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Talvez fosse a presença contínua do Chefe Guerreiro atrás dele a causa das
palavras incessantes. Thrall decidiu acompanhar Garrosh de volta à Fortaleza
Brado Guerreiro. Disse que desejava ver as instalações em Nortúndria.
Garrosh sentia como se estivesse sendo cuidado por uma babá, mas sabia
que essa era um oportunidade importante. Os caminhos da Horda por
Nortúndria estavam longe de serem triviais. E Thrall certamente iria ver isso.
Ele certamente admiraria tudo o que foi feito no fronte.
O nerubiano à sua frente não teve tempo de vê-lo chegar. O primeiro golpe
de Garrosh cortou profundamente o tórax da criatura e o segundo arrancou
toda a parte anterior de seu corpo. O guarda que estava batalhando contra a
criatura olhou, estarrecido, com o machado preparado. Garrosh sorriu
loucamente.
– Expulsem essas criaturas daqui! – rugiu ele aos soldados. – Façam esses
vermes lembrarem o que acontece com quem desafia a Horda! Lok-tar ogar!
Foi esse o sinal de que a batalha havia sido vencida. Só restava esperar que
as forças do Brado Guerreiro despachassem o resto das forças nerubianas
espalhadas pela pedreira. Ao ver os guardas lutando, Thrall levantou o
Martelo da Perdição e murmurou algo que Garrosh não pode entender.
Seguindo o comando do Chefe Guerreiro, o próprio vento acelerou
repentinamente, criando uma tempestade furiosa, e o ar se encheu de
eletricidade, fazendo os pelos do pescoço de Garrosh se levantarem. Com
um rugido poderoso, Thrall evocou um relâmpago fulminante, que atingiu o
último grupo de resistência nerubiana no exato momento em que os soldados
da Horda saíram do caminho. A explosão fez uma chuva de pedaços de
insetóides se espalhar para todos os lados.
– Vamos dar as boas vindas ao Lorde Supremo Grito Infernal, que retornou
hoje! – anunciou ele. Os soldados gritaram e brandiram suas armas. – E
vamos dar as boas vindas, – continuou ele, num tom ainda mais alto, – ao
nosso Chefe Guerreiro! Thrall, filho de Durotan! – O grupo se virou
praticamente em um movimento simultâneo e fez reverência, todos os olhos
humildemente voltados para Thrall. Razgor deu um passo à frente e fez uma
reverência também.
– Sua presença aqui na Fortaleza Brado Guerreiro é uma honra para nós,
Chefe Guerreiro. – disse Razgor. Os olhos de Thrall inspecionaram as
grandes muralhas de pedra da fortaleza, os baluartes de ferro e a escavação
da pedreira, onde eles haviam acabado de lutar. Por fim, seus olhos pararam
em Garrosh, que o olhava de volta.
Orgrimmar. Da primeira vez em que a viu, ele quase perdeu o fôlego. Foi logo
depois de eles terem deixado para trás a Garganta do Vento Cortante,
emergindo de suas paredes rochosas sob o sol impiedoso de Durotar. Diante
deles, a vastidão vermelha se estendia sem fim, enquanto o calor que
emanava da terra distorcia o horizonte. Era muito diferente das colinas
verdejantes de Nagrand.
– Lá está ela! Consegue ver? – Thrall parou sua montaria e apontou para o
horizonte ao norte. Garrosh parou ao lado dele e apertou os olhos. Atrás dos
dois, seus seguidores pararam e esperaram.
Thrall havia enchido sua cabeça com imagens da cidade durante suas
semanas de viagem. Garrosh pensou saber mais ou menos o que esperar.
Mas estava errado. Nada, nem toda a conversa do mundo poderia tê-lo
preparado para esta visão. Construções se erguiam à sua frente, com dois e
três andares de altura, suas fachadas desaparecendo em becos e ruas
sombreadas por árvores e paredes de pedra. Se algum povoado orc deste
tamanho já existiu em Draenor, havia sido abandonado há muito tempo.
Orgrimmar, no entanto, fervilhava com vida. Na praça onde eles estavam
havia dúzias e mais dúzias de orcs. Mais orcs juntos do que ele vira em anos,
mais do que ele imaginava que ainda vivessem. Era uma visão para a qual
ele nunca poderia ter se preparado.
Quando Garrosh era apenas uma criança, os clãs se juntaram para formar a
Horda e passaram meses em fervor, se preparando para aquela que ficaria
conhecida como a Primeira Guerra. Anos depois, após a Segunda Guerra, a
Aliança decidiu invadir a terra natal dos orcs, e Garrosh implorou para se
juntar aos defensores da Horda e lutar ao lado de seu pai. Mas a chance
passou e ele ficou confinado, em quarentena em Garadar por causa da
varicela vermelha, quase incapaz de caminhar, ardendo em febre e com a
vergonha de sua fraqueza. Seu pai havia ido para Azeroth sem sequer olhar
para trás, e nunca mais voltou para Garadar e o filho. E ele, Garrosh Grito
Infernal, herdeiro do clã Brado Guerreiro, não tinha tido força suficiente para
proteger seu povo. A Horda o rejeitou. Ele até poderia ser Mag’har,
incorrupto, mas também era indesejado.
– Você vai conhecer isso tudo, Garrosh, – continuou ele, com um sorriso
amplo. – Bem-vindo a Orgrimmar!
O Lorde Supremo Varok Saurfang trazia um pergaminho lacrado nas mãos foi
até eles.
– Esta carta chegou hoje à tarde. – continuou – Ela traz o selo pessoal de
Krom Escaranegra.
– Meu filho morreu com honra, defendendo seu povo. – Varok respondeu
rapidamente. – O espírito dele será vingado quando derrotarmos o Lich Rei.
Thrall assentiu.
Anda assim, se sentia muito sozinho, apesar de estar cercado pelo seu povo.
Aonde quer que fosse, as pessoas olhavam diferente para ele. As notícias
correram rápido sobre o filho de Grom Grito Infernal que estava vivo e estava
em Orgrimmar. A princípio, ele pensou que esta fosse a razão. Porém, certo
dia, ouviu uma criança falando alto com sua mãe.
– Mas olha a pele dele! Não é verde como a nossa! Que tipo de orc não tem a
pele verde?
Garrosh virou-se para a criança que estava falando. Ele ainda o olhava, com
olhos de espanto, chupando um dos dedos. Garrosh olhou firmemente de
volta e percebeu brevemente o olhar da mãe. Ela virou para o outro lado e
pegou a mão de seu filho, indo embora rapidamente. Lentamente, Garrosh
passou os olhos pela rua, desafiando silenciosamente qualquer um que
tivesse ouvido (a rua estava lotada) a dizer mais alguma coisa. “Não, minha
pele não é verde. É marrom”, diziam os olhos dele. “Eu sou um dos Mag’har”.
Quando ficou satisfeito, depois de intimidar todos os observadores, virou-se e
seguiu seu caminho. Havia dado apenas alguns passos quando uma mão
leve em seu braço o parou.
Quem falou foi um orc ancião, com cabelos prateados pela idade, mas
orgulhosamente presos em uma trança. As múltiplas cicatrizes em seu rosto e
em seus braços deixavam claro que ele era um guerreiro experiente. Garrosh
o encarou com raiva.
– Eu lutei ao lado de seu pai, Grito Infernal, – falou o velho guerreiro. Garrosh
parou. – Eu o segui do saque de Shattrath até as florestas do Vale Gris. Eu
bebi o sangue de Mannoroth ao lado dele e senti a maldição ser quebrada
após seu sacrifício.
– Você não imagina o que significa para nós ver você. Depois do fim da
maldição, nós ficamos livres para lembrar tudo o que tínhamos deixado para
trás e tudo que havíamos destruído. Pensamos que não houvesse mais nada
daquilo que fomos um dia. Ver você... – os olhos do velho se encheram de
lágrimas ele olhou Garrosh de cima a baixo. – Saber que nosso passado não
foi completamente destruído... e que há esperança para o futuro.
Garrosh não poderia ter ficado mais desnorteado. Ele olhou para o velho
guerreiro, sem palavras. Sabia que Thrall havia sido um amigo próximo de
seu pai, e ele havia falado muito sobre Grom. Mas Thrall não conheceu Grom
por muito tempo e havia muito que Garrosh gostaria de saber, apesar de ser
orgulhoso demais para admitir. Ele queria conhecer as histórias... As boas
histórias. Já que conhecia todas as histórias ruins desde criança.
– Você trará muito orgulho ao seu povo, Grito Infernal. – disse o velho orc.
Por fim, ele se virou e foi embora, deixando Garrosh sozinho naquela rua,
com muitos pensamentos se desenrolando em sua mente. Ele já não
lembrava o que ele tinha ido fazer. Levantou a cabeça, escolheu uma direção
e começou a caminhar. Era melhor do que ficar parado.
Sua pele. Ele olhou suas mãos e percebeu o contraste da coloração marrom
contra a pedra manchada vermelha. Fechou o rosto. Os orcs da Horda de
Thrall realmente não se lembram de onde vieram? A aparência dele
realmente significava tanto?
– Comprar? – Ela gargalhou alto – Você vai pagar por eles? É fácil pra você
dizer isso, Grito Infernal! Sim, eu sei quem você é.
Ele gargalhou de volta para ela. – É claro que sabe. Eu sou o único Mag’har
em Orgrimmar. Se você não soubesse, eu diria que está cega do outro olho
também.
– Arrogante como o seu pai. – Ela começou a guardar sua rede e seus
pertences numa bolsa de lona. – Você é um tolo, assim como ele.
Essas palavras fizeram o sangue dele ferver. Saltou da pedra onde estava e
caminhou até ela. – Meu pai deu a vida por você e pelo resto do povo de
Thrall. Graças a ele vocês estão livres da maldição do sangue!
Garrosh ficou furioso. – Você diz que não tem dever? Diz que não faz parte
do povo do Chefe Guerreiro? Mesmo estando aqui nesta cidade? Onde você
pode viver sem ter medo de ser aniquilada? Onde tem tudo que precisa?
– Há! – ela riu. – Deixe-me lhe perguntar uma coisa, Grito Infernal. Você já
olhou bem para esta cidade? Sim, os mercados abundam. Mas já se
perguntou de onde vem isso tudo? Onde estão as fazendas de Durotar?
Garrosh espremeu os olhos. Ele sabia que havia algumas nos arredores de
Orgrimmar, mas a maioria criava porcos e certamente não plantavam nada.
– Não! Krenna! – Uma nova voz gritou. Garrosh olhou. Uma outra orquisa
corria na direção deles.
A que usava o tapa-olho, Krenna, olhou para a outra que falava com ela e
baixou a guarda, com raiva.
– Por favor, espere – falou ela. – Sinto muito pela minha irmã. Ela não quis
dizer tudo o que disse!
Garrosh se irritou. Seu pai não era um assassino. – Eles fizeram o que
achavam necessário. Você desonra o nome da sua própria família?
– Não, não me entenda mal! Eu honro a memória dos meus pais! – gritou ela.
– Mas aquilo em eles que acreditavam estava errado. No que todos os orcs
acreditavam estava errado. E nós devemos sofrer por isso. O chefe guerreiro
entende isso, assim como eu. Mas minha irmã não.
– Isso é ridículo. Vocês nem lutaram nas guerras! Eram apenas crianças nos
campos de escravos! Não é punição suficiente? Por que deveriam sofrer
mais?
– Ainda assim, eu trago a marca. – disse ela, levantando suas mãos, verdes
como as de sua irmã e de todos os orcs de Orgrimmar, exceto ele. – Eu colho
o que eles plantaram. Ainda temos que pagar.
– Thrall nunca seria tão injusto. Nós não devemos nada a ninguém.
– Isso é um ultraje! – bradou Thrall. Ele andou para cima e para baixo
inquieto. – Eu não posso acreditar que o Exterminador dos Céus tenha
concordado com uma coisa dessas.
Garrosh pensou que tudo o que Gorgonna havia dito no lago era um absurdo.
Seu próprio pai foi o primeiro a beber o sangue de Mannoroth, ele sabia
disso, e muito bem. Ninguém jamais o deixaria esquecer. Mas Grom havia
matado Mannoroth e acabado com a maldição, dando a própria vida em
troca. Sua dívida foi paga com sangue. O que mais poderiam querer?
E haviam os trolls. Garrosh mal podia pensar no assunto. Vários recrutas fora
enviados para ajudá-los a recuperar suas terras ao sul e, por algum motivo,
todas as tentativas falharam. Aparentemente isso estava ocorrendo há anos.
Que tipo de povo não consegue matar um único mandingueiro? Seria
necessário mesmo uma invasão de larga escala (que significaria o
deslocamento de mais tropas órquicas) para retomar algumas míseras ilhas?
Quanto mais Garrosh pensava nisso tudo, mais seu ódio fervilhava. A cada
dia, as palavras de Krenna penetravam mais em sua consciência. A
impaciência de Garrosh crescia.
– Mak’Gora!
O desafio foi lançado com uma mistura de frustração e ódio. Thrall não agiria.
Ele queria estudar a situação, queria fazer consultas à Aliança, com uma
mulher do próprio povo que criou o príncipe traidor. Garrosh não permitiria
que isso acontecesse.
Isso chamou a atenção de Thrall. Ele se virou e Garrosh ficou contente ao ver
a fúria em seus olhos.
– Para dentro! – Rugiu Thrall, apontando para o Ringue dos Valorosos.
Garrosh poderia ter cantado de felicidade.
Eu o farei agir.
Ao pensar no passado, Garrosh sabia que havia tido muita sorte pelo duelo
ter sido interrompido, apesar de preferir morrer a admitir isso. Não fazia
diferença. Thrall finalmente havia recobrado o juízo e dado a ordem para que
os exércitos marchassem rumo à Nortúndria, uma ordem que Garrosh acatou
com fervor.
Agora lá estava ele, no salão da cidadela que ele mesmo havia construído, na
terra que ele havia conquistado, aguardando a chegada de Korm
Escaranegra. Thrall havia permanecido em Nortúndria. Garrosh tinha certeza
de que ele queria vê-lo lidar com o Exterminador dos Céus.
Garrosh segurou o relatório sobre o Front Partido. – Nesta carta você detalha
como uma de suas patrulhas impediu que a Aliança dominasse um ponto
estratégico na luta contra o Flagelo.
– Uma emboscada contra tropas preparadas para lutar é uma coisa. Mas
atacar pelo flanco um regimento engajado em outra batalha? Qual seria o seu
próximo passo? – perguntou Garrosh. – Entrar escondido no acampamento
deles e envenenaria a água? Escravizar um dos comandantes deles com
magia e forçá-lo a assassinar as próprias tropas enquanto dormiam? Jogaria
doença nos seus inimigos como os Renegados? Lutaria como eles lutam?
– Então você admite ser um covarde? Vou falar mais uma vez, não admito
covardes entre as minhas tropas. Prove que você não é covarde,
Escaranegra. Volte para o Martelo de Orgrim e lidere seus homens de uma
maneira digna da honra da Horda. Se falhar, não vou querer a sua dispensa.
Vou querer a sua cabeça em uma estaca. Agora suma da minha frente.
– Eu acho que você lidou com Escaranegra muito bem – disse Thrall. – As
ações de seus soldados no Front Partido foram irresponsáveis, mas ele é um
comandante forte. Nossos avanços contra a Coroa de Gelo teriam sofrido
com a perda dele. Você tomou a decisão certa.
Garrosh passou por ele. – Ele só terá mais uma chance. Não aceitarei
enganadores desleais em minhas tropas, – respondeu ele.
Thrall deu uma risada. – Eu sei. Mas ainda assim são palavras verdadeiras,
que cabem perfeitamente para um Lorde Supremo. – Thrall olhou ao redor,
observando a Fortaleza, o mar cinzento a oeste e a vasta planície de tudra ao
redor deles. – Este não é um feito qualquer, Garrosh. Nossa fortaleza está
segura e o front na Coroa de Gelo continua pressionando. Você luta ao lado
de seus soldados com coragem e eles respeitam você. Você deve ter
orgulho.
Garrosh piscou surpreso, incerto do que dizer. A reação era inesperada. Ele
foi de um pé para o outro, desconfortável com os elogios de Thrall, mas não
desgostoso. – Eu sirvo à Horda. – Garrosh disse depois do silêncio. – Farei
sempre o que for melhor para ela.
Garrosh olhou de volta nos olhos de Thrall. – Meu dever é com a Horda, e só
com ela.
– Bah!