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EQUIPE:
Pablo “FenHir” Powrosnek (Criação)
Fernando De Luca (Texto)
Ayu Marques (Ilustrações)
Gislene Ana (Revisão)
Geliard Barbosa (Diagramação)
Márcio “Klizard” Urbano (Supervisão)

COLABORAÇÕES EPECIAIS:
Estérfano “Lopëst” Lopes
(Criação do Alaúde do Dragão Fada)
Vertente Geek
(Criação da A Divina Comédia)

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Prefácio..........................................06 Anel da Revelação...........................72


Escudo do Leão..............................07 Espada da Luxúria.........................77
Adaga das Mil faces ........................12 Espada da Possessão......................80
Aljava Elemental.............................16 Flauta Incandescente.....................82
Anel da Retaliação..........................20 Globo de Ezelex..............................85
Bordão de Khuraa..........................25 Jóia da Realidade e Jóia do Tempo...89
Luva Versátil...................................93
Braçadeiras de Fen”Hir.................26
Machado de Gor.............................95
Cajado de EÖS................................29
Martelo do Criador........................97
Chicote Vorpal................................38
Punho da defesa Atroz..................100
Capa da Abominação.....................47 Mochila do Viajante.....................105
A Divina Comédia...........................49 Sobretudo das Sombras...............109
Cinturão do Besouro......................55 Bastarda da Morte........................112
Alaúde do Dragão Fada..................59 Agradecimento.............................115

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Caro leitor.
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Prepare-se para entrar em um mundo A ideia do livreto é muito especial, pois


totalmente inesperado! Retire sua espada tem a história por trás de cada carta
da bainha porque haverá muitas batalhas e não apenas uma imagem com seus
a serem enfrentadas. detalhes, além dos jogadores poderem
Primeiramente, espero que sua viagem ainda acrescentar mais particularidades
seja tão gratificante como foi a minha ao que desejarem na hora do jogo, assim não
ler todos os 25 contos, ao me envolver em ficam presos nas histórias contadas aqui,
cada batalha e em cada diálogo, como se aflorando a criatividade em cada um.
eu estivesse atrás de uma moita escutando Claro que os Artefatos Lendários são
secretamente o que cada personagem extraordinários para nós da equipe RPG
dizia, esperando ansiosamente para Craftando, porque foi planejado item
ver quem seria o vencedor ou até qual por item para que você ao ler cada conto
desfecho possível teria aquele conto. tenha um momento único em suas partidas.
Foi como participar de uma época que Eu anseio para que seja inesquecível,
nunca existiu, porém estar em um universo porque para nós foi um prazer imenso
medieval, não somente com humanos, delinear este projeto!
mas também elfos, gnomos, orcs, com Boa jornada e cuidado para não virar
magias jamais vistas e é claro Artefatos ensopado na panela de algum ogro!
para lá de Lendários.

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G
argatiom rugiu como um Leão
nas planícies da Antiarquia.
Ele comandou os exércitos
invasores que trucidaram os
estrangeiros que ocupavam
aquele país distante. As falanges carregavam o
estandarte do Leão, onde quer que passassem
eram aclamados por aquela gente miserável,
de os salvadores de suas terras devastadas.
Gargatiom rezava para Odomatom, aquele
que sobrepuja imparcialmente, reconhecido
como a brisa suave na planície, mas também
como a tempestade inesperada. Mostrava-se
aos mortais como um gigantesco homem
de um dourado intenso e radiante que
carregava um cetro de ouro na mão. O
Deus era imponente, insensível, justo e
imparcial. Gargatiom o mantinha em seus
pensamentos e procurava ser justo com
quaisquer criaturas que cruzassem, pois
sabia que o Deus o vigiava.
Garboso Gargatiom atravessou as
planícies beirando o grande Tódon,
7
#36023 - kobrakai67@gmail.com que serpenteava o Vale dos Odúntulus,
habitado por homens rústicos e falantes
de uma língua estranha e antiga. O seu
exército marchou heroicamente até
chegar aos limites do sinuoso Tódon a
ter com os arenitos que sustentavam a
mais esplendorosa das Cidades do Sul:
Ulula, das torres globulares e abóbadas
escaldantes como o Sol.
Ulala estava sendo ocupada pelos
Diagonianos, invasores de Antiarquia,
usurpadores que a tomaram a força,
trucidando e escravizando seus habitantes.
O domínio durou muitos anos, até que
Gargatiom, o Leão, rugiu com seu exército
em suas muralhas.
O povo de Ulula se revoltou, enquanto
suas muralhas eram de fora castigadas.
Gargatiom portava o Escudo do Leão e com
ele se protegia enquanto os golpes iam
abrindo as fileiras inimigas. O exército de
Gargatiom tencionou os inimigos até que
as resistências todas foram eliminadas
e a cidade foi finalmente libertada da
opressão dos estrangeiros.
Gargatiom foi aclamado como o general
libertador, o povo bramiu em gritos que
8
o #36023
Leão Indomável o havia libertado. O
- kobrakai67@gmail.com o seu senhor.
guerreiro foi levado ao salão dos anciãos, Ele mandou erguer um templo a Odomatom
agora retomado após a queda dos que o acompanhava desde que o Leão
Diagonianos, impressionando a todos rugiu das estepes e foi ter naquele distante
pela imensa postura que se projetava país castigado. Suas proezas e sua fé ao
como uma fortaleza inquebrantável. Deus o fizeram ser vigiado e Odomatom
Os anciãos lhe agraciaram com gostaria de ver mais de Gargatiom.
um suntuoso cetro cravejado Em cerca noite escura, Gargatiom
de pérolas verde lápis lazuli. atravessou o pátio perfumado que
De fora da torre central, a dava acesso a nave principal
flâmula do Leão tremulava do templo. De lá ele se
no alto da agulha e foi de jogou ao chão e rezou a
lá que rugiu com imensa Odomatom que se lhe
fúria o libertador, sendo apresentou tocando o
aclamado senhor de seu ombro. Disse a ele
Ulula. Odomatom: “tu serás
Os anos passaram em testado e se passares,
opulência e a liderança te deixarei carregar meu
natural do Leão se próprio cetro de ouro na
provaram novamente entrada do Mundo Superior”
fortuitas. Sua habilidade Odomatom caminhou com
em reagir com firmeza frente Gargatiom através do útero daquele
a ameaças fortaleceram Ulula como vale distante. O Deus se dirigia ao Leão
ponto próspero da economia regional com palavras tenras feito sibilos de ventos
e sua diplomacia garantiu que antigas outonais, mas em momentos cruciais elas
rotas de comércio fossem retomadas. O zuniam, como uma tempestade que traz
povo estava satisfeito com Gargatiom, assombro e inquietação.
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Caminharam por uma longa extensão e
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neste ínterim, Odomatom mencionava sobre
a fortaleza do coração, sobre as artimanhas
da parcialidade e do desejo. As horas e os
dias foram esquecidos e o tempo que se
passou deixou de ser compreendido.
Caminharam até chegar aos rochedos
setentrionais, onde gigantescas estruturas
naturais se projetavam para o alto
contrastando o plano vale. Seus pináculos
eram ondulados e habitados por seres
celestiais. Lá do alto os contrafortes se
contorciam e se misturavam como se
duas figuras pétreas dançassem unidas,
inquietando os habitantes daquele
braço ermo do Grande Galiom que
não sabiam dizer se, se tratavam de
rochas ou seres de outros planos.
A passagem pela montanha
levava ao promontório Norte, e
de lá se avistava o Vasto Oceano,
até onde a vista pudesse ver. O
promontório se projetava como
um formoso vigilante de olhos
cerrados e cabeça pontiaguda a
projetar-se de um pescoço esticado,
como se desafiasse quem quer
que a ele observasse.
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O vigilante mirava as águas e dizia aos
marujos
#36023 -em alto mar que eram bem-vindos,
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porém quando a névoa o esvoaçava à fronte,
e a cabeça tomava a forma de um gigantesco
velho de barbas longas, ele os amaldiçoava,
agourando seus caminhos.
O promontório se encurvava e dava espaço
a uma elevação que o vencia em altura. Do
alto do pináculo, Odomatom o apontou
ao vale que se estendia ao Sul onde duas
figuras lânguidas se esgueiravam por entre
as pedras e arbustos.
Odomatom fez Gargatiom olhar mais
fundo, e através dos poderes do Deus, ele
pode ver como se estivesse a poucos metros
daqueles dois. Ele viu que Kalius, o líder dos
Guardiões e Málaga, a Clériga Auxiliadora,
enlaçados num abraço fraternal. Gargatiom
amava Málaga e quando se debruçou para
ver mais enxergou que ambos se beijavam.
Gargatiom vendo aquela cena grunhiu como
um Leão ferido e caiu ao chão. Odomatom
o olhou firme e nada disse. O Deus havia
testado Gargatiom e ele falhara. Odomatom
deu as costas, insensível a Gargatiom, indo
ter de volta aos planos celestinos deixando
o Leão a rugir sozinho na desolação daquele
vale sombrio.
11
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L
á estava novamente eu em
Nuria Lum, o pináculo de
cristal. E sentado mais uma
vez a mesa de uma de suas
tavernas, eu ouvia contos e
poemas antigos, muitos inventados, alguns
reais. Porém eram aqueles fidedignos que me
conduziam. Como caçador de tesouros, eu
já havia habitado muitas regiões distintas,
e passado por paragens das mais distantes,
a percorrer templos em ruínas e torres de
energias misteriosas e perturbantes.
E numa noite de chuva intensa,
perseguindo relatos e examinando
dispersas pistas, que me deparei
com aquele senhor altivo e diferente.
Recostei-me sobre sua narrativa como
um ladrão que se depara com ouro.
Ele dizia com uma voz aveludada e
entrecortada:
12
“Contam as histórias de uma
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sombria assassina que portava e de tons avermelhados. Suas
uma adaga de lâminas curvas. Ela primeiras páginas continham
matava em uma dança sinistra, inscrições mágicas por mim
e após o ato, transformava-se em indescritíveis, cobrindo ainda
suas vítimas. Ela movimentava-se mais de mistério, runas apareciam
em giros rodopiantes e a sua dança e emitiam pequenos brilhos de
era como um beijo de morte” lampejos cristalinos.
Tornamo-nos rapidamente O senhor passou a me contar
íntimos, confiando em mim, de como o encontrou e estes
convidou-me para que eu tórridos acontecimentos não
conhecesse seus aposentos, onde ouso reproduzir, nem mesmo
poderia contar-me mais sobre mencionar, neste momento.
aquela incomum dançarina e
Tratava-se do diário da própria
seu enigmático item.
assassina. A narrativa impressionou-
Subimos uma escadaria
me pela descrição esotérica, e
suntuosa, e logo entramos em
até poética, de sua expressão.
um amplo salão luxurioso. Suas
paredes eram repletas de objetos Ela possuía certo orgulho em
bizarros e certo enigma pairava descrever a morte de suas vítimas,
por todo o cômodo, como se e em como Uiala, a Deusa que
alguma energia emanasse de lhe dirigia as preces, conduzia
uma fonte escondida e primal. seus atos sórdidos.
Ele então me mostrou, como um Em uma das passagens do diário,
rubi empoeiradamente opaco, a assassina dizia:
13
“Eu repetia
#36023 como o sopro nevado de
- kobrakai67@gmail.com morte rápida, o furto do elixir, a
inverno, a transpassar os galhos de transformação.
uma floresta desfolhada: ó dama de Deixei a velha e apressei-me resoluta
Uiala, aquela que mira profundamente ao local do assassinio. Subi as
os olhos das vítimas, que perscruta escadarias aveludadas do templo
pensamentos íntimos, e sorve a e o encontrei. Rodopiei um passo e
essência de suas almas, conduz o meu minha saia arfou. Quando me viu, o
ataque e admoesta a vítima com teu tolo sacerdote espasmou num urro
beijo fatal. enraivecido, como um louco, gritava
Mais uma vez eu me preparava à e acusava-me de sacrilégio. Minha
dança para glória de Uiala. Como lâmina o perfurou lateralmente e
de costume, eu me embrenhei à girando o tronco, o apunhalei o peito
floresta vestida de neve e fui ter com enquanto o mirava os olhos, seu corpo
a portadora dos mistérios, a velha desvanecia, sua alma era tragada a
feiticeira, que era a porta, aos desígnios Adaga. Eu sorvi toda a sua essência e
de Uiala. quando do corpo não havia mais nada,
A velha senhora, enrugada como beijei-lhe a boca morta, como Uiala,
maçã podre, a crescer-lhe musgos gloriosamente o faria.
pelo rosto castigado, mirou-me com Empunhei então a Adaga, e proferindo
intensidade sórdida. Eu então pedi que as palavras mágicas, tomei a forma
me contasse novamente os desejos de do sacerdote. Escondi o corpo e me
Uiala, e com um sorriso medonho, dirigi ao salão cerimonial. Lá eu furtei
tratou de pôr as cartas sobre a tosca o Fragmento de Abaliodon, a cintilar
mesa de carvalho. A Mulher Cabra, O como uma pedra que desceu do céu
Corvo, O Senhor da Floresta Escura, escuro. Sorri em contentamento, pois
O Metamorfo. Uiala assentia: uma novamente as cartas se cumpriram.”
14
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Fechei o diário e nada


disse mais ao senhor.
Incitou-me para que
eu o levasse, e assim
o fiz. O estudei de
maneira obsessiva nas
semanas que se passaram.
Compreendi que o poder
da transformação vinha da
própria Adaga. O culto a Uiala
permanece-me um mistério.
Desde então, a Adaga eu venho
perseguindo e sinto que estou
cada vez mais perto. Lá, nas
ruínas de Uriar, há o fantasma de
alguma dançarina, que mata sob a
neve branca do inverno.

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Aljava Elemental
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F
aila caminhou em passos rijos
e se debruçou a amurada da
torre de madeira que guarnecia
a paliçada. Ela rangia os dentes
e tremia uma das mãos, como se
contorcendo numa irritação inabitual, mais
do que seus guerreiros estavam acostumados
a ver.
“Senhora, os batedores informam que as criaturas
atravessaram a barragem meridional e deslocam-
se ao Sul, para as nossas posições, vociferou
o capitão ao entrar no aposento da guarda.”
Faila era a líder de uma comunidade
de elfos que habitavam a Floresta de
Andália, que ali se estabeleceram após
serem expulsos de suas terras ancestrais.
A elfa se destacou por sua valentia nas
muitos batalhas que se desenrolaram desde
que os homens rudes das terras do Leste
vieram como uma tempestade de poeira,
trucidando a tudo que encontrassem pela
frente. Faila portava um arco frondoso 16
e erigia
#36023 -as costas uma Aljava de poder
kobrakai67@gmail.com ataque iminente.
elemental. Poucos horas depois,
As flechas que partiam da Aljava mágica as paliçadas ardiam em
eram desferidas com precisão e poder, chamas, castigadas por
como se raios lhe partissem dos braços saraivadas de flechas
flexionados que pulsavam em espasmos e bolas incendiárias
de energia. A rapidez das flechas que que ruidosamente
surgiam daquele Artefato Lendário eram surgiam, iluminando
espantosas. sinistras a noite tórrida
Porém a coragem de Faila e dos guerreiros na floresta.
elfos reunidos, não foram capazes de Faila andava de um lado ao
impedir que as investidas daqueles outro no alto da torre, berrando
homens bárbaros invadissem suas terras e a plenos pulmões, dando ordens
matassem muitos do seu povo. Restaram- aos arqueiros que se amontoavam
lhes apenas o exílio. as amuradas, e aos guerreiros que
E de lá abandonaram seus assentamentos, se enfileiram diante do portão.
rumando para bem além do Rio Caldás, Ensandecida pelo ardor da batalha,
até que chegassem ao longínquo Sul e se Faila desferia flechas ardentes que
estabelecessem no interior da exuberante se precipitavam de sua Aljava
e misteriosa Floresta de Andália. incandescida. Mas quando
Agora mais uma vez o seu lar estava sendo a vacilar por entre tiros, foi
ameaçado. atacada de súbito por uma
Quando a noite caiu, diante ao negrume lembrança retumbante,
da floresta, luzes de fogos inquietantes se que lhe transportou para as
revelaram no seu interior, confirmando clareiras sagradas, quando
que as criaturas preparavam-se para um os cânticos bendiziam a Ulma,
a deusa élfica de prata.
17
Ela tornara-se
#36023 tão arrogante que seu
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povo passou não mais a admirá-la, mas um trovão, Ulma lhe disse: “tu traístes o
a temê-la, por sua soberba cruel. No teu povo a renegar-me, agora por mim,
entanto só agora, diante do caos, e por ele, desprezada serás”.
ela compreendia. Fraila caiu, seu peito ardeu em dor, mas
Faila lembrou-se das fogueiras recobrindo-se por instantes, ergueu-se em
do solstício de verão, quando pé e diante da chuva de flechas, retornou
Ulma era exaltada. Mas ao interior da torre, sua expressão era
vendo as danças e cantos a vazia como um poço sem luz.
desprezou irritada e virando Desesperados os arqueiros gritaram-
as costas aos festejos, disse lhe, “Faila, os guerreiros estão fugindo,
para si mesma: “serei eu e não às crianças e aqueles que não puderam
Ulma, que recuperará a glória lutar já partiram há muitos dias, não
perdida de nossa gente”. podemos resistir!”
As criaturas subiam as paliçadas Quando já perdida em uma avassaladora
feito demônios, suas presas rangiam desesperança, ela se curvou e ali ficou,
e seus machados estremeciam ao sem dar atenção aos gritos dos seus
acertarem seus escudos com uma companheiros que morriam nas frentes
cadência medonha e enraivecida. de batalha.
E Faila, diante daquilo tudo, Faila então foi surpreendida por uma
caiu de joelhos, como se movida espada curva que lhe repousou ao pescoço.
por uma intuição que brotava Ela ouviu incrédula uma voz que friamente
do íntimo, elevou as suas mãos lhe falou ao ouvido:
desesperadas ao alto. Quando
“Passa-me a Aljava Faila”.
fez, Ulma lhe apareceu, vestida de
branco e carregando um bordão de Ao virar-se lentamente, a elfa reconheceu
folhas vivas. Ela se mostrou como que diante dela, a desferir uma expressão
18
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impavidamente séria, estava o


capitão da guarda.
Faila, como que esquecendo de
seu recente arrependimento,
recobrou-se de toda sua ira e em
fúria, enrijeceu-se com os punhos
cerrados, em um violento salto ao
capitão.
Ele esquivou sem dificuldade e
acertando a perna com a espada, a
fez levar de joelhos ao chão. Faila
tonteou, e novamente lembrou-se
de Ulma. Um negrume apoderou-
se de sua vista. Seu corpo caiu
desacordado na torre que ardia
em chamas.

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Anel da Retaliação
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A
glia, a Senhora dos Danan Din,
como ficou conhecida, entrou no
templo abobadado carregando
um cálice em suas mãos. Ela
esboçava uma expressão
apreensiva, porém resoluta. Enquanto
dirigia-se ao altar, seu escudo repousava
guarnecido em suas costas e sua espada
pendia, da bainha reluzente, à cinta.
Os sacerdotes a fitavam, sobranceiros em
suas teses rígidas e lançavam-lhe olhares
impositivos, a medida que ela avançava ao
altar. Turíbulos esfumaçantes preenchiam
o recinto de um aroma inebriante, tornando
a atmosfera estonteantemente sagrada
e ritualística.
Ela depositou o cálice a mesa sagrada, em
reverência, retornou um passo e ajoelhou-
se diante do pilar que representava seu
Deus.
Os sacerdotes entreolharam-se e após
um breve silêncio, passaram a emitir
cânticos santificados.
20
O#36023
sumo- kobrakai67@gmail.com
sacerdote então se destacou, penetrando desde muito fundo
reclamando silêncio aos demais, dirigiu- as entranhas da terra, veio por
se a Aglia. Ele trouxe as mãos um pano fim se estabelecer nas muitas
de seda ricamente ornamentado, onde galerias que se abriam próximas
repousava solitário um anel de misteriosa à superfície.
exuberância cristalina. Entronada as câmaras, a
A paladina o vestiu, e numa respiração Serpente maléfica, seduziu as
profunda fechou os olhos e levou as mãos tribos de criaturas humanóides
ao peito. Aglia sabia que não o poderia que habitavam aquela vasta
remover, até que tudo finalmente se região de cavernas, rapidamente
cumprisse. compôs um exército que passou
O homem sagrado voltou-se a ela, lançando a atacar as vilas de camponeses
um olhar semicerrado, disse secamente que pululavam pela bacia do vale.
em um tom ríspido: “vá e cumpra o que A cada passo que o exército de
foi prometido”. Kaskas Ur dava, mais assentamentos
De maneira intrépida, a paladina deu eram dominados e seu povo era
as costas e partiu. escravizado. As batalhas se seguiram
por certo tempo, até que as esparsas
A Senhora altiva rumou para as oblíquas resistências caíssem, e os sobreviventes
escarpas montanhosas, que serpenteavam se agruparem em Tuari Danan, o
vertiginosas e insensíveis, pela maior último bastião que restara como
parte da extensão do Vale dos Augúrios. salvaguarda aquela gente desgraçada.
Aglia fora a única que se voluntariara Aglia, a Paladina, estava entre aqueles
para aquela missão desesperada. que defendiam Tuari Danan. As
Kaskas Ur, a Rainha Serpente, chegara esperanças estavam todas perdidas,
ao Vale dos Augúrios desde que partira desde que a Serpente descortinava um
de, sabe-se lá qual círculo do inferno, plano de invasão, reunindo um imenso
21
#36023exército que marchava para um
- kobrakai67@gmail.com lançou-se destemida à passagem da entrada
ataque fatal. A Serpente de sua da caverna onde imperava a Serpente Vil.
câmara conduzia os monstros, Entrou sorrateira de espada em punho e
através de misteriosas feitiçarias escudo armado. Sua presença era como uma
mentais, em seu desvario, desejava linda fortaleza andante. Erguia a espada
apenas a morte e a subjugação. cravejada de esmeraldas que brilhavam
Fora daí que Aglia, se sobressaiu como um Sol, seu elmo era ornado com
do exército defensor, segurando plumas de cisne e asas ostentadas em
seu pingente sagrado ao peito, prata reluzente.
se ofereceu para uma última A senhora dos Danan Din, penetrou a
investida desesperada: atacar escuridão da caverna, levemente tateando
Kaskar Ur em seu próprio covil o anel que lhe fora concedido pelo templo.
protegido. E quando a esparsa luz que brilhou de sua
Um ataque direto ao covil da espada resplandecente, cruzou o negrume
Serpente seria impensável. da galeria, incontáveis cabeças simiescas,
Porém, as hordas se reuniram de chifres e de presas, se revelaram como
e já marchavam para Tuari uma visão abominável.
Danan, deixando a caverna Em disparada as criaturas urravam pela
de sua líder com poucos caverna em direção a Aglia. A Senhora
defensores. No entanto, a luminosa deixou-se levar pela torrente e
missão era demasiadamente apenas levantou seu escudo, como uma
perigosa, certamente mortal, fortaleza inquebrantável.
mas Aglia estava pronta para Quando recebia os golpes, seu escudo
a morte. e armadura, pareciam brilhar como um
Furtivamente se embrenhou halo que devolvia luz a escuridão.
as escarpas das montanhas, Cuidadosamente ela aguardou cada
22
ataque,
#36023 -se manteve impávida e imóvel.
kobrakai67@gmail.com a barrar as investidas das bestas, e a
As criaturas deveriam cansar, em algum medida que as criaturas se cansavam,
momento, este era seu plano. ela as estocava ainda mais.
Porém ao longe ela avistou um par de A cada grito mortal que se ouvia na
olhos répteis que a fitaram com desprezo. caverna, era acompanhada de um grito
Kaskas Ur, a poderosa Rainha Serpente, de dor da própria Paladina.
que emergiu do próprio inferno, estava lá A Serpente percebendo a situação, aproximou-
adiante, abominável e ferozmente irritada,
se curiosa, quando compreendeu o que se
por ser perturbada em seu próprio covil.
passava, começou a balançar sua cabeça
Aglia continuou inabalável, ela baixou réptil em aprovação, como se gargalhasse
levemente a guarda e ergueu sua espada e se divertisse com aquela cena.
imponente. No momento que o fez, pensou
novamente em seu anel cristalino, que Algumas criaturas ainda sobravam, mas
brilhava e incandescia como se ansiasse Aglia parecia não suportar mais.
por algo. Quando já ensanguentada
e demasiadamente
Com a espada em seu punho, começou a
desferir golpes certeiros as criaturas. O fraca, ela juntou
momento chegara. A Senhora deveria passar todas as últimas
por sua mais alta provação. A energia que forças e desferiu com
sustentava o anel, carregava uma tórrida um giro de espada,
infortuna. A cada golpe que acertava, Aglia o último golpe, matando os monstros
sentia a dor no próprio peito, na mesma que restaram. Com um último suspiro
proporção que se feria a criatura! ela mirou o anel, notou que o cristal que
Ela deveria se manter firme, apesar da o ornava, enchera-se de sangue. E então
situação absolutamente devastadora. O ela caiu desfalecida.
escudo e a armadura de Aglia continuavam Naquele mesmo instante Kaskas Ur, a
terrível serpente, gigantesca serpenteou
23
pela câmara,
#36023 salivando de prazer, por ter
- kobrakai67@gmail.com cabeça de Kaskas se lançou ao bote, Aglia
o corpo quase morto de Aglia. estirou os braços, ao mesmo tempo em
Em círculo ela a rodopiou. Como se que a bocarra a atacou, Aglia a tocou com
sorrisse, a Serpente empinou o corpanzil uma velocidade deslumbrante.
delgado e projetando a cabeça para frente, Ao tocar a cabeça de Kaskas, um estrondo
preparou-se para o bote mortal. de luz e energia se ouviu, preenchendo de
A senhora dos Duana Din, sentiu um luz toda a caverna antes escurecida. A luz
sopro divino entorpecer seu ofuscou Aglia por um instante interminável,
corpo, o seu próprio sangue quando a explosão se dissipou, enxergou,
começou a ferver como o jazendo em seus pés, o corpo da Serpente
interior de um vulcão. completamente dilacerada: Kaskas Ur,
Seu anel resplandecia a poderosa serpente do inferno, havia
uma luz ofuscante e morrido
energizante.
Aglia fechou os olhos e pensou em seu
Ela teve então, a
Deus. O Anel não mais lhe pertencia, o
visão de seu Deus,
sangue do interior do cristal se dissipou e
que se aproximou e
a segurou pela mão. por mistério, saiu de seu dedo, repousando
Ela ergueu-se de joelhos, só, ao chão duro da caverna fria. Toda a sua
se apoiou em sua espada, olhando resoluta dor acumulada no anel se transformara
a Serpente Vil. no ataque certeiro. Aglia, jubilosa, havia
Kaskas Ur recuou a cabeça incrédula, mas cumprido o seu desígnio.
num segundo movimento debruçou-se E foi assim que a Senhora dos Danan Din,
sobre Aglia, se preparando para o bote final. derrotou sozinha a terrível serpente do
Neste instante, a Paladina, apenas cerrou inferno, salvando gloriosamente todo o
os olhos e estendeu sua mão. Quando a povo do Augúrio, em Tuari Danan.
24
Bordão de Khuraa
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O
Bordão de Khuraa, é uma Contam as canções e
arma ágil e ao mesmo tempo poemas que o bordão
vigorosa e mortal. Suas fora trazido as terras do
propriedades mágicas lhe leste, quando os grandes
conferem o poder de alongar vulcões que se erguem aos
seu tamanho, podendo passar de 1m até montes naquelas lonjuras,
5m de comprimento. entraram simultaneamente
Seus usuários são tomados por uma em erupção. As explosões foram
agilidade incomum, concedendo-lhes devastadoras e despertaram
vantagens mortíferas nos combates terríveis elementais de pedra e
que se envolvem fogo, que atropelaram as florestas
e aldeias, queimando tudo que
Os criadores que o conceberam lhe encontravam pela frente.
atribuíram poderes mágicos através
de rituais selváticos, inserindo-lhes Acredita-se que aventureiros e
espíritos de poderosos totens da caçadores de tesouros o furtaram
floresta. naquele momento de caos, generalizado
e o levaram ao Leste, onde possivelmente
Estes feiticeiros eram os líderes
fora vendido a algum rico comerciante
espirituais de um povo que habitava
as ilhas que pululam no longínquo ou nobre local.
Oeste, para além do Vastíssimo Dizem que o bordão fora visto pela
Oceano. Aquelas pessoas eram última vez nos confins de Kalash Shin, a
ferozes guerreiros, que lutavam terrível cidadela ocupada pelos fanáticos
apenas com bordões e clavas de monstros de presas, após terem saqueado
madeiras grossas. uma caravana que vinha do Norte.
25
Braçadeiras de Fen’Hi
Fen’Hirr
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O
sumo sacerdote dos Lumias,
o povo das �lorestas do norte,
rodopiou em êxtase executando
a tradicional dança sagrada
do seu povo. Era o solstício de
verão, o vestiram com vestes de folhagens
trançadas e uma máscara de casca de carvalho.
O espírito da ancestral árvore da vida foi
invocado, e a visão que emergiu, ritmada pelo
som dos tambores entoados pelos sacerdotes
druidas, o fizeram ter a visão de um grande
lobo deitado sobre um galho.
Lá diante de todos estava Fen’Hir, um
guerreiro lumia, a própria ferocidade
das criaturas selvagens encarnada. Os
guerreiros Lumias eram assim, feito
animais, rugiam no calor da batalha e
lutavam como se fossem bestas.
O sumo sacerdote, após o transe, caiu
desfalecido no solo da floresta e os misteriosos
druidas, ao redor do círculo de pedras,
cantaram em uníssono. Landária, a suma
sacerdotisa, vestida de prata, ergueu a
26
adaga sagrada e convidou o guerreiro
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descampado, além das bordas da floresta.
para ingressar a cerimónia. O inimigo estava guarnecido numa
Ele veio como um trovão que atormenta paliçada recém erguida. Eram estrangeiros
uma floresta de chamas. Landária, então se usurpadores que invadiam suas terras e
iluminou, e como a lua, de vestes argênteas tentavam escravizar todas as tribos que
e de grinaldas verdejantes, esbofeteou habitavam as setentrionais florestas
Fen’Hir e o ungiu com unguentos aromáticos prateadas.
e sagrados. O sumo sacerdote novamente Ouviu-se uma trombeta surgindo do
surgiu, carregando nas mãos as lendárias campo diante da da fortificação os
braçadeiras sagradas e entregou-as guerreiros lumias formavam
a Fen’Hir. Quando o fez, ouviu- uma linha, depois em disparada,
se ao fundo da floresta, sinistros rodopiando suas armas selvagemente
uivos lupinos, que de algum lugar e gritando violentamente, atacaram
rugiam, como se celebrassem o a paliçada desavisada.
ritual encerrado. Fen’Hir partiu e
correu resoluto até uma clareira Os estrangeiros enfileiraram-se
nas bordas da floresta. Lá e atiraram-lhes flechas e lanças.
estavam os guerreiros Lumias Os lumias protegiam-se como
reunidos, a grunhir como animais podiam das saraivadas certeiras,
ensandecidos, brandindo suas espadas, e alguns ali mesmo caíram. Mas o ataque
lanças e machados. Eles vestiam folhagens lumia não se intimidou. Os guerreiros
e cascas de árvores, córneos de animais se aproximando o forte, arremessavam
presos ao cabelo e ancestrais pinturas azagaias e lanças em seus inimigos, aqueles
rúnicas, vermelhas, verdes e azuis. E todos portando machados, martelos e espadas,
rugiram com a chegada de Fen’Hir, que se lançaram a paliçada, tentando escalar
brandia orgulhosamente a braçadeira. E suas muralhas pontiagudas
naquele momento os homens uivaram Os inimigos arremessaram-lhes pedras
como lobos e todos marcharam para o e flechas, de maneira selvagem, os lumias
27
gritavam
#36023 -como animais e urravam em uivos
kobrakai67@gmail.com os seus guerreiros repetiram seu movimento.
lupinos. Fen’Hir então tomou a vanguarda, E elevando seus braços a lua, brandindo as
correndo como um lobo, revigorou a moral lendárias braçadeiras de seu povo, uivou
daqueles que morriam a cerca de lanças. como um lobo enlouquecido, no decorrer
Os guerreiros o seguiram e conseguiram daquele uivo profundo, transformou-se
ultrapassar em um ponto a defesa, mas a num terrível e furioso lobo atroz.
paliçada revelou-se intransponível. Os homens então imitaram o seu uivo e da
E do combate uma trombeta soou, floresta, como uma torrente estrondosa,
os luminas retiraram-se do ataque, outros uivos foram ouvidos, o terror
retornando ao campo que margeava
do inimigo foi silenciado, quando
a floresta. Os líderes da milícia
imensas matilhas de lobos surgiram
inimiga, guarnecida no muro de
da escuridão. As criaturas cercavam
estacas, vendo a retirada do ataque
os estrangeiros e suas investidas
lumia, não se intimidaram, julgando
arrancavam os seus membros, aqueles
uma vitória fácil e desejando
exterminá-los de uma vez por que fugiam, tinham seus pescoços
todas, ordenaram que seus estraçalhados.
soldados abandonassem a Os guerreiros lumias, lutaram
paliçada e perseguissem seus com seus irmãos lupinos, Fen’Hir,
rivais, antes que pudessem transformado em fera os conduzia
fugir pela floresta. e os incitava a guerra.
Saíram como uma turba enfurecida, e Naquele dia os inimigos foram expulsos
a rodopiar suas espadas e seus pesados e os lumias foram reconhecidos como a
escudos, se voltaram com agressividade mais brutal das tribos do norte, aqueles
aos lumias que se retiravam. que possuíam a autoridade de invocar o
Porém na metade da distância que separava poderoso uivo dos lobos e se transformarem
a paliçada da floresta, Fen’Hir parou, todos em suas próprias ferocidades lupinas.
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Cajado de EÖS
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O
Aos poucos fui adquirindo
s grimórios, livros de um controle sobre esta
antiquíssimo poder e misteriosa arte, os portais
erudição profunda, são que eu penetrava, passaram
como janelas para outros a ser cada vez mais largos e
mundos, realidades e tempos. me levaram a distâncias mais longas.
O mago, absorto por conhecimento, sente E depois de certo tempo, experimentando
uma espécie de torpor, quando se debruça aquela nova sapiência adquirida, eu fui
insaciável em suas páginas, desejoso por ingressando em planos gradativamente
sorver o máximo de sua sabedoria arcana. mais fluidos, transpondo desta forma,
Mesmo que as velas de seus castiçais se as tênues camadas do tempo e da
realidade.
extinguam e seus cadinhos cessem de arder
em fogo, o arcanista continua imerso em Quando já adquirira uma experiência
relativamente confiante, tateei novas
sua incólume obsessão mística.
possibilidades, até ter com uma deslumbrante
Minha trajetória não foi diferente. paisagem astral, misteriosamente onírica
Depois de compreender os mistérios e bela. Definitivamente a realidade não
da manipulação elementar e adquirir obedecia mais as mesmas leis de nosso
com maestria o domínio das escolas mundo. Eu conseguia flutuar por entre os
de invocação e encantamento, ares, em momentos inusitados, quando os
minhas pesquisas se voltaram para sentidos me pareciam desorientadamente
os mais requintados dos círculos estranhos, eu percebia que podia atravessar
das conjurações: a viagem por entre extensões longuíssimas, em singelos
os planos. piscares de olhos.
29
Naquela
#36023 -atmosfera estranha, atravessei
kobrakai67@gmail.com
incontáveis cordilheiras astrais, depois
de uma súbita e repentina subida,
enxerguei por entre as nuvens, uma
imensa ilha que flutuava como se
navegasse a esmo pelo céu azul.
Havia nela uma incomensurável
construção, à semelhança de um
imponente castelo, mas muito mais
m a r a v ilh o s o e r ic a m e n te fo r tific a d o ,
ornamentado por torres alquímicas,
observatórios astrológicos e imensas
chaminés que fumegavam substâncias
incomuns.
Adentrei ao castelo por uma imensa porta
azul, quando o fiz, maravilhei-me a ver
seus corredores suntuosos, fartos de
objetos e coisas incompreensíveis por
mim. As passagens levavam a salões, e
destes a outros cômodos ainda maiores,
até escadas rodopiantes que davam em
torres enigmaticamente magníficas.
Aprofundei-me a uma câmara que parecia
pulsar com sopros esfumaçantes, onde
se ouviam marteladas e ferramentas
trabalhando, ao que julguei, se tratar
de alguma forja, a construir objetos
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intrincadamente esquisitos.
#36023 - kobrakai67@gmail.com pude ler, coletando meus conhecimentos
Admirei-me ao ver que na forja trabalhavam perdidos, foi o seguinte aforismo:
seres semelhantes a anões, porém de longas AQUI PERMANECE O ETERNO, SEM
barbas brancas como nuvens, suas peles PRINCÍPIO, SEM FIM. ENCORAJA-TE
possuíam um tom azul-anil. E VENÇA-ME, EU SOU EÖS.
Os objetos que eles forjavam eram Caminhei novamente por uma imensidão
constituídos como por pedras feitas de de corredores e túneis sinuosos, e enquanto
nuvem, estranhamente sólidas e fluidas! o fazia, maravilha-me a cada
passo, encantando-me com
Deixei aquela oficina e voltei tornar-me a
seus arabescos e belíssimos
novos corredores, indo a uma ampla sala
entalhes nas paredes. Aquelas
circular. Nela se precipitava uma imensa
marcações e ranhuras
figura de olhar penetrante e sério. Sua perfeitas, certamente
expressão era impávida e gloriosa, seus foram magnanimamente
ares inspiravam fortaleza e confiança. conduzidos por mãos
A figurava impressionava pelo seu habilidossíssimas.
imponente tamanho, carregava em Passei por um arco ornado de
uma de suas mãos um martelo e na outra cores e temas antigos. Haviam
uma folha que parecia arfar aos sabor do neles figuras que pareciam deuses
vento. E em seus pés depositado, estava dialogantes, e anões recebiam de
um estranho, mecanismo construído com suas mãos pedras e martelos e outros
roldanas concêntricas que se interligavam. artefatos desconhecidos.
Haviam inscrições estranhas em sua A passagem dava para uma imensa sala
base, pude ler algumas das letras. Tive ovalada. Fiquei absolutamente estupefato
de reviver memórias de conhecimentos e fui tomado por uma excitação ofegante,
em tomos e pergaminhos esquecidos. quando vi que de seu centro repousava
Esforcei-me mentalmente e tudo que uma máquina grandiosíssima, que se
31
erguia até- kobrakai67@gmail.com
#36023 o alto do teto da sala abobadada. com penas escarlates que pareciam faiscar
Um som rítmico cadenciava o instrumento, alguma substância ectoplasmática.
que possuía uma infinidade de mecanismos, Lentamente ele se aproximou de mim
roldanas, pesos, cordas e outras coisas e me fez uma reverência longuíssima.
inomináveis. Elas todas se moviam em Ergueu-se e tirando o chapéu tornou-se a
uma marcha harmoniosamente precisa, reverenciar-me com um arco em torno do
ritmada por um som jamais ausente. corpo. Sorriu-me novamente enquanto
Na altura da base haviam eu esboçava qualquer expressão. O rosto
novas inscrições e ponteiros era idoso, mas os olhos eram como de
estranhos. Alinhavam-se uma criança. Longas barbas brancas
pequenos glóbulos de cores acariciavam-lhe a face incomum. Ele
incrivelmente ofuscantes, e carregava no rosto certos tiques estranhos
eles pareciam apontar e por vezes desviava o olhar e contorcia
alguma informação algum músculo na fronte, noutras vezes
ritmada, mas meus parecia produzir certos sons e murmúrios.
conhecimentos arcanos
Dirigiu-se a mim como “viajante dos
não puderam compreender
planos” e disse-me que gostaria de sentar-se
o que eles diziam.
comigo para tomar chá, e com um simples
Eu estava tão absorto e distraído comprimento, eu aceitei.
por aquele maravilhoso artefato
incognoscível, que só percebi depois O velho conduziu-me por mais uma
de instantes, quando vi de soslaio, uma passagem, e enquanto distanciava-nos
figura de mantos lilases e outras cores do salão abobadado, pude contemplar
estonteantes, a emanar um halo azul mais uma vez a máquina que tilintava
esverdeado que pairava sobre suas vestes. seus cliques sequenciais.
Ele caminhou em minha direção e parecia- Adentramos uma sala ampla forrada por
me sorrir. Usava um chapéu emplumado, paredes de madeira, que se diferenciavam
32
#36023 - kobrakai67@gmail.com absolutamente dos salões e corredores
que eu havia percorrido até então.
A sala era saturada de estantes contendo
pergaminhos, livros de capas ornamentadas
e tomos maravilhosamente empilhados.
Faíscas ofuscaram-me quando vi de
relance um pequeno objeto borbulhar
umas cores azuis-anil. Havia um imenso
caldeirão, onde unguentos fervilhavam e
líquidos estranhamente misturavam-se
e formavam um caldo de propriedades
conjurais. O laboratório estava repleto
de substâncias, vidros coloridos e uma
miríade de coisas inomináveis. Vi ainda de
relance, num canto, um estranho objeto
que pairava e parecia manipular qualquer
coisa gelatinosa. Assustei-me quando
aquela coisa tomou vida e cantarolou algo.
O velho tornou-me a conduzir e sentamo-
nos numa despretensiosa mesa de madeira
afastada em uma ante sala anexa ao
laboratório.
Ele carregou uma chaleira fumegante
e na mesa estendeu duas xícaras de
porcelana. O velho despejou o líquido
quente e ofereceu-me a beber.
33
Após um
#36023 pequeno silêncio ele começou como o Tempo e o Espaço, tudo deixou de
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a falar: fazer sentido para quem enxerga através de
“Caro viajante, agradeço por tua visita, deixa- um olhar humano e mortal. Transportei-me
me contar-te quem sou, como vivi e que lugar para não-lugares em não-tempos.
é este. Devo ainda dizer-te uma ou outra coisa A busca que durou tantos anos em pergaminhos
sobre um cajado, e um ser esplendoroso chamado empoeirados e tomos antigos de sabedoria
EÖS” profunda, deram lugar a uma possibilidade
de contato real com O Desconhecido. Passei
O velho bebericava seu chá e eu o observava a ouvir dos próprios seres celestinos, que me
com um misto de apreensão e contentamento. sopravam o conhecimento como que por raios
Ele quebrou novamente o silêncio, e o espectrais. Eu havia chegado à própria fonte
que seguiu, foi um relato de profunda de todo o saber.
sabedoria, uma profusão de conhecimento
Foi então que pelas veredas fortuitas do tempo
arcano e atemporal, que pouquíssimos
e da realidade, acabei por ser conduzido pelos
mortais tiveram acesso até então. Eu o
seres celestinos às próprias portas daquele-que-
sorvi como podia, e as consequência de
tudo-sabe. Lá ele surgiu como uma imensa
suas palavras me permitiram conhecer
explosão sem som e me maravilhei por sua
coisas e lugares jamais imaginados profunda beleza terrificante. Era EÖS em
Estimado viajante, devo contar-te sobre quem seu Esplendor. Ele é O Percurso do Tempo,
é e como manifesta-se EÖS, o atemporal. Se O Momento Oportuno e A Realidade Suprema.
o que almejas é o conhecimento real, viestes Ele portava um martelo ornado com uma pedra
ter comigo, este é o momento fortuito para escarlate, e em trovões o vi moldar todas as
continuares com tua busca. coisas com sua bigorna e sua forja.
As coisas sobre o tempo e a existência se tornaram E lá eu vi como todas as coisas eram criadas.
familiares por mim, desde que minha busca Das faíscas de seu imenso martelo, a bater sobre
levou-me até os limites das realidade cognoscível. a bigorna celestial, os deuses e os mundos eram
Atravessei aquilo que se pode compreender feitos. E enquanto as batidas cadenciavam
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em#36023
intervalos perfeitamente sincrônicos,
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para o outro, quando já não me reconhecia
eu compreendi como o tempo era formado. em mais nada, percebi que dentro de mim
Ele o fazia ininterruptamente, de modo que inflavam dois dragões que se misturavam.
todo o universo pudesse continuar existindo. Eles se entrelaçavam em rodopios e quando
EÖS então olhou-me firme nos olhos, num o faziam, me mostravam quem eu era, quem
sobressalto eu o compreendi completamente e eu fui e quem eu um dia eu serei.
todos os seus mistérios me foram concedidos. E por fim, decidi retornar ao mundo material,
Quando adquiri aquela compreensão, EÖS percorri todos os horizontes, lugares e tempos,
presenteou-me com um cajado que fundia que um dia já existiram. Por longas noites
a realidade e o tempo. Ele era adornado contemplei o firmamento pululado de
com duas Joias deslumbrantes e seu ápice estrelas, por entre desertos, florestas e vales
estava marcado pela luz de uma lua argêntea, serpenteantes, vi e travei conhecimento com
empoderada por uma estrela resplandecente toda forma de vida. O Tempo e a Realidade
e um sol central. me pertenciam, pois eu os compreendia como
EÖS projetou-me aos planos celestinos, lá a folha compreende o vento.
eu carreguei o cajado em minhas mãos. Os Nas vezes em que eu me infiltrava no mundo
poderes que o cajado trouxe, me fez enganar dos homens, disfarçava-me como pastor, outras
a inevitabilidade da morte. Com ele aprendi vezes como vagabundo errante ou ainda como
a viajar por entre os planos supremos e mágico curandeiro. Os viajantes de quando em
distantes da existência. Ele fez sublimar quando topavam comigo e me julgavam como
em mim o supremo conhecimento do Todo, louco, mas não entendiam como aquele pedaço
do que fora e do que será. de pão surgia-lhes as bolsas, após terem por
Então eu passei a transitar por entre os mim cruzado. Em certas ocasiões eu os ajudava,
planos e os mundos, a visitar toda sorte mas noutras, os confundia e aplicava-lhes
de coisas, lugares e seres. Como esferas pequenas travessuras, como quando fiz uma
de poder antigas, eu rumei de um lado ilusão de mim mesmo atravessar o caminho

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#36023 - kobrakai67@gmail.com
de viajantes seguidas vezes. Fazia-o pois percebi, estava diante de um templo
queria que entendessem como o Tempo e magnífico. As imagens estremeceram-
a Realidade se contorcem. me e fiquei consternado, embora
E após eu praticar a sabedoria na superfície empolgado frente àquela exuberância,
do mundo, julguei que seria fortuito, construir mas sabia que ainda estava na mesa
um templo àquele-que-tudo-sabe. Assim os de chá diante do velho. Ele tornou
homens poderiam compreender mais sobre a falar:
a realidade das coisas, e por eles mesmos, Quando vi toda sorte de coisas sobre
descobrir o que um dia eu mesmo apreendi. a terra, caminhei por entre mundos e
Eu estava maravilhado com toda aquela planos distantes, terríveis e belíssimos,
sabedoria que o velho me depositara. A compreendi que devia compartilhar todo
cada palavra proferida eu me inclinava este conhecimento com os homens. E por
e desejava saber mais. Foi quando isso, eu desejei criar um templo em louvor
de súbito ele rodopiou as mãos em a EÖS e nele guarnecer seu cajado que
movimentos espiralados e levando- fora a mim concedido.
as à altura de sua barba, vi que dela Com a sabedoria de EÖS e seu Cajado, eu
surgiam círculos que passaram a emitir manipulei a existência atemporal, criei sobre
lindíssimas luzes e raios de energia viva. a matéria, aprumando tijolos e colunas,
Quando o fazia, descargas concêntricos uma construção sagrada de substância
de cores púrpuras, azuis e vermelhas, física e extraplanar. A medida que EÖS se
se confluíam, vi ainda, outras cores manifestava, as fundações de templo eram
distintas, estranhas e maravilhosas, formadas. Galerias se transformaram em
que jamais vira ou pensara ser possível corredores, estes em cômodos e salões, até
de existirem. que formosos muros o cercaram. Torres
Os raios me fizeram penetrar em um brotaram do solo, como se fossem árvores
turbilhão de imagens e sons, quando a se projetarem para o céu.
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No centro
#36023 de todo o complexo, pela
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da incomensurável distância dos planos.
intermediação de EÖS, fiz surgir uma sala
em formato de globo espiralado, que em Depois disso dei por findo o templo. Saí então
movimentos concêntricos, não cessava de de lá, e jamais retornei, desapegando-me
girar. O cômodo globular fora soerguido em de seus cômodos e deixando ao Guardião,
pedra, onde se precipitavam em seus muros o porte do Cajado. Finalmente esqueci-
desenhos de luas minguantes e estrelados me de sua localização, apaguei de mim a
sóis. E no centro, silenciosamente solitário, possibilidade de um dia retornar a saber
se encerrou uma figura esguia, também o seu caminho.
em pedra, de um discreto ser, a vestir um Deves encontrar as Joias viajante, e quando
manto simples e a erguer um braço, como o fizeres, saberás como chegar ao templo,
se saudando quem quer que a sala fosse, por fim, conhecerás aquilo tudo que agora
pela incomensurabilidade da existência eu mesmo sei.
atemporal. Após ter me dito aquelas palavras
Lá, o Guardião do Tempo e da Realidade, impossíveis, de mistério esotérico e
carrega o Cajado de EÖS, a esperar o virtuoso deleitoso, o velho partiu, desaparecendo ali
viajante de planos, que deseja se encontrar mesmo, diante de meus olhos. Estupefato
com o Eterno, sem princípio, nem fim. e ainda aturdido com o fato, vacilei por
Com o Guardião deixei o Cajado, porém uns minutos,permaneci ali por certo
antes de fazê-lo, removi dele as duas Joias tempo. Veio a resposta então por fim,
que lhe concedem seu poder total. A Joia como um fogo abrasador brotando de
da Realidade, que encerra o conhecimento meu íntimo. Mentalizei com convicção
sobre todas as coisas e a Joia do Tempo, que inabalável as etéreas formas das Joias
manifesta inexorável a passagem de tudo de EÖS, e imediatamente parti, para
o que foi e virá. além das incognoscíveis passagens da
existência.
A perspicácia de EÖS pulsou em mim e
através dele, as Joias foram se perder através
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Chicote Vorpal
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Das origens tribais

U
TANA lutou bravamente
nas longínquas estepes
setentrionais. Ela brandia
um machado esvoaçante, que
em rodopios, arfava-se em
comunhão com seus pesados e grossos cabelos
negros. Os inimigos vinham do Sul, e sua
lâmina terminou com muitos deles, antes
que pudessem gritar e ela lhes dizer que
eles não eram bem vindos.
UTANA, cresceu por entre os caudalosos
rios que embebiam de fertilidade as
extensas terras ermas e selváticas do
extremo norte.
Durante muitos anos as tribos das
planícies combateram entre si, e por
tantos anos o ciclo natural da vida e da
morte se moveu quase intacto, como a
grama que fenece no campo ou as luas
que se despem de suas vestes no céu.
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Porém, como um fogo que de repente O ataque varreu rápido como um


surge no firmamento, vai ter com a relva fogo rasteiro na planície, atingindo os
e consome tudo ao seu redor, os homens acampamentos e esconderijos das tribos,
do Sul chegaram sem que se pudesse que se defendiam como podiam diante
prever ou perceber o que traziam. Os daquele caos. Os clãs todos se desfaziam
xamãs agouraram a todos e diziam que e os poucos que sobravam corriam como
aquele eclipse no céu predizia o mau que ratos em quaisquer direções. Chefes tribais
lhes caíra. tentavam infrutíferos conter o avanço dos
Os invasores chegaram com pesados olhares homens do Sul, por certo tempo fora até
e sorrisos estranhos, disseminaram o caos possível retardar a invasão. Mas a avareza
e perturbaram o equilíbrio harmónico daqueles homens terríveis era demasiado
que durara tantos anos naquelas terras grotesca, que a morte de seus pares ou
selvagens. Os Povos do Sul estavam a as defesas bárbaras, não lhes faziam
expandir suas fronteiras, a eles só lhes esmorecer. Por fim, os povos selváticos
interessava escravizar mais povos, sugar- das planícies setentrionais acabaram
lhes a vida e a fertilidade de seus lares. por cair e junto com eles caíra UTANA.
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D#36023
e c- kobrakai67@gmail.com
omo foi honrada para a guerra
Aquele povo orgulhoso que se espalhava mãe, ela era agora uma feroz guerreira
pela estepe como a própria erva que cresce das estepes e estava pronta para morrer
na pujança da primavera, viu no calor do pelo seu povo.
fogo o seu fim, como a fagulha que pulsa e Foram os Povos do Sul, sedentos por recursos,
chacina o relvado. A própria Mãe Primordial, ardilosos como víboras, que provaram a
que amamentava aquelas terras férteis, valentia de UTANA. Eles vestiam pesadas
como uma mulher prenhe de vida que vestes negras e varriam as estepes como
dá o próprio leite aos seus filhos, chorou bestas insensatas. Carregavam em seus
pelo sangue do povo nativo derramado. estandartes o símbolo da serpente, seu
UTANA estava tão feliz desde o ritual de líder, SADANTAS, o Esfolador, desejava
solstício de verão, quando fora reconhecida fazer muitos escravos, porém queria matar
como uma mulher escolhida dentre algumas muitos mais.
de seu clã. Ramos de urzes lhe pendiam do SADANTAS encurralou todos os clãs e
cabelo e uma listra de sangue de animal os líderes tribais foram todos mortos.
imolado lhe percorria do pescoço a fronte. UTANIA, honrando seus votos guerreiros,
Ela fora reconhecida e agraciada com o matou a muitos e defendeu a todos que
dom da batalha, que pela própria forja pode ainda mais. Mas os adversários
e pelo martelo de EÖS, o Deus Central, eram muitos, seus ardis peçonhentos
a chamavam para a guerra. envenenaram os povos da planície, até
As flores azuladas lhes diziam para não se que seus corações foram consumidos pelo
esquecer da beleza selvática do campo, mas mal e nada mais restara sobre a estepe.
a fronte lambida em sangue lhe lembrava UTANA correu os campos vastíssimos,
que sua morte era oferecida pela vida de como uma loba que uivava enlouquecida
seu clã. UTANA não seria destinada a ser a noite, chorou pelo seu povo, gritou e
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desejou
#36023 -com eles ter morrido. E quando
kobrakai67@gmail.com que todos estavam mortos. Ela vagou
já ferida de mais, meio ensandecida por pela planície e apenas encontrou mais
tudo, caiu por terra e por lá permaneceu. dos seus, porém mortos, o sangue deles
Fora SILVANIUS que a pegara desacordada manchava de vermelho o sempre verde
e a encilara num cavalo solto, quando vivo do relvado. Ela chorou e chorou
UTANIA for ter por si já estava muito como se lhes escorressem da fronte os
distante da batalha. UTANA novamente rios que banhavam aquela terra fértil e
chorou, gritou e desejou voltar, mas sabia agora desgastada.

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D#36023
o e- kobrakai67@gmail.com
xílio e as aventuras que travou
UTANA agora sem lar, lembrava-se os ermos e as vastidões selvagens, pois
sobranceira das estepes, por longos meses as vielas gotejantes das cidades eram
caminhou e percorreu as vastidões das demasiado frias, habitadas por seres
planícies até adentrar aos vales verdejantes, esguios e zombeteiros.
de lá as montanhas florestadas e mais Fora em uma dessas incursões de caravanas,
além, até o vastíssimo Oceano. Por mais atravessando as estradas vastíssimas do
que ela andasse, desejava ainda sentir o Oeste até MIR, das Águas, que UTANA
vento das estepes e as flores que antes lhe
caiu por um ataque imprevisto.
agraciavam os cabelos e quando o inverno
chegava, desejava cheirar e engolir num O assalto fora desferido por criaturas
só movimento, como nas planícies, um esgueirantes e ferozes, que de maneira
borrão inteiro de neve. ardilosa, mataram a todos aqueles que
Por fim, ela passou a usar as habilidades defendiam as carroças. Tantos outros
de guerra, levando-a travar muitas mercadores foram mortos, caindo
escaramuças e invasões, por quem quer incólumes na lama suja da estrada. As
que lhe pagasse bem. UTANA carregava criaturas raptaram alguns daqueles, lhes
no semblante uma expressão pesada, por espancaram, os humilharam e dentres
vezes até indiferente, desde que fora estes estava UTANA. Ela estava enojada e
expulsa de suas terras e caíra no exílio. cansada pois caminhara por tantas veredas
Recebia recompensas generosas para e estradas estranhas. Desejou não continuar
acompanhar os mercadores que cruzavam mais, por ali ficou, por momentos sentiu
as sinuosas Estrada Ocidentais, levando- que nada mais importava, a tudo desistiu e
os às cidades pujantes ao longo da Costa. desejou morrer, para finalmente se juntar
Ela estremecia ao adentrar aquela cidades ao seu povo morto que um dia habitou
esplendorosas e tão dissonantes as as douradas estepes do Norte.
planícies de onde vivera. UTANA preferia Mas num átimo, quando de suas costas
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fervilhantes como brasas, novamente
#36023 - kobrakai67@gmail.com desdenhara a morte,
atingida pelo golpe de chicote, que não se importando
não mais se rendeu, como um fogo com nada, só desejou
lhe rugia em seu íntimo, não matar e se libertar. Ela
mais aceitou aquela sujeição marchou, matou e
humilhante. Em um movimento desferiu tantos
repentino, UTANA golpes por aquele
girou e agarrou o chicote, que as
chicote em suas criaturas que
mãos e como sobraram
uma força que fugiram como
lhe lembrava
loucas, pois
as estepes,
pensavam que
puxou contra si
um demônio
a arma, levando
lhes aparecera
a criatura que
lhe molestava, a e lhes castigava.
cair desesperada no UTANIA
chão. Ela então puxou urrou, cantou e
o chicote para si e mais um lembrou-se das flores em
golpe desferiu e dilacerou a seu cabelo espesso e negro, o sangue
cara da lastimável criatura, novamente lhe banhou a face, ela estava
deixando-a ali mesmo, viva e renovada. Mesmo os mercadores
morta e apodrecendo na se dispersaram atônitos e desesperados
estrada. por suas vidas, quando não mais havia o
Os outros monstros que lutar, ela contraiu o chicote em sua
vieram, mas UTANA, que mão, e caiu por terra desacordada.
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D#36023
a i- kobrakai67@gmail.com
ntervenção de URA
Fora URA que lhe observara desde que dançavam com o sol e sentiu novamente o
partira das longínquas estepes setentrionais. calor abrasados que lhe sorriam as planícies.
Ele se apresentava como um paredão de Quando voltou de sua visão reveladora,
rochas graníticas a projetar-se do alto. UTANA reconheceu que tivera ao lado de
Os humilhados o reconheciam como um URA, a fortaleza primal, o humilde colosso,
benevolente consolo as pesadas agruras que destrói o medo de cair e devolve as
que sofriam. Ele era forte como uma esperanças aos corações desolados.
avalanche de pedras a despencar de um Viu que havia um chicote de espinhos
desfiladeiro íngreme, mas humilde e tenro ao seu lado, que resplandecia como uma
como o cervo que pasteja as campinas joia de magnífico esplendor. Não mais o
primaveris. chicote que aos monstros matara, mas
URA viu UTANA se salvara e deitava por algo maior em beleza e poder, E quando
terra, com um único golpe de destreza, fitou o objeto novamente sentiu o vento
o líder dos monstros atacantes e com o da planície, URA novamente lhe sorriu,
chicote, matara a muitos mais, libertando-se ela sabia que ele havia lhe dado como
como o fulgor de uma brasa incandescente. um presente, pois ela reconquistara a
E naquela noite, exausta após a batalha, fortaleza e a sua liberdade.
caída em sono profundo, em seus sonhos UTANIA então caiu de joelhos levantando
URA a visitou e quando despertou, lá estava as mãos em sobressalto. Chorou por toda a
ainda o Deus. Ele sorriu-lhe e lhe apontou gota de sangue derramada, quando desterrou
com o dedo a sua testa. Naquele momento toda a sua dor, puxou num ofegante sopro
o ar carregou-se do perfume das flores e calmamente sorriu. Ela havia vencido o
das estepes, UTANA viu os regatos que medo e as injustiças que, durante tanto
atravessavam a planície, as gramas que tempo, lhe apertavam o coração.
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D#36023
e s- kobrakai67@gmail.com
ua queda Oceano, até se dar com terras devastadas
e em países incomuns e estranhos.
UTANA, como o vento da estepe, renovada Ela invadiu a grandíssima CAPTUNIA,
como a primavera que dispensa o frio do de portões de ferros inquebrantáveis e
inverno, ergueu-se destemida e portando muralhas de defesas impossíveis, matou
seu chicote cravejado de espinhos, marchou seus líderes e pilhou seus suntuosos salões,
orgulhosa pelo mundo. porém UTANA queria mais. O chicote
Por muitas aventuras se envolveu e a cada era carregado em seu estandarte, todos
ataque que desferia, carregava consigo a amavam e a temiam, pois sabiam que
com um só golpe, a bárbara morena, podia
a marca do chicote de URA.
dilacerar seus crânios e os capturar onde
Foi ganhando fama como uma formosa quer que fossem.
guerreira, passaram a tratá-la como aquela
Mas fora do saque a CAPTUNIA, no salão
que esfola faces, a gigante que desdenha
dos dirigentes, que o poder a cegou. URA
a morte e a bárbara de cabelos negros que desceu com suas vestes humildes, para
enfrenta a parede de escudos, só. ter com ela. O colosso, o carro de batalha,
Ela sabia que agora era aclamada como aquele que se ergue como uma imensa
conquistadora de terras, sua reputação clava, olhou humilde a URA e lhe estendeu
a levou por muitos países distantes, até as mãos. UTANA, que ainda fervilhante da
que o poder lhe cresceu de tal forma, batalha, não reconhecendo URA, saltou
que passou a comandar grupamentos pelo ar o chicote que o Deus ganhara e
enormes. Fora ainda capitã de guardas vindo a golpeá-lo a face.
e todos estremeciam quando UTANA URA nada falou, ela então desterrada
exprimia toda a força com seu Chicote caiu, lamentou, ergueu a voz e clamou por
Vorpal. perdão, mas URA desaparecera e ela se
UTANA atravessou tantos lugares, até estirou ao chão. Só, no salão dos líderes,
singrou os mares e foi ter com o grande UTANA chorou, se lembrou das estepes
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#36023 - kobrakai67@gmail.com

novamente, do vento que lhe cortava a


face e das urzes que trazia ao cabelo de
madeixas negras. E mais uma vez chorou,
pois sabia que a compulsão lhe destruíra
e que a planície lhe fugira, pois a paz da
estepe não mais habitava o seu coração.

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Capa da Abominação
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A
Capa da Abominação arfa
na noite escura e confunde-se
as sombras de alguma viela
horripilante esquecida do
mundo. Ela pode ser vista no
interior obscuro de alguma cidade sinistra,
de torres estranhas e abóbodas perturbantes
ou nos confins distantes das terras rurais, a
evocar terrores umbrosos em camponeses e
lenhadores que se perdem na �loresta.
E foram nessas terras onde a Capa ganhou
sua malevolente reputação e inflamou
lendas, casos bastante reais, de atrocidades
e outros horrores indescritíveis.
Os camponeses contam a respeito de
soturnos senhores a vestindo, e que
chegando de passagem a região, marchavam
misteriosos de um lado para o outro nas
madrugadas escuras de inverno.
Fora em Soldária, das infindáveis
vastidões perdidas, de aldeias pululantes
em vales ainda mais esquecidos que os
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ataques foram tão costumeiramente
#36023 - kobrakai67@gmail.com de aparência muito sinistra, portando a
recorrentes. Aqueles homens simples capa de maneira imponente, lançando-
descrevem em pavor, sobre ataques a lhe uma espécie de feitiço, que tragou
viajantes desavisados e a camponeses parte de sua vida.
encontrados mortos, após perseguirem Ele viu como a capa rodopiou, como se
seu gado, misteriosamente solto. estivesse viva e empurrou um lampião
Impotentes, os homens acendiam que estava aceso na casa dos Gilufar,
grandes fogueiras, e clamavam aos queimando seu tosco celeiros e matando
seus deuses na tentativa de espantar o seu gado.
aquele inquietante agouro. Naquela confusão, Bulducar o feriu
Naqueles tempos, o Senhor de Bulducar, na perna e o passou a perseguir. O ser
que chegara a cavalo e armadura as mancou por poucos passos, mas como
se juntasse forças do abismo das trevas,
imediações de Soldária, procurando
recompôs-se inesperadamente e saindo
paragem em alguma das muitas
em disparada, perdeu-se na noite escura.
aldeias, sensibilizou-se com os
relatos apavorados e garantiu Frequentemente os camponeses ainda
defender a segurança daquela relatam casos semelhantes. Parece haver
um certo capricho por parte do usuário
gente miserável.
que ostenta a capa. Ele prefere as sombras
Seu relato confirma as abominações e parece sentir prazer em assustar os
produzidas por aquele perverso camponeses. Antigos relatos perdidos
Artefato Lendário. em tomos esquecidos fazem referência
Foi quando da aparição de uma a objetos correlatos. Presumo que a Capa
misteriosa figura, numa noite possa estar sobre a posse de algum nobre
nublada e de uma fina chuva fria, vilão que deseja aterrorizar, por puro prazer,
que o paladino com ela topou. A qualquer um que possa encontrar pelo
figura revelou-se ser um homem caminho.
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#36023 - kobrakai67@gmail.com

L
á diante da vasta planície dos
Ashauriam, árida como uma
brasa em fogo incandescente,
repousava uma imensa e
solitária pedra de granito,
impiedosamente contrastante com tudo o
que se pudesse ver na amplidão da paisagem
plana.
Esgueirando-se por entre as paredes de
rocha grossa que sustentavam aquela
fortaleza natural, estava Kriev, de pele
dracônica e olhos orgulhosos. Ele meneava
de um lado ao outro a mirar diante de si
a noite escura, a carregar uma expressão
apreensiva e pensamentos inquietantes.
Sua preocupação não era devido a
hostilidade que sofrera desde que
chegara aquelas paragens - pois os de
sua raça não eram frequentemente
vistos por ali e certamente não eram
bem recebidos -, mas por que Nim, seu
antigo companheiro de aventuras, não
49
#36023 - kobrakai67@gmail.com aparecera até então a rocha solitária? O
ponto de encontro entre eles há muito
tempo estabelecido.
Já faziam duas estações que o gnomo
o havia provocado, desferindo um de
seus muitos sorrisos zombeteiros, sobre
a habilidade de locomoção do amigo
sobre a planície. Ele dizia que os de
sua gente podiam esconder-se em
quaisquer tocas que encontrassem,
mas o mesmo não podia ser feito pelos
da de Kriev.
- Não vá se perder, Kriev! Nem se deixe
virar ensopado na panela de algum ogro! -
Ele troçava do amigo, porém agora
Kriev se preocupava verdadeiramente
e temia que seu companheiro pudesse
ter tido o mesmo fim de sua própria
piada.
O orgulhoso guerreiro de escamas se
esgueirava entre as paredes graníticas
da imponente rocha observando
ansiosamente por qualquer sinal que
pudesse anunciar a aproximação do
gnomo. “Ele está atrasado”, vociferou
para si mesmo num tom irritado e ao

50
A Divina Comédia
mesmo
#36023 tempo aflito.
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E ao mirar a escuridão da noite de
planície, ele se rememorou da vez em que
Perdido naqueles pensamento inquietantes,
Kriev sobressaltou-se, quase como que
se despertando de um sono profundo,
quando escutou de súbito um som
passaram por Zurion dos aquedutos,
de misteriosas lagoas fervilhantes, em que se precipitava dos confins da
águas de gases púrpuras e florescentes. noite.
Lá onde habitavam os Sacerdotes Controlando seus sentidos, ele
de Akaunton, cujo templo fora virou-se lentamente prostrando-
erigido em algo que parecia ser se sorrateiro em direção a noite.
um imenso ovo de um ser réptil, A cena que se projetou diante de
eles foram agraciados cada um com seus olhos o atormentou. Quatro
um Artefato Lendário, que quando tochas bruxuleavam no negrume
unidos se potencializavam, selando noturno e eram empunhadas por
dessa forma seu companheirismo. esguias figuras humanóides, que
Kriev tamborilou os dedos em pareciam transportar algum tipo
uma bolsa que carregava a cinta, de carroça carregada por eles
onde guardava seu estimado mesmos.
artefato, um ornamentado As criaturas aparentavam se
Símbolo Sagrado em formato aproximar da rocha solitária,
esférico, encerrado ao centro, provavelmente para armar
por um enigmático olho de um acampamento e descansaram
formato réptil. Se Nim estivesse seus corpos surradas por sabe-se
por perto, seu símbolo estaria lá quais distâncias e desventuras
a brilhar um halo de energia percorridas.
mística, assim como sua Adaga Sorrateiramente ele se aproximou
Etérea, o artefato que lhe fora um pouco mais da borda da parede
conferido. de pedra e fitou os seres que pareciam
51
conversar e retirar qualquer provisões que
#36023 - kobrakai67@gmail.com roubaram a adaga e agora carregavam
traziam a carroça. Haviam sacos, caixas e a carroça seus espólios”.
no centro uma grande barrica jazia deitada. As criaturas molejavam com seus passos
Os monstros portavam ainda machados agourentos em direção ao abrigo da pedra,
e arcos em punho, embora caminhassem enquanto Kriev os acompanhava a cada
despreocupadamente. metro com seus olhares perscrutadores,
Kriev estava atônito com a cena, e mantendo sua espada em riste. Ele
quando passou a mão na cinta escondeu-se em uma cavidade
para desembainhar a espada, que se incrustava a um
percebeu estarrecido que rochedo e ali aguardou,
seu Símbolo Sagrado pois naquela posição ele
passara a brilhar! Este fato poderia examinar melhor
apenas poderia significar quem seriam aqueles seres
uma coisa, Nim estava e quais os seus intentos.
por perto! No entanto, Ao alcançarem a enorme
logo que a excitação pedra que lhes serviria
inicial cessou, Kriev de abrigo, as bestas
foi violentamente prontamente retiraram
atormentado pela de sua carroça algumas
simples conclusão dos provisões e começaram
fatos: “se o símbolo a armar seu acampamento.
brilha, a Adaga Etérea Kriev, acompanhava tudo de perto,
de Nim está próxima, analisava cada movimento estarrecido.
mas isso não significa Seus olhos se encheram de raiva quando
que o próprio Nim esteja! viu que em uma das bolsas que as criaturas
Ainda mais, o próprio Nim pudera carregavam, se precipitava o cabo da Adaga
ter sido morto pelas criaturas que lhe Etérea de Nim.
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Eles passaram a desempacotar seus
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contra Kriev. Seguiu-se um combate
espólios para os analisarem e dividirem brutal. Kriev lutava enlouquecido e seu
os furtos entre si. Quando a bolsa que coração amargurado o fazia impelir
continha a adaga de Nim foi aberta, os contra aqueles seres bárbaros, pela
monstros se assustaram e se entreolharam honra de seu querido amigo.
ao perceberem que dela se precipitava No entanto, estando ele em desvantagem,
o halo energético potencializado pela foi por fim rendido pelos seus adversários,
presença do Símbolo Sagrado de Kriev. que o desarmaram e o espancaram,
A visão foi demasiadamente repugnante jogando-o ao chão.
para que Kriev continuasse aguardando Quando as esperanças já haviam se
e enchendo seu coração de ira, pulou do dissipado, Kriev lançou um olhar profundo
buraco que lhe servira de esconderijo, em direção às pilhagens das criaturas e
lançando-se ferozmente contra os viu que da barrica carregada pela carroça,
inimigos. Ele brandia sua espada em meneavam mãozinhas que tateavam
uma das mãos e carregava seu Símbolo o tampo. De dentro dela se precipitou
Sagrado na outra. uma figura diminuta, rechonchuda
As criaturas só notaram a presença do e de pés ligeiros, inconfundível para
guerreiro de pele de dragão quando ele Kriev, era Nim.
já estava demasiadamente perto. No Ambos trocaram longos sorrisos
momento em que o primeiro virou- que se chocaram através da pedra na
se, subitamente recebeu a estocada planície. Kriev aliviado gargalhou, as
de Kriev ao flanco, caindo morto no criaturas confusas entreolharam-se
solo da planície. e se enfureceram quando viram Nim
Ao verem seu companheiro abatido os surgir diante deles. Na confusão da
outros seres se emparelharam e sacaram batalha a Adaga Etérea havia sido
suas armas, lançando seus movimentos jogada para perto da carroça e agora

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repousava sobre a mão de Nim, desde
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que ele escapara da barrica.


- Sabes que me deixei ser preso para poder
dividir contigo essa luta!
Gritou o gnomo. Os monstros sobressaltaram-
se quando viram Nim, e Kriev aproveitando
o espanto, gingou com os pés a perna
de um deles, arremessando-o ao chão.
Rapidamente ele recuperou seu Símbolo
Sagrado que estivera a poucos metros
do seu alcance e quando Nim e Kriev se
precipitaram sobre os monstros, seus
artefatos já brilhavam inconfundíveis,
os amigos agora unidos, lutaram juntos
e venceram a batalha.
Findo o combate, Kriev abriu um longo
sorriso e disse:
“Rendido por quatro míseros monstrengos?”
Nim fazendo uma careta retorquiu: “ah! Não
me calunies, tive de dar cabo de muitos deles
antes que me trancafiassem, e além do mais,
não queria privar-te de diversão!”
E ambos deram-se um longo abraço e
partiram novamente juntos pelo caminho.

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Cinturão do Besouro Rei
#36023 - kobrakai67@gmail.com

C
aminhei de olhos
A passagem da câmara se alongava
arregalados em
amplamente e dava para um salão
direção ao profundo
maior de paredes altas.
da câmara escura.
Examinei aqueles blocos de
Eu levava apenas
pedra cuidadosamente encaixados
uma tocha embebida em resina
e acompanhei com as mãos as
e uma minúscula bolsa com
pouquíssimas provisões, a
situação o exigia. Passei por
curtíssimos túneis e tive de me
arrastar como podia, por aquele
labirinto perdido no tempo.
Eu chegara ao templo depois
de atravessar distâncias
inimagináveis. Desde o Oeste, ao
Vastíssimo Oceano, até chegar ao
insensível e escaldante deserto
infinito. O fiz pelo desejo ardente ranhuras que se formaram com
de pôr minhas mãos naquele o tempo. Nelas, contemplei
misterioso Artefato Lendário, incrustadas, estranhíssimas
capaz de conferir uma força inscrições e desenhos incrivelmente
inigualável e poderes ainda mais distantes.
esotérico.
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Os temas traziam homens de a câmara esgueirando-me por aquelas
#36023 - kobrakai67@gmail.com
penteados incomuns, a carregar poderosas paredes de profundo
turíbulos esfumaçantes, olhares
mistério.
sinistros e expressões enigmáticas.
Espalhando-se em contornos, pela A superfície áspera da parede
maior parte da extensão do painel, conduziu-me ao interior da câmara
percebi amontoados negros e e quando olhei de soslaio a direção
globulares que me estremeceram
em perplexidade. As bolas negras
oposta, vi surgir como um bastião
se erguiam como imponentes e empertigado, a imponente figura
monstruosos besouros do deserto. de um guardião empunhando um
Eles reluziam na superfície granítica, machado de ouro. Lá estava ele,
incandescidos por um halo de luz envolto na cintura do guerreiro, a
esverdeada, que se projetava de cintilar em concordância com meus
esferas feitas em jade.
olhos que vibravam, o cinturão do
A inscrição revelou- rei, esplendorosamente entrecortado
me como o brilho de em ouro e trabalhado no mais puro
uma pedra preciosa
na escaldante areia do
e resplandecente jade. E quando
deserto, que o caminho aprofundei meu olhar a peça, tonteei
que eu intuía estava ao perceber que entronado estava
adiante, eu pressentia o rei, a mais solene das criaturas
que o misterioso item rastejantes, o besouro negro do
não poderia estar longe daquele deserto!
lugar. Maravilhava-me a cada traço de sua
Minhas mãos tremiam e o suor luz estonteante, em passos afoitos
me consumia as frontes. Ergui-me me dirigi ao rei, mas recobrando-me
sobranceiro, em movimentos ágeis, rapidamente do delírio, suspendi o
porém soturnos, passei a atravessar caminhar, mais atentamente percebi
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o cenário ao meu redor.
#36023 - kobrakai67@gmail.com
nariz, e recobrando os sentidos,
O guardião estava rodeado de continuei intrépido ao alcance da
pilastras, de inscrições e desenhos cinta mágica.
ainda mais enigmáticos. Ao Havia chegado o momento que
aproximar-me um pouco mais, eu tanto me preparara. Puxando
aspirei como de súbito, um aroma o ar e soltando o mais sinistro dos
distinto e enfeitiçado, que gritos, estendi meu braço esquerdo
me usurpou os sentidos e me fez em direção a cintura do guardião.
cambalear. O odor que brotava de E no momento que o fiz, a criatura
alguma fresta nas pilastras, vinha de granito tomou vida, em um

acompanhado de uma espessa pesado movimento atroz, contorceu


fumaça inebriante, mas que violentamente o punho que segurava
carregava o mais adocicado dos o machado e desferindo um golpe,
perfumes de jasmins. decepou-me desgraçadamente
Quando a fumaça me envolveu, meu braço que se estendia. Gritei
rapidamente eu puxei o unguento como um louco o mais delirante dos
mágico que carregava em minha bramidos, a insanidade daquela dor
pequena bolsa. O aspergi em meu quase me consumiu. Com os dentes

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rangidos, ainda uivando, lancei o
#36023 - kobrakai67@gmail.com
volta à câmara e me embrenhava
outro braço a cintura do guerreiro à fresta que me levaria a saída do
e apanhando o cinturão que túnel.
lhe pendia, o enlacei em minha E foi com o preço de um
própria cintura. braço inteiro que me entronei
A artimanha da armadilha não do cinturão de ouro de Jade e
contava que minha cobiça era conquistei não só a força do
ainda mais obscura, quando o poder nele inserido, mas o direito
guardião novamente se ergueu, de transformar-me no próprio
a desferir o segundo golpe, eu rei besouro, na mais bruta das
já havia transformado-me no criaturas do deserto.
besouro de jade, e marchava de

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Alaúde do Dragão Fada
#36023 - kobrakai67@gmail.com

E
u havia caminhado longas
distâncias desde que deixei
as Terras Setentrionais e
me lancei novamente as
vastidões selvagens do
misterioso Leste. Andarilhei mais uma vez
aquelas estradas empoeiradas e desgastantes,
depois de tanto a percorrer e meus passos se
encurtassem pelo cansaço, decidi parar na
próxima estalagem que eu pudesse encontrar.
Quando a noite já se anunciava, uma
fria chuva me forçava a caminhar mais
rápido, eu a vi ao longe. Estava iluminada
e a espiralar fumaça de uma chaminé
curiosamente retorcida. Pensei comigo
mesmo: “certamente crepita naqueles fornos
alguma carne assada e haverá uma bebida
que aquecerá meu coração”, pensamento
que acalentou meu espírito e renovou-me
novamente.
Mais uma vez eu entrava em uma taverna
abarrotada, e aproveitando a ocasião para
divertir alguns tolos e glutões, seres estranhos
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e coisas de presas longas, passei
#36023 - kobrakai67@gmail.com seu corpo se alongavam um braço de
a cantarolar antigas canções de formato dracônico, que fumegava como
estrada, até que meus bolsos se se estivesse vivo.
enchessem o suficiente e finalmente Não me contive e o toquei, quando fiz, de
eu pudesse descansar em uma uma explosão resplandecente ele surgiu.
macia cama de hospedagem. Diante de mim manifestou-se um dragão,
Quando cheguei ao quarto, de pronto espantosamente resoluto e elegante! Sua
recostei-me a cama e rapidamente presença era desigual e belíssima, algo
adormeci. Porém algo de incomum que nem as mais tenras canções na terra
agitou meu sono aquela noite, e os poderiam descrever.
desdobramentos do que viriam a Ele flutuava com nobreza e poder, conseguia
acontecer mudariam-me de tal modo, através de uma força incomum, parecer
que meu mundo inteiro tomaria um tom ao mesmo tempo assustador e belo. Ao seu
maravilhoso e distinto. redor, cintilavam miríades de luzinhas,
Sonhei com uma paisagem inebriante e que se movimentavam-lhe por entre a
enevoada, por mistério, apareceu-me como calda e o corpo. Suas asas eram coloridas
que flutuando, um objeto estranhamente e radiantes, o que lhe conferia um ar
cromático, que rapidamente reconheci como encantado e misteriosamente feérico.
sendo um magnífico alaúde! Ele surgiu Entretanto num instante, como que de
como um som aveludado e indescritível, súbito, o enxerguei tornar-se a minha
e de suas notas, uma bruma ressoava em direção, espiralando um delgado vôo,
pulsos coloridos. veio a mergulhar seu corpanzil a mim e
A medida que suas cordas eram tocadas, projetando sua bocarra com cadência,
eu via luzes que se correspondiam com engoliu-me num bocado só!
seus tons e sons surpreendentes. As Tudo tornou-se negro e não sei por quanto
luzes brilhavam mais ainda e vi que de tempo me mantive aquela condição.
60
Até que -senti
#36023 um aroma açucarado, uma
kobrakai67@gmail.com Conversei com algumas delas que se
mescla de sentidos inusitados e confusos. riam e me convidavam a dançar. E até
Após instantes, reconheci pelo tato que as árvores e pedras conversavam comigo,
estava numa espécie de campina, recobrando contando-me seus sonhos e seus nomes
a consciência, num profundo suspiro, e as muitas coisas que já haviam visto
levantei-me de súbito! por ali.
Quando dei por mim, vi-me Eu caminhei pela floresta por longas
rodeado em um círculo de árvores horas, jamais me senti amedrontado e
gigantescas e indescritivelmente tampouco cansado.
belas. No entanto, quando o sol parecia já baixar
Delas rodeavam graciosas luzes, e a noite a tilintar com seus primeiros
a voltear por entre os troncos, que pirilampos, eu decidi deitar-me num
compunham a mais esplêndida das longa ramagem de samambaias que se
florestas que um dia eu pudesse estar. estendiam formando uma aprazível
Extasiava-me ao contemplar aquela e confortável cama.
paisagem formidável. Suas árvores Por ali descansei por algumas
eram muitos mais exuberantes e horas, tive o maior conforto
de cores profundamente mais e os mais belos sonhos
vivas. que jamais havia tido.
Passei então a andarilhar pela Entretanto minha
floresta mágica, radiante, perdi- alegria por muito tempo
me por certo tempo. Meus olhos não seguiu. Quando
brilhavam ao perceber que, com as folhas espreguicei-me e aos altos
carregadas pelo vento, erguendo-se em lancei um bocejo longo, percebi estarrecido
rodopios delicados, dançavam silfos e que em minha garganta, repousava uma
fadinhas que para mim sorriram. afiada lança!
61
Mirei com olhos petrificados, a se
#36023 - kobrakai67@gmail.com Apressa-te a verdade nos contar, se não
agruparem em destreza, formosos e queres ter cortada agora mesmo a tua
altivos elfos, a vestir elmos prateados garganta”
e armaduras das mais ornadas e
incrivelmente brilhantes. Eles carregavam “Ó obsequiosos senhores! Nada mais
uma expressão ao mesmo tempo bela lhes digo a não ser a verdade. Em
e sombria, eu sabia que havia-lhe passada noite, estava eu cansado e ao
importunado de algum modo. dormir, tive um sonho agitado. Sonhei
Prontamente me inquiriram: com um ser de incompreensível beleza,
que ainda mais, por capricho do que quer
“Que fazes aqui?!”. que fosse, surgia em minhas mãos um
Inicialmente eu nada disse, mas alaúde de vivazes cores, magníficas e
julgando imprudente faltar com a estonteantes!”.
ação, passei a relatar meu caso, da Quando lhes disse aquilo, os elfos todos
maneira mais nobre e educada possível: pararam e se entreolharam. Aquele
“Estimados senhores, não sei como que me rendia com a lança se afastou
aqui eu vim parar. Apenas deitei em e sua expressão parecia atordoada. Do
uma cama de taverna em passada grupo então se destacou um ser alto e
noite e cá neste lugar surgi, como se mais belo do que todos, que portava
fosse tragado de um sonho louco! E até uma armadura ainda mais brilhante e
agora, achava mesmo que estivesse em uma espada curva que cintilava como
sonho, não fosse a afiadíssima lança o mais belo raio da aurora.
que carregais convosco”. Ele se aproximou e perguntou de
“Diga-nos, quem és, assombração ou maneira peremptória:
morto, criatura distante ou monstro?! “Quem és tu?”.
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E curvando a cabeça em respeitosa
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tive a visão mais estonteante que já
reverência, eu disse altivo e sem presenciara na vida.
pestanejar: Diante de meus olhos se descortinavam
“Lopest é o nome, meu senhor. De uma lindíssima cidadela élfica. De
terras e estradas longínquas. Meu prédios maravilhosos e torres de
ofício é a poesia e a música”. cantos arredondados, flores e aromas
indescritíveis.
Ele nada disse então, dando algum
comando aos seus companheiros, Aqueles artesãos certamente descendiam
virou as costas a mim e seguiu ao de alguma raça celestina, pois me pareciam
interior da mata. que os próprios deuses élficos haviam
os construído.
Outros mais o seguiram, porém
Atravessamos suas ruas e algumas
ficaram aqueles que me renderam,
das pessoas que por ali passavam se
e ao sacar pesadas faixas de couro,
mostravam interessadas. Certamente
amordaçaram-me e ataram minhas
minha presença ali era incomum, pela
mãos.
expressão dos transeuntes, julguei que
Caminhamos por algumas horas minha chegada os preocupava.
pelo bosque encantado, e mesmo Eles levaram-me a um palácio magnífico
aprisionado, eu ainda me maravilhava e de lá a um salão central, ali me jogaram e
com as cores e as coisas vivas que por me fizeram esperar por um longo tempo.
ali cresciam. Vi surgir aos poucos elegantíssimos e
Os elfos conduziram-me até as bordas orgulhosos senhores elfos. Ao entrarem
da floresta e quando a ultrapassamos, eles me lançaram olhares inquisitivos.
passando por uma espécie de arco Eu sabia que estava diante de um alto
feito de gavinhas e folhas entrelaçadas, conselho de nobres, que por alguma
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razão, ao meu redor se reuniram.
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Ele então tornou a perguntar:
Um alto nobre destacou-se dos demais e “De onde vens e quais são teus
passou a questionar os outros e designar interesses?”.
algumas palavras de ordem. Constatei Assim sendo, de cabeça baixa e corpo
que eles falavam entre si um distante curvo, contei minha história. E quando
idioma ou dialeto curioso e pude fui questionado sobre o alaúde no meu
entender apenas algumas palavras, sonho, o alto nobre élfico, pareceu
pois meus humildes conhecimentos consternado, e os que alí estavam se
da língua élfica me impediam a uma impressionaram e cochichavam uns
compreensão melhor. com os outros.
O nobre utilizava um robe azul cravejado Foi de súbito que um jovem alarmado e
de esmeraldas de mesma cor. Sua ansioso, explodiu em alto tom, dirigindo-se
expressão me impressionou. Ele dirigiu- a todos aqueles que estavam presentes:
se a mim com certo orgulho, tratando- “O alaúde nos pertence, volta de onde
me como um reles qualquer. Falava no viestes. Demônio!”
idioma que eu compreendia, porém Os outros elfos se inflaram, e os mais
suas palavras eram produzidas com jovens e calorosos passaram a gritar e
peculiares acentos e sílabas sibilantes, entoar agressões contra mim:
de algum élfico arcaico e esquecido.
“Ele está com o inimigo!”, “é um espião
E suas palavra eram como lufadas de ou assassino que deseja envenenar
um vento outonal. nossas casas.”
“Que queres em nossas terras?” E outros ainda mais exaltados bramiam.
Ele arguiu em sobressaltou. E eu apenas “matá-o e devolvam o corpo aos da
o observei e não ousei dirigir-me a voz. Floresta Alta!”
64
Por instantes
#36023 a algazarra foi geral, no
- kobrakai67@gmail.com cela contígua à minha. A voz certamente
entanto o nobre novamente ordenou escutou meus delírios durante a noite e
e pediu que se calassem. Depois disto, agora desejava me assombrar, pensei.
determinou minha prisão. Sem titubear, o riso se alongou e a voz
Lançaram-me a uma cela no subterrâneo infâme me indagou estremecida:
do palácio. Eu não compreendia o porquê de “O que te persegue meu jovem? O que
toda aquela consternação, mas claramente ele quer de ti? Por acaso és louco ou te
percebia o valor que o alaúde do meu sonho drogaram?”
tinha para aquela gente. Eu nada disse, e me mantive alerta.
Naquela noite, quando já exausto e com A voz então tomou um tom mais sério
medo, adormeci num sono inquietante. e tornou a falar:
Sonhei novamente, e a visão que tive
“Sei o que te aflige, ouvi teus delírio, e
me estarreceu. A coisa alada retornou, reconheço o que te vem. Eu o vi em uma
dracônica, cromática, terrível e bela. câmara, além de uma subida espiralada,
Sobrevoou e estufando o peito, lançou- que se alonga lateralmente ao salão central
me uma baforada de encanto. Já não sabia dos nobres. Lá onde os elfos guardam seus
onde estava, fui tomado por uma excitação, maiores tesouros. A coisa de fato é bela!”
ri, cantei e dancei como louco. Por fim me
fitou sério, apresentou-me novamente o “Sabes o que eu vi?”
alaúde e espiralando um dos seus dedos Inquiri com um assombro e a voz repetiu
de garras afiadas, desafiou-me a tocá-lo um risinho, assentindo disse:
mais uma vez. Porém, antes de executar “as coisas belas dificilmente escondem-
a primeira nota, eu já havia acordado. se a olhares cobiçosos. Teus delírios
Vi-me estirado ao chão gelado da cela descreveram o que vi. Sim, o Alaúde! Logo
soerguida em pedra. E com um susto, escutei acima de onde repousam os senhores élficos,
um riso que se projetava de uma outra há uma câmara de porta azul abobadada.
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Se#36023
ao te aproximares dela, toca a inscrição e me chamava, com olhos ameaçadores
- kobrakai67@gmail.com
que a encerra, assobia um simples silvo, e e firmes, para que eu cumprisse sua
nela poderás entrar.” determinação.
Ele produziu-me o assobio e rapidamente E no mesmo instante que abri os olhos
o aprendi. e me recobri do enfado, ouvi atônito um
Felicitei-me a ter encontrado um aliado em grito surdo, seguido de uma estrondosa
potencial, entretanto ao tentar formular explosão.
uma nova questão, fui surpreendido mais Surgiu um impacto que me atirou por
uma vez, não por um tom amigável, mas terra, e uma lufada de fragmentos de
por um som entrecortado e temeroso que pedras e poeira cegaram-me por algum
me alertou: instante. Quando o barulho da explosão
“Estrangeiro, trata de fugir logo daqui, eles se dissipou, compreendi que a parede
devem aguardar por mais alguns instantes externa e contígua a cela que se projetava
e depois te matarão! Os nobres temem um a voz, havia ido pelos ares.
ataque das Casas do Norte, e estão a postos Fogo se espalhava do corredor e a
e afoitos. Estes são dos povos que habitam fumaça impedia-me de ver a cela de meu
as Florestas Altas. Meu povo tem negócios companheiro. E como que por destino, uma
com aquela gente, compreendes? Foi por lateral inteira da pilastra que sustentava
isso que aqui me fizeram refém”. a grade da cela, se rompeu e estando o
Quando terminou a falar, a criatura metal da porta retorcido, pude escapar
se conteve. Desesperei-me e ao tentar e me lançar ao corredor.
perguntar-lhe algo mais, fui tomado Corri a plenos pulmões, pois embora não
por um desconforto nauseante. Caí de sabendo o que acontecia, apenas pensava
joelhos a tossir, e de súbito entrei numa em salvar-me ileso daquela situação. O
espécie de transe, tive novamente uma corredor me levou a um emaranhado de
visão: o Dragão Fada novamente voltara celas, mas depois de algumas passagens
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e lances
#36023 -de escadas consegui achar uma
kobrakai67@gmail.com delgados, mas, seguramente, elfos. Vestiam
saída para alguma parte do palácio. longas e ornadas túnicas verdes, de temas
Dei numa sala ampla, circular e de grandes florestais e brasões de animais silvestres.
janelas. De uma delas tive uma visão Eu me perguntava em vão: o que queriam
ampla da cidade, e constatei que outros aqueles invasores? E foi apavorado que
fogos mais surgiam de vários pontos. pensei no Alaúde! O Artefato do meu sonho
Ouvi sons de batalhas e explosões que poderia ter relação com o ataque? Teria o
se seguiam. A cidade dos elfos estava dragão me posto ao centro de uma guerra
certamente sendo atacada, embora na entre dois povos rivais?!
altura eu não compreendesse por quem. Deixei aqueles pensamento e continuei
Atravessei aquela sala circular e continuei a fuga, até encontrar uma passagem que

“E foi apavorado que pensei no


Alaúde! O Artefato do meu sonho...”
sem vacilar por compartimentos e corredores dava para um curto corredor. A passos
que se seguiam. Ao atravessar por uma largos cheguei a extensão de uma saída
sala de belos tapetes e brasões, vi que do lateral, e de lá, a um pátio e as ruas da
seu fundo se escaramuçavam guerreiros cidade.
de espadas e lanças a mão. Os sons de lutas eram constantes e
Evitei ao máximo uma aproximação, frequentemente se ouviam violentas
mas esgueirando-me pelas sombras explosões de fogo. Já estava saindo
pude perceber atônito que aqueles do do prédio quando a figura do dragão
povo da cidade combatiam com outros novamente me apareceu. Em um curto
da sua própria raça! Eram menos altos e transe ele surgiu, mas desta vez carregava
67
#36023 - kobrakai67@gmail.com um caricato sorriso de esguelha. Sua visão
bela e terrível me assombrou, novamente
vi o Alaúde.
Vacilei diante da porta que dava ao pátio e
retornei ao palácio! Eu estava ensandecido
e um retorno ao prédio era quase uma
certeza de morte, mas em meu íntimo
rugia que, eu não poderia deixá-lo para
trás.
Os gritos das batalhas pareciam ter se
tornado mais brutais. Percorri novamente
os corredores e procurei por saídas que me
levassem ao alto, ao local onde os nobres
me julgaram, onde presumia, poderia
encontrar os salões daqueles senhores,
e de lá, a misteriosa câmara de porta azul
que me levaria ao Alaúde.
Fui subindo as escadas e passei por salas
ricamente ornamentadas, que me levavam
a outras passagens e salões. E por onde
passei, enxerguei o caos generalizado. O
palácio estava sendo tomado, e vi tantos
elfos combatendo e muitos outros mortos.
Escondia-me como podia, guiado por
um sentimento e intuição incomum, fui
passado ileso pelos cômodos do palácio.
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Eu chegara
#36023 ao salão de meu julgamento,
- kobrakai67@gmail.com Sem pestanejar o segurei firme e o
o atravessei e tomei uma escada curva enlacei as minhas costas. Qual foi meu
que se alongava a lateral. Fui ter num assombro quando percebi que o Artefato
aposento heráldico, adornado de símbolos se desmaterializava e sumia bem diante
nobres, tapeçarias, vasos, peças de prata de meus olhos! Tornei a tirá-lo e ele surgiu
e ouro, foi ao fundo que a vi! A porta azul novamente! Ainda mais exultante, vesti-o
abobadada estava lá, imponente, incólume novamente e dali corri!
e diante dela só estava eu. Saí da câmara e retornei ao
Seguindo a descrição de meu pobre aposento ornamentado.
companheiro de prisão, aproximei-me Atravessei a longuíssima
da porta e a toquei em uma runa que sala até seu fim oposto de
parecia brilhar. Reproduzi o som do onde entrei. Examinando
assobio aprendido e com um estalido seus contornos, encontrei
de algum mecanismo, a porta se abriu. uma janela baixa que
A câmara se estendeu maravilhosamente. se projetava para fora e
Sobressaltado eu o vi. Não podia acreditar improvisando uma corda
que estava diante dele finalmente. O Alaúde com alguns panos, pus-
repousava exuberante em uma imensa me para fora do palácio!
estátua de um dragão de asas feéricas. Eu desci a uma espécie de
Ao vê-lo, apenas sorri. jardim, atravessando a um portão,
Boquiaberto me dirigi aquele instrumento eu me lançara novamente as ruas da
de sonho. Sua beleza e brilho multicolorido cidade atacada.
eram ainda mais magníficos do que em Os combates e incêndios perduravam.
sonho. Quando o toquei, a bocarra passou Procurei me esconder aos muros dos prédios
a esfumaçar e num átimo, cuspiu uma e a perseguir as menores ruas, até sair de
pequena labareda de fogo. uma vez por todas, daquela cidade em
69
chamas!
#36023 Percorrei vielas escuras e quando já
- kobrakai67@gmail.com que ia executando, senti que os elfos se
me afastava do centro, reconheci abismado deliciavam! Eles dançavam, cantavam
uma patrulha do exército invasor, que e se abraçavam, como se estivessem
se reunia a retaguarda. enlouquecidos por algum encanto.
Poderiam matar-me ali mesmo, pensei. Deixei-os na sua histeria e corri da cidade
Saí em disparada tentando esconder-me até a borda da floresta. Eu estava salvo.
a alguma sombra, mas um deles por Os acontecimentos foram tão demasiadamente
infortúnio me viu. Com um fantásticos e maravilhosos que eu não
aceno deste aos outros, eles compreendia ao certo o que acontecera,
se reuniram e marcharam tampouco sabia o que viria a seguir. Era certo
contra mim. Os guerreiros que eu havia sido guiado de algum modo
me alcançavam com rapidez, e encontrara o Alaúde, mas compreendia,
porém, como que sentindo sabe-se lá porquê, que assim o dragão o
um arrepio, visualizei desejava.
um par de asas feéricas Estando naquele estado de espírito,
e intuitivamente saquei caminhei a esmo pela floresta, que continuava
destemido o Alaúde que luminescente e encantável. E parando
carregava às costas. por um momento para descansar, acabei
Quando o fiz, os elfos se adormecendo.
impressionaram e de olhos Caí num sono profundo, onde novamente
arregalados contemplaram sua ouvi a risada da minha fortuna. Eu sabia
estonteante beleza. Renovei minha que ele estava satisfeito.
coragem e toquei alguma nota, fazendo o
instrumento explodir em tons cromáticas Depois de tudo, voltei ao meu mundo,
e sons reverberantes. Passei a dedilhar tão rápido e misterioso como chegara
uma melodia harmoniosa, a medida aquele.

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A#36023
vida me sorriu com a chegada do Alaúde
- kobrakai67@gmail.com Dó Lá Azul
e dele jamais me separei. Seus tons são Meus passos me levam ao Sul
ouvidos em noites enluaradas, quando No caminho da brisa campestre
multidões amontoam-se para escutar os Da alegria do riso celeste
seus encantos. Vibram todos quando das
Sol Fá Lilás
costas eu o saco, esfumaçante e jubiloso,
Da estrada eu canto apraz
em cadência eles gritam, pedindo-me um
nova e mais outra canção. Como gota que brota em D’ouro
Da bocarra lançada de fogo
Vem lá do poente Bebe astuta a taça
Uma lua de forma crescente Oh donzela, da dança que arfa
Donde vibra na alma ardente Escuta o ardil que te fala
A canção que o bardo entoa É fada ou dragão que te ri?

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Anel da Revelação
#36023 - kobrakai67@gmail.com

Descrição

O
Anel da Revelação
é um item capaz
de fazer com que
qualquer criatura diga
a verdade a respeito de
algo. Trata-se de um anel de dedo
comum, mas ricamente ornamentado
em ouro e trabalhando em pérolas
extraordinariamente reluzentes. Há
no seu centro um olho em formato
de réptil, de aspecto sinistro e
esverdeado. Acredita-se que o olho
esteja associado a antigos cultos a
seres reptilianos, descentes de planos
estranhos e que possuíam poderes
misteriosos e malignos. Dizem que
estes seres eram especialistas em
arrancar informações de quem quer
que fosse.
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R#36023
e l -akobrakai67@gmail.com
to modo algum me atreveria a ter contato
com crimes ou quaisquer coisas vis.
Coletei o relato que segue de um pobre Cheguei ao Palácio Pluma desacordado e
rapaz radicado em uma das muitas aldeias atado com uma venda em meus olhos. Quando
que pululam ao sopé do Grande Odonion,
acordei estava diante de um espetáculo
a montanha das nuvens negras. Contou-
de pura extravagância. Jogaram-me
me com particular revolta. Desferiu, com
os olhos em chamas, um discurso sobre em plena sala do conselho dos
as deploráveis condições das favelas, dos barões, a mais suntuosa e
escravos e prisioneiros, que habitam os elegante, de cores vibrantes,
círculos inferiores da Cidade. objetos ornamentais,
Eu fora acusado injustamente por um tecidos e outras coisas
crime que não cometi. Homens atrozes se maravilhosas que sequer
voltaram contra mim e me prenderam às consigo descrever.
custas de inescrupulosas violências. Após Eles vestiam chapéus
muito me espancarem, acorrentando- emplumados, suas
me e me levando ao Palácio Pluma, no damas carregavam vestidos
círculo central da Cidade.
imensos e suntuosos.
Eu trabalhava como alfaiate em uma das
inúmeras tendas e oficinas que pululavam O senhor de Gildabar
pelo bairro comercial na Encosta Leste, entrou no salão com imensa
daquela, que dentre as exuberantes pompa, carregado por um
Cidades do Norte, era conhecida como animal que jamais havia visto,
A Joia Enluarada. volumoso e lento. Atrás os seguiam
Naqueles tempos eu apenas conduzia um séquito de homens estranhamente
minha vida como um trabalhador qualquer, belos, de pele vermelha, vestindo roupas
aprendendo em paz o meu ofício e de esquisitas e de um colorido incomum.
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De pronto
#36023 os homens me molestaram,
- kobrakai67@gmail.com encerrava um sinistro olho réptil. Todos
me lançaram olhares reprovadores e se embasbacaram ao vê-lo e em uníssono
acusatórios. Foi então que algum gordo soltaram palavras de admiração, algumas
senhor com um chapéu de pérolas, roupas donzelas gritaram, outros bateram palmas
coloridíssimas, ornadas de ouros vibrantes e um circo completo se armou.
e pérolas escarlates se dirigiu a mim. Aquele O homem magro então dirigiu-se a mim e
barão apontou-me novamente e perguntou: “Foste tu?”. E fazendo a pergunta
me desferiu palavras horríveis,
apontou-me o dedo com o anel brilhando
acusando-me de um furto
em sua mão. Todos lançaram os olhares
de um objeto qualquer de
para mim e quando disse “não”, todos
valor, que fora subtraído
de uma baronesa, em gritaram, chamaram-me de mentiroso,
plena corte daquele outros gargalharam, outros ainda mais
magnífico palácio. cantaram e festejavam como se aquilo
tudo fosse um carnaval de máscaras.
Foi então que vendo
minha incompreensão Mas no momento que o disse, reparei
e incredulidade, trataram que o juiz mudou repentinamente de
de chamar um senhor expressão, desviando o olhar e vacilou por
de vestes longas e nariz alguns instantes. Após a multidão ouvir
empinado. Ele carregava minha negativa e depois de desferirem
um cetro na mão, pude sua algazarra espalhafatosa, se voltaram
julgar pelas suas roupas, que para o altivo homem de nariz empinado.
se tratava de um juíz, escriba ou As pessoas então se entreolharam e
conselheiro. estranharam a relutância do senhor. Após
Ao se aproximar do círculo em que passados alguns segundos, ele gritou a
eu me encontrava, o homem soturno plenos pulmões: “Culpado!”
levantou a mão e brandiu um anel que Então a turba se animou mais ainda, todos
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#36023 - kobrakai67@gmail.com

bateram palmas e pés no chão, cantaram subterrâneas que se alongavam naquele


e de um local próximo instrumentos lugar escuso. Aquela gente desgraçada
musicais começaram a soar e naquele estava acostumada com a descida rotineira
momento eu sabia que estava perdido. de prisioneiros e escravos que desciam
Porém percebi que o extravagante senhor nos níveis mais inferiores das minas, as
sabia de algo, pois sua expressão me chamadas Cidadelas de Sal.
convenceu de que ele sabia que eu era Abaixo das favelas, em um círculo
inocente. inferior, onde se estendiam as colônias
Os homens brutais novamente me de mineração, trabalhavam os escravos
agarraram e chutaram-me para fora do que cada vez mais castigavam aquelas
palácio, logo me levaram a uma das muitas paredes de rochas há muito carcomidas.
escadas espiraladas que dão acesso ao E depois de muito descer chegamos ao
subsolo daquela extravagante Cidade, fosso principal dos círculos das prisões.
a soberba e exagerada Joia Enluarada e O lugar era gigantescamente insólito,
para lá eu fui! assevero que lá vi criaturas das mais distintas,
Conduziram-me para os confins das horrendas e outros seres estranhos que
catacumbas, bem abaixo dos círculos não ouso mencionar ou descrever.
inferiores, incrustados nas rochas, muito Jogaram-me em uma cela qualquer e lá
bem cavadas por escravos capturados nas permaneci durante muito tempo.
mais diversas regiões do mundo conhecido. Foi neste ínterim que conheci Haular,
Fui inicialmente conduzido pelos túneis a que os prisioneiros chamavam de “O
que atravessavam os círculos das favelas Velho”. Aprendi muito com ele, e em uma

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de#36023
nossas últimas conversas, ele me
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disse algo estarrecedor sobre aquele
senhor de vestes longas e olhar acusador, O Paradeiro
o portador do Anel da Revelação.
Disse-me ele:
Provavelmente ainda continua
“Meu rapaz, posso dizer-te sem qualquer
dúvidas que aquele anel pode mesmo dizer na posse dos Barões de Túrias,
a verdade. Mas a verdade muitas vezes é senhores da Joia Enluarada. O
inconveniente para aqueles usurpadores conselho dos barões repentinamente
habitantes da superfície. Eles se preocupam
se reúne para realizar festins
apenas com suas festas suntuosas e suas
aparências extravagantes. Nós, os desgraçados, semelhantes aquele relatado
continuamos sendo joguetes daqueles senhores pelo rapaz - e asseguro que este
abomináveis e inescrupulosos”. não é o único relato recolhido
Isso foi logo após de eu ter fugido daquele por mim, recentemente narrando
lugar ameaçador, estar vivendo como aquele tipo de atrocidade. O poder
pária e fora da lei. Tentei convencê-
dos barões é tão grande quanto
lo de que morrer tentando escapar
daquele lugar sórdido, era melhor suas extravagâncias luxuriosas.
do que permanecer lá, acorrentado Informações confidenciais me
e esquecido. revelaram sobre a existência de
Desde que fugi, afastei-me das um grupo insurgente que deseja
Cidades do Norte e agora vivo nas rebelar-se e dominar os círculos
sombras, aguardando o dia em que
me vingarei daqueles extravagantes superiores da Cidade.
senhores mentirosos.”

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#36023 - kobrakai67@gmail.com

A
Clériga da Vida reluziu como
um diamante de luz espelhado e
lançou um doce olhar sobre um
par de pobres criaturas sofridas.
Ela estava diante de uma fonte
alva e prístina, �lexionou seus dedos sobre a
água e com a outra mão projetou um pequeno
encantamento de cura. Sorrindo de maneira
amorosa, ela estendeu a mão mais uma vez
e extirpou a doença de toda aquela gente
da aldeia.
Todos se alegravam com a sua presença
e a cada vila que passava os aldeões a
chamavam e diziam:
“Salva-nos Clériga, cura-nos”.
Aos poucos a pura donzela foi ganhando
fama e ao passar onde quer que fosse, era
chamada de a Auxiliadora.
Ela era delicada e pura, diziam alguns,
embora fosse segura e poderosa, todos
concordavam que a bondosa dama, era
linda como a neve.
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Suas intenções
#36023 e benevolentes aventuras
- kobrakai67@gmail.com todos a acariciavam com seus olhares
chamaram a atenção dos deuses. Ela rezava encantados.
com ardor a Lot, o Sentinela, a Pluma de Felicitavam-se os camponeses, pois ouviam
Ouro, que a fez subir como uma formosa histórias de uma linda donzela que traria
luz a ascender aos Planos Celestinos. Lá a paz, cura e alegria aos lugarejos como
Clériga caminhou com os Deuses, diante os deles. As dádivas da Clériga da Cura
de Lot, estonteante e luminoso, recebeu se espalhavam, as crianças e os velhos
um dom e uma companhia. falavam sobre um anjo que carregava uma
A Auxiliadora herdou a dádiva de carregar gigantesca espada nas costas, mas que
uma espada mágica, sob os auspícios de deslizava em passos delicados, como a
Lot, ela passou a controlá-la. A Auxiliadora graça de um cisne que alçava voo.
deveria andar ainda pelo mundo e servir Adiante ia Málaga, a carregar a espada
ao seu Deus, praticar a justiça e aplicar a em pensamento firme a Lot. O item era
força contra aqueles que caíram. como uma pluma que pairava diante dela,
Ventos fortes impulsionaram as vestes embora pesada e descomunal, a Clériga
alvas da donzela pura, ela recebeu à fronte da vida a manipulava com delicadeza,
a visão de grandes olhos negros e amarelos desferindo encantos contra os inimigos
que cintilavam, sabia serem de Lot. O Deus decaídos, e a sincronia de ambas era fatal.
a advertiu dizendo que haveriam desafios A Auxiliadora e a espada eram uma só.
e que ela na hora certa seria testada. E com a ajuda de Lot, seus movimentos
Málaga, a Auxiliadora, que recebera o eram esvoaçantes, poderosos e perfeitos.
chamado de Lot, aceitando com resignação Porém a Clériga da Vida, enveredando-
e respeito ao Deus, possuía agora a se por uma via escusa, distanciou-se dos
dádiva da Espada Celestina. Concedida desígnios de Lot e acabou por ceder as
por privilégio, pela primeira vez a uma artimanhas de Kalius, a Víbora, que a
mortal, ela perambulava pelos campos levou para um tapete de flores róseas,
e cidadelas afastadas e quando passava, cujas camadas superficiais escondiam
78
um terrível
#36023 leito de espinhos retorcidos,
- kobrakai67@gmail.com
lá ele a seduziu. Entregando-se a paixão,
Kalius a levara a deleitar-se com ele em
luxúria.
Lot, que viu tudo, ergueu-se como um trovão
e a pluma que pairava antes agora parecia
arder em chamas infernais. Cuspiu como
um raio que veio do céu. Málaga tentou
esconder-se e depois em desespero fugiu.
Os planos se distorceram e ela estava agora
nua num salão estranho e semi cortado
de espelhos e de seres abismais.
Lot a renegou e ela caiu, caiu e viu-se diante
de uma cidadela em chamas em que há
tempos ajudou a curar feridos.
Málaga, não mais alva, mas terrível como
a noite escura, cuspiu, rugiu e raios negros
saíram de suas mãos, os regatos secaram e as
árvores desfaleceram. Ela urrou novamente
para os altos e num átimo tudo se transformou
em fogo. Sua beleza agora era terrível, sua
expressão tornou-se mórbida, seus adornos
antes graciosos, passaram a carregar uma
fuligem espessamente escura. Não mais
reconhecia-se como a curadora e para além
dos planos da existência, tornou a adotar
a alcunha de Luxúria.
79
Espada da Possessão
#36023 - kobrakai67@gmail.com

C
ontavam os Muarianos, aquela A caravana levava provisões e especiarias
tribo de homens rígidos do valiosas – e outros artigos mágicos e
deserto, de expressões inominavelmente misteriosos, como
orgulhosas e olhares precisávamos nos proteger dos perigos
sinistros, sobre uma da noite fria do deserto, armamos um
cimitarra ornamentada em metal acampamento em uma pequena
negro, cujo interior carregava depressão repentina, guarnecida por
rochas calcárias e uma fonte secreta
um poder de possessão estranho e
de água.
brutal. As lendas falam que aqueles
que fizessem uso da espada, se não Naquela noite travei conhecimento
Auam El Murrar, um líder tribal de um
dominassem uma fúria despertada
grupo de muarianos que acompanhava a
em batalha, podiam ser tomados por
caravana naquele trecho mais perigoso
um frenesi incontrolável. Dizem que do Deserto. Conversamos sobre
por essa razão os muarianos treinam lendas e histórias de povos antigos,
sua frieza e controle emocional em seus reconhecendo nele uma admiração
combates. por conhecimentos arcanos e
Pude conhecer esta lenda da boca de um perdidos, me senti a vontade
próprio líder tribal muariano, na ocasião de lhe narrar alguns dos meus
em que atravessava o Deserto Infinito, estudos mais íntimos, ao passo
acompanhado de uma caravana que saíra que ele me revelou segredos a
de Ubla e rumava a Záfira, dos mercados respeito da referida lenda.
esquecidos.
80
#36023 - kobrakai67@gmail.com
Contei-lhe de como Ezelex, o mago dali, em uma caverna escondida pelas
louco, manipulou em experimentos os areias, que pretendia para lá partir,
abomináveis tentáculos mumificados logo após deixasse a companhia da
de Dada Tur e também sobre um caravana em Záfira.
inigualável Artefato Lendário, capaz Regressei a minha tenda e tomei nota
de transformar quem o portasse, em de tudo o que me disse o muariano.
um rastejante besouro do deserto. E no restante da rota da caravana,
Ele então, passou a desferir um fiquei perdido em pensamentos sobre
discurso entusiasmado sobre a espada, o item e aquele misterioso povo. Os
considerada lendária para seu povo, muarianos nos deixaram logo após a
mas cujo paradeiro estava perdido chegada em Záfira. Despedi-me ainda
por muitos anos. Revelou-me que mais uma vez deles e deixei Auam
a cimitarra estava possuída pelos El Murrar com seus sonhos. E de lá
espíritos de todos os seus antigos parti para minhas buscas pessoais.
donos, isso lhe conferia um poder de Cada vez mais que meus passos me
ataque mortífero e desigual. Revelou- conduzem, mais além do ermo em
me que, embora considerado uma busca de conhecimentos perdidos,
lenda pelo seu povo, haviam aqueles um pensamento inquietantemente
que acreditassem que o artefato era recorrente não tarda em me assaltar:
real e que ele era um desses. Quando acaso há alguma lenda neste vasto
nos tornamos ainda mais íntimos plano, que não traga consigo um
naquele diálogo, ele acabou por me conhecimento absolutamente real
revelar que um ser luminoso havia lhe e concreto sobre algo deste mundo?
aparecido em sonho e lhe mostrado Luminosamente eu sou,
que a espada estava não muito longe Abu Anaa Manom.

81
Flauta Incandescente
#36023 - kobrakai67@gmail.com

M
eus caminhos haviam boa parte das extensões das
me levado novamente terras de Grur, deixando a
para além do Rio região coberta por uma completa
Caldan, me afastando escuridão que durou três dias
o máximo que podia do inteiros.
inverno que castigava o Sul, até transpassar Haviam muitos outros viajantes e
os limites das terras resplandecentes de estrangeiros naquela mesma situação,
Riondas, chegando por fim a Grur, das abrigando-se amedrontados a taverna,
assustadoras torres crespas em ruínas e pois pouca coisa poderia ser feita,
suas sinistras fortalezas abandonadas. a não ser esperar que a tempestade
se dissipasse.
Após chegar aquelas paragens tive
de me refugiar às pressas em uma Sabíamos que Forte Falcione estava
taverna ao largo de Tandanas, sob ataque e que aquela escuridão havia
no ponto de interseção entre sido manipulada pelos magos negros de
as obtusas estradas que Oldar, mas nada podíamos fazer, pois
serpenteavam o Norte e aquela não era a nossa guerra e inúmeros
que seguiam intrépidas voluntários já haviam partido, desde as
em direção ao Sul Terras Úmidas, até Baurian, para além
do ermo.
A razão foi decorrente
daquela tórrida tempestade Fora nessas circunstâncias que conheci um
necromântica, em que uma extravagante senhor de barbas pontudas,
névoa espessa invadiu fala afiada e curiosa personalidade. Gozei
de sua agradável companhia durante
82
boa parte
#36023 daqueles três dias sombrios,
- kobrakai67@gmail.com Tratava-se de uma ornamentada e belíssima
ocasião em que travamos conhecimento flauta, embora parecesse um simples
sobre nossas buscas pessoais, indo fundo instrumento musical, carregava forças
em relatar desventuras que tivemos, até estranhas que lhe imbuíam de poder
nos confidenciarmos acerca dos ocultos mágico. Tais energias concediam-lhe o
mistérios que se encerram em certos caráter de planar pelos ares e animada
Artefatos que encontramos. pelo musical assobiar de seu portador,
podia dançar como se estivesse viva! Ainda
Em uma dessas narrativas contou-me
mais, quando excitada pelo usuário em
a respeito de uma viagem que fez ao
apuros, o artefato voaria em piruetas
estranho reino de Auana, muito distante e poderia atingir, tal qual um projétil,
dali, nas exuberantes regiões selváticas do mortalmente para os seus inimigos!
Ocidente. Conviveu com a própria corte
Maravilhei-me ao ouvir tais relatos, porém
do Rei Munzali, o regente de Auana, negro
quando pedi para vê-la, simplesmente
como ébano, que conseguia ao mesmo
deu de ombros, dizendo que a havia
tempo ser feroz como um leão e frio como perdido. Mesmo insistindo sobre
uma naga. seu paradeiro, o estimado senhor
E fora o próprio Munzali que desafiara facilmente se esquivava de mais
meu companheiro a disputar uma partida investidas e terminei por fim em me
de um curioso jogo Auana, em que força satisfazer com as informações por
física, adivinhação de charadas e até ele já repassadas em sua narrativa.
danças rítmicas, eram executadas para Tais narrativas me foram contadas
declarar o vencedor. Munzali naturalmente no fim do terceiro dia da tempestade.
venceu, porém o desempenho de meu Naquela noite dormi um sono
amigo impressionou o Rei Auana, que lhe irrequieto, aguçado por sonhos
presenteou com um poderoso e curioso e pensamentos distantes, mas
artefato. quando surgiu a manhã, os homens
83
#36023 todos suspiravam em alívio, pois
- kobrakai67@gmail.com assobios, que a embalavam e enchiam a
a tempestade finalmente havia atmosfera de alegria e intensidade.
cessado. O espetáculo durou por mais alguns
Aprontei-me para retomar minha minutos, depois a flauta descansou e
viagem e quando saí do quarto a finalmente partiu. Não vi em nenhum
procura de meu companheiro de momento o seu animador, mas sabia que
histórias, constatei consternado meu recente amigo de taverna não poderia
que ele havia partido. Perguntei ao estar longe. Aguardei uns momentos a
taverneiro sobre seu paradeiro, que mais e novamente parti.
deu de ombros, dizendo que havia Tantos são os mistérios que pululam
pago a estadia já há muitos dias, e que por todos os lados deste plano material.
provavelmente partira muito cedo Decidi partir dos laboratórios e tomos
logo após a escuridão ter se dissipado. empoeirados, voltando-me ao ermo,
Lamentei por não ter me despedido justamente para colher informações
de tal estimado senhor, mas como a de experiências como esta que tive em
jornada não podia tardar, e o trajeto não uma despretensiosa estada de taverna. Há
haveria de ser curto, parti da taverna um conhecimento profundo e esotérico
e segui meu caminho. guardado nos recônditos do imaginário
Quando já caminhara algumas horas, e das memórias dos seres ordinários do
chegando ao alto de uma pequena mundo.
elevação, olhei para trás em direção a Quantos caminhos ainda haverei de
taverna e quando meus olhos fitaram o percorrer, tomando notas de cada lugar,
horizonte, exultei encantado ao ver que povo, criatura, personagem ou... artefato
do céu faiscava uma flauta em rodopios! distinto que encontro? Não saberei dizer.
Ela girava e dançava como se se sentisse Por hora, eu apenas continuarei buscando:
livre no céu. Eu enquanto a contemplava Luminosamente eu sou
maravilhado, ouvi ao fundo o mais belo dos Abu Amaa Manon
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Globo de Ezelex
#36023 - kobrakai67@gmail.com

Descrição

D
e formato esférico globular e tom
azul incandescente, o Globo de
Ezelex, também chamado de O
Globo da Transferência, é um
item de poder inigualável capaz
de conjurar magias quando comandadas por ver através dele.Dizem que o Globo fora
um mago ou encantador. A esfera �lutuante usado há milhares de anos na terrificante
obedece ao mágico, movimentando-se rápida ocasião da Con�luência dos Dias, até cair
e precisamente através do espaço. O portador no esquecimento e ser novamente invocado
pode ainda manipulá-lo de modo que possa por Ezelex, o Louco.
85
O#36023
R -ekobrakai67@gmail.com
lato às palavras utilizadas originalmente pelo
entrevistado.
O relato abaixo foi extraído da própria Ezelex, o Sulfúrico, o Mago Soturno, o
testemunha desgarrada, que encontrei Sombrio, o Louco! Eu deveria acompanhá-
em condições deploráveis, vivendo em lo em uma jornada de captura de algum
um casebre abandonado nas Águas artefato incompreensível por mim.
Pantanosas de Janarpa. Naqueles tempos eu era apenas um
Minhas pesquisas me levaram muito neófito nos mistérios da magia, mas já
além do Oceano Vasto, até ter acumulara certo conhecimento teórico, em
com aquele país tão estranho e tomos e pergaminhos perdidos. Sabia as
devastado. Perguntaram-me palavras importantes, o mistério do caput
por que fui tão longe para mortum, as palavras de encantamentos e
colher o testemunho de um algumas soluções que preparavam poções
louco qualquer, mas ainda de poderes razoáveis.
não pude responder a essa E sabia da imprudência daquela missão.
pergunta. Antes de retornar
Eu lera em algum texto antigo que os
dos selvagens Pântanos, tive
globos mágicos eram artefatos estranhos e
de refugiar-me na última casa
poderosos, que não podiam ser utilizados
fortificada após o Delta, devido
de maneira leviana. Eu o sabia, porém o
à passagem de um imenso furacão
que castigou aquelas terras, já há tanto jovem aprendiz é levado muitas vezes por
desgraçadas. Ocasião que me foi propícia uma curiosidade insensata, e naquela
para transcrever o relato e discorrer ocasião eu apenas desejava sorver o máximo
sobre meus apontamentos pessoais. de conhecimento possível.
Abaixo reproduzo o relato da maneira Quando chegamos à misteriosa torre,
mais precisa que me foi possível dadas Ezelex percorreu de pronto e a passos
às condições. Tentei ao máximo ser fiel largos a triangular sala exótica e abobadada.
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Encerravam-se nela sombrios símbolos
#36023 - kobrakai67@gmail.com O objeto flutuou em velocidade, fez
rúnicos e torres sinistras, e altares mais movimentos extraordinários e impossíveis,
aterrorizantes ainda, onde repousavam foi ter na mão de Ezelex que salivava e
livros empoeiradamente antigos, velas uivava com sua obscenidade concluída.
espiraladas e crepitantes. Ele então, friamente, e de maneira sinistra,
Ezelex se debruçava com olhos insanos ordenou que eu me afastasse, e assim
sobre aquela mesa e seus instrumentos o fiz. Quando já estava a uma distância
terríveis. Ele manipulava uma miríade de relevante, Ezelex, o Mago Louco, lançou
encantamentos e substâncias insondáveis o globo contra mim.
e incomuns, tais como os bruxuleantes O artefato que agora zunia em espasmos
Pergaminhos de Abur Lakman, os enigmáticos e estalidos tomou um tom azul bem mais
Cones de Akt Hag U, os umbrosos Olhos intenso, reunindo uma energia mais forte
de Zarius, os sulfurosos Brônquios de ainda, lançou contra mim um raio de
Zurtariodom e ainda mais terrível e bizarro, devastação horripilante.
os Tentáculos Mumificados de Dadatur. O projétil de energia veio atingir uma
Estávamos diante daquela cena abominável, coluna em que eu estava protegido, e naquele
e Ezelex, insano, comigo bramia: instante eu corri, e fugindo como podia,
Dá-me o tomo! Passa-me, rápido! Ele me
ordenou com os olhos em chamas. Eu o
passei, e depois de alguns encantamentos
indescritíveis, uma luz ofuscante explodiu
de alguma forma do altar.
Após a luz se dissipar, pude contemplar
atônico, que um atroz item se condensara.
Sua forma era globular e dele pulsava,
como se algo nele estivesse vivo, uma luz
de um azul intenso e perturbador.
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lancei-me as escadas circulares que
#36023 - kobrakai67@gmail.com
O PA R A D E I RO
serpenteavam a sinistra torre escura. Desconhecido...
Enquanto eu corria, apenas pude ouvir Embora a testemunha seja bastante
a risada sádica de Ezelex, a vangloriar-
relutante em dizer mais detalhes sobre
se ensandecido e satisfeito, que sua
o paradeiro do estranho artefato, que
mágica alcançara o desejado fim.
me tenha alertado diversas vezes para
Corri até que meus pulmões desfalecessem, desistir de procurá-lo, acredito que ele não
e meu coração quase explodisse em faça mesmo ideia de onde o item esteja.
arritmia, e no instante que para trás Não há sinal algum de que Ezelex tenha
olhei, vi a torre se iluminar de um alguma vez pisado nas terras de Rorar,
azul globoso intenso, tudo parecia tampouco há qualquer sinal de que um
clarear-se em uma energia primal
dia ele possa ter existido. Outra hipótese
e apavorante.
diz que Ezelex pode ter sido tragado a um
Joguei-me ao ermo então, abandonei plano distante, ou o entrevistado pode de
aquelas paragens terríveis, e fui ter fato ser apenas um louco. Embora haja
bem longe, além do Imenso Oceano, relatos convincentes, em mais de uma
e mais além. fonte diferente, descrevendo o Globo com
Fiz, pois não podia habitar o mesmo a mesma exatidão que o pobre neófito me
plano daquele mago e de seu Globo relatou - dificilmente ele teria acesso a
sinistro. A perturbante risada de esses materiais.
Ezelex, o Mago Louco, intensamente
me perturbava, e só importava para O mistério continua em aberto. Desconfio
mim o exílio. E foi por isso que me de que o mesmo esteja em algum lugar
refugiei nessa lonjura atroz. nas cercanias de Sala Mamom, a grande
ruína dos esquecidos, em que se encerra
Sem mais a tratar, Luminosamente
uma torre semelhante a que o aprendiz
eu sou, Abu Anaa Manom. me relatou.
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Jóia da Realidade
#36023 - kobrakai67@gmail.com

N
aquela ocasião eu estava
de passagem por Candias,
uma pequena cidadela ao
Sudoeste de Efrem, a cidade
dos turíbulos, saboreando
os típicos folguedos lunares que agitavam
as noites quentes de verão, comuns naquela
época do ano.
Após as festividades resolvi procurar algum
trabalho na região, o que não tardou a
acontecer, pois em uma noite enluarada,
Daius, o prefeito de Candias, entrou às
pressas ao Salto do Lince, onde estávamos,
trazendo consigo uma espada a cinta e
Lazar, seu assessor, que carregava um
imenso machado e trazia uma expressão
de brutalidade no olhar.
Solenemente ele nos contou que uma
caravana carregada de suprimentos
diversos vinda de Biom, ao Sul, rumando
a Adonita, além da Floresta Espelhada,
89
Jóia do Tempo
havia desaparecido
#36023
estávamos.
na altura de onde
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Um grupo de aventureiros rapidamente


fim, sequestrado os comerciantes para
vendê-los como escravos.
Porém algo nos perturbou ainda mais
se formou e de lá rumamos juntos com quando encontramos um baú gravado
Daius e Lazar em direção ao local que se com estranhas inscrições mágicas que
supunha encontrar a caravana perdida. pareciam estar vivas. Talvez os monstros
Ao chegarmos ao ponto em que a tivessem se assustado ao vê-lo brilhar
estrada vinda de Biom faz uma pequena com aquelas luzes místicas. Um dos homens
curva contornando o caudaloso Friom, contou já ter visto tais runas e que
descobrimos os destroços de uma carroça se tratavam do emblema de Ziax,
de caravana espalhados dali até a o Fluido, um poderoso mago que
mata que beirava o rio. Os entulhos habitava uma torre nas cercanias
seguiam uma direção poucos de Biom, e que dizem, possuía
metros acima da margem, um baralho de cartas mágicas
onde uma pequena clareira se ao invés de um grimório!
abria. Lá encontramos parte Quando Daius e Lazar se depararam
considerável da carga roubada, com o baú, logo se lançaram ensandecidos
embora não houvesse qualquer a ele. Daius com os olhos em chamas,
sinal da escolta, de cavalos ou puxou de seu alforje um pergaminho que
dos comerciantes. mantinha escondido e recitando palavras
Todos ficamos muito tensos e desembainhados mágicas de poder, fez a tranca do baú
nossas armas, com exceção de Daius e abrir-se diante dos nossos olhos.
Lazar, que pareciam estranhamente Entreolhamo-nos assustados após Daius
indiferentes. Conjecturamos que um revelar do baú duas joias que brilhavam
grupo de monstros deveria ter atacado como se fossem mágicas. Uma delas
a caravana, roubado os cavalos, mais o encerrava-se num ornamentado colar
que pudessem carregar da carga e por de bronze e a outra estava trabalhada
90
em um resplandecente
#36023 pingente azul.
- kobrakai67@gmail.com Lazar vestindo o pingente, apontou para
Lazar sacou o pingente e disse espumando um dos homens e balbuciando qualquer
como um cão: “a Joia do Tempo!” e Daius coisa, o fez paralisar completamente,
o seguindo como se estivesse sido tomado deixando-o absorto de tudo, como se tivesse
por um torpor falou: “a Joia da Realidade!”. sido aprisionado pela eternidade. E vi
Eles pronunciaram aquelas palavras de ainda Daius gargalhar desvairadamente
maneira sinistra e suas vozes carregavam a brandir o colar e a desaparecer num
um traço de insanidade. segundo, para então reaparecer
em um ponto distante de onde
Recuei alguns passos logo que os
havia sumido.
representantes de Candias ensandeceram-se
ao brandir as joias do baú de Ziax. Resisti Quando vi aquela cena abominável
ao fascínio daquela descoberta, porque recuei com a intenção de
desconfiava que os dois não tivessem embrenhar-me as sombras
boas intenções. Sorrateiramente e enquanto ouvia o som dos
fui afastando-me de meus homens gritando joguei-me
companheiros deixando-os ao negro da mata correndo
absortos as joias. em direção às margens do rio.
Minhas suspeitas revelaram- Após ouvir gritos medonhos vindos da
floresta lancei-me as águas do Friom
se verdadeiras, pois quando
nadando como um louco até a outra margem,
dei por mim, Daius e Lazar voltaram-se
de lá parti para bem longe, muito além de
diabolicamente contra meus companheiros.
Candias e de Efrem, até me estabelecer
Relativamente afastado, de onde eu estava,
em um assentamento afastado de tudo.
pude apenas vislumbrar o início de um
ataque que se seguiu, de alguma forma Eu havia sido possivelmente o único a
produzido por aquelas joia e conduzido sair com vida daquele assassinato cruel,
pelos meus obcecados contratantes. por isso escondi-me ao ermo, pois temia
que Daius e Lazar pudessem um dia me
91
achar.
#36023Lá- fiquei por dois longos anos até a
kobrakai67@gmail.com de onde pude ver o que se passava. Eles
última primavera, quando decidi retornar estavam de frente um ao outro parecendo
as estradas trocar insultos e preparavam-se para a
Na noite que antecedeu minha partida batalha!
sonhei com um velho que surgiu segurando Como nossos caminhos poderiam ter
um cajado ornamentado e desenhado com se se cruzado naquela parte isolada do
uma lua e um sol em seu ápice. Falou-me mundo, eu não compreendia. Mas pensava
sobre um Deus antigo chamado EÖS, que que talvez alguma força estranha e antiga
segundo ele, havia criado a tudo o que tivesse nos juntado por algum motivo.
existia. A cena que se desenrolou foi demasiadamente
Disse ainda que EÖS olhava por mim estranha e rápida para que eu conseguisse
e me havia escolhido para realizar uma compreender o que de fato havia acontecido.
tarefa para si. Julguei aquilo tudo como Vi como se borrões se deslocassem pelo
alguma alucinação que minha mente me ar, o resultado foi Daius abatido com um
pregava e acabei dando de ombros para o golpe de machado na garganta e Lazar
sonho. Meus pensamentos me levavam completamente imóvel, sem expressão e
a concentrar meus esforços na viagem presumivelmente morto, de algum modo.
que faria de volta do ermo a civilização. Meus olhos não acreditaram no que eu vira.
Logo de manhã cedo saí e percorri a trilha Aqueles seres hediondos mortos diantes
que ligava o vale onde eu estava as estradas de mim depois de dois anos de temor e
principais que levam ao Leste. Eu descia a isolamento. Era como se algo tivesse sido
última encosta que deixava o vale quando arranjado para aquele instante. Lembrei-
fitei do alto uma cena que me aterrorizou. me, por alguma razão, do sonho que tive
Meus antigos contratantes, Daius e Lazar com o velho e do onipresente Deus EÖS.
estavam a poucos metros de mim! Eles Por fim, aceitei a oportunidade e agredeci
não me viram, tratei de me jogar ao chão ao Deus. Saquei as joias de cada um dos
e arrastei-me até um pequeno arbusto mortos e retornei à civilização.
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Luva Versátil
#36023 - kobrakai67@gmail.com

“S ingelas e inofensivas, até


que lhes manifestem em
tons incandescentes, uma
espécie de �luido mágico,
faiscantes como pequenas
explosões rúnicas, que fazem precipitar
das mãos, quaisquer armas que se tenha
em mente”.
Assim fora descrita por Aganafastes III,
a Luva Versátil, um poderoso item que
remonta as idades antigas das lendas.
Não fora Aganafastes o primeiro a nos
trazer a referência e a também lhe dar
o merecido valor creditado as lendas.
Lembram as Toriontes, os antigos tomos
de registros de Etirum, que as luvas
foram utilizadas na Batalha das Vozes
Agourentas, quando os exércitos dos
Unguios, juntando-se aos chamados
Espectros Monteses - homens tudes
feitos de areia - expulsaram os tenebrosos
magos de Urantir, que desejavam espoliar

93
os governadores
#36023 locais e escravizar a
- kobrakai67@gmail.com até que, fazendo-me vacilar de um lugar
população indefesa. a outro, fui ter no mais inominável dos
A descrição do artefato se aprofunda salões de conhecimento oculto e mistério:
em detalhes no tomo nono das Toriontes, a Biblioteca de Al Nekfar Abur.
em uma pequena passagem que narra as Lá, encontrei a pista que tanto procurava.
aventuras do Argonautas de Ifruvium, O tomo, embora bastante castigado, podia
um pequeno grupo dissidente dos ser lido, e continha uma linguagem fluida,
fundadores de Etirum, que singrou os
que apesar de escrito em uma língua
mares até ter com terras longínquas e
lá se estabelecerem. arcana e morta, me impressionou pela
verossimilhança. As narrativas faziam
Conta a descrição que um dos
referência a antigos sacerdotes, templos
ifruvianos a utilizou em um assalto
a Torre de Garzarc, um déspota incompreensíveis e a um enigmático
arquimago que se aliou aos homens e estranho Deus, que acreditava ter o
répteis, que passaram a tiranizar poder de manifestar coisas sobre matéria.
povos inocentes e a realizar, com eles, Neste momento que agora escrevo, com
experimentos cruéis e inomináveis. A as mãos já sujas de tinta, e as chamas do
narrativa descreve como o ifruviano, fez candeeiro já a se extinguirem, reflito e
invocar de sua mão uma esplendorosa estremeço com os conhecimentos que
espada feita em fluido mágico, que voou foram revelados: pudera a Luva - e outros
pelos ares e veio a atingir o mago, em artefatos mais - terem sido criados por
sua fronte, mortalmente. mãos divinas em uma tempo em que
E quando as Toriontes já não puderam os mortais pudessem caminhar juntos
revelar mais informações, passei a
consultar outros tantos registros em com os próprios deuses?
pergaminhos escondidos e de línguas Luminosamente eu sou,
que vivente algum pudesse ainda falar, Abu Anaa Manom.
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Machado de Gor
#36023 - kobrakai67@gmail.com

N
obres irmãos, meus eternos
companheiros de guerra.
Eu ainda relembro os
urros de dor e morte que
eram abafados no centro
do campo de batalha.
Mais um inimigo caído pelo poderoso machado,
ele, que a tantos nomes soou e bramiu em
lutas. Meus homens, meus irmãos, vocês
urravam nas fileiras quando o chamavam
“aquele que dilacera e trucida”, cantavam
em uníssono “que deixem que caíssem
sob a grande tormenta” ou simplesmente
gritavam “a morte rápida chegou”.
Eu era a montanha que o brandia, como
uma imensa rocha que se sobressalta de
uma planície, de pináculos altíssimos que
explodem fagulhas de lava e calor, era
eu, Gor, o Gigante, o Estrondo.
Todos vocês se lembram, pois os mais
bravos ainda estão aqui, que lutaram nas
fileiras ao meu lado, ou eram jovens
entusiasmados
95
guerreiros, ou ouviram minhas façanhas
#36023 - kobrakai67@gmail.com
Nossos inimigos não compreendiam
pela boca dos bardos e poetas. Naqueles quando meu machado os dilacerava,
tempos, eu caminhava sozinho na vanguarda como que a cada golpe desferido, mais
do campo, rugia e blasfemava a morte de forte e ativo eu ficava. As hordas eram
nossos inimigos. As colunas trucidadas, seu sangue e fluidos, eu absorvia.
de guerreiros de nosso povo Aterrorizados, os homens do sul foram
então gritavam se alinhavam expulsos e nossas terras foram salvas.
e marchavam rumo ao ardor da Nós, o orgulhoso povo das estepes, podíamos
batalha. viver em harmonia, trabalhar em nossos
Durante muito tempo os usurpadores campos e cuidar de nosso gado.
homens do sul castigaram nossas Escutem meus irmãos, meu testemunho
terras. As hordas daquele inescrupuloso final. A vida em mim já se encerra, não
povo eram por nós abatidas com fervor. fiqueis tristes, compartilhei as glórias
No entanto, muito mais se levantavam em das batalhas com vocês, meus fortes
falanges de espadas, arcos e estranhíssimos companheiros. Mas chegou a minha hora,
carros de guerra. Lembram-vos, aqueles a morte já me bate à porta e estou feliz.
homens eram brutais e carregavam sinistras
espadas curvas e escudos redondos, ornados É chegado o momento de passar para o
com estranhos símbolos rúnicos abissais. mundo dos mortos. Já reconheço o portal,
os nossos ancestrais me aguardam.
As túnicas que usavam pendiam como
saiotes até os joelhos, eram verde-escuros, Entrego meu machado a ti Tur, que sabemos,
vermelhos e amarelados como areias és imortal. Guarda-o para o bem do nosso
escaldantes. Seus líderes carregavam povo. Ele só deve ser novamente portado
elmos com expressões monstruosas, se por um bravo guerreiro merecedor.
armavam com espadas longas e vestiam GÓRTILAS acompanha-me ao outro lado
pesadas armaduras de placas negras. Mas do rio, até que eu renasça novamente nas
eles caíram. estepes. Eu vou!
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Martelo do Criador
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Q
uando o estudo de livros meus passos continuaram a me conduzir,
e pergaminhos perdidos levando-me longe, mais além, através das
já não é o suficiente para vastidões do mundo conhecido.
sanar a sede que sente o Fora em Zula Dar Urius, a empoeirada
intrépido buscador do cidade do comércio apoteótico
mistério, ele percebe atônito, que não lhe do vasto Sul, fervilhante em
resta nada mais do que voltar-se ao seus mercados, caóticos e
ordinário do mundo, das vastidões exuberantes, que travei pela
dos ermos selvagens, do cotidiano primeira vez conhecimento
com um imponente artefato,
das cidades sujas, ao eruptivo
cuja as lendas chamavam de
conhecimento oculto que emerge “O Martelo do Criador”.
do profundo das civilizações
As ruas infestadas de
há muito tempo esquecidas. Zula, repletas de tendas,
E foi para lá, longe no ermo que parti, estranhos animais de carga,
deixando meus tomos empoeirados, seres monstruosos e outras
carregando comigo apenas alguns coisas mais inomináveis, faziam-
poucos pergaminhos de anotações, frugais me estremecer a cada passo. Eu desejava
provisões e uma quantidade satisfatória comprar algumas provisões em uma de
de recursos. suas muitas lojas de artigos mágicos e
A cada cidade que percorri, de tavernas exuberantes, quando já percorrido grande
nauseantes, a cortes de barões esnobes, parte das tendas principais, escolhi uma
as instruções que eu ia adquirindo foram delas a esmo e adentrei.
se expandindo e desejoso por saber mais, Fui recebido com uma longa reverência
97
por um estimado e extravagante senhor, Como que atingido por um raio, reconheci
#36023 - kobrakai67@gmail.com
curiosamente vestido com roupas de algum modo aquela cena, pois recordei
emplumadas, anéis perolados e riquíssimos. que já a havia estudado anos atrás, quando
Disse-lhe que desejava ver suas poções de minha passagem pelo mais oculto e
e componentes mágicos, pois desejava misterioso dos salões de conhecimento
me preparar para um jornada que faria do mundo: a obscura Biblioteca de Al
ao vastíssimo Deserto Infinito. Nekfar Abur.
O senhor prontamente me atendeu, Era EOS, um Deus de tempos antigos, que
após ter-me trazido todas as provisões martelava em uma bigorna primordial,
solicitadas, passou a desferir um discurso o inquebrantável Martelo da Criação,
animado sobre uma de suas mais estimadas forjando através dos golpes ritmados,
possessões. A princípio ignorei a sugestão, tudo o que existiu e um dia existirá.
mas como ele muito insistiu, fui compassível Disse-me o senhor que comprara aquela
e o segui até o referido item. estátua de um estranho homem que estivera
Fui conduzido ao interior de uma sala ali de passagem há poucos meses. Quando
abarrotada de objetos estranhos, que se o falei sobre meus estudos em Al Nekfar
projetava aos fundos do cômodo principal Abur, surpreendi-me sobremaneira quando
da loja. O senhor então apontou-me ele o confirmou, dizendo que de fato
sobranceiro para um pilar de madeira, aquele era EOS a segurar o Martelo do
em cujo topo, repousava uma distinta Criador. Acrescentou-me ainda de maneira
estátua de pedra, trabalhada em detalhes inusitada que aquela era a representação
tão riquíssimos que mão mortal alguma de um artefato real, que se achado, traria
pudesse conceber. ao portador a capacidade de transformar
Contemplei seus contornos que desenhavam objetos ordinários e simples em mágicos.
uma solene figura divina a segurar um O senhor gentilmente deixou-me estudar
poderosíssimo martelo com uma das a imagem de maneira pormenorizada. Lá
mãos, a desferir golpes em uma bigorna, fiquei por longas horas, quando já havia
igualmente fortuita e ornamentada. tomado notas de quase tudo, reproduzindo
98
seus contornos em volumosos pergaminhos,
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ele retornou e polidamente solicitou que
por hora eu me retirasse, mas permitiu
meu retorno no dia posterior.
Aquela noite passei em vigília, a rememorar
as formas da imagem e seu Martelo, a
tentar extrair o máximo de conhecimento
sobre os mistérios que encerravam aquela
estátua. Revisitei muitas vezes em memória
os antigos pergaminhos de Aubar Tiron,
que revelavam os panteões antigos, na
busca de tentar fazer ali alguma conexão
de conhecimento exotérico.
Levantei-me muito cedo e de pronto
me dirigi novamente a loja de artefatos
mágicos. Mas quando cheguei ao lugar punhado de areia do deserto que se dissolve
que deveria estar sua porta, constatei em nossas mãos. Perdi completamente
boquiaberto que o local não existia mais. a referência sobre o Martelo do Criador
A loja, como que por mágica, havia sido após aqueles acontecimentos estranhos.
tragada, de alguma forma, da existência A situação inusitada convenceu-me de
daquele lugar. que indiscutivelmente há algo de mágico
Quando inquiri sobre o paradeiro do naquele Artefato Lendário e que seu Deus, de
exuberante senhor aos comerciantes alguma forma, ainda caminha imponente
locais, disseram-me que jamais viram pelo mundo.
uma figura como aquela que descrevi.
Muitas vezes o conhecimento nos é Luminosamente eu sou
Abu Anaa Manom.
repentinamente retirado, como um
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Punho da Defesa Atroz
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I
agun Dum teve a mão decepada e
o corpo jogado ao mar bravio das
Costas Bruneas, quando seu navio
atravessava as serpenteantes e sempre
traiçoeiras agulhas do fura fundo.
Devorado por algum monstro abissal,
seu corpo foi esquecido naquele escuro e
profundo ponto do eterno e ensoberbado,
Vastíssimo Oceano.
Foi Gurios que a decepou, logo após
sua chalupa carregada de flecheiros
orcs, emparelhar no pequeno Vento Sul,
que se desprendera da frota que levava
os Magos de Solar Ut, de volta as suas
perturbantes moradas.
Iagun nada sabia destas coisas, pois apenas
lhe interessava lucrar como marujo, em
mais uma de muitas travessias de mares
sem fim.
Todos o conheciam por ser um insolente
patife, pois, diziam que roubava no jogo
e traía seus amigos mais próximos.
100
O#36023
Capitão Krós, que os homens falavam
- kobrakai67@gmail.com era segredo algum que aquele o odiava,
ter temperamento explosivo e oscilante, advertindo-o com as seguintes palavras:
o detestava. “Trazes essa pedrinha agora contigo para
Foi quando o Vento Sul fez uma rápida quê? Acaso queres desviar a ela a atenção,
parada nas Galeras Retorcidas de Gun para deixar que te mirem essa tua cara suja?”
Dar, o porto mais ao sul, o último, das Os homens gargalharam, mas o sorriso
Costas Bruneas, antes dos territórios no canto da boca de Iagum não desfaleceu.
desconhecidos para onde rumavam os Ele trouxe então uma história mirabolante

Magos, Iagum Dum selou sua desgraça a todos, de como logrou a pedra de um
final. velho cego, pagando por uma bagatela de
poucas moedas de bronze, passando-as
Ele retornou ao navio trazendo uma
por ouro.
empunhadura de couro cujo centro repousava
Kros deu de ombros, alguns dos homens
uma pedra vermelha, fosca e de aspecto
bateram palmas e deram tapinhas nas
repulsivo.
costas de Iagum, que orgulhoso, desfilou
Iagum trazia um sorriso enfadonho no pelo convés exibindo-as a todos.
rosto e uma expressão de contentamento, Quando o Vento Sul levantou as velas e
como se tivesse tirado a sorte grande ou já alcançara certa distância da costa, foi
ganhando vantagem sobre alguém. surpreendido por um outro navio que se
O Capitão Krós, logo o inquiriu, pois não aproximava a ventos fortes.
101
O#36023
navio -era negro e trazia velas vermelhas
kobrakai67@gmail.com em cada mão, ele levava outras ainda mais,
como sangue escuro, ostentando uma dependuradas em seu cinto. Ordenou
bandeirola com a flecha e a flauta de osso, que Kros lhe entregasse seus tesouros
o símbolo de guerra das tribos orcs que ou todos ali seriam mortos.
se voltavam aos confins do mar. Iagum, que se escondeu o máximo que
Todos os homens se apavoraram, eles pode, tentou ocultar sua querida pedra,
sabiam que seu navio não era demasiado mas assombrou-se ao constatar que não
rápido e tampouco armado para fazer conseguia a remover. Alguma força mágica
frente ao do inimigo. estranha o impedia.
Em pouco tempo a indefesa Gurios irritado, seguido por seus
tripulação do Vento Sul marujos, começou a espancar os
foi atacada. Gurios era o homens do Vento Sul, e muitos ali
capitão do navio de guerra mesmo, morreram, incapazes
orc. Aos gritos ele ordenou de resistir à brutalidade dos
que emparelhassem, e seus orcs.
marujos orcs destemidos, Na confusão o Capitão Kros
arremessaram ganchos as escorregou e caiu ao mar, vindo
amuradas, aproximando os a morrer afogado. Alguns poucos
navios lado a lado. foram amarrados e Iagum, tentando
O Capitão Kros ordenou uma saraivada esconder-se, foi encontrado pelo próprio
de flechas, mas seus ataques eram Gurios que o agarrou pelos pés e o jogou
infrutíferos, em pouco tempo o Vento no extremo da proa.
Sul fora tomado e sua tripulação fora Iagum, apavorado, berrou como um
morta ou feita prisioneira. louco. E por desespero, tentava enfiar
Gurios surgiu no convés do navio recém a mão que carregava o couro e a pedra,
capturado, portando uma machadinha por debaixo do seu camisão de peles sujo.

102
Aquilo chamou a atenção de Gurios, que a sua fúria.
o forçou
#36023 -akobrakai67@gmail.com
mostrar o item, perguntando Por fim, o capitão orc parou e Iagum, as
cruelmente a Iagum, o que a pedra fazia. gargalhadas, anunciava que sua pedra o
Iagum apenas gritou e Gurios o espancou tornara imortal.
violentamente. Seus homens se divertiam Ao ouvir isso, algo de lucidez brilhou
com aquele espetáculo, quanto mais Gurios em Gurios, que sacando a machadinha,
o molestava, mais Iagum berrava e eles riam. desferiu uma série de golpes pesadíssimos
Mas em certo momento, os seres brutos ao braço de Iagum que segurava a pedra.
se impressionaram, pois Iagum parara de A defesa de Iagum era robusta, mas estava
gritar, embora seus olhos ainda estivessem longe de torná-lo imortal. E como um
vivos. Gurios rugiu, ficando cada vez mais machado a cortar uma árvore, Gurios,
furioso, passou a espancá-lo da forma com esforço, decepou o braço de Iagum,
mais horrenda que podia. que passou novamente a gritar e os orcs
novamente começaram a rir e a respirar
Os monstros se surpreenderam quando aliviados.
Iagum, ao invés de gritar, agora ria, a se
O cadáver de Iagum foi jogado ao mar,
contorcer xingava e troçava de Gurios.
mas a mão que segurava o item ficou com
Nesse momento os orcs se arrepiaram, Gurios.
enquanto Iagum apanhava, sua aparência
Ele a levou para sua cabine e mais tarde
começara a tomar uma aparência horrível. a vestiu.
A pele se tornou grossa como uma casca Desde aquele dia Gurios começou a
de árvore e esverdeada como uma alga desgraçar-se no que quer que fazia.
ressequida. Passou a ser chamado de Gurios Azarado.
Iagum, nesse momento se vangloriava Ele logo relacionou a maldição a pedra
ensandecido e todos podiam compreender que pegara de Iagum morto, mas
que nenhuma, ou pouca dor ele sentia, desesperou-se quando não conseguia
mesmo que Gurios o batesse com toda removê-la.
103
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No entanto, quando Gurios entrava


em batalha, depois de muito ser ferido,
seu corpo ganhava aquele mesmo
aspecto que viu crescer em Iagum.
Embora a fortaleza da propriedade
mágica parecia lhe conferir certa
vantagem, Gurios sempre acabava
se desgraçando, e em certa feita,
já frustrado por tudo, sacou sua
machadinha e decepou a própria mão
Dizem que a tira de couro e a
pedra ainda vagam pelo mundo,
empreitando de um lado a outro
aqueles que a cobiçam, embora
desgraçando a vida e muito, de quem a
veste por infortúnio.

104
Mochila do Viajante
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D
esde que parti de minha terra
natal, percorri muitos lugares
distantes e selvagens, eu vacilava
de um lado a outro em busca de
aventuras, trabalhos e riquezas.
Eu já havia penetrado nos territórios de
além-mar e procurava algum trabalho
em que minhas habilidades pudessem
ser novamente úteis.
E depois de muito andar, fui ter com as
Terras Meridionais e atravessei aquelas
vastidões selvagens, de rios caudalosos
e florestas impenetráveis.
Rapidamente me adequei àquelas terras,
e sem dificuldades encontrei emprego
fácil para que pudesse me manter por
alguns meses. E dali parti para o ermo,
em direção a Floresta de Erzel.
Eu deveria encontrar meus companheiros
que me aguardavam em algum dos Reunimo-nos nas sombras das imponentes
assentamentos abandonados, que se Cordilheiras de Sal, incríveis monumentos
espalhavam por aquela região inóspita erigidos pelos deuses, que se projetam
e sombria. desafiando os altos e o céu.
105
Ficamos por lá abrigados desde que a
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que estavam mais familiarizados com
estação das chuvas começara, entocamo- picaretas e pás do que com espadas e
nos em pequenos abrigos improvisados, a machados. Nós íamos em pequenos
maneira dos mineiros, feitos de pedra, sal grupos separados, no final de três dias
e incrustados nas paredes. E lá ficamos, todos retornavam a um acampamento
até que passassem as chuvas e então, central, em algum lugar ao nordeste do
continuar nossa jornada. Rio Orpem.
As Florestas de Erzel ficam impenetráveis Foi na passagem de uma frondosa área
na estação das chuvas, foi por esse ocupada por faias, gigantescas, sombrias
motivo que interrompemos o e antigas demais, que certamente não
caminho, dado que atravessá-la nos queriam ali, pois nos agouravam e
nestas condições seria uma tarefa amaldiçoavam com seus galhos estranhos
hercúlea e certamente uma decisão e folhas tenebrosas, que nos perdemos
idiota. completamente.
A nossa função era garantir a Naquela altura havia um desvio que se
manutenção das estradas que serviam perdia da estrada e a trilha que continuava,
de passagem para as caravanas que aos poucos ia se desfazendo até ser engolida
vinham do Norte. completamente pela vastidão da floresta.
A tarefa incluía reparar as vias, o que A inusitada situação nos forçou a decidir
também incluía matar monstros que ficar por ali mesmo, à espera de outro
cruzassem o caminho. Não raro, aquelas grupo que pudesse nos alcançar, pois se
criaturas atravessavam os longínquos traços nos afastássemos mais ainda da estrada,
de caravana, pois suas tribos habitavam certamente não voltaríamos com vida.
e infestavam aquela floresta sinistra. Já fazia cinco dias desde que parávamos
Eu liderava um pequeno grupamento de naquele lugar, em pouco tempo os homens
homens rudes e estranhos, que vinham das começaram a se desesperar e cogitaram se
mais diversas partes do mundo conhecido, espalhar pela floresta. Tentei ao máximo
106
controlar a situação, mas foi no final daquele
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Andei por muitos dias, até que minhas
mesmo dia, quando as luzes do crepúsculo provisões acabaram completamente. E
nos abandonaram e nos amaldiçoando quando já arrastando-me em direção a
com o assombro da floresta escura, que morte, com as esperanças perdidas e o
nossa posição foi cruelmente atacada. cansaço a consumir-me, eu o vi, reluzente
Aqueles monstros horrendos nos como o vislumbre de algo sagrado, o
cercaram e pesadamente se voltaram artefato, vibrante e maravilhoso.
contra nós, em urros, machados e flechas. Contemplei-o, estonteado, eu estava
Rapidamente um dos homens caiu, os diante de um tesouro impossível: uma
outros que procuravam abrigo como imponente mochila, produzida em

podiam, pouco a pouco foram caindo. couro curtido, certamente por mãos
As flechas zuniam por toda a parte e o habilidosíssimas, ornada com pérolas
caos absoluto se instaurou. Quando já e de beleza indescritível.
apavorado, a ver meus companheiros A princípio julguei se tratar de uma
caídos quase todos, me ocorreu apenas miragem ou ilusão, alguma peça que
uma reação desesperada: fugir. a fome enlouquecida me pregava. No
Então fugi, corri como um louco, por entanto quando cheguei mais perto e a
entre as árvores e arbustos espinhosos e toquei, percebi que era real.
mesmo que me afastasse cada vez mais Eu abrira e algo absolutamente estranho
de um possível resgate, sabia que não e incomum aconteceu, como se cuspissem
podia parar. Então corri e corri. faíscas, dela saíram porções inteiras de
107
comida,
#36023 -quentes e de qualidade inigualável.
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Devorei as porções imediatamente e devo
dizer que, eram deliciosas e impressionantes.
Passei a analisar ainda mais a mochila
e notei que, por vezes, o seu conteúdo
alterava-se, seu interior parecia não ter
fim. Continuei a investigá-la e dela puxei
algo que se projetou, e ao meu lado se
estendeu, era uma completa tenda de
campanha, equipada e maravilhosamente
acabada. O abrigo era confortabilíssimo,
seguro e me assegurou boas e longas
noites de sono.
Os dias que se seguiram foram felizes,
pois sabia que o alimento sempre tornaria
a aparecer da mochila e a tenda abrigada
me protegia de todas as agruras que a
sombria Floresta de Erzel pudesse me
lançar.
Com a tranquilidade e o vigor fortalecido,
retornei a jornada e acabei por achar
a trilha, que me levou novamente em
segurança ao acampamento central.
E foi dessa forma que sobrevivi a mais
sombria e impenetrável floresta das
terras do sul.
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Sobretudo das
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Sombras
R
esplandece como um item de
beleza luxuosa, feito de tecidos
finos e resistentes, embelezado
por tons azulados, e ricamente
ornados de detalhes dourados
e vibrantes.
O Relato
Já se passaram muitos invernos desde que
deixei as cidades do norte e me estabeleci
nestas paragens distantes. Seus esplendores
não se comparam a este lugarejo que
chamas de lar, esta cidadezinha imunda
rodeada por pântanos, mosquitos e coisas
pestilentas.
Eu desfrutei por muito tempo dos prazeres
daquelas belas cidades,
vivi como um rei e gozei dos melhores
vinhos e das mais belas damas. E em verdade,
digo-te, que cortejei até as baronesas,
debaixo das barbas daqueles gordos e
preguiçosos aristocratas.
109
109
Tenho certeza que já ouvistes a respeito
#36023 - kobrakai67@gmail.com Eu depositara tantas coisas nos bolsos
daquele grande roubo que quase eclodiu daquele robe, que ninguém jamais poderia
uma guerra entre o conselho das cidades, imaginar ou suspeitar, como itens tão
pois fui eu mesmo quem surrupiou o nobres, desapareciam de tão imediato.
chapéu da dama de Licantapur, apenas Meus feitos logo chamaram a atenção dos
para provocar o conselho dos barões. senhores do crime. Eles estavam descontentes
Roubei ainda as mais belas joias, relíquias com minhas ações, até que o próprio Lucius,
e esmeraldas de valores inestimáveis, até o Glutão, aquele que os gatunos chamavam
furtei dos templos, pergaminhos e itens de o Rei do Crime, pediu minha cabeça. Todas
mágicos. Quando contratado por aqueles aquelas guildas de ladrões se levantaram
magos, odiosos e presunçosos, mas que contra mim e todos aqueles com más intenções
apesar de loucos, possuíam quantidades ou que quisessem lucrar com uma “morte
prodigiosas de ouro. fácil”, a mim se opuseram. Fácil? Bem, eu
Naqueles tempos eu jamais me separava de estou vivo, não estou? Pobre e desgraçado,
meu suntuoso sobretudo, certamente sabes mas vivo.
o porquê. E mesmo, quando frequentava as Fora Zarius, com sua magia imunda
cortes, vestido de plumas e anéis maravilhosos, que me arruinou. Zarius, o cão, aquele
daquela casaca, eu jamais me desprendia. que me aplicou o golpe final. Ele poderia
Em certas ocasiões eu atravessava as vielas tomar outras formas, criar ilusões, mas
e as ruas mais sujas, aquelas, repletas de não fui páreo para suas artimanhas. Eu
vagabundos e gatunos, vestido de minhas tive de fugir, Geofrei, tive de fugir. Eles
roupas mais extravagantes, deixava-os se arrancaram meu belíssimo sobretudo!
aproximarem, apenas para me divertir Mas minha vingança será ainda mais
quando nada encontravam em meus bolsos. implacável. Será! Eles não esperam, aqueles
Mas quando os provocava ainda mais, eles imundos desprezíveis! Geofrei! Geofrei,
saíam em disparada contra mim, e eu sumia seu desgraçado! Reacenda o candeeiro e
sem dar vestígios por entre as sombras. me traga mais uma taça deste teu vinho
horrível! 110
2
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O PA R A D E I R O

Presenciei este diálogo inusitado a casaca possa ser um objetivo


quando passava por um pequeno de valor e poder singular. Em
vilarejo ao Sul de Turiontas. minhas inúmeras viagens, pude
Cansado de minha jornada, topar com algum daqueles itens e
decidi passar a noite na única ouvir ainda muito mais histórias.
taverna que existia naquele lugar Decidi então possuí-lo, passei
isolado. E lá fui testemunha a procurá-lo com obstinação.
daquele espetáculo excêntrico, Meus contatos me passaram
o senhor que o narrava estava informações preciosas e pude
claramente embriagado e não chegar ao paradeiro daquele tal
deixei de observar seu linguajar Zarius. Se de fato ele ainda possui
incomum, o que me pareceu que o item,… se não, certamente ele
nele figurava algo de provinciano me trará informações de onde
e canastrão. Porém chamou- ele possa estar. Minhas pesquisas
me particularmente a atenção estão adiantadas e acredito que
a descrição daquele estranho esteja na cola desse mago. Se o
sobretudo. A maneira que ele o item estiver mesmo em sua posse,
carregava, não deixando jamais farei de tudo para tomá-lo para
de vesti-lo, fizeram-me crer que mim.

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Bastarda da Morte
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N
o salão de pedra e ossos
amontoavam-se o
restante daqueles que
foram conhecidos como
os guardiões, estáticos a
observar o vazio, a falange inquebrantável
agora estava partida.
Eles vieram das mais diversas regiões do
mundo conhecido, atendendo ao chamado
que lhe fizeram os deuses. Das amarelas e
escaldantes planícies de Etirum, trazendo
consigo a Luva Versátil, viera Gituam, o
Vibrante. Utana, A Bárbara, marchava das
pradarias do Norte empunhando o Chicote
Vorpal. Izic, das Montanhas Escarpadas,
portando o Martelo do Criador, chegou
a galope. Serpenteando o caudaloso
Unabatur, prosseguia Dantálus exibindo
sua poderoso Espada da Possessão. Com
a Aljava Elemental a pender das costas
vinha do Leste Faila, a guerreira elfa. E
Frila, o Bardo, que andarilhou por boa
parte da imensidão do mundo, carregava
a sua Flauta Incandescente.
112
A#36023
frente- kobrakai67@gmail.com
de todos estava Gargatiom, o capricho desmedido de Ishuir, desejaram
Leão, com seu escudo impenetrável e de imediato que ele fosse morto.
ao lado dele se erigia Málaga, a Clériga, No entanto, as ardilosas mãos da Morte,
que carregava uma expressão estranha e manipulando seu próprio íntimo mortal,
sinistra, a brandir sua espada descomunal. destilaram o veneno pútrido de sua essência,
Lá eles estavam diante de seu desafio final, e administrando a Órnodom a substância,
guarnecer a prisão do promovedor do mal fez servir-lhe como um soro, que fizera
no mundo, Órnodom, o filho da Serpente impedir que a vida cessasse no semideus:
Ishuir, a Deus da Morte. O semideus que Órnodom não podia ser morto.
fora aprisionado pelos deuses naquela A alternativa que sobrara aos deuses
câmara escura de ossos e rochas frias,
foi aprisioná-lo, o afastando de todos,
que carregada em essência de energias
naquela cela fria, para que sua maldade
divinas, o impedia de sair.
não pudesse ser liberada ao mundo.
Os guardiões extasiados lembraram-se com
Para que impedissem que Órnodom
temor quando Frila, o Bardo, lhes narrou
pudesse escapar, eles convocaram uma
sobre a Deusa Serpente adentrando ao
falange de nove guardiões, que deveriam
salão dos deuses e exibindo sua tradicional
pompa tenebrosa. Ela carregava em uma zelar pela segurança daquela prisão,
de suas mãos sinistras um cetro macabro afastando qualquer mal que pudesse
cravejado de ossos e esmeraldas estranhas, dela aproximar-se.
em seu braço oposto, empertigado como Porém houve um desvio no plano daqueles
um réptil, vinha seu filho em vestes negras. desígnios divinos, pois um dos guardiões,
Órnodom, ela anunciou ao panteão seu Kalius, o Esquivo, tornando-se a Víbora,
filho, ungido no sangue sinistro dos mortos traiu o seu juramento e voltou-se contra
e agonizantes. seu grupo, empenhando-se para soltar
Os deuses horrorizaram-se todos, e o semideus.
julgando a criança uma aberração e um Novamente os guardiões foram reunidos,
113
mas agora
#36023 para livrar que Kalius liberasse
- kobrakai67@gmail.com medonho vindo de Málaga, exigindo que
o mal que traria a ruína ao mundo. o Leão não desferisse o golpe mortal.
Os olhos de todos eles estavam em lágrimas Ao ouviu Málaga gritar, Gargartiom,
e chamas. Incrédulos, não podiam acreditar que ainda a amava, deixou seu escudo
que Kalius voltava-se contra eles com a pender e o golpe vacilou em potência.
intenção de matá-los. O Grupo que tantas Kalius contra-atacou e quando o fez, as
vezes se uniu para defender os interesses estocadas de ambos se chocaram e a morte
dos deuses, estava agora desfeito. sorriu aos dois. Lá diante dos portões eles
E em meio aquela desolação, Gargatiom, caíram e seus corpos amontoaram-se no
cheio de ira rugiu como o Leão das planícies chão gélido do salão de pedra.
e tomou a frente dos outros, que apenas Málaga correu em direção ao corpo de
o observaram. Kalius e caiu em seus braços como uma
O Leão empinou seu escudo e atacou torrente, ficando lá, estática como uma
furiosamente Kalius. A Víbora rapidamente árvore enriquecida.
se esquivou, ele estava armado de sua Os outros seis com os corações desesperados,
Bastarda da Morte, desferiu golpes rápidos direcionaram-se a cena do combate, mas
e fatais. Gargatiom resistia a cada golpe antes que chegassem, estremeceram ao
com a convicção de uma montanha. Os ouvirem uma risada sádica, que parecia
ataques traiçoeiros de Kalius, a Víbora, surgir do interior de um túmulo. Correram
não eram suficientes contra o Escudo em direção ao salão que marca a sela de
do Leão. Órnodom e o encontraram aberto: Kalius
Porém suas investidas prosseguiram e o realmente fizera, ele havia o libertado.
Leão defendia-se como podia. Mas fora de Foi neste dia que os guardiões se desfizeram
um contragolpe certeiro de Gargatiom, e Órnodom triunfou. A dor e a angústia se
quando suas mãos se encheram de potência, espalharam pela imensidão dos lugares
projetando a estocada final, que se ouviu, e a miséria fez sentir-se em cada criatura
como uma tempestade sinistra, um grito que andasse pela terra.
114
Agradecemento
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Enzo Henrique Estevam Santos


Bortolanza Gabriel Amabile Gustavo Lopes Dezan
Erick Orzari Boscariol
Gustavo Sales
Estérfano Emanoel Gabriel da Silva Pessine
Marques Lopes Harry Raphael
Gabriel Dudena de Faria
Fabiano de Almeida Helber
Gabriel Oliveira
Mousinho Helton Bergmann
Gabriel Utta Pinheiro
Fabio Matheus Pereira Helton Silva da Cruz
Castro Gárgula Die
Henrique Carvalho
Fabricio D. Delgado Geliard Roberto Barbosa
Henrique Triches
Felipe Baía AF Rosado Germano Pilar Ribeiro
Iago Zaniolo
Felipe Bento Giovanni Allemand
Guilherme Baesso Bill Igor Eduardo Stadelhofer
Felipe de Oliveira Ribeiro
Felipe Malandrin Guilherme Defavari Igor Santana
Felipe Norberto Guilherme Pereira Ildette Brito (Breno Brito)
Gomides Illudic Editora
Fernando De Luca
Fernando Lougon Filho Gustavo Chavari Infonett
Francisco de Paula Gustavo Dassie Italo de Figueiredo
Ribeiro Goulart Gustavo do Carmo Silva Peratello
Frederico Velasco Gustavo Lodi Romao dos Iuri Gelbi Silva Londe
115
Abidjan Areaba Corrêa Ariane Ueti Carlos Withe
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Adalberto Medeiros Artur Santos de Farias Carolina Vincenzi Mergen
Rodrigues de Oliveira
Ayu Marques Cleverson Costa
Adriano de Oliveira Santos
Bartolomeu Voltaire Daniel Tech
Ayub
Brian Merrell David Croft
Adriano Guareschi Pena
Agamenon Lapa Bruna Fernandes Costa Delvio Francisco Souza
Gomes De Oliveira
Agostinho Bartolomeu Denis Oliveira
Bruno Della Ripa
Alaine Maria Barros de Rodrigues Assis Diego Carvalho Martinez
Almeida Assis Diego Kawer
Bruno Favaro Piovan
Alan Santos Diogo Leal
Bruno Henrique Cardoso
Alexandre Kawanishi Douglas Edenilson da
Bruno Marracho
Alexandre Lemos Ferreira Silva
Junior Bruno Prestes de Sousa
Douglas Estevez
Alexandre Petean Figueira Bruno Sakai Costa
de Aguiar Douglas Magno Souza de
Bruno Scotelaro Aguiar
Aluizio Medeiros Bruno Vieira Eduardo Brugnago
Anderson "Sensei" Gomes Caio Barbosa Mota
Eduardo Cazorla Alves
Anderson Brambilla Carlos Augusto Dal Bosco
Chaves Eduardo da Silva Martins
Carlos Franchesco Almeida
Anderson de Almeida Eduardo Maciel Ribeiro
da Silva
Anderson Salgado Martins Carlos Rogerio Manzolli Eduardo Piza
André Jhuan Lourenço Filho Emerson O Mais
116
Iury de Paula Lopes Lucas Miranda Xavier Matheus augusto castilho
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J Bruno C Fonseca Luciana R Duarte dos reis

Jayme Ribeiro Lucio Flavio Matheus Brinati Altomar

Joao Gabriel Moritz Lima Luis Alberto de Deus Matheus Moreira

João Pedro dos Santos Baptista da Silva Matheus Rodrigues


Thomé Luis Felipe Alves Matheus Rohenkohl
João Pedro Violi Santana Luiz Carlos de Oliveira Mauricio Alexandre
João Tavares Junior Maxwell Araujo Santiago
Joaquim Cândido Lima Luiz Fernando Tavares
Neto Luiz Fernando Rossafa Mayara Rosa Miriuk
Jonas Mohamed Dias Macedo Miguel Godoy
Jose Eymard Antero Filho Luiz Gustavo Neto Falcão
José Guilherme Vieira Luiz Phillipe de Mello Ofidio Nogueira
Moura Pinheiro
Pablo Jorge Maciel
José Rodrigo Girão do Luiz Rafael
Pablo Powrosnek
Nascimento Lutero Cardoso Strege
Paulo Henrique Perez
Kenji Miura Lux Arcadia Caio
Paulo R. Loffredo
Kevin Rimolo Souza Marcelo Braz
Paulo Vinícius Faria
Leandro Santos Felix Marcelo Cruz Pereira
Leonardo Almeida Marcelo Seara Mendonça Pedro Da Rocha Figueiredo
LeoOn Pessoa marcus vinicius B.L.Santos Pedro Ernesto Mezzomo
Lucas da Cruz de Freitas Marlon Augusto Savian
117
Pedro Eugênio Guimarães Recieri De Tarso Zenardi Thiago Xavier
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Carvalho Renan Albino da Cunha Victor Cordeiro
Pedro Gabriel Lima Renan Pessotti
Mottola Victor Hugo Antunes
Renato Gomes de Almeida
Pedro Martins Kalil Victor Maranholi
Pensando RPG Ricardo Biagio Vinicius Viterbo Brandão
Perdiga Ricardo Weverton
Gianoto Ribeiro Vitor Amaral
Phillipe Couto
Pitter Lima Robson Júnior Vytor Calixto
Rachel Fragoso Rodrigo Albertoni Wagner Antunes Vieira
Radamés Nicolodelli Schmidt
Bahai
Silva Rodrigo Bandeira
Walter Winer de Paula
Rafael Bezerra Vieira Rodrigo de Oliveira
Rafael Cesário Braga Mattos Wendell Batista
Rafael Lima do Monte Rodrigo Martins Cunha Wesley Ricardo de
Rafael Manzieri Rodrigo Mesquita Agostino
Espanholi Roger Ferrari
Weslley Stivicles
Rafael Meneses da Silva Rogerio Murilo Zanin
Wildison Marcelino da
Rafael Saraiva Romário Santos Bezerra
Silva
Rafael Soares Padilha Ruan Silva
Rafael Z Bonilla Samuka Missias Yago Tsuboi Salicio
Raz Noni Spadoni Zi Marques
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#36023 - kobrakai67@gmail.com
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