ser instituído nessas casas:
toda uma estrutura de cidade, o que a tornou Logo após terem se haverem reunidos todos,
mais moderna e cosmopolita. Era possível as senhoras sentadas, juntas em círculo ce-
rimonioso e os homens em pé, geralmente
fazer passeios públicos pelas praças onde
em outras peças, começou a cerimonia de se
havia chafarizes, nessa perspectiva as ruas e tomar chá e foi dirigida mais lindamente do
estradas, a iluminação pública, a inauguração que na Inglaterra, os criados serviram em
torno chá, café e bolos em grandes salvas
do primeiro jornal, tudo isso foi construído
de prata. Mas todas sentamos e tomamos
para servir a corte. nossos alimentos a vontade, em vez de ficar-
Com a abertura dos portos, a corte e os mos em pé com as xicaras em nossas mãos
(ZERON; BRUNO, 2000, p. 64).
barões irão ter acesso aos produtos estrangei-
ros: chás, carnes embutidas, amêndoas, azeite, As recepções da corte, com suas mesas sempre
manteiga, dentre outros. Nas suas fartas mesas, fartas de boa comida e muita gente, eram ban-
não poderiam faltar os vinhos, champanhes e a quetes, ceias e jantares. Após as tradicionais
etiqueta europeia, com suas louças e talheres. sopas de presunto, engrossadas com pães, eram
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 39

degustados patos assados com vinho, empadões O serviço da mesa dessa monarquia era
de peixe, tortas de limão. composto por aproximadamente trinta pratos
D. João marcou nossa culinária, no sentido (imaginem como se lavava essa louça), todos
de ser um apaixonado por ela, e seus ingredientes, elaborados pela cozinha real, que era formada
principalmente as galinhas, que dizia ter sabor por cozinheiros reais vindos de Portugal e cozi-
inigualável. O rei as comia em grandes quanti- nheiras negras que conquistaram o paladar do
dades, em todas as refeições: “três no almoço, rei. Não podemos deixar de comentar que, além
três no jantar e três na ceia” (ZARVOS, 2000, p. do alto custo de sustentar toda essa corte, havia
111). Isso sem falar nos momentos de lazer, em um outro problema, que era o da disponibilidade
que a galinha também se fazia presente. Também de ingredientes, que eram raros na região.
não faltavam na corte a farinha de mandioca, a
carne seca, a pimenta e a banana. Eram aprecia-
dos igualmente o chouriço com arroz, a galinha
mourisca, o bacalhau e o pão de trigo, comum já
na Europa, mas desconhecido em nossas terras.
Em relação ao pão de trigo, esse que come-
mos em nosso café da manhã, com manteiga e
molhado em uma xícara de café, ele até então
era desconhecido do brasileiro, que só comia pão
de mandioca e milho. Em um primeiro momen-
to, ele era exclusivo da mesa real, mas é nesse
período que ele ganhará as ruas do Rio de Janeiro,
como nos esclarece Romio (2000, p.113):

Aos poucos, porém, a mania foi pegando,


e dos fornos reais o pão de trigo ganhou
as ruas, passando a ser conhecido como
pão francês, segundo se supõe, pela pre-
sença da missão francesa na cidade. Do
mesmo modo, outras receitas com so-
taque francês foram fazendo parte do
almoço e do jantar nacionais, entre as
quais as batatas preparadas de manei-
ras diversas, tendo caído no gosto da
maioria os purês.
Cozinha Brasileira de Raiz

Se, por um lado, a Corte esbanjava e o Brasil se O soberano era homem de costumes
vangloriava por ter deixado de ser Colônia, em simples à mesa. Comia pouco e de
forma simples no cotidiano. No café
Portugal, começavam as Revoluções pela volta
da manhã tinha como hábito comer
do rei. Em 1821, D. João volta para Portugal ovos e café com leite. Como contam
e deixa em seu lugar seu filho como Príncipe os estudiosos, ele gostava muito de
canja, que tanto podia ser prepara-
Regente. Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro
da ao modo tradicional, com galinha,
declara a Independência de nosso país e se quanto com a ave nativa do Brasil o
torna, na sequência, Imperador do Brasil. macuco. Até no intervalo das peças
Nosso imperador foi outra personalida- de teatro, um de seus passeios favo-
ritos, tinha o hábito de tomar a sua
de apaixonada pelo Brasil, desfrutou da boa
canja. [...] tomava água com açúcar
música, compondo, e da boa mesa. Como com- como refresco. Gostava também de
positor, compôs o nosso hino da independência, doces simples como o figo (FREIXA;
CHAVES, 2012, p. 200).
em sua mesa, havia preferência pela carne de
porco com toucinho da terra com arroz, que era
devorado após a sopa, simples, composta por Isso mesmo, caro(a) aluno(a), o imperador
caldo de carne e legumes. era fanático por canja (a tomava inclusive de
Após dez anos de governo e depois de ter ou- macuco) e, por dançar, era um pé de valsa, ou
torgado a nossa primeira Constituição, diante de melhor, de quadrilha, dá para acreditar? Há rela-
desgastes políticos, o imperador abdicou de seu tos de que ele chegava a dançar doze quadrilhas
trono, voltando para Portugal, deixando em seu em uma só noite. Gostava muito, também, de
lugar o filho, D. Pedro II. Nesse período, caro(a) pratos simples, como o pirão, sem sal e tempero,
aluno(a), temos que destacar a intensificação da que era apreciado pelas modestas casas, para
produção de café em nossos territórios e a fomen- acompanhar seus pratos em dias de festa, ou
tação da cultura (principalmente pelo perfil de como prato único do dia a dia.
D. Pedro II, que era muito estudado e viajado), Voltando a falar da mandioca, essa ainda
houve nessa época desenvolvimento de ferrovias será o principal ingrediente da mesa brasilei-
e de telégrafo, que contribuiu para o progresso e, ra, juntamente com o milho. A mandioca era
principalmente, para o fim da escravidão. plantada em todas as províncias nacionais,
Esse grande desenvolvimento da cultura sendo a sua farinha a principal substituta do
brasileira fez florescer a manifestação de escri- pão, que ainda era caro e raro. A esse respeito,
tores e pintores nacionais. D. Pedro II gostava podemos complementar com que diz Lima
de dançar e tinha hábitos simples à mesa: (1999, p. 69):
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 41

A casa do imigrante, normalmente possuía


uma cozinha fora do corpo principal, em
torno da qual tudo girava. Nesse compar-
timento, além da atividade óbvia de cozi-
nhar, faziam-se as refeições, praticava-se
a higiene diária, que consistia em lavar
pés, mãos e rosto, depois de um dia de
trabalho, e ainda reuniam-se as famílias
para rezar o terço, após o jantar. Era aí, que
no caso dos italianos, que se dava os filós,
reuniões com conhecidos e vizinhos, em
que se conversava, jogava, cantava e inicia-
vam os namoros. A cozinha era construída
fora da moradia, em função do temor de
incêndios, especialmente no caso dos ita-
lianos, que cozinhavam sobre o “fogolaro”,
um buraco na terra, feito no meio desse
compartimento, em cima do qual se colo-
cava a lenha a que ateavam fogo.

Fonte: Lima, (1999, p.122).


Cozinha Brasileira de Raiz

A farinha continuava a substituir com- Outro ponto importante é o desenvolvi-


pletamente o pão, era consumida pura, mento dos primeiros livros de cozinha, no ano
sem nenhum preparo, ou com qualquer
de 1840, teremos o primeiro livro escrito e pu-
substância, como carne, feijão, toici-
nho etc., em todas as refeições. Para blicado no Brasil, O Cozinheiro Imperial, que é
o estrangeiro, era algo estranho, ver um apanhado das receitas de R.C.M. Outra obra
na mesa alguém moldar com a ponta
de destaque que aparecerá anos mais tarde e
da faca, ou fazer pequenas bolas de
farinha, molhada, que depois, metia retratará também os costumes da corte será O
na boca. Cozinheiro Nacional. Ambos, apesar de seguirem
a estrutura portuguesa, com receitas lusas de
Mas a mesa imperial mantinha seu requinte influência francesa, não deixam de destacar a
por meio do modelo francês, inclusive com seus nossa cozinha, sendo um marco para a culinária
cozinheiros únicos e com o desenvolvimento brasileira: “Se O Cozinheiro Imperial quer suprir
de menus (aliás é nesse período em que essa a falta de um manual dos artistas da cozinha, O
palavra aparece no Brasil). Enfim, há um afran- Cozinheiro Nacional busca ser um manual de co-
cesamento de tudo. O luxo ainda era obrigatório, zinha nacionalista, cozinha em tudo Brasileira”
ferramenta de diferenciação das classes, o que (BRUIT, 2008, p. 28).
a corte sabia muito bem e a alta sociedade que E, por último, não posso deixar de falar do
se desenvolvia, também. Nas festas oferecidas café, afinal de contas, essa bebida caiu no gosto
ao imperador e à imperatriz, todo o protocolo do brasileiro, dessa época até os nossos dias. O
era cumprido, desde a sequência clássica de um café terá nesse período um grande desenvol-
menu até o aparato de sala e serviço, os quais vimento da sua produção, vindo a dominar a
eram todos de prata ou de ouro. produção mundial.
No tocante aos cozinheiros, temos algo Foi através do desenvolvimento dessa cultu-
muito importante, que é a figura do cozinhei- ra que grandes famílias prosperaram, formando
ro do imperador, que era quem comandava a os barões do café, como bem foi ilustrada a cul-
cozinha do palácio, nesse sentido, veremos pela tura popular brasileira na novela Sinhá Moça.
primeira vez no Brasil o destaque dessa pro- As fazendas cresceram e prosperaram, principal-
fissão. Aparece então nesse período o nome mente na região do oeste de São Paulo, abrindo
de R.C.M., que se manteve no anonimato pela estradas, preparando mão de obra, primeira-
importância do cargo (seria uma questão de mente, escrava, e posteriormente, imigrante.
sigilo e segredo de estado), afinal era ele quem A riqueza do café trouxe as estradas de ferro
preparava as comidas do imperador. e suas estações, bem como o porto de Santos
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 43

(onde se negociava o café, seu preço), por onde Em suas malas, trouxeram uma cozinha
chegavam os viajantes, os negociantes, as pesso- nova que irá se adaptar ao paladar do brasi-
as indo e vindo, as quais ora estavam a trabalho, leiro: suas macarronadas, seus molhos, a po-
ora em busca de entretenimento nas Cafeterias, lenta, suas sopas, antepastos, pizza, técnicas
nas Confeitarias e nos Restaurantes da capital de produção de queijo, salames, o vinho e as
paulista e carioca. cantinas.
Apesar dessa aristocracia, formada pelos E foi dessa maneira, querido(a) alu-
barões do café, copiar a influência francesa, a no(a), que foi se consolidando a sociedade
sua cozinha cotidiana será aquela cozinha do brasileira. No final do século XIX, as famílias
interior paulista (formada pelo tropeiro, ban- mais abastadas mandavam seus filhos para a
deirante) e será essa que prevalecerá, como Europa estudar e copiavam tudo da França. A
podemos detalhar: Belle Époque influenciaria também o Brasil,

No almoço comia-se, por exemplo, sendo uma oportunidade para a elite apare-
frango ensopado, cuscuz e virado à cer, em suas confeitarias, teatros, com suas
paulista. Na ceia, à luz do lampião de roupas, por meio da sua comida e comporta-
querosene, havia caldos e sopas. No café
mento à mesa. Encontraremos também nesse
da manhã ou da tarde, não faltavam o
bolo de fubá com erva-doce, o pão de período a abertura da mais antiga confeitaria
queijo, a geléia de laranja-cavalo azeda brasileira, a Confeitaria Colombo, no Rio de
e os sequilhos (FREIXA; CHAVES, 2012,
Janeiro.
p. 203).

Com a chegada do imigrante, que veio para subs-


tituir a mão de obra escrava, teremos mais uma
grande contribuição para a formação da nossa
cultura gastronômica, tema sobre o qual tra-
taremos nos próximos tópicos de forma mais
minuciosa. Para concluirmos, chegaram ao
Complemente seus estudos e aprimore
Brasil, no porto de Santos, imigrantes vindos
seus conhecimentos revisitando o material
da Europa, Oriente Médio e, mais tarde, Japão. didático da disciplina de História e Cultura
Inicialmente, a maioria era originária da Itália, Brasileira!
que se estabeleceu nas fazendas de café do in-
terior, ou na capital paulista, trabalhando nas
fábricas que já começavam a se desenvolver.
Cozinha Brasileira de Raiz

considerações finais

Enfim, querido(a) aluno(a), chegamos ao final de nossa primeira unidade, espero que
tenha sido tão gratificante para você quanto foi para mim. Gostaria de deixar claro a você,
aluno(a) do EaD de Gastronomia, que uma cozinha se forma a partir de uma cultura, de
um sentimento de pertencimento, de uma identidade: não há cozinha sem memória.
Dessa maneira, considero muito importante conhecer as bases da formação da gas-
tronomia brasileira. Em um primeiro momento, como tivemos a oportunidade de ver,
nossa cozinha foi influenciada pela cultura indígena, que deixou a maior de todas as he-
ranças, que permanece até os dias de hoje, a ciência da mandioca. Nesse sentido, pudemos
observar a infinidade de coisas da qual é possível obter de um único ingrediente. Hoje,
por exemplo, ministrei uma aula de cozinha indígena e pude reafirmar juntamente com
meus alunos o quanto esse ingrediente é versátil. Da sua polpa, extraímos os polvilhos,
que resultarão no pão do brasileiro (beiju e a tapioca), e infinitos tipos de farinhas; já de
seu suco, podemos obter, por exemplo, o tucupi. As mandiocas doces, quando cozidas,
podem ser consumidas pura, com mel, na gordura, no mingau etc.
Vimos, também, que nossa cozinha não ficou só nisso, o português trouxe na sua
bagagem as técnicas, tecnologias, novos ingredientes e novos sabores, dentre eles, po-
demos citar os embutidos, os doces, o vinho. Foi da mão da mulher portuguesa que o
brasileiro comeu galinha, conheceu o ovo, apreciou muitíssimo a doçaria, os cozidos, a
fritura, o azeite doce, a manteiga, o porco e, mais tarde, o boi. A mulher portuguesa tem
um papel decisivo em nossa cozinha, trouxe técnicas e receitas, que foram adaptadas
por ela em nossa terra.
Foram os portugueses, principalmente com a chegada da família real, que trouxeram
o requinte para a mesa, para as festas, para o cardápio e a pompa.
Já da cultura africana, vamos ter a ginga dessa cozinha, pois a técnica será do por-
tuguês, mas a execução no dia a dia será feita pela negra escrava habilidosa, que colocou
a sua pitada de sabedoria na técnica portuguesa. Será a negra quem dará o tempero,
quem dará a cor a essa culinária com sua criatividade.
Dessa maneira, essa cozinha brasileira terá na sua base a mistura do índio, do negro
e do português. Será miscigenada, com a influência de cada um desses povos.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 45

atividades de estudo
1. Em relação à mandioca, classifique-a segundo a sabedoria indígena
e discorra sobre seu uso nessa cozinha.

2. O índio costumava temperar sua comida? Se sim, de que maneira


ele fazia?

3. Fale um pouco sobre a alimentação dos bandeirantes.


Cozinha Brasileira de Raiz

leitura complementar

Marco inicial – da senzala ‘invisível’ ao


Serviço de Alimentação da Previdência Social

O marco inicial para a construção do presente trabalho foi o trabalho escravo no Brasil.
Observa-se certa invisibilidade histórica, no campo da nutrição, quando se trata da ali-
mentação dos escravos e de sua relação com o processo de trabalho, dado que os artigos
analisados, em sua maioria, contextualizam o tema tomando como ponto de partida a
criação do Saps. Tal escolha, por parte dos autores, pode ser explicada pelo papel desse
serviço no âmbito da alimentação do trabalhador brasileiro, uma vez que é considerado o
primeiro órgão responsável por uma política social de alimentação no Brasil, sendo uma
referência não apenas para a alimentação do trabalhador, mas também para a própria
gênese do campo da nutrição brasileira.
Os escravos formaram os primeiros coletivos de trabalhadores agrícolas e das minas,
nos serviços da era colonial. Antes de aportarem no Brasil, muitos morriam ainda nos
navios negreiros, em virtude das péssimas condições em que eram transportados. Em
que pese o fato de a alimentação do escravo no país não ter sido tema central dos artigos
analisados, algumas publicações trazem questões importantes que serão aqui apresenta-
das. Pessoa (2005), por exemplo, em “O escravo negro nos primeiros escritos coloniais
(1551- 1627)”, contabilizou sete citações em torno da alimentação dos escravos. Três
delas, as que seguem, segundo o autor, estão no Tratado Descritivo do Brasil em 1587,
de Gabriel Soares:

A primeira é sobre um tubérculo muito utilizado na ração dos moradores do Brasil,


especialmente dos negros: da ilha de Cabo Verde e da de São Tomé foram à Bahia
inhames que se plantaram na terra logo, onde se deram de maneira que pasmam os
negros de Guiné, que são os que usam mais dele; e colhem inhames que não pode um
negro fazer mais que tomar um às costas. Os dois trechos seguintes são sobre uma
espécie de milho com ocorrência em todo o Brasil, denominado ubatim pelos índios:
“milho de Guiné, que em Portugal chamam zaburro”. A propósito de sua utilidade disse
o letrado: “plantam os portugueses este milho para mantença dos cavalos e criação das
galinhas e cabras, ovelhas e porcos; e aos negros de Guiné o dão por fruta, os quais o
não querem por mantimento, sendo o melhor de sua terra”. Acerca das espécies de
bananas existentes na América Portuguesa: “há outra casta que os índios chamam
pacobamirim, que quer dizer pacoba pequena, que são do comprimento de um dedo,
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 47

mas mais grossas; essas são tão doces como tâmaras, em tudo mui excelentes”. Sobre

leitura complementar
quem mais as tinham em boa conta como alimentação, disse o letrado: “os negros
da Guiné são mais afeiçoados a estas bananas que às pacobas, e delas usam nas suas
roças”. Nem tudo na América Portuguesa, no entanto, em relação à alimentação,
era ‘tão doces como tâmaras, em tudo mui excelentes’... “os mantimentos, de que se
sustentam os moradores do Brasil, brancos, índios e escravos de Guiné, são diversos,
uns sumamente bons, e outros não tanto”. Na base alimentar dos moradores do
Brasil, por ordem de importância, estava: a mandioca, o arroz e o milho. O último
desses alimentos interessa-nos particularmente, pois, “é mantimento mui proveitoso
pera sustentação dos escravos de Guiné e Índios, porque se come assado e cozido
e também em bolos, os quais são muito gostosos”. O Aquês, uma espécie de coco,
era um outro mantimento comum na dieta alimentar dos habitantes do Brasil, com
qual se “sustenta grande parte do gentio da terra e dos negros de Guiné”. Haveria,
ainda, que mencionar os caranguejos, outro alimento da terra, que se tornaram o
verdadeiro “sustento dos pobres, que vivem nela e dos índios, naturais e escravos
de Guiné”, como também a cana-de-açúcar, da qual se extrai um vinho “que para o
gentio da terra e escravos de Guiné é maravilhoso” (p.35).

Fonte: Araujo (2010, p. 975-992).


Cozinha Brasileira de Raiz

material complementar

História da Alimentação no Brasil


Luís da Câmara Cascudo
Editora: Global
Ano: 2004

Sinopse: Obra de referência nessa primeira unidade. Essa obra é


de uma grandiosidade singular, por retratar a cultura brasileira,
com uma riqueza até então não conhecida. Cascudo é o primeiro
estudioso a tratar do cotidiano do brasileiro – a alimentação.
Considerada obra imprescindível para todo brasileiro, princi-
palmente nós que ansiamos conhecer a nossa cultura alimentar.

A formação da culinária brasileira


Carlos Alberto Doria

Editora: Três Estrelas


Ano: 2014

Sinopse: Obra incrível, inovadora e polêmica. Combinando eru-


dição e clareza, sólida pesquisa, estilo polêmico, o autor apre-
senta a trajetória da nossa cozinha até os dias de hoje. O autor
encerra o livro com um conjunto de propostas para a renovação
da gastronomia brasileira.

A cultura nacional da cachaça foi cantada pela cantora e compositora Inezita Barroso, em
Marvada Pinga. Confira essa “moda da pinga” no link:

<https://www.youtube.com/watch?v=x0aevIBTMi8>. Acesso em: 19 out. 2015.

Revista Nossa História

Acesse o link a seguir e leia um interessante material sobre a mestiçagem dos alimentos.
Disponível em: <http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-textos/revista-textos-do-brasil/portu-
gues/revista13-mat2.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2015.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 49

material complementar
Mauá o Imperador e o Rei
Ano: 1999

Sinopse: Considerado o primeiro empreendedor brasileiro,


Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), ao longo do século,
foi responsável por uma série de inciativas modernizadoras que
mudariam o Brasil. O filme retrata a época do ápice da escravi-
dão e sua decadência, mostrando a importância das fazendas
de café e seus barões, bem como a formação da sociedade
brasileira nesse período. Mauá defendia o fim da escravidão e
o desenvolvimento da indústria brasileira e era contra as ideias
das oligarquias do café.

A Muralha
Ano: 2000

Sinopse: A trama se passa por volta de 1600, época em que


os bandeirantes buscavam terras cultiváveis, riquezas e índios
para serem vendidos como escravos. A muralha do título refe-
re-se à serra do Mar, o maior obstáculo às incursões ao centro
do país. Do outro lado da muralha, nas cercanias da vila de São
Paulo, na fazenda de Lagoa Serena, mora Dom Braz Olinto (Mauro
Mendonça), um patriarca que lidera sua família e sua bandeira
com muito trabalho e sacrifício. Sua luta principal é dominar e
vender mão de obra indígena, adquirida por meio das emprei-
tadas feitas ao interior. Nisto se difere de seu filho Tiago Olinto
(Leonardo Brício), que vê na conquista do ouro a grande razão  para seu  empenho
pessoal. Criado no Colégio dos Jesuítas, Tiago é contra a dominação e o desrespeito
aos índios, o que torna o conflito entre ele e seu pai inevitável.
Cozinha Regional Brasileira:
o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste
ANDREA CRISTINA SHIMA DA MOTTA
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Cozinha Regional: Região Sul


• Cozinha Regional: Sudeste – São Paulo, Minas Gerais,
Rio de Janeiro e Espírito Santo
• Cozinha Regional: Centro-Oeste

Objetivos de Aprendizagem
• Estudar na literatura especializada a formação da cozinha regional.
• Resgatar na literatura especializada a formação da cozinha
regional.
• Compreender e contextualizar os elementos formadores da cozi-
nha de cada região.
• Entender a identidade da cozinha dessa região.
53

Introdução
Olá, querido(a) aluno(a), estamos de volta, agora, em nossa segunda unidade para continuar
nosso bate-papo sobre a cozinha brasileira. Se na primeira unidade falamos sobre a formação
da cozinha de raiz, neste momento, trataremos das cozinhas regionais.
A nossa cozinha é resultado de uma miscigenação de povos e culturas, sobretudo, do índio,
do português e do negro, em um primeiro momento e, posteriormente, dos europeus e de outros
povos que aqui chegaram na busca de uma terra melhor para se viver, de uma terra que tudo
que se planta dá, como dizia Pero Vaz de Caminha, em sua Carta, descrevendo essa nossa terra.
Poderemos observar que a essência de nossa cozinha pode ser considerada, de certa manei-
ra, muito simples, cotidiana talvez, mas nem por isso fácil e comum. Tomemos como exemplo
alguns ingredientes, como o jambu, que, quando colocado em uma moqueca paraense, torna
esse prato único pela complexidade de um único ingrediente.
Consideramos, neste estudo, que a culinária é patrimônio cultural de um povo. Essa é a
bandeira do Instituto ATÁ1 no slogan “Gastronomia é cultura que se come”. É preciso diferenciar
o povo e a comida regional, que é uma poderosa ferramenta para diferenciar o ser brasileiro.
O que gostaria de propor é uma sistematização dessas regiões e um estudo delas, tomando
por base a divisão tradicional proposta pelo IBGE, que divide o Brasil. Nessa perspectiva, cada
cozinha irá mudar de região para região, cada uma delas irá apresentar suas comidas, suas pre-
ferências, suas técnicas e sabedoria, sendo isso o que torna o nosso país tão rico e farto. Vamos
reconhecer as pamonhas de milho, que aparecem em minas e no centro-oeste, nessa região,
podem ser feitas com linguiça e queijo; no sul, teremos o arroz carreteiro do Sul e suas abóboras
que mudam de nome conforme subimos o mapa do Brasil, bem como outros exemplos. Essa é
a cozinha regional do brasileiro.
Vamos seguindo!

1
Disponível em: <http://www.institutoata.org.br/pt-br/index.php>. Acesso em: 03 nov. 2015.
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 55

Cozinha Regional:
Região Sul

Para falarmos do Sul do Brasil, convido você para sentar na roda


do chimarrão e participar dessa conversa. A região sul, conhecida
como uma das regiões mais ricas do Brasil, economica e cultural-
mente, é formada pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.
Só para nos situarmos, a título de conhecimento, há de se
comentar que, no início da colonização portuguesa, a região do
Paraná fazia parte da Capitania de Santo Amaro e, em 1539, passou
à autoridade da Capitania de São Vicente, nesse período, era habi-
tada por descendentes de portugueses, espanhóis, índios e negros.
No século XVII, já existiam as vilas de Paranaguá e Nossa Senhora
dos Pinhais – Curitiba. Como nas demais regiões brasileiras, seu
povoamento se deu, em um primeiro momento, pela busca de
riquezas, o ouro e a prata. Já no século XVIII, após o ciclo do ouro,
criadores de gado ocupavam esse território, e tropeiros já eram
responsáveis pelo comércio entre o Sul e Sudeste brasileiro.
Cozinha Brasileira de Raiz

Dessa maneira, as figuras do tropeiro e do Lapa – Quirera da Lapa, região que recebeu forte
bandeirante se farão presentes também nessa influência dos tropeiros.
região, que receberá, a partir do século XIX, um Mas de onde vem essa cozinha tão diver-
grande fluxo de imigrantes. A cozinha do Sul sificada que aparece nos traços do seu povo?
será primeiramente desenhada pelos bandeiran- O sul do país teve uma decisiva contribuição
tes, mas foi a influência do imigrante europeu, a do imigrante, que veio em duas etapas, tendo
partir do século XIX, que realmente definiu essa a primeira (metade do século XIX) o intuito de
cozinha regional da maneira como é conhecida desenvolver e ocupar a região sul; já a segunda
hoje. Em relação à alimentação desse período, leva veio como uma solução encontrada pelo
podemos destacar o milho, o feijão e a mandio- governo e proprietários de terra para a falta de
ca, dentre outros ingredientes. Como afirmam mão de obra escrava, ocasionada pelo fim da
Fisberg, Wehba e Cozzolino (2002, p. 83): escravatura (abolição em 1888). Dessa maneira,

Tinham, ressalvando-se algumas dife- vieram na primeira leva o italiano, o alemão e


renças regionais, como base de sua ali- o açoriano e, na segunda leva, os sírio-libane-
mentação o milho, o feijão, o aipim, a ses, os árabes, os ucranianos, os poloneses e
batata, o trigo, o arroz, o charque, a carne
os japoneses.
de suínos e em menor escala a de bovi-
nos, além de leite e de alguns derivados. O Paraná, estado que tem como símbolo
Haviam também na região plantações, e a araucária, árvore que produz o pinhão (co-
se consumiam frutas e hortaliças, como
nhecido como pinheiro-do-paraná), é o estado
laranja, pêssego, ameixa, amaça, jabuti-
caba, pera marmelo, limão e uva, além que teve maior diversidade étnica do Brasil.
de couve cebola e batata. No litoral, o Vieram alemães, italianos, ucranianos, japo-
peixe e a mandioca, eram amplamente neses, árabes, holandeses, portugueses, dentre
utilizados. Esta última, transforma-
tantos outros. Observaremos que o imigrante
da em vários tipos de farinha, era um
componente indispensável em pratos se espalhou, no Sul principalmente teremos
como tapioca, pirão, o virado de feijão uma cozinha com forte influência dos alemães,
e os bolinhos que são típicos do litoral
ucranianos e italianos. No sudeste, gaúchos e
paranaense.
catarinenses. Já no norte do estado, dentre
A presença dos tropeiros também foi decisiva tantos povos, o japonês se destacou.
na cultura paranaense, colaborando com o sur- O alemão trouxe suas festas e danças tí-
gimento de povoados e introduzindo pratos, picas, juntamente com suas comidas, sendo
como seu feijão tropeiro e a quirera. Essa última grande mestre da charcutaria, trouxe as suas
é prato típico da região dos Campos Gerais, da salsinhas a serem degustadas com mostarda
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 57

preta, o einsben, o repolho azedo e sua cerve-


ja. Os ucranianos, presentes principalmente
em Prudentópolis e Mallet, apresentaram-nos
as sopas, como a borshe (à base de beterra-
ba), o pirohei, feito em todas as casas, o trigo
mourisco, como chama o sarraceno. O pirohei,
ou pierogi do polonês, é um pastelzinho que,
normalmente, é recheado com requeijão (que
lembra uma ricota) ou batata e é servido com
cebola queimada. Uma amiga que tem essa
ascendência sempre o prepara, servindo de
sobremesa a torta de ricota. Na páscoa, em
cidades com forte influência ucraniana, preser-
va-se a pêssanka, tradição de pintar/decorar a
casca do ovo de galinha.

E
m Curitiba, capital paranaense, ob-
servamos a diversidade da influên-
cia do europeu, a qual resultou em
uma cidade onde encontramos o
artesanato ucraniano, as casas de chá polone-
sas, os inúmeros restaurantes alemães e um
bairro italiano, chamado Santa Felicidade,
onde é servido, além de outras tipicidades,
um legítimo frango caipira com polenta e
radicci (almeirão). Na rica gastronomia pa-
ranaense, também cabem o leitão desossado
e recheado, o porco no rolete, o carneiro ao
molho de vinho e o quase primitivo carnei-
ro no buraco, muito consumido em Campo
Mourão.
Cozinha Brasileira de Raiz

Em razão do desenvolvimento da pecuária, os cozidos de carne e doces.


a carne tornou-se o principal ingrediente da Em Santa Catarina, outro estado dessa
alimentação, dando origem aos mais variados região, rica pelo seu litoral e suas serras, fica
pratos, dentre eles, o prato típico desse estado, a terceira cidade mais antiga do Brasil – São
o barreado, que teve origem nas regiões de Francisco do Sul. Fundada quando chegaram os
Antonina e Morretes, e é servido principalmente exploradores portugueses, habitavam seu litoral
como um prato especial da noite de ano novo. os índios carijós do grupo tupi-guarani. Essa
Como podemos acrescentar: região começou a ser realmente habitada com

Nos sítios dos pescadores do litoral, o a chegada dos bandeirantes e mais tarde com
barreado comemorava a noite de 31 os primeiros imigrantes portugueses e alemães.
de dezembro. Comia-se a carne bovina A região norte do estado tem forte influência
por singularidade, já que ao ano se ali-
dos alemães e italianos, na sua cultura alimentar.
mentavam de peixes, mariscos e pirão
de farinha de mandioca. A população Já no litoral, a colonização foi predominante-
desejava um alimento não comum na mente portuguesa e espanhola, o que se observa
passagem do ano, precedido de pinga.
pela preferência por frutos do mar e frituras.
O barreado foi servido a caboclos que
iam às vilas levar produtos da lavoura e Dos hábitos herdados pelos descendentes
incorporou-se ao entrudo, precursor do europeus, principalmente alemães, podemos
carnaval. Independentemente do uso, destacar suas festas, como a Oktoberfest que
é símbolo de fartura, festa, alegria. Sua
ocorre em Blumenau, conhecida em todo o
provável origem está nos moqueados
indígenas, envolvidos em folhas de ba- Brasil, sendo um evento em que o principal
naneira, enterrados e cozidos por doze atrativo é o chope alemão.
horas, ao calor da fogueira acesa sobre
No litoral catarinense, fixaram-se quase to-
eles. Não se esqueça da influência por-
tuguesa (ARAÚJO, 2005, p. 62). talmente os açorianos, principalmente na ilha
de Florianópolis – conhecida como a capital
Destacam-se, ainda, na sua gastronomia ingre- da ostra (a região de Florianópolis é a maior
dientes como o pinhão, que não poderia faltar, produtora de ostras do país), onde organizaram
típico dessa terra, fruto do pinheiro, que vem comunidades que vivem da pesca. Até os dias de
da araucária. Ele é consumido no inverno por hoje, entre os meses de maio e junho, realizam
toda gente, sendo cozido nas casas e servido a pesca artesanal da tainha, que rendeu à região
em ocasiões como as festas juninas. Pode ser pratos saborosíssimos com esse ingrediente. A
preparado cozido ou na brasa, chapeado ou com- respeito desse assunto, Freixa e Chaves (2012,
pondo pratos como a paçoca de pinhão, como p. 250) descrevem:
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 59

Feita com rede, os cardumes são arrasta-


dos até a beira da praia. A abundância e O pinhão também é um ingrediente típico
predileção pelo pescado resultaram em de Santa Catarina. No Sul, quando é época
muitas receitas típicas, como tainha de produção de pinhão, o encontramos em
escaldada (seca ao sol feita na brasa) e
recheada com farofa (feita da ova), está
todos os mercados e até na beira das estradas.
última uma iguaria muito valorizada O sulista, ao ascender o seu fogão econômico
no exterior. Os pratos são geralmente dentro de casa, para manter a água do chimar-
servidos com pirão de caldo de peixe ou
rão quente, aproveita a chapa para chapear o
pirão d´agua.
seu pinhão. Ele aparece principalmente nas
Concentram-se no litoral de Santa Catarina a cidade de Lages (onde ocorre a Festa do Pinhão)
pesca farta, o segundo maior porto do Brasil e região, em que a maior parte dos pratos leva
(localizado em Itajaí) e um grande parque in- esse ingrediente:
dustrial, onde há grandes indústrias têxteis e Na fazenda Dourados, no município
os maiores frigoríficos de carne suína. Da in- de Lages, sua proprietária Katia cos-
fluência alemã, houve a preferência pela carne tuma mostrar a seus hóspedes inúme-
ras formas de preparar o pinhão. Uma
de porco e de marreco e seus derivados, como delas é o pinhão sapecado. Kátia conta,
as salsichas e linguiças – em Blumenau, por que essa maneira teve origem com os
exemplo, elas são típicas e são servidas sempre tropeiros que adoravam se alimentar
de pinhões. Conta também que os tro-
acompanhadas de chucrute, mostarda e chope. peiros, ao descartar alguns pinhões ao
Dessa influência, não podemos deixar de co- longo das trilhas, foram responsáveis
mentar a importância dos fartos cafés coloniais, pela germinação de muitos pinheiros.
Inicialmente é preciso juntar as grimpas,
com seus embutidos, tortas, cucas, e os pães
ou seja, coletar os inúmeros galhos secos
com chimia e nata, parada obrigatória, na região da araucária que caem pelo chão. Depois
de Blumenau. basta amontoá-los um em cima do outro
e achar alguns pinhões. Estes são coloca-
Da mistura das culturas, todos deixaram
dos no meio do monte de grimpas. Por
sua contribuição, seja na língua, seja em seus último basta colocar fogo nas grimpas.
ingredientes, dos quais podemos citar alguns, [...]. Com a queima, que ocorre de supe-
tão, os galhos ganham tons esbranquiça-
principalmente os mais relevantes, como batata,
dos enquanto são consumidos pelo fogo.
mandioca, milho, pinhão, repolho, beterraba, e Instantes depois, com o fogo já extinto
das frutas, a maçã. Os catarinas, quando longe e os galhos em brasa, basta apanhar os
pinhões. Apesar da de sua casca ter sido
de sua terra, têm doces lembranças da paisagem
enegrecida pelo fogo, ao ser descascado a
das macieiras carregadas e também das sopas, semente está pronta para ser saboreada
companheiras para aquecer os dias frios. (MARCELLINI, 2005, p. 116).
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 61

A
gora, vamos falar um pouco do Rio As tradições italianas marcam as regiões da
Grande do Sul, a região mais ao sul serra, onde as características geográficas locais
do Brasil, que faz divisa, no norte, deram condições para o surgimento da mais
com Santa Catarina, no sul, com o importante produção de vinho do país. Na cozi-
Uruguai, no leste, com o Oceano Atlântico e, no nha, destacam-se o galeto (frango abatido ainda
oeste, com a Argentina. Quando pensamos no jovem), temperado com vinho branco e sálvia e
Rio Grande do Sul, nos vêm à mente três coisas: assado na brasa – servido com bacon e radiccio, a
a emblemática figura do gaúcho, o churrasco e o sopa de agnolini (capeleti), os tortei de abóbora e a
chimarrão. Povo esse que se formou a partir das polenta. Dos alemães, nas cidades de Gramado,
raízes de índios, que viviam nos pampas nesse Canela e Nova Petrópolis, encontramos os famo-
período, e do europeu imigrante. sos cafés coloniais, com seus infinitos pães, doces,
O gaúcho, essa figura tão bem descrita na enchidos, tortas, como o apfelstrudel e as cucas.
obra de Erico Veríssimo, em O tempo e o Vento, Todo gaúcho que se preze sabe que o autên-
esse homem altivo, é oriundo dos pampas, tico churrasco só pode ser feito com sal grosso,
sendo símbolo de guerreiro. O gaúcho é bas- e o mais importante que o próprio churrasco
tante apegado às suas tradições, da mescla de é a comensalidade ao redor dessa iguaria, ou
índios guaranis com portugueses e espanhóis, seja, a capacidade de unir pessoas com a boa
nasceu o tipo característico dos Pampas. Foi ele convivência.
o responsável por difundir o gosto pela carne de
charque, produto importante para sua sobrevi-
vência e que se tornou, no século XX, um dos
destaques da economia local.
O estado gaúcho, pela sua geografia, terá
um tipo de cozinha por região, ou seja, na região
dos pampas, onde se formou a figura do homem Tradicionalmente, o prato típico do Paraná,
o Barreado, “é feito em fogão a lenha, mas,
gaúcho, caracterizada pela criação de ovinos e
quando cozido em fogão a gás, deve ser
bovino, teremos o desenvolvimento de uma cozido em fogo brando, com uma chapa
cozinha campeira, que se formou pela junção do de ferro ou alumínio entre a chama e a

índio, do português e do espanhol. Já a cozinha panela”.

missioneira tem como característica o fato de (FERNANDES, 2000, p. 193).

ser mais urbanizada, por conta da influência do


europeu que veio catequisar.
Cozinha Brasileira de Raiz

Pode-se afirmar com certa dose de segu-


O churrasco tem sua origem com os guaranis, rança que o gado bovino foi o fator fun-
que assavam carnes em valas feitas no chão. damental da ocupação do atual território
do Rio Grande do Sul, disputado tanto
Os índios, os carreteiros e os tropeiros do Sul
por portugueses e espanhóis, quanto por
abriam valas no chão, cobriam-nas com brasas índios, jesuítas e bandeirantes [...] A abun-
e fincavam espetos de pau com grandes pedaços dância de gado era tamanha no Rio Grande
de carne, que ali ficavam assando durante horas. do Sul, que o gaúcho, até as primeiras dé-
cadas do século XX, ao menos, desprezava
Nascia o famoso “fogo de chão”. Por ser abun- todas as partes do boi, concentrando-se
dante na região, a carne bovina tornou-se fonte justamente nas costelas (ALVES FILHO;
de subsistência e, para acompanhar o churrasco, GIONANNI, 2000, p. 106).

não podia faltar o chimarrão. Essa fartura da Carne sempre temperada na brasa, esse é o
carne bovina era tão grande que, diferente dos paladar do gaúcho, seja nas grandes valas de
outros estados, o gaúcho tinha o privilégio de costela, seja nos guisados de pau, feitos com
usar apenas a parte que ele tinha interesse, ou carnes bovinas, suínas e ovinas intercaladas
seja, a costela, como podemos ver: com tomate e cebola.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 63

Outra arte dominada pelos gaúchos é o charque. A região Sul sofreu tanta influência do
As carretadas desbravavam mata adentro para imigrante que o arroz com feijão e farinha não
levar os colonos responsáveis por fundar novas formam o prato do cotidiano, como acontece
províncias. Pelas longas distâncias, os carretei- no restante do país.
ros tinham sempre em seu fiambre mantas de Pelas variadas influências, é difícil deter-
charque para servir de alimento e, assim, juntan- minar o hábito geral. Porém, alguns costumes
do o arroz, se difundiu por todo o Rio Grande mais comuns podem ser constatados: em todo o
do Sul o arroz-de-carreteiro, prato apreciado em Sul, identificamos a influência dos bandeirantes
todo o Brasil, sendo conhecido no Centro-Oeste com suas comidas de viagem, a influência dos
como Maria Izabel. Sem falar das frutas, como índios com suas técnicas de se assar carnes, a
o pinhão, que também aparece nesse estado, a do imigrante alemão, italiano, português, holan-
maçã, o pêssego e o butiá. dês e do japonês. Todos esses povos deixaram
Símbolo da cultura do Rio Grande do Sul, o um pouco de sua cultura e de suas preferên-
chimarrão é uma herança dos índios tupis-guara- cias alimentares de maneira tão peculiar que
nis, muito além de ser uma bebida, é um ritual de hoje essa região apresenta uma culinária muito
comensalidade. No tocante ao ritual do chimar- diferenciada.
rão, a água nunca deve ser fervida, obedecendo
ao mesmo princípio do café, para não perder
oxigênio e queimar a erva, o que lhe confere sabor
desagradável. O fogo deve ser desligado quando
a água chiar na chaleira. Outro detalhe está rela-
cionado à cuia, que, quanto mais velha, melhor
o chimarrão. Na roda do chimarrão, quem está
No Brasil, o Queijo Grana Padano, exis-
com a cuia deve tomar o mate quente, até roncar
tente na Itália há mais de 900 anos, in-
a cuia, antes de passar para o próximo da roda. ternacionalmente reconhecido, recebeu
Voltando a comentar sobre os imigrantes, o nome de Gran Formagio. Ele é produ-

eles vieram especialmente na primeira cor- zido em Vacaria e foi o primeiro queijo
tipo grana a ser produzido na América
rente migratória, eram sobretudo originários
Latina.
da Alemanha, Itália, Polônia e Ucrânia. Já no
final do século XIX e início do XX, na segunda Fonte: Marcellini (2005, p. 93)

corrente, chegaram aqui sírio-libaneses, japo-


neses e holandeses.
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 65

Cozinha Regional:
Sudeste – São Paulo,
Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Espírito Santo

Já o Sudeste brasileiro está dividido em três regiões: São Paulo,


Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Essa região tem
características bem marcantes, em que podemos observar o inte-
rior, a metrópole e o litoral. Outra característica importantíssima
dessa região que precisamos ressaltar é que aqui teremos um Brasil
economicamente desenvolvido, que se formou à custa do ciclo do
ouro e do café.
A identidade do mineiro se manifestará nos seus modos de
falar, no seu comportamento quieto (comendo pelas beiradas nas
conversas) e hospitaleiro e, principalmente, na sua comida. Essa
será sua expressão máxima, a cozinheira mineira extrapolou os
limites de seu território, vindo compor um conceito nacional, a
comida mineira, com seus angus, lombo de porco assado e suas
quitandas. Como bem diz um ditado popular da cultura brasileira:
“o mineiro só acha que está sendo hospitaleiro, quando mata o
visitante de tanto comer”.
Cozinha Brasileira de Raiz

Foi o ouro das Minas Gerais, no século XVIII, o mercado mundial, enriquecendo os “barões
em um primeiro momento, que promoveu o do café” em toda essa região, onde tivemos
desenvolvimento dessa região. Os caminhos a construção de fazendas mediante mão de
traçados pelos bandeirantes abrirão estradas obra escrava e, na sequência, com a ajuda do
e fundarão povoados, estimulando o comércio; imigrante.
o Rio de Janeiro se tornará capital do Reino, Os bandeirantes, que saíram de São Paulo
substituindo Salvador, tornando-se o centro em busca de riquezas, procuravam pelo ouro e
político-econômico da região, situação que irá pelas pedras preciosas, eles abrirão caminhos e
se manter até 1960, quando o governo federal panelas. Observaremos o desenvolvimento de
é transferido para Brasília. E em um segundo uma cozinha simples, de matolagem, de subsis-
momento, é o ciclo do café que irá conquistar tência: a cozinha do viajante.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 67

Essa cozinha do bandeirante (que era a mis- faltava-se tudo, desde comida, roupas, ferra-
tura do paulista português com o mameluco) mentas, animais de carga etc.
terá como aliada a jacuba, que será um prato do Por herança dos portugueses, as cozinheiras
desjejum, composto basicamente por farinha dessas localidades irão descobrir a cozinha de
de milho, água e rapadura do engenho. Nessas fundo de quintal, com suas roças e seus ani-
longas viagens, a comida era precária, as refei- mais. Plantarão e criarão o de comer no dia a
ções eram compostas basicamente por farinha dia: a couve – herança portuguesa –, o milho,
de milho com feijão e toucinho, pela paçoca, a mandioca, o feijão, as abóboras que davam
que era feita com farinha de milho ou man- refogados e doces deliciosos, a galinha e prin-
dioca e carne assada ou seca, os angus, sempre cipalmente o porco.
presentes, feitos a partir das quireras (farelo Há de se ressaltar que o milho, juntamente
de milho). Essas serão as comidas do bandei- com a carne de porco, foi muito mais presente
rante, que só após alguns séculos encontrará o do que a mandioca nessa culinária, como escla-
Eldorado, comidas que encherão os seus farnéis rece Zarvos (2000, p. 44):
e sustentarão as longas viagens. O porco, em termos de versatilidade,
A corrida pelo ouro em Minas Gerais, como podia ser considerado a versão animal
comentamos, irá ocasionar o desabastecimento do milho. E é por essa razão que alcançou
tamanho destaque na culinária regional.
da região de produtos de primeira necessidade,
Ele produzia a gordura necessária para
ocasionando o desenvolvimento de uma cozinha os refogados e frituras. O toucinho dava
de fundo de quintal, conhecida também por co- gosto ao feijão ou se transformava em
torresmo. De sua carne eram produzi-
zinha caipira, que irá se desenvolver em função
dos embutidos, como paio e linguiça. A
do contingente de pessoas que migrarão para as carne, muito saborosa, também podia
Minas Gerais: milhares de homens, mulheres, ser consumida fresca. Numa época em
velhos, moços, largavam tudo e viajavam para se que a troca de mercadorias, era tarefa
complicada, criar em casa um animal
instalarem nas regiões mineradoras, sem men-
do qual tudo se aproveita tinha valor
cionar a Coroa, que lá se instalará para enviar inestimável.
as riquezas para Portugal, e os escravos, que
vinham em milhares para trabalhar nas lavras. Por meio do milho, obtinha-se o fubá, esse in-
Essa superpopulação da região de Minas, grediente tão marcante nessa culinária, a partir
a qual fará que pequenos povoados não sobre- do qual será preparado o angu, que estará pre-
vivam, ocasionou uma crise de abastecimento sente em todas as mesas mineiras, sozinho ou
de produtos de primeira necessidade na região: acompanhado de ora-pro-nobis, o fubá também
Cozinha Brasileira de Raiz

será a base de preparo de bolos, de biscoitos e de Dessa maneira, o desenvolvimento do gado


broinhas, que serão servidos nos cafés da manhã leiteiro nesse período trará a fama pela qual
ou nas quitandas da tarde, sendo igualmente o mineiro é conhecido ainda hoje: comedores
o ingrediente central do bambá de couve e dos de queijo. Minas Gerais será então um grande
escaldados de fubá com caldo de galinha. produtor nacional de leite e do famoso queijo
No que diz respeito à carne bovina, o gado de minas, delicioso, servido no café da manhã
só chegará a Minas com a decadência da minera- ou acompanhando doces de frutas em compota
ção, o que ocorrerá no final do século XVIII. Com ou doces cremosos.
isso, a produção de carne e de leite aumentou Do queijo, o mineiro aproveita tudo, ele é
de maneira intensa nessa região, o que rendeu sempre o ingrediente indispensável em suas
à região mineira a fama de produtos e pratos: mesas, seja fechando uma refeição (juntamente
vaca atolada – prato composto por carne de com um doce de leite ou fruta), seja nas suas
vaca cozida com mandioca –, queijos dos mais quitandas e quitutes. Quando fresco, acompa-
variados e doces de leite como nunca se viu em nhará o cafezinho passado no coador de saco,
nenhuma outra região do Brasil. quando curado, fica firme e amarelo por fora e
um pouquinho cremoso por dentro, então, pode
ser ralado, servindo de base para as infinitas
receitas de pão de queijo, para o doce de ovos,
para o bolo de fubá, para o pudim de queijo e
para tantos outros pratos que fazem a fama
dessa cozinha.
Sobre o hábito das quitandas, em poucos
lugares no Brasil se preservou tanto esse costu-
me como em Minas. Servidas sempre no lanche
da tarde, fazem parte das quitandas os biscoitos
de polvilho, o pão de queijo, as broas de fubá,
o curau e a pamonha, ambos feitos de milho,
bem como os bolinhos de fubá e de chuva fritos,
polvilhados com açúcar e canela etc.
O queijo para o mineiro é um produto de
sua representatividade, ao ponto de se tornar
patrimônio da sua cultura. O queijo produzido
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 69

na Serra da Canastra é um produto tombado • Biscoito de polvilho


pelo patrimônio imaterial, pelo seu legado e • Broinha de fubá
importância para essa cultura: por ser artesanal, • Biscoito frito
produzido com leite cru e por ser um saber que • Brevidade de maisena
vem sendo passado de geração a geração. • Pudim de queijo
Podemos considerar, caro(a) aluno(a), para • Queijão
finalizar, que a cozinha mineira terá então como • Doce de leite
característica um tripé base, formado por angu, • Goiabada
couve e feijão. Conforme o poder econômico, • Bananada
acrescentaria a esse tripé o consumo de carne
de boi, salgadas ou charqueadas, ou também a Sobre a região Paulista, podemos considerar
carne de porco e seus toucinhos, conservados que sua mesa tem uma culinária de origem
na própria gordura, defumados ou salgados. muito parecida com da Mineira, isso em função,
Podemos, ainda, nesse sentido, mencionar a também, do fluxo dos bandeirantes e tropeiros
cachaça e o uso de produtos derivados de leite, que, pela necessidade, tinham uma comida de
como o queijo e os doces. subsistência, caracterizada pela sua rusticidade.
Destaquei alguns pratos importantes dessa Como sabemos, essa cozinha se formou tendo
cozinha: como base poucos ingredientes e técnicas ru-
• Tutu de feijão dimentares de preparo, sem nenhuma etiqueta
• Feijão tropeiro formal, a não ser a da fome e da necessidade.
• Vaca atolada Essa cozinha, dessa maneira, foi moldada
• Feijoada mineira principalmente pelos alimentos que os viajantes
• Ora-pro-nobis – bandeirantes e tropeiros – tinham à disposição
• Angu em função de suas expedições: a mandioca, o
• Canjiquinha feijão e o milho. Mais tarde, incluíram o arroz,
• Maneco de jaleco influência dos portugueses, formando esse prato
• Leitoa pururuca tão nosso, que é o arroz com o feijão; também, a
• Lombo de porco carne de porco. Por uma questão de logística, para
• Frango ao molho pardo aumentar a quantidade de alimento por animal
• Frango com quiabo utilizado no transporte, o milho e a mandioca
• Dourado assado foram reduzidos à farinha. Com frequência, esse
• Pão de queijo ingrediente era pilado com a carne, resultando
Cozinha Brasileira de Raiz

na paçoca, ou consumido com o feijão, dando Com a vinda dos imigrantes, a culinária paulista
origem ao virado. Ainda nos dias de hoje, o farnel sofrerá a influência dos povos que chegavam.
é apreciado como prato histórico ou como relei- Foram adaptadas receitas europeias de bolos,
tura de uma cozinha contemporânea dos grandes biscoitos, pudins, croquetes, nhoques e pães
centros, como a capital paulista, sendo objeto de à mandioca, ao milho e suas farinhas. Mas as
inspiração de chefes de cozinha como Jeferson preparações com farinha de trigo, como a pizza,
Rueda ou Ana Luiza Trajano. a esfiha e as massas, se incorporaram ao dia a
Nas longas viagens desses desbravadores, os dia paulistano. Como bem comentam Freixa e
alimentos precisavam ser secos, sem umidade, Chaves (2012, p. 244):
por uma questão de conservação e praticidade
A tradicional cozinha paulista incorpo-
de transporte. Como exemplo, podemos citar rou outras influências com a chegada
o feijão-preto, que era quase sem caldo, servido de imigrantes a partir do final do século
com farofa e couve picada, precursor do feijão- XIX. Além dos italianos, com as pizzas
e as massas, os árabes deram os seus
-tropeiro, prato incorporado à cozinha mineira. quibes, esfihas e charutinhos de folha de
Nas fazendas de café, nos séculos XIX e uva. E os japoneses o tão típico pastel de
XX, era habitual o uso de ingredientes caipiras feira, sushi, sashimi e yakisoba.

nas refeições, como refogados de chuchu, bolo


de fubá e o trivial em torno da combinação de A industrialização da capital paulista teve
arroz com feijão. Os doces eram feitos no tacho início no limiar do século XX e, a exemplo do
de cobre, como a goiabada cascão e o doce de que ocorrera na Europa, trouxe transforma-
laranja-da-terra. ções aos costumes e à cultura, abrangendo
Na capital ou no campo, nas mesas popu- também a culinária, cercada de múltiplas influ-
lares ou nas abastadas, o cuscuz paulista é um ências e sotaques, dentre as quais se destaca a
prato do coletivo paulista. Pode-se dizer que, por herança francesa. Surgiram, na cidade, nomes
um lado, descende dos índios de quem herdou afrancesados que acabaram por se incorporar
a farinha de milho e, por outro, dos bandei- ao nosso vocabulário, como toalete (toilete),
rantes, pela presença do primitivo farnel. O à la carte, maître, menu, patê (pâté) e musse
cuscuz chegou aos dias de hoje sofisticado em (mousse).
sua apresentação, podendo ser preparado numa Não se pode deixar de salientar que desen-
panela comum e dispensando o cuscuzeiro, mas volveu-se em São Paulo uma culinária cantinei-
ainda autêntico representativo de uma cozinha ra, desenvolvida pelos imigrantes italianos que
simples e, ao mesmo tempo, rústica. se fixaram principalmente na capital paulista.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 71

Aprofunde seus conhecimentos nesta dis-


ciplina e procure praticar sempre as diver-
sas receitas de pão de queijo ministradas
na disciplina de Café da Manhã e Lanches!
Cozinha Brasileira de Raiz

A descontraída cantina – restaurante popular polenta; sexta-feira, peixe; sábado, feijoada (no
de origem ítalo-paulistana – é uma instituição calendário nacional); domingo, dia do famoso
peculiar da cidade. E o que soa mais caracterís- almoço da mama, tem macarronada, lasanha
tico do que a macarronada de domingo, uma e maionese.
das heranças italianas? Realmente, em São Paulo, caro(a) aluno(a), a
Outro ponto de destaque da culinária na gastronomia tem uma cara diferente, se, de um
capital paulista é que ela se desenvolveu em lado, temos a tradição, do outro, encontramos
função da mão de obra operária, que fazia suas a inovação, capital cosmopolita do Brasil, onde
refeições nas proximidades de seu trabalho. O tudo acontece. No interior, a tradição caipira, no
cardápio desses restaurantes se tornaria fixo, o litoral, a cultura caiçara e, na capital, as tendências
que acontece até os dias atuais. Pode-se dizer do mundo, onde a gastronomia se torna mundial.
ainda que a capital paulista é o único lugar no Outro estado que compõe a região sudeste
Brasil com tal costume, ou seja, ter um prato fixo é o Rio de Janeiro, caracterizado pela forte in-
a ser servido nos restaurantes, em cada dia da fluência dos portugueses, como já se comentou
semana. Assim, segunda-feira é dia de virado à anteriormente, em função de ter sido capital
paulista ou picadinho; terça-feira, dobradinha; da colônia, do império e da república, entre os
quarta-feira, feijoada; quinta-feira, rabada com anos de 1763 a 1960.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 73

noites movimentadas de boemia, para servir os


últimos clientes –, o casadinho da Confeitaria
Colombo, além de seus pastéis de nata.
A feijoada não poderia deixar de ser lem-
O chefe Felipe Bronze, ao participar de um
congresso, teve que expor as raízes da sua brada aqui, ela definitivamente aparecerá pela
cozinha carioca e, de forma inusitada, apre- primeira vez em um restaurante no Rio de
sentou um prato chamado “carioquices”,
Janeiro, tornando-se quase um prato genuina-
onde falou do ser carioca, por ser muito
difícil descrever essa particular cozinha, mente representativo dessa culinária. De acordo
onde de tudo se come. O chefe falou de com Leal (1998, p. 128):
ícones cariocas: as praias, o mate gelado,
A feijoada também varia de um lugar para
o biscoito Globo, o Cristo Redentor e a
outro. No Rio de Janeiro, em São Paulo e
bossa nova.
Minas Gerais, se usa o feijão preto com
Fonte: Malta (2013, online) carnes, enquanto no Nordeste, se em-
prega o feijão mulato com carnes frescas
e salgadas, e uma grande variedade de
legumes como abóbora, quiabo, chuchu,
maxixe e batata doce.

Em função da vida boêmia desenvolvida na Por último, abordaremos o último estado dessa
capital carioca, herança também das tabernas região, que é o Espírito Santo. Por se tratar de
portuguesas, tivemos o desenvolvimento de um estado com grande extensão litorânea, ob-
uma comida de boteco. Exemplos típicos dessa servaremos uma forte influência caiçara nos
cozinha boêmia são os bolinhos de bacalhau e hábitos e costumes dessa gente.
a linguiça feita com aguardente e servida com Além da tradição pesqueira, encontrare-
aipim, acompanhada sempre de uma cerveja ou mos uma forte influência indígena, portugue-
de uma caipirinha. Também, podemos citar o pi- sa, africana e do imigrante. Até o século XIX,
cadinho de carne, receita que acabou sendo em- o Espírito Santo era uma das províncias com
prestada para São Paulo, que é feito com capa de pouco destaque, o que irá mudar com a chegada
filé ou acém picado com a ponta de uma afiada dos imigrantes italianos, alemães e de brasileiros
faca, marinado na cachaça e, depois, cozido com de outros estados.
toucinho e servido com banana, ovo e farofa. No período da colonização do Brasil, os ex-
Outras receitas clássicas locais são a sopa ploradores da capitania do Espírito Santo per-
Leão Veloso, de frutos do mar – que no início maneceram praticamente isolados em função da
era feita com os ingredientes que restavam das geografia da região: de um lado, a serra do mar,
Cozinha Brasileira de Raiz

do outro, o Oceano Atlântico. Esse isolamento semente vermelha que irá dar cor às moquecas
obrigou esse povo a extrair localmente os in- e aos óleos para cozinhar.
gredientes de que necessitavam e aprender com Encontraremos, também, pratos como a
os nativos indígenas as técnicas culinárias para torta capixaba, que é quase uma fritada rica
prepará-los. Por isso, a influência africana nessa em ingredientes, como peixes, frutos do mar e
cozinha é quase nula. A cor das comidas dadas palmito, em que se acrescentam ovos batidos,
pelo dendê, muito apreciadas em Salvador, é sendo normalmente servida na semana santa.
também bem aceita no Espírito Santo, mas à Outros exemplos da culinária dessa região são a
maneira indígena, produzida pelo urucum. Por moqueca capixaba, a caranguejada, a muma de
causa disso, essa culinária, em conjunto com a siri, o peroá frito, dentre tantos outros pratos.
do Norte, pode ser considerada uma das mais Em tupi, segundo o Portal do Governo do
autênticas cozinhas regionais do Brasil. Estado do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO,
Essa cozinha simples e artesanal preservou online), capixaba quer dizer roça, roçado, terra
a tradição de seus preparos. Do índio, herdarão limpa para produção. Os índios que aqui viviam
o paladar do milho e da mandioca, dos quais chamavam de capixaba sua plantação de milho
originarão pratos como a papa de milho, bolo ou mandioca.
de aipim, pirão e muxá (feita de quirera), bem Os capixabas não valorizaram o gado, o
como a pacova assada e as deliciosas moque- porco e muito menos o leite que os mineiros
quinhas. Outro produto indígena é o urucum, insistiam em vender-lhes.

Continuaram fiéis ao peixe, acompanhado de palmito fresco e de banana-da-terra, na


forma de caldeiradas e moquecas, sem leite de coco, sempre regadas com muito azeite
de oliva. No Espírito Santo, encontram-se cartazes em restaurantes típicos que orgu-
lhosamente ostentam os seguintes dizeres: “Moqueca é a capixaba, o resto é peixada”.
Ao contrário da moqueca baiana, feita com muito leite de coco, e da nortista, em-
brulhada em folha de bananeira, a capixaba é feita com coentro, tinta de urucum,
para dar cor, e azeite de oliva, para completar o sabor. Para acompanhar, pirão, arroz
branco e molho de pimenta servido à parte.
O feijão demorou algum tempo para se incorporar à mesa do capixaba. Ele só começou a
ser difundido no início do século 19, quando passou a ser comido em associação com o
peixe no dia a dia do pescador. Junto com o feijão, que abriu a guarda do povo capixaba
para a carne-seca, vieram preparações como a roupa velha, denominada por alguns como
a feijoada do Espírito Santo, hoje muito apreciada e difundida (HISTÓRIA..., online).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 75

O Espírito Santo tem uma geografia muito fabricadas de forma artesanal pelas mulheres
peculiar, pois da região litorânea, a partir de paneleiras, que desenvolveram uma técnica
Vitória, em aproximadamente 30 minutos, de fazer panelas a partir de um barro muito
pode-se estar na serra, onde a temperatura é especial, extraído de regiões próximas aos
bastante amena. Enquanto nas cidades litorâ- mangues.
neas prevalece a culinária de origem indígena, O saber envolvido na fabricação arte-
na região serrana mudam o clima (mais frio) e sanal de panela de barro foi o primeiro
a cozinha. Com a vinda dos imigrantes italianos bem cultural registrado, pelo Iphan,
como Patrimônio Imaterial no Livro
e alemães, novos pratos serão acrescentados a
de Registro dos Saberes. O processo
essa cozinha: dos italianos, na região de Santa de produção no bairro de Goiabeiras
Teresa, teremos o agnolini in brodo, o delica- Velhas, em Vitória, no Espírito Santo,
emprega técnicas tradicionais e ma-
do tortei de abóbora, minestrone e a zucca; dos
térias-primas provenientes do meio
alemães, a 43 km de Vitória, em Domingos natural. A atividade, eminentemente
Martins, onde ainda se fala o dialeto pomera- feminina, é tradicionalmente repassada
no, teremos o chucrute, os eisbein (joelho de pelas artesãs paneleiras, às suas filhas,
netas, sobrinhas e vizinhas, no convívio
porco), o gulasch.
doméstico e comunitário (OFÍCIO...,
Como falar desse estado, sem imaginar, s/d, online).
querido(a) aluno(a), uma mesa posta com aquela
moqueca, feita na panela de barro, borbulhante Moqueca é prato do cotidiano, da cozinha ca-
e cheirosa? Bom, sem dúvida alguma, dentre seira, feito a partir de peixe ou frutos do mar,
os seus pratos típicos, destaca-se a moqueca. acrescidos de óleo, tomate, cebola, alho, co-
A moqueca capixaba é conhecida em todo entro, limão e urucum. Na panela, fazem-se
o país por seus ingredientes, por seu peculiar as camadas e leva-se o preparo ao fogo, sem
preparo nas panelas de barro das goiabeiras e, acrescentar água.
principalmente, por ser considerada patrimô- E, assim, apresenta-se essa região, na qual
nio imaterial da culinária do Espírito Santo. podemos observar que, não poucas vezes, os
Como bem dizem os capixabas, popularmen- ingredientes viajavam de estado a estado, na
te: Capixaba que se presa, só cozinha peixe em mão do viajante, do tropeiro ou do bandeirante.
panela de barro. Dessa forma, estudamos que o europeu também
Um item importantíssimo da cultura deixou sua influência juntamente com o escravo
capixaba são as panelas de barro, que são e o imigrante.
Cozinha Brasileira de Raiz

Panela de Barro de Goiabeiras:


Para maior durabilidade da panela de barro
(evitar que rache) e qualidade nos produ-
tos feitos por ela, aconselham as panelei-
ras de Goiabeiras que a panela sofra uma
segunda queima, que deverá ser feita da
seguinte forma:

1. Colocar óleo de soja ou oliva (aproxima-


damente 2 colheres de sopa) no interior
da panela e levar ao fogo.
2. Deixar o óleo queimar até levantar
fumaça, só aí desligue.
3. Após a queima, quando for usá-la
novamente, coloque a panela em ba-
nho-maria, por 20 minutos, isso evita
que o gosto da panela se sobressaia
na comida.

Fonte: Artesol - Artesanato Solidário (online)


GASTRONOMIA • UNICESUMAR 77
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 79

Cozinha Regional:
Centro-Oeste

Continuando nosso estudo, querido(a) aluno(a), no próximo tópico,


vamos estudar sobre a Região Centro-Oeste, que é interessante por
algumas características muito peculiares que podem ser encon-
tradas nesse território. Apesar de ser uma das maiores áreas em
extensão territorial, ela não é banhada pelo mar, mas, por outro
lado, tem o privilégio de ser abrangida por dois cenários de uma
inigualável beleza: o Cerrado e o Pantanal, que lhe renderão duas
cozinhas muito bem marcadas, a Pantaneira – formada pelo Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, e a da Goiana – formada pelo cerrado.
Sua diversidade cultural e gastronômica se deve também aos
diversos povos que por essa região passaram. Encontraremos aqui
influência de todos os elementos. Como afirma Araujo (2005, p. 83):
Cozinha Brasileira de Raiz

Centro-oestinos têm diversidade gas-


tronômica influída por exploradores
que passaram ou se instalaram ali.
Existem elementos de todo o país,
como carne-de-sol nordestina, milho
de mineiros, arroz de carreteiro de
gaúchos [...] A culinária regional
recebeu indígenas, africanos e por-
tugueses, as primeiras incidências,
por riquezas naturais e terras férteis
mais baratas. Da Bolívia e do Paraguai
houve participação relevante. Os bo-
livianos com as saltenhas (pastéis de
frango assado) e as chipas paraguias
(biscoitos com formato de ferradura).
Entretanto, guariroba, pequi, banana-
-da-terra, peixes e caças (capivara, tatu
anta, paca e marreco) fazem a festa
da terra.

Conforme o comentário da autora, podemos Na cozinha pantaneira, em razão de seus rios


concluir que o centro-oeste é outra região que fartos, encontraremos uma variedade de sa-
sofreu fortes influências dos bandeirantes, bores marcantes, como a matrinxã, o exótico
mas, em função da peculiaridade de seus in- e o afrodisíaco caldinho de piranha, a carne
gredientes, tipificou-se por meio da incorpo- de jacaré, a piraputanga frita, o pacu, às vezes
ração de ingredientes únicos, como o pequi e ensopado, às vezes frito ou assado, também é
a guariroba. servida apenas a sua costela, chamada de ven-
Outro ingrediente importante dessa região trecha. Acompanhando alguns desses pratos,
é o milho, que tem presença marcante na cozi- é bastante típico dessa região servir um bom
nha cotidiana. Dele, aproveita-se tudo: se seco, pirão apimentado e a banana crua.
preparam a canjica, a farinha e o angu; quando Isso tudo sem falarmos do pintado, servido
está verde, preparam as pamonhas e curaus. Do como mojicas (peixe ensopado com mandioca),
Rio Grande do Sul, veio o arroz de carreteiro, à moda pantaneira (servido na telha) ou frito
aqui batizado de Maria-Izabel, como os tempe- com urucum. Encontraremos também a forte
ros e gostos da região. influência dos vizinhos de fronteira, como a
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 81

Bolívia, que oferecerá a saltenha (que são os receita que junta sobras de arroz e sobras de carne
pastéis assados no forno), e o Paraguai, com as e de feijão, ou arroz de puta rica, que é o mesmo
chipas, que lembram o pão de queijo mineiro, arroz, que, com passar do tempo, ganhou mais
e as sopas paraguaias, que não são sopas, e sim ingredientes, como linguiças, bacon, azeitona,
uma torta salgada, feitas a partir do milho e de passas, milho verde e ervilha, e transformou-se
muito queijo. em um prato requintado para figurar nas mesas
Da influência gaúcha e do desenvolvimento de ocasiões especiais.
da pecuária na região, a carne está sempre pre- As pamonhas são marcas registradas, são
sente, em forma de churrasco, seca, misturada conhecidas em toda região, em todas as casas
no arroz ou acompanhada de mandioca. Aliás, são consumidas, estando presente na mesa
em relação a esta última, o mato-grossense cos- dos menos abastados e, também, mais ricos.
tuma vangloriar-se dizendo que não há mandio- Quando uma família se reúne para fazer esse
ca como as da sua região. prato, chamam esse ritual de pamonhadas. As
Em seus mercados municipais, entre tantos pamonhas são servidas nas casas de família,
ingredientes e produtos típicos, não podem nas feiras livres e em restaurantes. A sua receita
faltar seus queijos, seus requeijões de corte, demanda técnica, que é passada de geração a
suas linguiças, como a de Maracaju, e seus geração: o milho é ralado e, depois, é passada
doces, como o doce de leite (em pasta, pedaço a faca nas espigas para extrair todo o sabor do
e qualhado, queimado ou mais branquinho), o milho. Só então a massa é temperada e coada
mocotó, o furrundum feito de mamão verde para encher as palhas. As pamonhas são cha-
e seus infinitos tipos de erva-mate para fazer madas de sal, quando recheadas com linguiça,
o refrescante tereré, que lembra o chimarrão queijos e guarirobas, podem, ainda, ser doces,
gaúcho por usar a erva-mate e também pela que são mais comuns em outras regiões como
confraternização que ele propicia. nordeste e minas.
Do cerrado, podemos citar o empadão O pequi se destaca por ser o fruto mais tra-
goiano, que consiste em uma torta riquíssima, dicional dessa região, estando fortemente ligado
cuja a receita tradicional é feita com guariroba, às raízes dessa gente. Só para fins de curiosidade,
carne de porco, carne de frango e queijo. Sem esse pequeno fruto tem apenas 20% de parte
comentarmos os variados pratos à base de pequi, comestível, sendo que seu interior é recoberto
como arroz, galinhadas e os licores. Outros exem- por espinhos, o que demanda ciência da gente
plos de preparações dessa região são os peixes na goiana para degustá-lo. Conforme classificação
telha, as pamonhas, o arroz de puta pobre, uma de Peres (s/d, online):
Cozinha Brasileira de Raiz

O pequi é uma fruta nativa do cerra- As mãos de fada que confeccionam


do brasileiro, cujo nome científico é doces artesanais, com tanto esmero,
Caryocar brasiliense camb. É também preservam a memória cultural de
conhecido como: piqui, pequiá, piquiá, Goiás. E tem como fonte de inspi-
piquiá-bravo, amêndoa-de-espinho, ração, uma de suas representantes
grão-de-cavalo, pequiá-pedra, peque- ilustres, a poetisa Cora Coralina, que
rim e suari. Seu significado na língua se julgava mais doceira que poeta. De
indígena é “casca espinhosa”. Do caroço tachos de cobre saem doces de frutas
desta fruta é extraído o óleo, e a partir cristalizados, como cajuzinho do cer-
dele é produzido o biodiesel e 50% deste rado, compotas como a de limãozinho
corresponde ao óleo vegetal, que tem recheado com doce de leite. Do forno,
uma composição química adequada especialidades como o pastelzinho,
para a produção de biodiesel. um tipo de tortinha com doce de leite.
Moldados a mão, um a um, os alfe-
No tocante aos seus doces típicos, não poderíamos nins, de origem árabes são confeitos
de açúcar e polvilho, feitos na forma
deixar de falar das doceiras de Goiás, mais
de bichos e flores.
especificamente, dentre tantas, a doceira que retra-
tou o coletivo dessas mulheres, que foi Cora Coralina.
Como bem citam Freixa e Chaves (2012, p. 244): Em relação aos alfenins, podemos ainda in-
cluir que mãos habilidosas puxam a massa
elástica de açúcar, esculpem e pintam delica-
damente pequeninas esculturas de marfim,
dando continuidade a uma tradição portu-
guesa vinda dos Açores, influência dos tempos
dos mouros.
E, para fecharmos, saliento que, apesar de
ter uma gastronomia tão rica e diversificada,
a região do Cerrado só irá se desenvolver a
partir do século XX, principalmente a partir
da formação de Brasília, que será a capital do
Brasil. Brasília, por seu plano piloto, arrojado
para época, atraiu muitos viajantes e investido-
res, o que trouxe um grande desenvolvimento
para a nova região.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 83

considerações finais
Querido(a) aluno(a), finalizamos mais uma unidade e espero que você tenha
conseguido visualizar o que contribuiu para a formação das cozinhas das
regiões tratadas aqui.
Vimos que a cozinha paulista e mineira foi formada por povos diversos,
tendo influência indígena, portuguesa e negra, principalmente. Elas possuem
grandes semelhanças, porque se originaram pela cozinha do viajante praticada
pelos bandeirantes.
Já na região centro-oeste, vimos que, na mesa pantaneira, não pode faltar
seus peixes, dos mais elaborados (como a matrinchã, a piraputanga), até a
mais simples piranha, que rende em mãos habilidosas ricos caldos. Da fron-
teira, tem-se a influência boliviana e paraguaia, com suas saltenhas, chipas
e as sopas paraguaias; e da influência dos gaúchos, que foram atraídos pelo
desenvolvimento da pecuária, os churrascos pantaneiros, acompanhados
sempre de mandioca. Já na mesa do cerrado, temos um fruto muito comum,
o pequi, comido principalmente com arroz e apreciado também em licores,
a guariroba e os empadões goianos, sem falar nas frutas do cerrado e suas
castanhas, como a baru, que a cozinha atual tem usado para recriar pratos,
abusando da delicadeza de seu sabor.
Concluímos que as heranças culinárias são muitas, passadas de geração
a geração. Um grande exemplo é a arte das doceiras, algumas famosas, como
Cora Coralina, ou ocultas, como a mulher do cotidiano dessa região. Mãos
talentosas e delicadas que, juntamente com a mão do boiadeiro, foram cons-
truindo essa cozinha, pela necessidade ou pelos seus ritos e festas.
Não se esqueça, se tiver um tempinho, faça uma visita virtual à Casa
de Cora Coralina e, sempre que for a essa região, prove uma pamonha com
linguiça ou, se seu apetite for maior, um arroz com pequi e, de sobremesa,
uma geleia de mocotó caseira! Aguardo você na próxima unidade!
Cozinha Brasileira de Raiz

atividades de estudo

1. No que diz respeito à formação da cozinha paulista, caracterize-a, comentando


sobre sua similiaridade com a cozinha mineira.

2. Discorra sobre a cozinha caipira, desenvolvida na região de Minas Gerais.

3. No tocante ao churrasco gaúcho, qual a sua origem?


material complementar

Gostaria, nesta unidade, de indicar a visita virtual à casa de Cora Coralina para enriquecer o
conteúdo visto.

Disponível em: <http://www.eravirtual.org/cora_br/>. Acesso em: 03 de nov. 2015.

O mineiro e o queijo

Assista ao documentário O mineiro e o queijo, a respeito do queijo da Canastra, disponível


em: <http://www.omineiroeoqueijo.com.br/filme/>. Acesso em: 21 out. 2015.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 85

leitura complementar
Feijoada: breve história de
uma instituição comestível

Na Europa, sobretudo na Europa de herança latina, mediterrânica, havia – e há, informa


Cascudo – um prato tradicional que remonta pelo menos aos tempos do Império Romano.
Consiste basicamente em uma mistura de vários tipos de carnes, legumes e verduras.
Há variações de um lugar para o outro, porém é um tipo de refeição bastante popular,
tradicional. Em Portugal, o cozido; na Itália, a casoeula e o bollito misto; na França,
o cassoulet; na Espanha, a paella, esta feita à base de arroz. Essa tradição vem para o
Brasil, sobretudo com os portugueses, surgindo com o tempo – na medida em que se
acostumavam ao paladar, sobretudo os nascidos por aqui – a idéia de prepará-lo com o
onipresente feijão-preto, inaceitável para os padrões europeus. Nasce, assim, a feijoada.
Segundo Câmara Cascudo, “o feijão com carne, água e sal, é apenas feijão. Feijão
ralo, de pobre. Feijão todo-dia. Há distância entre feijoada e feijão. Aquela subentende
o cortejo das carnes, legumes, hortaliças”. Essa combinação só ocorre no século XIX, e
bem longe das senzalas. O padre Miguel do Sacramento Lopes Gama, conhecido como
“Padre Carapuceiro”, publicou no jornal O Carapuceiro, de Pernambuco, em 3 de março
de 1840, um artigo no qual condenava a “feijoada assassina”, escandalizado pelo fato
de que era especialmente apreciada por homens sedentários e senhoras delicadas da
cidade – isso em uma sociedade profundamente marcada pela ideologia escravocrata.
Vale lembrar que as partes salgadas do porco, como orelha, pés, e rabo, nunca foram
restos. Eram apreciados na Europa enquanto o alimento básico nas senzalas era uma
mistura de feijão com farinha.
O que se sabe de concreto é que as referências mais antigas à feijoada não têm
nenhuma relação com escravos ou senzalas, mas sim a restaurantes freqüentados pela
elite escravocrata urbana. O exemplo mais antigo está no Diário de Pernambuco de 7
de agosto de 1833, no qual o Hotel Théâtre, de Recife, informa que às quintas-feiras
seriam servidas “feijoada à brasileira” (referência ao caráter adaptado do prato?). No Rio
de Janeiro, a menção à feijoada servida em restaurante – espaço da “boa sociedade” –
aparece pela primeira vez no Jornal do Commercio de 5 de janeiro de 1849, em anúncio
sob o título A bela feijoada à brasileira: “Na casa de pasto junto ao botequim da Fama do
Café com Leite, tem-se determinado que haverá em todas as semanas, sendo às terças e
Cozinha Brasileira de Raiz

leitura complementar

quintas-feiras, a bela feijoada, a pedido de muitos fregueses. Na mesma casa continua-se


a dar almoços, jantares e ceias para fora, com o maior asseio possível, e todos os dias há
variedade na comida. À noite há bom peixe para a ceia.”
[...]
Para Câmara Cascudo, a feijoada não é um simples prato, mas sim um cardápio inteiro.
No Rio Grande do Sul, como nos lembra o pesquisador Carlos Ditadi, ela é servida como
prato de inverno. No Rio de Janeiro, vai à mesa de verão a verão, todas as sextas-feiras,
dos botecos mais baratos aos restaurantes mais sofisticados. O que vale mesmo é a
ocasião: uma comemoração, uma confraternização, a antecipação do fim-de-semana no
centro financeiro carioca, ou até mesmo uma simples reunião de amigos no domingo.
Um cronista brasileiro da segunda metade do século XIX, França Júnior, chegou a
dizer mesmo que a feijoada não era o prato em si, mas o festim, a patuscada, na qual
comiam todo aquele feijão. Como na Feijoada completa de Chico Buarque: “Mulher /
Você vai gostar / Tô levando uns amigos pra conversar”. O sabor e a ocasião, portanto,
é que garantem o sucesso da feijoada. Além, é claro, de uma certa dose de predisposição
histórica (ou mítica) para entendê-la e apreciá-la, como vêm fazendo os brasileiros ao
longo dos séculos.

Fonte: Elias (online, p. 33-39).


Cozinha Regional:
o Nordeste, o Norte e o Sertão do Brasil
ANDREA CRISTINA SHIMA DA MOTTA
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Cozinha Regional: Região Nordeste


• Cozinha Regional: Região Norte
• A Cozinha Sertaneja

Objetivos de Aprendizagem
• Estudar, na literatura especializada, a formação da cozinha
regional.
• Resgatar, na literatura especializada, a formação da cozinha
regional e seus pratos.
• Compreender e contextualizar os elementos formadores da
cozinha de cada região.
• Entender a identidade da cozinha dessa região.
89

Introdução
Dando continuidade aos nossos estudos sobre a cozinha regional brasileira, gostaria de con-
vidá-lo(a) a estudar nesta unidade III sobre o Nordeste, o Norte e o Sertão do Brasil . Caro(a)
aluno(a), começo esta unidade refletindo sobre uma verdade, o nordestino e o nortista são o
povo mais solidário que há, acostumado a dividir no pouco e no muito. Essas cozinhas nasceram
em circunstâncias muito específicas, as quais, para o leigo, parecem iguais, mas, como veremos,
apresentam algumas peculiaridades culturais e de ingredientes.
Veremos que essas regiões são muito especiais pela exuberância de suas paisagens (com
certeza a que mais atrai o turismo) e pela variedade de ingredientes, contudo a nítida desigual-
dade econômica a prejudica fortemente, é nessa região onde se concentra o maior índice de
pobreza de nosso país.
O objetivo desta unidade é estudar essas regiões e, principalmente, resgatar sua comida
como uma forma de resguardar esse conhecimento. Sobre o Nordeste, é impossível não falar
das cozinhas e do rico litoral, de seus peixes fartos e de seus frutos do mar, sempre alourados
em azeite ou dendê. Destacam-se também as frutas, que são muito doces pelo clima propício
e, em algumas regiões, ressalta-se o uso do coco, do qual se utilizam desde a fruta até o leite,
que dão um cheiro imprescindível a essa culinária, seja no preparo de peixes, seja no de frutos
do mar, bem como em seus doces. A cozinha dessa região é muito gostosa e colorida e tem sua
base na cozinha colonial de outros tempos.
A região Norte é considerada seleiro do mundo, pela abrangência da Amazônia, com suas
mais de 30 mil espécies de plantas, que fornecem a sua biodiversidade uma riqueza incomparável.
Ingrediente como o Jambú, a chicória do Pará, a alfavaca, as pimentas de cheiro, a vinagreira e
tantos outros estão sendo descobertos e valorizados agora pelos brasileiros. Essa é a cozinha
com maior influência indígena, sendo exótica e cheirosa.
O Sertão Nordestino possui uma cozinha de resistência, característica adquirida pela con-
dição climática hostil da região da seca. Nela, teremos o homem sertanejo sobrevivendo à seca,
lutando para comer. São exemplos de alguns alimentos consumidos nessa região: carnes secas,
carne do bode, feijões, angu, jacuba, canjica, maxixe, dentre outros.
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 91

Cozinha Regional:
Região Nordeste

A região nordeste é a que possui o maior número de estados. Só


por aí já podemos imaginar o tamanho de sua diversidade cultural
e, como reflexo, também a diversidade culinária. Abrangem essa
região os estados do Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba,
Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Por suas ca-
racterísticas, podemos dividir esse estado em meio-norte, agreste,
zona da mata e sertão.
Região berço do descobrimento do Brasil, como vimos na
primeira unidade, sofreu uma forte influência dos portugueses.
Foi nessa porção do país que tivemos a capitania de Olinda e, mais
tarde, a região que abrigou a primeira capital do Brasil, Salvador,
no ano de 1549, sendo também essa região um grande centro co-
mercial financeiro da época, em razaõ da Capitania de Pernambuco,
principal região produtora da colônia.
Cozinha Brasileira de Raiz

Apenas com essa introdução, já podemos ter sua diversidade: no sertão, a comida será mais
dados suficientes para identificarmos a influência seca, os pratos serão mais assados e as carnes
de sua cultura alimentar, nesse sentido, como bem aparecerão com maior frequência. Já no litoral,
levanta Gilberto Freyre (2005), em Casa-Grande a cozinha é mais variada, nela, destacam-se os
Senzala, atuaram sobre a culinária do Nordeste a peixes, os frutos do mar, algumas hortaliças e os
tríade: índio, africano e europeu. Dessa maneira, doces, com receitas que atravessaram gerações.
a miscigenação étnica e cultural foi a base para Os pratos do litoral são ricos em camarões,
a composição da população do povo nordestino. caranguejos, peixes, aratus, casquinhas de siris
Outro dado relevante é que essas influências, e podem ser preparados fritos, no bafo, ou em
por meio de mistura de etnias, não ocorreram de forma de ensopados, de caldeiradas, assados.
forma uniforme em todo o Nordeste. Em relação Dos ingredientes do mar, podemos citar a ta-
às cozinhas, essa transformou ingredientes da rioba, espécie de marisco que tem a concha
farta natureza, enriquecendo-as com produtos esverdeada e é preparado no vapor; dos seus
além do mar, por meio de adaptações. peixes, são típicos da região a pescada-amarela, o
De acordo com a região, podemos dizer pirapema, o peixe-pedra e o camurim, conhecido
que as cozinhas terão diferentes valores pela também como robalo.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 93

O pirão e a farofa sempre acompanham os


pratos ou os petiscos do final do dia, que são
feitos a partir das coisas do mar ou da terra,
por exemplo, os caldinhos de feijão ou sururu.
História do Souza Leão
Nessa perspectiva, encontraremos, ainda, no É o bolo mais famoso do Brasil, verdadeira
litoral, uma grande variedade de farinhas de lenda da nossa doçaria tradicional. Traz o
mandioca, que resultarão em tapiocas ou em nome da família em que nasceu, do velho
Pernambuco dos engenhos de açúcar. A famí-
pirões servidos com pratos de peixe (fresco, sal-
lia tem vários ramos provenientes dos onze
gado ou seco), camarões e frutos do mar. Alguns engenhos que lhe pertenciam: Morenos,
sabores lembrarão a comida sertaneja, porém Tapera, Xixaim, entre outros. Há várias re-
ceitas do bolo com pequenas variações nas
mais delicada, principalmente pelo uso do leite
quantidades dos ingredientes e, às vezes, a
de coco em suas peixadas ou “moquecas”. introdução de um ou outro pormenor, conso-
Novamente, destacamos a grande variedade ante ao engenho, ao qual pertenciam.
de frutas das regiões Norte e Nordeste, as quais (FERNANDES, 2012, p. 98
apud SHINOHARA et al. 2013, p. 64)
são muito doces e saborosas, são exemplos o
abacaxi, a manga, a seriguela, a jaca, o caju, a
pitomba e mais uma infinidade delas.
Como herança dos grandes engenhos de
açúcar, temos a fartura da rapadura, do açúcar
mascavo e do melado. O paladar doce do Brasil Pode-se, ainda, dizer que esse estado faz parte
se origina das receitas de família, de uma época do nordeste, mas seu ecossistema, sua vegetação
em que os nomes dos doces homenageavam as e fauna são, na maior parte, muito similares aos
famílias tradicionais latifundiárias. Assim, os da Amazônia.
bolos que eram feitos pelas mãos habilidosas O uso dos temperos e do modo de preparo
da mulher portuguesa se aprimoraram, dentre de seus peixes, de seus moluscos, de crustáceos,
eles, se destaca o Souza Leão, que é patrimônio de tubérculos e de raízes têm muita influência
da humanidade, tombado pelo IPHAN. portuguesa e africana. Nas suas peixadas e cal-
No Maranhão, encontraremos uma co- deiradas, o acompanhamento é sempre a farinha
zinha diferenciada pela sua localização geo- d’agua e o arroz. O Maranhão também é terra da
gráfica, uma vez que esse território fica entre batata doce, do cará, do inhame, da macaxeira,
os estados do Norte e Nordeste brasileiro, o dos óleos de babaçu; e são pratos característicos
que implica a influência das duas regiões. dessa região a rabada, o sarrabulho (conhecido
Cozinha Brasileira de Raiz

como sarapatel), o mocotó, o chambaril, que são


preparados com a forte influência das técnicas
portuguesas.
Essa cozinha é caracterizada também pelo
pouco uso de óleo e pimenta e é considerada a
mais natural do nordeste. Dentre seus ingre-
dientes mais importantes está o arroz, trazido
pelo europeu. Sua preferência por esse ingre-
diente chegou a lhe render o apelido de papa-
-arroz, como são conhecidos os maranhenses.
Entre os pratos com esse ingrediente, temos o
arroz de cuxá, o de jaçanã (feito com marreco),
o de carne (que lembra o arroz de carreteiro,
ou ainda, o Maria Izabel do centro-oeste), o de
caranguejo, o de camarão e o com feijão.
O prato que mais representa o maranhense
é o arroz de cuxá, por conter a influência dos
povos que formaram esse Estado: a vinagreira
vem da África, o caruru, dos índios, o gergelim,
dos árabes, e a técnica de preparo, dos portugue-
ses. Como Fernandes (2012, p. 83) diz:

[...] a base do prato, o que lhe dá cor e O apelido de papa-arroz faz jus à quantidade
parte do seu sabor é a vinagreira, verdura de receitas com o grão. Claro que a primeira
originária da África. A joão-gomes, ou delas é o arroz de cuxá, prato que rendeu até
caruru, ou língua- de-vaca, ou maria- versos do teatrólogo Arthur Azevedo: “Visitei
-gomes que também com seu sabor e o velho mundo / E nos restaurantes caros /
consistência, era erva amplamente uti- Os acepipes mais caros / Comi que nem um
lizada pelos índios. Dos árabes a pre- paxá; / mas, quer creias, quer não creias, /
sença indispensável do gergelim. Dos Nenhum achei mais gostoso, mais fino, mais
portugueses, o próprio modo de preparo, saboroso; / Que o nosso arroz de cuxá” .
macerando as folhas até transformá-las
Freixa; Chaves (2012, p. 239).
em uma papa, tão apreciada nos espar-
regados, que talvez tenham sido levados
para a península pelos próprios árabes.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 95

Dessa maneira, a cozinha do maranhense terá ricas e originais do Brasil. Entretanto, os índios e
influência do português, do africano e do indí- os portugueses também contribuíram de forma
gena, seja pelos ingredientes, seja pelas técnicas a caracterizar, ampliar e diversificar a comida
ou pelos seus pratos. Como podemos ressaltar: típica baiana.

Tortas, suflês, cremes desenvolveram-se Dos africanos, herdamos as tradições e cos-


na gastronomia maranhense via portu- tumes e também recebemos as influências deles
gueses. Cuxá é o símbolo. Compõe-se para preparar suas receitas típicas, como em
por ingredientes das culturas formado-
um dos principais pratos baianos: a moqueca,
ras. A base do prato é a vinagreira, planta
africana da Guiné, no Brasil o caruru-a- que, diferente da rival capixaba, levará em seu
zedo, o quiabo-azedo, azedinha, quiabo preparo o azeite de dendê e o leite de coco. A mo-
roxo ou rosélia. Para agregar sabor, cor
queca tem origem indígena, segundo Cascudo
e consistência, emprega-se a erva índia,
conhecida por joão-gomes. O gergelim (2004), em História da Alimentação no Brasil,
pisado em pilão é herança árabe. Macerar esse nome tem origem tupi: pokeka. Vieram da
folhas é técnica lusa, aqui adaptada ao África sementes como as do dendê, do quiabo,
pilão (ARAÚJO, 2005, p. 78).
da pimenta malagueta, que foram cultivadas
no litoral baiano.
Temos, ainda, que destacar as bebidas tradicio- Uma forma do negro cultivar suas tradições
nais, como a tiquira, bebida forte de influên- religiosas se deu por meio de suas oferendas,
cia indígena, uma aguardente feita a partir da as comidas de santo sempre eram feitas para
fermentação do beiju da farinha de mandioca, um orixá, como é o caso do Abará, feito com
caracterizada pela sua cor azulada. Atualmente, feijão fradinho, camarão seco, cebola e dendê;
destaca-se representando a gastronomia desse do Acaçá, bolo de milho ou de arroz, cozido em
estado a bebida conhecida como guaraná Jesus, banho-maria na folha de bananeira; do Caruru
bebida gaseificada, tipo refrigerante, de colora- de Dona Flor e seus dois Maridos, feitos com
ção rosa e extremamente edulcorada. quiabo e camarão seco, amendoim e dendê, co-
Falando um pouco da Bahia, temos que zidos em guisado. Isso irá resultar, com o passar
ressaltar que em nenhum outro estado a in- do tempo, na nossa cozinha afro-brasileira, ca-
fluência africana resistiu de maneira tão forte. racterizando o maior legado da cultura africana
Desse modo, temos como consequência uma na culinária baiana.
das maiores influências da culinária africana. Do índio, percebe-se, também, a influên-
Culinária essa que representa a herança dos cia, como em outras regiões brasileiras, do uso
escravos e que formou uma das culturas mais da farinha de mandioca, do feijão e de alguns
Cozinha Brasileira de Raiz

utensílios de cozinha, por exemplo, pilões e bolinho de estudante (feito de tapioca com coco,
cumbucas de cerâmica. A farinha de mandioca frito e passado no açúcar com canela), o vatapá,
ou farinha de guerra representava um alimento o caruru, o mungunzá (mingau feito com milho
de base, como já vimos na primeira unidade (se branco, açúcar e canela) e o efó.
tem farinha de mandioca, nada falta – da puba Em função da riqueza desse estado, local
se faz pratos tradicionais: farinha seca, farofa, onde o Brasil nasceu e que foi contado por Jorge
pirão, mingau, papa e tapioca). Amado, em cada lugar, encontramos uma rique-
A contribuição portuguesa na culinária za cultural, seja na sua história, seja em seus
também deixou o seu legado, principalmente nas ingredientes, seja em seus pratos. Desse modo, a
carnes, pois introduzirá em nossa cozinha o boi, secretaria de turismo da Bahia dividiu o estado,
os caprinos e as aves (inclusive o uso dos ovos), considerando regiões principais:
quanto aos peixes, incorporaram as sardinhas. Na chapada da Diamantina, região
Temos, ainda, a introdução da doçaria, do uso do caracterizada pelas bebidas e comidas
azeite doce (ou de oliva), dos legumes, das casta- quentes, como malambra ou quenga,
feita com fubá de milho e frango, godó,
nhas, do queijo, do trigo e a influência da feijoada
um ensopado de carne-seca com banana
que, como já discutimos, é uma aculturação do verde, e o famoso quentão, com ca-
cozido português com o feijão e a carne-seca. chaça e gengibre (FISBERG; WEHBA;
COZZOLINO, 2002, p. 316).
Temos, também, as comidas de tabuleiro,
feitas pelas baianas e vendidas nas ruas. As baia-
nas de tabuleiro apresentam-se ornamentadas, Já na costa do descobrimento, a culinária é ba-
com suas vestimentas tradicionais que lembram sicamente do mar. A costa do dende é caracteri-
o século XIX, período da escravidão, em que as zada por ter uma cozinha típica e internacional
negras saíam nas ruas para vender seus quitutes. e, na do Cacau, encontramos uma culinária mar-
Em suas barraquinhas, elas estão adornadas cada pelas cozinhas dos coronéis do cacau, onde
em suas saias brancas rendadas, suas túnicas e também temos a culinária do mar. Já na Baía
turbante na cabeça para vender seus acarajés, de Todos os Santos, destacam-se a mistura de
feitos a partir de um rico vatapá. E baiana que sabores africanos e brasileiros (do índio), com
se prese, veste renda de rechelieu. seus carurus e vatapás e, no Recôncavo, que
Dentre as comidas de tabuleiro, não poderão cresceu com a influência dos engenhos de cana,
faltar o acarajé (bolinho feito com massa de é muito forte a influência africana.
feijão fradinho frito na hora no dendê), as coca- Em relação ainda ao Recôncavo Baiano,
das e o quindim. São comuns também o abará, o sentimos a necessidade de destacar que nessa
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 97

região as tradições africanas foram singular- atenção o almoço fresco ou cozido, preparado
mente preservadas. Nela, encontramos o samba aos sábados, com carnes, raízes, folhosas e legu-
de roda (tombado como Patrimônio Imaterial minosas, cozidas em um caldo. Leva esse nome
da Humanidade) e as imortalizadas por Jorge por sábado, na Bahia, ser dia de feira-livre, dia
Amado, em Tieta do Agreste, frigideiras de de ingredientes frescos. Comuns também são
maturi. Esse prato merece um adendo: a fri- os pratos de miúdos ou vísceras, que tiveram
gideira de maturi é preparada com a castanha origem na história dessa cozinha em tempos de
de caju ainda verde, o que demanda ciência em comida escrava, de escassez, e que hoje fazem
seu manuzear, uma vez que a castanha verde parte de todas as mesas. Fazem parte dela a
solta uma resina que queima as mãos. É uma dobradinha, o sarapatel e o mocotó.
receita feita com o maturi, em que se refogam O tempo passou e com ele vieram novas tec-
no dendê cebola, tomate, coentro, acrescidos nologias, influências de outros povos, aculturação
de camarão seco. Batem-se os ovos, formando de ingredientes, mas na mesa do baiano conti-
quase uma omelete, levando-se tudo ao forno. nuam essencias a farinha, o feijão, a pimenta, o
Muito consumidas nesssa região também são as coco e o dendê: heranças de outros tempos que
frigideiras de aratu, de camarão e de siri catado: continuam a ser alimentos-base dessa cultura.

São comuns também as frigideiras de Outro estado do Nordeste brasileiro é o


camarão, de aratu e de siri catado. Por Alagoas, que seguirá um padrão parecido com
conta da região ser banhada pelo rio os demais do nordeste em termos de aprovei-
Paraguaçu, a variedade de peixes, resul-
tamento de ingredientes regionais e influên-
tou em moquecas muito particulares,
como a de pitinga (peixe com cerca de cia africana, indígena e europeia. Mas iremos
10 cm) a de puã (pata de caranguejo), e encontrar alguns ingredientes e pratos típicos
a de aratu (crustáceo vermelho dos man-
dessa região que têm seu nome em função das
guesais locais). O que não pode faltar no
lanche do povo do reconcavo é o bolinho inúmeras lagoas litorâneas desse estado.
de estudante, feito com tapioca, açúcar e Pelo seu litoral, temos uma variedade de
canela (FREIXA; CHAVES, 2012, p. 242). peixes e frutos do mar e, ainda, ingredientes do
semiárido alagoano. De seus peixes e frutos do
Apesar de a comida baiana ter um forte cunho mar, destacam-se o sirigado, a cavala, a rabaiana,
religioso pelo seu sincretismo, envolta em um a cioba, o pitu, a carapeba, o sururu e o camarão.
caráter sagrado, temos também a comida co- Na comida do dia a dia, podemos encontrar
tidiana dessa gente. Seu cardápio do dia a dia, a feijoada regional (que, além de carnes, leva
como vimos, é muito variado, e nos chama a verdura), os cozidos, a buchada e a carne de sol.
Cozinha Brasileira de Raiz

Para acompanhar seus pratos, temos sempre o Já a Paraíba possui influência de franceses,
pirão de leite, que é uma influência do sertanejo, holandeses, portugueses e, ainda, do índio e do
em que há leite farto, há também doce e queijo. negro. Em seu litoral, encontramos camarão,
Do semiárido virão também o umbu, a paçoca lagosta, caranguejo, ostra, mariscos preparados
de carne dos vaqueiros. ora no alho, ora no leite de coco, ou ainda com
Em Maceió, capital cercada por rios e pelo tomates. Do sertão, a carne de sol, a macaxeira,
litoral, encontramos uma variedade de peixes o cuscuz, o jerimum, a manteiga de garrafa,
nobres, como a cavala, a arabaiana, o serigado, acompanhados de seus pirões de mandioca.
o rabalo (camurins) e ainda seus fartos cama- Em Sergipe, destacamos, de forma inevi-
rões, como o pitu de água doce. Podemos citar tável, os peixes e os frutos do mar. Aparecerão,
ainda os guaiamus de seus manguesais e lagoas, também, as moquecas, a arraia, o leite de coco.
com pirão mexido, as agulhas fritas, o maçunim Do São Francisco, que percorre essas terras, vem
(conhecido no sul como vongole), o siri mole, o surubim e, do sertão, as carnes.
o catado etc. O Rio Grande do Norte, por sua locali-
Do sururu, fazem o sururu de capote, a cal- zação geográfica, também teve forte influên-
deirada de frutos do mar e a ensopada no leite cia do europeu. No Sertão, encontramos os
de coco. Sem falar da mingaupitinga, que é uma queijos de coalho e de manteiga e as carnes
massa de mandioca com leite de coco. de sol. A influência do índio e do negro não
A repeito dos doces, são tradicionais os da se sobressaiu, a maior influência potiguara é
região de Riacho Doce, que são assados em forno a do português.
a lenha e embalados nas folhas de bananeira, E o Ceará não será diferente das demais
como o bolo de macaxeira, a puba e o de milho. regiões, tendo sua culinária influenciada por
Já as frutas costumam ser consumidas in natura, ingredientes da pesca e da pecuária. Do litoral,
ou então como doce, refrescos ou sorvetes. resaltam-se a lagosta, as peixadas e o cama-
São alguns exemplos de frutas comuns dessa rão ensopado. E da terra, a batata doce, o coco,
região: mangaba, siriguela, sapoti, graviola, cajá, o milho e a macaxeira irão resultar em bolos,
manga, abacaxi, jenipapo, dentre tantas outras. cuscuz, canjica, pamonha. Outro prato típico
Os doces são preparados em tachadas; do jenipa- da região é o baião, ou bãiao de dois. A carne
po, originam-se licores, acerca das bebidas, pode seca irá resultar nas paçocas de carne, servidas
ser mecionado o cachimbo, que é a mistura de puras ou para acompanhar o baião. As bucha-
aguardente e mel de abelhas, oferecidos como das, o sarapatel e os demais miúdos compõem
forma de comensalidade. pratos do dia a dia.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 99

Q
uando lembro do Piauí, me vem a lem-
brança de camisetas que são vendi-
das em pontos turísticos, elas tinham
estampada a seguinte frase: “Piauí,
aqui nem o vento é fresco”. Assim, podemos
imaginar o quanto essa terra é quente. Lá, o
peixe tem menor importância na composição
dos pratos , contudo são usados alguns de água
doce, como a matrinchã, o surubim e a curi-
matã. Essa cozinha, que também sofreu forte
influência do português e do negro, irá influen-
ciar a comida do vaqueiro, por meio do uso das
pimentas e do cominho. Destaque também
para as carnes de caça, como o tatu, consu-
mido principalmente no interior, e, quando
acrescidos de leite de coco, transformam-se
em uma iguaria.

Quando for desenvolver a receita do


Acarajé, deixe o feijão fradinho de molho
em água por algumas horas, para que
você consiga retirar a casca do feijão ou,
como chamam os mais antigos, o olho
do feijão.
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 101

Cozinha Regional:
Região Norte

Essa é uma região considerada patrimônio da humanidade pela


sua biodiversidade. Até os dias de hoje, encontra-se nessa região a
maior população indígena do Brasil, sendo, por essa razão, a região
que mais preservou a cultura indígena e as raízes de seu legado
para a formação do Brasil.
Inicialmente, a influência da culinária dessa região foi indígena,
em que a caça, a pesca e o plantio da mandioca predominaram. É
uma cozinha que prima pela simplicidade de seus pratos e é exótica
em seus ingredientes: apresenta alimentos assados, moqueados,
tostados e, às vezes, cozidos, em que o sal é difícil e o açúcar,
desconhecido.
Cozinha Brasileira de Raiz

Os principais ingredientes dessa cozinha Primordial também para essa região é o peixe,
são a mandioca e seus subprodutos. Conforme base da alimentação do índio. Encontraremos
já salientamos no estudo da unidade I, encon- aqui uma grande variedade deles, dentre os prin-
tramos basicamente dois tipos de mandioca: a cipais, podemos destacar o filhote e o pirarucu,
brava e a mansa. A brava é venenosa por conter que é um símbolo para o Amazonas, podendo
ácido cianídrico e precisa passar por vários pro- chegar a 100 kg. É dele que se faz o bacalhau
cessos antes de ser consumida, devendo ser da Amazônia. Dessas águas, são conhecidos
processada no tipiti; a doce, que não é vene- também o tamuatá, o mero e o tucunaré. Outra
nosa, pode ser consumida de imediato, após delícia é o aviú, que é um pequenino camarão
ser cozida. Da mandioca, extraímos a goma (o considerado uma iguaria, encontrado na foz do
polvilho), as farinhas e o tucupi, este presente rio Tapajós e Tocantins.
principalmente no Pará, onde faz parte de pratos Macapá, no Amapá, é a única capital banha-
símbolo do Estado, como o pato no tucupi e o da pelo rio Amazonas e cortada pela linha do
tacacá. Como acompanhamento principal para Equador. Por suas ilhas e igarapés, observam-se
a maioria dos pratos, está o jambu, conhecido a diversidade da sua vegetação e a riqueza de sua
também como agrião do Pará, planta que, ao ser fauna. Nos rios, encontramos uma variedade
consumida, é responsável por uma leve sensação de camarões de água doce, que acompanham
de dormência dos lábios. os mais diversos pratos, como pitú ensopado,
ou filhote no bafo ou ao leite de coco.
As frutas, tão exóticas e diversas, podem
ser consumidas in natura, delas podem ser feitos
doces, geleias e refrescos, são exemplos: tape-
rebá, bacuri, tucumã, inajá, biribá, camapu e
tantas outras.
Em Belém, o mercado Ver o Peso representa
a excentricidade desse Estado, é um verdadeiro
despertar dos sentidos. Nesse aspecto, podemos
mencionar as variedades de pimentas, dentre
as quais se destaca a cumari do Pará, o verde da
maniva, que irá compor a maniçoba das mesas
dessa região, o amarelo intenso, quase ouro,
do tucupi, sem falar de tantas outras riquezas
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 103

que, quando dispostas em suas barraquinhas, a cozinha que mais se manteve original às suas
parecem infinitas. Uma das coisas que podemos raízes, pois, na região amazônica, come-se ainda
degustar nas barracas desse mercado é o peixe o que o índio sempre comeu, ou seja, enormes
frito com açaí. peixes que povoam os rios da região, o milho, a
Sem falar das farinhas, que se apresentam mandioca e os seus derivados, bem como o cará
nas mais variadas cores e texturas. Elas são pró- e os temperos de ervas naturais.
prias para os pirões, para os xibés ou para serem
consumidas puras. Além das farinhas, existem
também os feijões, como o de Santarém, que
acompanham as saladinhas.
Outro ícone de Belém, um hábito já insti-
tuído, é o tacacá das cinco, um caldo servido
na cuia indígena, feito a partir do tucupi, guar-
necido com camarão seco e aromatizado com
jambu. Prato também simbólico é o pato no
tucupi, prato ancestral, que remonta a tempos
pré-coloniais, feito também à base do tucupi,
acrescido de jambu.
No Marajó, destaca-se o queijo marajoara,
feito a partir do leite de búfala, podendo ser
consumido também como sobremesa, que pode
originar o Mundico e Zefinaha, quando servido
com cupuaçu. O queijo se faz presente no coti-
diano dos vaqueiros, sendo considerado comida
de matolagem. Importante destacar também
dessa cultura as suas danças, como o carimbó,
e a cerâmica marajoara.
Podemos concluir que a culinária da Região
Norte é genuinamente brasileira, pois é a que
se formou basicamente com os nossos recur-
sos naturais, sendo influenciada pelos índios,
primeiros habitantes do Brasil. É, sem dúvida,
Cozinha Brasileira de Raiz
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 105

A Cozinha
Sertaneja

“Nossa comida ainda são bem tradicionais. Linguiça,


Sarapatel, cabidelas desiguais, Carne assada com farofa,
Quem comer deseja mais [...].”
(MAIOR, 1985, p. 05, citando versos de Sinésio Pereira)

Bom, falamos no tópico anterior sobre a exuberante cozinha nor-


destina litorânea, tão ligada a sua previlegiada geografia – seu litoral
farto e belo e seus ricos rios, mangues intocáveis, seus coqueirais
e suas frutas doces e exóticas, muitas desconhecidas do próprio
brasileiro. Agora, neste tópico, falaremos de uma outra parte dessa
região, que, de certa maneira, em alguns aspectos, é o oposto disso
tudo. Abordaremos uma cozinha do sertão nordestino, que é uma
cozinha rústica, resultado da luta pela sobrevivência, mas nem por
isso menos saborosa.
Cozinha Brasileira de Raiz

E
ssa região é conhecida também como A principal característica dessa cozinha é a sua
polígono das secas e irá abranger os simplicidade, que faz dela, muitas vezes, uma
seguintes estados: Alagoas, Bahia, cozinha prática, mas que é sempre acompanhada
Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de muita sabedoria, a qual vem se perdendo
Grande do Norte e Sergipe. É caracterizada pelo com o tempo, em razão da falta de tempo e pela
clima seco e quente, com temperaturas sempre facilidade da comida industrializada.
altas e chuvas esporádicas. É nesse contexto que Regionalmente, as cozinhas do Nordeste
essa cozinha se desenvolveu, apresentando-se assumem diferentes valores, no sertão, as comi-
de forma simples, autêntica e forte, como a sua das se apreentarão mais secas, com sabores mais
gente. Como bem comenta os autores de Um, fortes, dessa forma, apresentam-se os assados,
Dois, Feijão com Arroz: os cozidos e os guisados. No litoral, a cozinha
será variada, sabores delicados se intercalam
Malgrado a pouca diverdidade de ali-
com os mais pontuais, observamos também
mentos aclimatados à aridez regional, a
mesa sertaneja demonstra-se farta em
uma doçaria mais elaborada.
suas ocasiões mais festivas. Um bom A herança negra escrava nessa região deixou
número de cortados, assados e enso- legados em seu paladar por meio de suas comi-
pados está presente nos banquetes das e ingredientes, por exemplo, a carne de bode,
nordestinos que, parcimoniosos com
a farinha e o pirão. Cascudo (2004) relata que
os condimentos, expressam-se exube-
rantes na quantidade e variedade de
o que se comia nas fazendas dessas terras tão
iguarias ofericidas (FISBERG; WEHBA; distantes era a farinha, essa é que dava susten-
COZZOLINO, 2002, p. 324). tentação e fartava todas as fomes.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 107

No sertão, o café da manhã pode começar com Referências também são as galinhas, os
tapioca, cuscuz ou com mingaus e papas, esse capotes, as capoeiras, ou galinha-d’angola, das
é o pão do sertanejo. Cuscuz de água e sal ou quais se fazem as deliciosas cabidelas ou molho
cuscuz branco feito com mandioca e as papas pardo para o Sudeste do Brasil. Não sei por que,
e mingaus. Essa cozinha se desenvolveu tendo mas a galinha é preferência para os finais de
também como base ingredientes regionais, semana, são guardadas para esses dias: durante
como a carne seca, que é uma das bases dessa a semana, comem a carne verde (como chamam
cozinha, por conta da conservação, fator impor- a carne vermelha fresca) e reservam a galinha,
tante para as longas viagens, e a carne de bode, preferencialmente ensopada, para o domingo.
que bem se climatizou com a região. De sua As galinhas podem render receitas muito sabo-
roça, vem a batata doce, o jerimum, o maxixe, o rosas, como o arroz de capote do Piauí, citado
inhame, o milho e a macaxeira, unidos ao feijão por Ana Luiza Trajano, que o descreve em seu
de corda, à manteiga de garrafa, ao queijo coalho Cardápios do Brasil e faz uma homenagem a essa
e ao queijo de manteiga e, para adoçar, a sempre região.
presente rapadura, base de suas comidas doces.
Esses ingredientes são considerados símbolo
do sertanejo.
Ainda falando das suas carnes, a de bode,
que se adaptou ao clima, é constante em suas
mesas. A prova disso é a infinidade de coisas
que se faz com esse animal: guisadinho, en-
sopado e a buchada. Essa última compõe os
pratos típicos da região e é muito apreciada em
ocasiões especiais, havendo inclusive relatos
de que há o costume de servir essa iguaria,
nos períodos eleitorais, aos candidatos e, se
rejeitada, é sinal de desfeita ao eleitor. Esse
prato é feito com as vísceras do animal fervidas,
que servirão de recheio do bucho. Isso sem
falar do sarrabulho (cozido da pata de boi) e
do sarapatel (feito de todos os miúdos do boi
ou porco e sangue).
Cozinha Brasileira de Raiz

Voltando à buchada, após tempos de busca,


encontrei uma preciosidade, uma obra clássica,
de coisas que, com certeza, não se encontram de
forma tão genuína na internet, a obra de Mario
Souto Maior, Comes e Bebes do Nordeste, em que
ele conceitua (se isso é possível) da seguinte
forma a buchada de bode:

Considerada como um dos pratos mais


característicos da culinária nordestina
é comida pesada que exige uma lapada
de cachaça para quebrar as suas forças, a
buchada acontece sempre nas festas de
casamento, de batizado, ou até mesmo,
de aniverários da zona rural [...] Bem
limpo o fato do carneiro ou cabrito,
leva-se ao fogo a aferventar bastante.
Escorre-se a água e lava-se novamente
com limão. Em seguida, cortam-se bem
miudas as tripas, o fígado e o sangue coa-
lhado e aferventado à parte, só deixando
inteiro o buxo propriamente dito. Faz-se
o tempero dos miudos com hortelã e pi-
menta, alho, sal, cebola roxa , tudo bem
ralado, e um pouco de vinagre. Coloca-se
tudo no buxo, aberto e estendido em
uma mesa, depois junta-se a cabeça do
carneiro ou cabrito, cozido à parte, nos
mesmos temperos. Costura-se o buxo,
como se fosse uma trouxa, ensacando
tudo (MAIOR, 1985, p. 44).

Ainda pensando na buchada, como temos co-


mentado, é pela necessidade que do animal
aproveita-se tudo. Nesse sentido, lembrei-me do
discurso de Alex Atala, em um evento, em que
ele afirma que a morte de um animal tem que
ser justificada pelo uso de todas as suas partes.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 109

Das vísceras, preparam-se as buchadas, as pa- a empregavam em muitos alimentos, como


neladas aproveitam os pés, as pernas, as tripas, em suas sardinhas. Por outro lado, as paçocas,
os buchos, as vísceras e a cabeça do animal, e essas sim têm origem indígena. Como explica
das partes mais nobres, são feitas a carne de sol. Cascudo (2004, p. 551), “A paçoca exige o pilão,
A carne de sol vem da necessidade de con- sob pena de não ser paçoca. A carne ou peixe
servação desse ingrediente e de sua provisão. Era pilado e misturado com farinha davam o nome
comum, quando se abatia o animal, a carne já de poçoka (po-çoka), que quer dizer pilado à
se deteriorar até chegar à cidade, o que também mão ou esmigalhado à mão”.
poderia ocorrer nas longas viagens (do vaqueiro, Essa é a cozinha da terra de Luiz Gonzaga,
do retirante, do trabalhador), sendo também que tanto interpretou em suas músicas o sen-
necessário conservar a carne para os tempos de timento e a vida do sertanejo. Em Vida de
escassez. No nordeste, há dois tipos de carnes Vaqueiro, cantou a comida desse tipo étnico,
secas, a de sol e o jabá. Como podemos entender: “o bom vaqueiro traz sempre no alforge fari-

[...] elas se dividem basicamente em dois nha seca, rapadura e carne assada”. A figura do
grupos: o da carne-de-sol, também co- vaqueiro também faz parte do coletivo do ser
nhecida como carne-de-vento, carne sertanejo, ofício que passa de geração a geração
serenda e carne do sertão, e o da carne
Sua vestimenta é sempre muito característica,
seca, que se incluem a carne seca encon-
trada no supermercado como a jerked ela é feita de couro, para suportar o sol e as
beef, o jabá (também conhecido como adversidades da vegetação, e é composta por
charque ou carne-do-ceará), e outras
gibão (paletó de couro), perneira (para guardar
denominações regionais menos conhe-
cidas. Trata-se de uma técnica e não de as pernas), chapeú, bota e o alforje (bolsa para
um corte (KOVESI; SIFFERT; CREMA, carregar alimentos). Sua comida, antes mesmo
2008, p. 370). do dia clarear, é reforçada para aguentar o dia de
A carne seca e o jabá são produtos indispensá- trabalho. Nos seus alforges, sempre há comida
veis na mesa do nordestino, podendo ser comida de camboeiro, de sustância, representada pelas
inclusive no café da manhã, como costuma fazer suas farinhas e paçocas de carne de sol. O va-
o paraibano, ou em pratos típicos tradicionais queiro é um dos símbolos do sertão.
como o Baião de dois, que une em um único Outros ingredientes importantes são o leite
prato o arroz com feijão, a carne seca e o queijo e seus subprodutos: a manteiga da terra, o queijo
coalho e, para dar cheiro, muito coentro. Ela coalho, o queijo de manteiga e a coalhada es-
não tem influência indígena, foi técnica her- corrida. A manteiga da terra ou de garrafa, que
dada dos portugueses que já a dominavam e migrou do sertão para o restante do nordeste,
Cozinha Brasileira de Raiz

é produzida a partir da nata do leite de vaca as feiras das regiões para serem vendidos, uma
separada. A nata separada do soro, na produ- forma de aumentar a sua renda.
ção de queijo, é destinada para a produção da O queijo coalho é comido puro, in natura,
manteiga de garrafa. frito na manteiga ou, como no litoral, assado
Em todo o nordeste, o queijo coalho é pro- na brasa, vendido na beira da praia, em que a
duzido como o de manteiga. No inverno, quando brasa é feita em um caldeirão, uma engenhoca
os animais estão gordos pelo pasto estar melhor desenvolvida por essa gente. Esse queijo leva
em razão da chuva, o leite aparece com maior esse nome por não talhar naturalmente e ter que
frequência na mesa dos produtores/criadores, receber um coagulante, que, tempos atrás era
que destinam o excesso de leite, a sobra, à produ- retirado do estômago de roedores. Em matéria
ção de queijos, que, muitas vezes, nem chegam desenvolvida pelo Paladar – Estadão, Orenstein
a ser consumidos por eles, e sim vão direto para define as características desse queijo:

O queijo coalho é tradicional de vários estados brasileiros, cada qual com sua nota
de sabor, que nas versões artesanais, está longe da esponja salgadíssima, vendida no
Sudeste para churrasco. Mas trata-se de um queijo fresco: não é para ser maturado,
e vai muito bem puro, ou assado mesmo, ou na receita de baião-de-dois [...] Para se
escolher, a massa não deve ser borrachuda demais, a cor mais para o amarelo que para
o branco, os furinhos pulverizados na massa, são comuns, mas melhor se evitados
(ORENSTEIN, 2013, online).

O queijo de manteiga, também popular, é


muito gorduroso, tem uma produção mais
elaborada, demandando maior fartura da
sua matéria-prima – o leite. O sertanejo
sabe que para se fazer 1 kg de queijo são
necessários 10 litros de leite. Outra obra
preciosíssima sobre os fazeres do sertão é
Receitas que Contam Histórias, de Ana Rita
Suassuna, quem, pela sua grande sabedoria
sobre a cultura da sua gente, escreveu essa
obra. A respeito do queijo de manteiga, a
autora nos ensina que se deve:
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 111

Coar o leite cru e botar para coalhar, usando apenas uma porção do soro natural. Depois
de coalhado, retirar a nata e reservar para fazer manteiga. Colocar a coalhada em um
saco de algodãozinho e pendurar com cordas para escorrer o soro. Depois de bem es-
corrida, aquecer a coalhada para ser lavada uma vez na água outra no leite (desnatado).
Despejar em uma urupemba grande para acabar de escorrer; espremer em porções, com
as duas mãos, para unificar a coalhada em cada uma das porções; salgar a gosto e reser-
var. Derramar a manteiga em um tacho e quando estiver fervendo, colocar porções da
massa escorrida e mexer com espátula de madeira. À medida que as porções da massa
absorvem a manteiga, elas se agregam e a consistência começa a ficar borrachuda. Na
sequência, a massa é esticada com a espátula em movimento lento e contínuo do fundo
do tacho para cima, até perder a elasticidade e começar a deslizar afogada na manteiga.
Quanto mais bem cozido, mais manteiga absorve (SUASSUNA, 2010, p. 148).

Das suas festas, a mais importante é a de São a macaxeira, seu jerimum – que tudo dele é
João – quando se tem festa de São João, é comido, fruta, folha, flores e brotos. Não devem
porque houve chuva, logo há o que se colher: ser esquecidos seus quiabos, maxixes, comidos
milho, feijão verde etc. Se não choveu até o dia puros ou com carne de sol, assim como a palma,
de São José, não haverá colheita, começam que hoje também é comida de subsistência, suas
então as procissões pedindo chuva, que irão frutas, como o umbu, entre tantas outras coisa
levar multidões fazendo suas promessas. que compõem a culinária desse povo.
Outro ingrediente é o milho, que representa
fartura e faz parte da cultura da região. Toda roça
tem milho porque, por meio de seus subprodu-
tos, temos uma refeição completa, do café da
manhã ao jantar: fubá, mungunzá, pipoca, xerém,
cuscuz e farinha, assado, cozido, bolo e pamonha.
Isso sem falar na cana e nos engenhos de açúcar,
de onde vinham a garapa, o refresco e o mel do
engenho, o alfenin, a rapadura batida ou tijolo
(esse sempre com algum aromático – especiárias,
gengibre ou coco) para adoçar suas bebidas e sua
coalhada ou para comer pura.
Devem ainda ser mencionados os seus
feijões, como o verde, o mulatinho e o andu,
bem como suas raízes, como a batata doce,
Cozinha Brasileira de Raiz

Para finalizar, querido(a) aluno(a), realmente


não podemos deixar de considerar a importante
influência do clima nessa cozinha, de maneira
mais profunda, a influência da cultura em torno
da alimentação – ritos, celebrações e festas po-
pulares: não há dúvida de que os alimentos e a
vida estejam condicionados pela aridez. Como
diz o ditado popular, “é na escassez que somos
mais criativos” e, nessa cozinha, isso é uma
realidade. A prova disso é que, com poucos in-
gredientes, aproveitando-se tudo, essa é uma
cozinha de grande multiplicidade e versatili-
dade. Como podemos observar nesse estudo,
o sertanejo não vive sem o milho, a rapadura,
a goma e a sua carne seca ou a carne de bode.

Para a produção de molho cabidela, em


primeiro lugar, use sempre uma galinha
caipira. Escorra o sangue dela em um reci-
piente e, de imediato, coloque o limão ou
o vinagre, bata sempre para não coagular.
Já para a receita de sarapatel, de forma
diferente, usamos o sangue já coagulado,
em que os miúdos bem picadinhos são
refogados em gordura e, em seguida, a
eles é acrescentado o sangue coagulado.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 113
Cozinha Brasileira de Raiz

considerações finais

Querido(a) aluno(a), como pudemos ver nesta sururu. Há também uma infinidade de frutas,
unidade, as regiões aqui abordadas são de uma muito doces e saborosas, como o abacaxi, a
riqueza inigualável, e isso se deu pela riqueza manga, a seriguela, a jaca, o caju, a pitomba, e
cultural dessas regiões, que são as mais antigas mais uma infinidade delas.
do Brasil, onde tudo começou, e, é claro, também Na Bahia, destacamos a forte influência
pela exuberância de sua paisagem. africana, que não resistiu de maneira tão forte
Gostaria de destacar que a miscigenação em nenhuma outra região. Essa culinária repre-
étnica e cultural foi a base para a composição senta a herança dos escravos que formou uma
da população do povo nordestino, como vimos das culturas mais ricas e originais do Brasil.
na unidade I, essa é uma região que sofreu uma Entretanto, os índios e os portugueses também
forte influência, sobretudo, dos portugueses, contribuíram de forma a caracterizar, ampliar e
assim como do índio, do africano e de outras diversificar a comida típica baiana. Deles herda-
etnias da Europa. mos as tradições e costumes, o jeito dengoso do
Em cada região, podemos dizer que as cozi- brasileiro e, também, recebemos as influências
nhas terão diferentes valores pela sua diversida- no preparo de suas receitas típicas, como a mo-
de: no sertão, a comida será mais seca, os pratos queca, o acarajé etc.
serão mais assados, e as carnes aparecerão com No Norte, marcadamente indígena, a caça, a
maior frequência. Já no litoral, a cozinha é mais pesca e o plantio da mandioca irão predominar.
variada, aparecem os peixes, os frutos do mar e É uma cozinha que prima pela simplicidade de
algumas hortaliças, e os doces possuem receitas seus pratos, sendo exótica em seus ingredientes:
que atravessaram gerações. alimentos assados, moqueados, tostados e, às
Os pratos do litoral, região conhecida pela vezes, cozidos, até hoje os principais produtos
sua exuberante beleza, são ricos em camarões, derivam da mandioca.
caranguejos, peixes, aratus, casquinhas de siris, Assim, caro(a) aluno(a), finalizamos esta
preparados fritos, no bafo, ensopados, em cal- unidade, espero que você tenha gostado e que,
deiradas, assados. O pirão e a farofa sempre de alguma maneira, eu tenha deixado em você
acompanham os pratos e os petiscos do final do a vontade de desvendar mais sobre essas cul-
dia, são muitos os tipos de porções das coisas do turas, por meio de sua comida, seus cheiros
mar ou da terra, como os caldinhos de feijão ou e sabores.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 115

atividades de estudo
1. Em relação à cozinha nordestina baiana, qual a sua principal influência? Justifique
sua resposta.
2. No tocante à Cozinha Sertaneja, caracterize-a.
Cozinha Brasileira de Raiz

leitura complementar

Acarajé

O acarajé é um bolinho de origem africana feito de feijão fradinho moído,


batido posteriormente com cebola ralada, água e sal e frito em azeite de
dendê. A iguaria é vendida em tabuleiros nas ruas de Salvador desde o início
do século passado, e vem recheado com complementos: vatapá, caruru, salada,
pimenta e camarão.
Trata-se de um dos mais importantes símbolos da cultura do Estado da
Bahia e uma iguaria apreciada por baianos e turistas que ficam encantados
com o sabor, aroma, cor e a forma descontraída de degustar este bolinho que
é frito na hora e consumido nas ruas e padarias de capital baiana. O acarajé
também é um dos elementos místicos da culinária do candomblé, represen-
tando uma das principais formas de oferenda. Este fato é de suma importância
para a preservação da forma de elaboração e da cultura da comercialização
deste produto em tabuleiros.
A história do acarajé se confunde com a história do Brasil. Foi definido
como “pão de comer” pelas negras escravas alforriadas e que passaram a
comercializar o produto e outros quitutes em tabuleiros como forma de so-
brevivência, logo após a libertação dos escravos. O nome “acarajé” derivado
Iorubá, língua de origem africana que por sua facilidade era falada por todos
no tempo dos escravos, e a composição se dá através das palavras “acará”, que
significa pão, e “ajeum” que é o verbo comer.

Parte do texto extraído de https://uerjsa.files.wordpress.com/2013/04/


gastronomia-em-gilberto-freire.pdf. Acesso 30/09/2015. p. 44.

Fonte: Correio Gourm@and (online) e Baiana... (online).


GASTRONOMIA • UNICESUMAR 117

material complementar
Farinha Feijão e Carne Seca: Um tripé culinário no Brasil Colonial.
Paula Pinto Silva

Editora: Senac
Ano: 2005
Sinopse: Em texto fluente e agradável, a autora nos leva, pelos
trilhos da antropologia, à cozinha da sociedade colonial, em que
ingredientes indígenas, negros e brancos se misturam para es-
pessar o caldo da cultura alimentar brasileira. Esse livro contribui
para uma percepção mais profunda do papel da gastronomia no
estudo da cultura de um povo.

Cozinha de Origem: Pratos brasileiros tradicionais revisitados


Thiago Castanho

Editora: Publifolha
Ano: 2014
Sinopse: Em receitas que celebram a tradição e a criatividade,
Thiago compartilha segredos de família e delícias amazônicas,
além de pratos de outras regiões assinados pelos chefs Felipe
Rameh, Janaina e Jefferson Rueda, Roberta Sudbrack, Marcelo
Amaral, Rodrigo Oliveira e Júnior Durski. Utilizando ingredientes
típicos, como tucupi e farinha de tapioca, e com sugestões de
variação com produtos encontrados com facilidade em todo o
país, Thiago ensina a fazer desde comidinhas de boteco e de rua, passando por acompanhamen-
tos, como farofas, paçocas e molhos de pimenta, pratos com peixes, carnes e aves, até pães e
sobremesas. Entre as mais de 100 receitas, destacam-se o Torresmo de peixe com molho de açaí,
a Moqueca de banana-da-terra, a Farofa de castanha-do-pará, a Costela de tambaqui na brasa,
o Pato no tucupi com jambu, o Bolo de macaxeira da dona Carmem (mãe de Thiago) e o Pão de
tapioca e queijo de coalho na folha. Da culinária de outras regiões, estão presentes o Camarão da
encosta, de influência caiçara, o gaúcho Arroz de carreteiro, o mineiro Pão de queijo, entre outros.

Vida de Vaqueiro
Assista ao documentário Vida de Vaqueiro, de Ary Vasconcelos.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=R2HZqvNlYrw>. Acesso em: 26 out. 2015.
Cozinha Brasileira de Raiz

CONCLUSÃO

Querido(a) aluno(a), chegamos ao final deste manjares, dos cozidos etc. E, por fim, a contri-
livro, onde sinceramente espero que, de alguma buição do negro, que virá a ser o braço direito da
forma, ele tenha contribuído para despertar em mulher portuguesa, ele trará seus ingredientes
você uma nova concepção de Cozinha Brasileira. e o sincretismo religioso à mesa.
Cozinha essa feita não apenas de um emaranha- Abordamos, também, as cozinhas regionais,
do de receitas, mas de um povo, de uma gente. defendendo a ideia de que a cozinha regional de
Estudamos aqui a formação da cozinha um povo é sua característica, seu patrimônio ima-
brasileira, considerando a tríade da influência terial, sendo bem intocável que deve ser preserva-
indígena, portuguesa e negra, em que pudemos do. São exemplares desse patrimônio desde uma
observar que a maior influência do índio em simples paçoca de carne de sol até um ingrediente
nossa cultura foi a mandioca, esse ingrediente como o feijão, que terá preferências particulares
tão maravilhoso, do qual extraímos as infinitas em cada região, podendo ser preto no Sul, cario-
farinhas, polvilhos e beijus. Ainda nos dias de quinha no Sudeste e verde no Norte e Nordeste.
hoje, ela constitui ingrediente base da alimenta- Observamos que os ingredientes viajam de
ção do povo brasileiro, porque somos comedores região a região e por meio deles e de seus pratos
de mandioca do Oiapoque ao Chuí. é que reconheceremos uma determinada gente.
E ainda temos a influência do português, O que se come é muito mais relevante do que
com suas técnicas elaboradas e seus ingredien- quando se come e como se come, uma vez que a
tes, que irão resultar em uma cozinha muito alimentação revela origem, civilidade e cultura.
mais diversificada: foi da mão da mulher portu- E assim, querido(a) aluno(a), finalizamos o
guesa que o Brasil conheceu pratos elaborados, nosso estudo. Para encerrar, gostaria de deixar
uma cozinha sofisticada e, ao mesmo tempo, uma indagação: o que, afinal, constitui a cozinha
adaptada ao que havia em nossas terras, como brasileira?
no caso dos bolos, dos doces de frutas, dos Um apertado abraço e sucesso!
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 119

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Cozinha Brasileira de Raiz

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GASTRONOMIA • UNICESUMAR 121

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fichário Ernani Silva Bruno. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2000.
Cozinha Brasileira de Raiz

UNIDADE I com pedras e ali aqueciam seus caldeirões. A


gabarito

falta de comida seria suprida pelas roças de sub-


1. Em relação à mandioca, classifique-a.
sistência, que eram plantadas pelos bandeiran-
Em relação à mandioca – Manihot esculenta, esse
tes, que por onde passavam deixavam cultivados
alimento fantástico, milenar, que até hoje se faz
raízes, abóboras, milho e feijão.
base da alimentação brasileira, podemos classi-
ficá-la, de forma genérica, em doces e amargas.
UNIDADE II
As doces, consideradas não venenosas, conhe-
cidas com nomes diferentes conforme a região 1. No que diz respeito à formação da cozinha pau-
do Brasil – macaxeiras no Norte ou Aipim no Rio lista, caracterize-a, comentando sobre sua simi-
de Janeiro –, são consumidas cozidas, podendo liaridade com a cozinha mineira.
resultar também em apetitosas farinhas brancas Sobre a região Paulista, podemos considerar que
e em variados bolos. Já as amargas, bravas ou sua mesa tem uma culinária de origem muito pa-
venenosas, apesar de muito ricas em amido, são recida com a Mineira, isso em função, também,
chamadas assim por conterem o mortal ácido cia- do fluxo dos bandeirantes e tropeiros, que pela
nídrico e, por isso, necessitam de “preparo” antes necessidade tinham uma comida de subsistência,
do consumo. Agora, imagine você a sabedoria caracterizada pela sua rusticidade, cozinha que
do ameraba, a ciência por trás dessa cultura da se formou sobre poucos ingredientes e técnicas
mandioca, para distingui-las e retirar delas uma rudimentares de preparo, sem nenhuma etiqueta
infinidade de subprodutos. formal, a não ser a da fome e necessidade. Essa co-
zinha, dessa maneira, foi moldada principalmente
2. De que maneira o índio temperava as suas
pelos alimentos que os viajantes – bandeirantes
comidas?
e tropeiros – tinham à disposição em função de
Sabemos que o índio sempre apreciou as pi-
suas expedições: a mandioca, o feijão e o milho.
mentas, mais ardidas ou mais doces, puras ou
Mais tarde, incluíram o arroz, influência dos por-
acompanhadas. Temos também que deixar claro
tugueses, formando esse prato tão nosso, que é o
que o hábito de temperar a comida antes de
arroz com o feijão; e incluirão também a carne de
prepará-la é influência do homem branco, pois
porco. Por uma questão de logística, para aumentar
o índio sempre temperou seus manjares na boca. a quantidade de alimento por animal utilizado no
Para tanto, utilizava sal, que extraia das margens transporte, o milho e a mandioca foram reduzi-
dos rios, de águas represadas ou de algumas dos à farinha. Com frequência, esse ingrediente
plantas, e acrescia a esse sal a pimenta. Juntavam era pilado com a carne, resultando na paçoca, ou
esses ingredientes e os pilavam, fazendo uma consumido com o feijão, dando origem ao virado.
pasta chamada de ionquet.
2. Discorra sobre a cozinha caipira, desenvolvida
3. Fale um pouco sobre a alimentação dos na região de Minas Gerais.
bandeirantes. A corrida pelo ouro em Minas Gerais irá oca-
Guiados pelos bugres (índios escravizados), sionar o desabastecimento da região de pro-
os Bandeirantes adentravam a mata abrindo dutos de primeira necessidade, ocasionando o
caminhos e estradas. Na sua matolagem, leva- desenvolvimento de uma cozinha de fundo de
vam mantimentos, como a farinha de pau ou de quintal, conhecida também por cozinha caipira,
guerra, torrada em tachos de barro. Para cozinhar, que irá se desenvolver em função do contingente
usavam uma trempe ou montavam um fogareiro de pessoas que migrarão para as Minas Gerais:
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 123

milhares de homens, mulheres, velhos, moços

gabarito
largavam tudo e viajavam para trabalhar nas re-
giões mineradoras, sem falar da Coroa, que lá irá
se instalar para enviar as riquezas para Portugal,
e dos escravos, que vinham em milhares para
trabalhar nas lavras.

3. No tocante ao churrasco, qual a sua origem?


O churrasco terá sua origem com os guaranis, que
assavam carnes em valas feitas no chão e, quando
com fome, como os índios, os carreteiros e os tro-
peiros do Sul abriam valas no chão, cobriam-nas
com brasas e fincavam espetos de pau com gran-
des pedaços de carne, que ali ficavam assando
durante horas. Nascia o famoso “fogo de chão”. E
por ser abundante na região, a carne bovina tor-
nou-se fonte de subsistência e, para acompanhar
o churrasco, não podia faltar o chimarrão.

UNIDADE III

1. Em relação à cozinha nordestina baiana, qual a


sua principal influência?
Em nenhum outro estado a influência africana
resistiu de maneira tão forte. Desse modo, temos
como consequência nesse estado uma das maiores
influências da culinária africana. Culinária essa que
representa a herança dos escravos e que formou
uma das culturas mais ricas e originais do Brasil.

2. No tocante à Cozinha Sertaneja, caracterize-a,


diferenciando-a da cozinha do litoral.
A principal característica dessa cozinha é a sua
simplicidade, que faz dela, muitas vezes, muito
prática, mas sempre acompanhada de muita sa-
bedoria. Regionalmente, as cozinhas do Nordeste
assumem diferentes valores, em que, no sertão,
as comidas se apresentarão mais secas, com sa-
bores mais fortes, nela, aparecem os assados, os
cozidos e os guisados. No litoral, a cozinha será
variada, sabores delicados se intercalam com
os mais pontuais, observamos, também, uma
doçaria mais elaborada.

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