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A Guarda Negra de Dol Mordhar – Prólogo

Logmar observava Garr, o meio-orc, procurando indícios da criatura no chão de pedra


mal trabalhada. O patrulheiro de traços fundos e olhar distante aproximou a tocha do
chão rude, tateando por alguma pista. Se alguém poderia achar algum rastro do monstro,
este era ele. Ao lado do Capitão Logmar e de Garr estava Tarisha, uma halfling de
longos cabelos negros e olhos verdes que – como todos de sua raça – estava sempre
atenta e pronta para se esgueirar nas sombras, para então atacar seu adversário em um
ponto especialmente vulnerável. Os três sabiam que o resto de seu grupo estava mais
atrás, não muito distante.

Eles três eram a isca.

O Capitão meio-elfo desviou o olhar de seu amigo e subordinado meio-orc e voltou sua
atenção para o local onde estavam. Aguçou seus sentidos, pronto para reagir, caso a
criatura atacasse de surpresa. Sentia que ela estava próxima, esperando à espreita.
Talvez seja sua herança élfica que lhe concede tal percepção, talvez sua experiência em
batalha, ou talvez ambos. Olhou com atenção os arredores. Parecia apenas mais uma
grande galeria subterrânea construída em pedra, com a água malcheirosa correndo entre
dois caminhos laterais também em pedra. Porém, mais adiante, Logmar pode perceber
que a pedra mal trabalhada encontrava o simétrico e extremamente bem-acabado
trabalho da alvenaria aldariana. Assim como boa parte das cidades dos Principados
Brilhantes, o Condado de Dol Mordhar fora construído sobre ruínas do império
ancestral da Sétima Lua. Ficou imaginando se a criatura era alguma criação dos
aldarianos. Valeran, o mago eladrin de seu grupo, que estava mais atrás com os outros,
talvez soubesse dizer, se eles conseguissem desentocar o monstro.

Garr fez um sinal para Logmar e Tarisha e os três prosseguiram avançando com cautela
e silêncio. O Capitão ia por último, tentando ser o mais silencioso possível. Em outras
situações, ele estaria atrapalhando seus dois sutis companheiros, que eram
extremamente silenciosos com suas armaduras de couro negro trabalhado. Mas desta
vez os eventuais ruídos de sua cota de malha os ajudavam a ser a isca perfeita. Além do
som de sua armadura ao caminhar, havia apenas o som da água corrente e a mudez da
escuridão das galerias.

Viggo Logmar e seu grupo de veteranos da Guerra dos Estandartes Sombrios foram
recrutados por sua velha amiga e também veterana da guerra, Brunhild Taigi, líder da
Igreja de Gotheintor em toda parte ocidental do continente de Aldar e Magistrada Chefe
de Dol Mordhar. Eles eram agora a Guarda da Magistratura, ou como eram chamados, a
Guarda Negra, por conta da cor de seus uniformes e armaduras e pelo medo que
começam a impor na cidade do condado, por terem a autoridade para “fazer o que for
necessário”. A Guarda Negra na verdade é apenas o grupo de seis aventureiros que
acompanham o meio-elfo Logmar, que é o seu capitão. Brunhild os recrutou para
fazerem as missões mais difíceis e necessárias para que a grande cidade de Dol Mordhar
seja purgada do mal que a corrompe. Uma guarda leal a ela e, acima de tudo,
incorruptível. Em seu pouco tempo de atuação, a Guarda Negra já tem incomodado as
organizações criminosas do condado, pela sua simples existência.

A criatura que eles estão caçando era o fim da parte “fácil” de seu trabalho: exterminar
os monstros mais perigosos das masmorras sob a cidade. Ele era o último, o que mais
tinha feito vítimas, o único que eles ainda não haviam conseguido identificar, e por isso
o mais perigoso.

Logo o piso dos caminhos laterais – assim como as paredes e o teto – ficaram lisos e
simétricos, e as galerias mais largas, com estranhos apoios para tochas e lanternas nas
paredes a cada nove metros, o que não deixava dúvidas de que era a arquitetura
aldariana.

Eles prosseguiram por mais uma hora e já estavam a quase três ali embaixo, cada vez
mais distantes, no que parecia um infindável labirinto de galerias. Logmar confiava em
seus companheiros para achar o caminho de volta, mas sabia que ruínas aldarianas
ludibriavam de muitas formas quem ousava adentrá-las.

Subitamente, um outro odor começou a preencher o ar, além do cheiro fétido da água
corrente ao largo: era o cheiro de carniça, de carne apodrecida. Logo a luz das tochas
iluminou restos de corpos roídos a frente, provavelmente dos últimos aventureiros que
tentaram enfrentar a criatura que fazia dos esgotos de Dol Mordhar e de suas saídas e
entradas o seu campo de caça.

Garr fez outro sinal para Logmar e Tarisha e colocou sua tocha no apoio de parede mais
próximo, para então desembainhar suas duas cimitarras. Logmar fez o mesmo com sua
espada longa, enquanto Tarisha segurava uma adaga na mão esquerda e empunhava uma
shuriken na direita, pronta para ser jogada. Eles então se posicionaram ao comando do
Capitão: Garr vigiava o caminho adiante, Tarisha a retaguarda, enquanto Logmar se
posicionava de costas para a parede, caso alguma coisa emergisse de dentro d’água.
Mas foi da parede que veio o golpe que quase atingiu suas costas.

O meio-elfo sentiu a parede às suas costas se abrir a tempo suficiente para que o golpe
da criatura apenas o ferisse levemente. Garr se virou e golpeou ferozmente o monstro,
enquanto a halfling rolou para uma posição mais distante, e dali se ocultou na escuridão.
Enquanto se preparava para revidar, Logmar tocou um apito e gritou para onde ele
achava que Tarisha poderia estar para que ela atacasse. O Capitão da Guarda Negra
entendia agora porque eles não haviam conseguido identificar antes a criatura: o que
quer que fosse ele nunca tinha visto antes. Ele avançou para cima dela, se posicionando
de tal maneira que ela ficasse com a atenção dividida entre ele e o meio-orc.

O monstro agora atacava Garr, que após desferir golpes gêmeos com suas cimitarras,
procurou em vão se afastar do alcance daquela aberração, que avançou e desferiu um
ataque avassalador com sua mordida no patrulheiro. O meio-orc resistiu bem ao golpe e
continuou em pé, apesar da gravidade do ferimento. Garr é um Caçador da Escuridão e
foi treinado por seu rouken para combater aberrações como esta, que vivem no
subterrâneo de Isaldar, e que assolam a superfície da Sétima Lua nos períodos em que a
luz dos dois sóis fica oculta por Elária, o planeta em torno do qual Isaldar orbita e de
onde as demais raças sencientes foram trazidas pelos deuses mortos há mais de duzentos
anos. Chamado adequadamente de “A Escuridão”, estes longos eclipses que duram até
dias, trazem o terror do subterrâneo da Sétima Lua para a superfície, que emerge sob
muitas formas para caçar a população.

A espada Logmar fez um sangue negro jorrar do que parecia ser as costas da criatura,
que se virou para dilacerar o Capitão em meio ao seu urro de dor. Neste momento, o
meio-elfo teve uma breve visão geral do monstro… Ele era grande, seu corpo parecendo
o de um verme gigante e, mesmo assim, se deslocava com extrema rapidez. Possuía dois
braços que terminavam em poderosas garras, além de uma enorme mandíbula com uma
série de dentes protuberantes e afiados que dominava uma “cabeça” pequena que nada
mais era do que a continuação do seu corpo asqueroso. Nas laterais da cabeça havia dois
pares do que pareciam ser olhos ou alguma coisa aparentemente com essa função.

Antes que pudesse desferir toda a sua ira contra o Capitão da Guarda Negra, uma
shuriken emergiu da escuridão e atingiu a besta naquilo que pareciam ser olhos,
provocando um enorme clamor de dor da criatura.

Logmar recuou e ordenou a Garr que se afastasse ainda mais. Apenas eles três contra
aquilo seria desnecessariamente arriscado, e o Capitão começou a atrair a criatura na
direção de onde eles vieram. O monstro, contudo, era mesmo mais rápido do que
aparentava, e teria facilmente dilacerado o meio-elfo se projéteis de energia mística não
tivessem rasgado o negrume da galeria e o atingido, fazendo-o urrar novamente de dor.
Eles anunciavam a aproximação de Valeran e dos demais: Drusina, uma bruxa tiefling
que foi o último membro a entrar no grupo; Kalyan, um clérigo yaksha devoto de
Ashkar-Mithrael, cuja voz ressoava pelos túneis avisando da aproximação deles; e
Gerolt, um bravo guerreiro anão, da tradição dos defensores de sua raça, que emergiu da
escuridão com um brado e investida furiosos contra a aberração.
O intrépido do guerreiro de Karn decepou uma das garras da criatura com o seu
machado grande, e ela então urrou ainda mais forte, de um modo absolutamente
primitivo e bestial, em meio ao jorro do líquido negro espesso que era o seu sangue. O
monstro então se tornou simplesmente fúria, e a descarregou contra o bravo membro do
Povo Mercenário, atacando-o com sua garra restante e poderosa mandíbula. O anão foi
jogado contra a parede pelos implacáveis golpes da besta, que então novamente se virou
na direção do Capitão meio-elfo. Logmar gritou:

– Garr, ataque-a! Todos ataquem agora! – e clarões de energia arcana e divina


iluminaram novamente a galeria, para então fulminar o torso da criatura, ao mesmo
tempo em que o Capitão da Guarda Negra e Garr desferiam seus golpes. A aberração,
agonizante, ainda teve forças para ferir Logmar e ainda mais o meio-orc com sua garra e
mandíbula que se esvaia em seu sangue tenebroso, para depois finalmente cair quando
mais uma shuriken vinda da escuridão cravou no que supunha ser a sua face.

Um ponto de luz vindo do caminho pelo qual Logmar, Garr e Tarish vieram, aos poucos
foi se aproximando e revelando o seu portador, Valeran, e o resto do grupo, a bruxa
tiefling Drusina e Kalyan, o clérigo yakhsa do deus da luz. À frente deles estava a
halfling Tarisha, saindo de seu esconderijo em meio às sombras.

O Capitão Viggo Logmar ajudou Gerolt a se levantar:

– Eu estou bem. Meu orgulho dói mais do que minhas costelas, por esta coisa ter
conseguido me arremessar – disse o defensor do povo anão com o seu típico bom humor
após uma batalha vitoriosa. – Ajude Garr, que acabou recebendo a maior parte da
desgraça.

– Algo me diz que, se você não fosse anão, ela teria conseguido arremessá-lo nesta água
“perfumada” – respondeu Logmar apontando para a água corrente do esgoto. – Kalyan,
pode curar Garr? – O yaksha consentiu com um aceno e foi em direção ao meio-orc.

– Com mil demônios, o que é esta coisa? – perguntou Tarisha após sair da passagem
antes secreta que levava ao covil do monstro, trazendo como espólio o que de valor
pertenceu ao grupo de aventureiros devorados pela besta.

– É um balakash – respondeu Garr fazendo uma cara de alívio, enquanto Kalyan


entoava uma magia de cura para ele – é de fato uma aberração do Subterrâneo, mas
muito rara…
– Eu ficaria profundamente feliz se, assim que Garr tiver condições, nós saíssemos deste
odor desagradável – falou Valeran com seu habitual ar blasé. – E então, Viggo, o que
faremos agora, após estes três “agradáveis” meses matando “ratinhos” de esgoto como
este aqui?

– Agora vem a parte mais difícil: matar as “ratazanas gordas” e seus servos, que vivem
no luxo e na opulência, lucrando com o mal e a corrupção em Dol Mordhar.

A Guarda Negra de Dol Mordhar – Capítulo 1: A Magistrada

Três meses antes…

A brisa marinha acariciava o rosto e os cabelos levemente dourados de Brunhild. O


cheiro do mar pela manhã a fazia se sentir viva e lhe dava a paz necessária para cumprir
seus deveres e sua missão. Da sacada de seu gabinete no alto da Torre da Magistratura,
ela olhava ao longe o mar, o horizonte e o porto, enquanto a luz de um dia ensolarado
refletia em sua vistosa armadura de cota de malha e em suas íris castanhas. Ela fitou
demoradamente o porto de Dol Mordhar com os seus longos píeres, típicos do mundo
de Isaldar, com suas marés extremas que mudam bruscamente em um punhado de horas.
Apenas um dos muitos efeitos de Elária, o Mundo Primordial de onde a maioria das
raças inteligentes foi trazida, e das outras seis luas. Em dias tão bonitos assim, Elária é
uma grande sombra cinzenta no horizonte iluminada pelos dois sóis sagrados, enquanto
as seis luas são impassíveis pontos coloridos no firmamento da Sétima Lua.

Ela se ateve ao alvoroço dos trabalhadores fazendo os últimos preparativos antes da


próxima mudança da maré. Daquela distância, pareciam insetos comunais trabalhando
para o seu ninho. Talvez os mortais e seus reinos não passassem disso: insetos
trabalhando para suas pequenas e insignificantes comunidades. Insetos que têm a
pretensão de ser mais do que podem por conta da morte dos deuses.

Brunhild logo afastou esses pensamentos de sua mente. Alguns os considerariam


heréticos, outros, dogmáticos. Desde a Queda dos Deuses há exatos 258 anos,
discussões religiosas e filosóficas se tornaram assuntos ainda mais delicados do que em
outras eras. E para ela era ainda mais, uma vez que Brunhild Taigi era a “Balança de
Gotheintor”, a líder da igreja do deus morto da justiça. Tal como seus predecessores, ela
direcionou sua igreja para assuntos mais seculares, levando a justiça onde ela for mais
necessária. Para que sua instituição mantenha os desígnios de seu deus caído, e não se
perca em dogmáticas e infinitas discussões teológicas, que podem acabar desvirtuando-
a. Afinal, se a igreja do deus da justiça não lutar para que ela seja feita no mundo, quem
mais lutará?

Assim, a Balança de Gotheintor, ao ser ungida, após o fim da Guerra dos Estandartes
Sombrios, aceitou depois também se tornar a Magistrada Chefe do Condado de Dol
Mordhar, quando o Conde Eberin Mordhar a procurou buscando ajuda.

Quando da dissolução do Império Derenthar, antes do estabelecimento dos Principados


Brilhantes, Dol Mordhar não possuía força militar própria, apenas a milícia local, uma
vez que as tropas derentharianas aqui postadas foram dispersas com o fim do antigo
império.

Com a ameaça de uma guerra civil generalizada, o tataravô do Conde Eberin usou a
riqueza do condado para recrutar as melhores – e mais confiáveis – companhias
mercenárias para proteger a cidade e sua região, para exercer a função de exército de
seu reino. Daí nasceu a tradição de Dol Mordhar em recrutar companhias mercenárias
para exercerem a função de exército regular. Com o tempo, muitas companhias se
estabeleceram de vez em Dol Mordhar e algumas se tornaram pequenos exércitos
privados após gerações na cidade. Além de prosperar como a “Porta do Ocidente” para
o comércio com Aldar Oriental, o condado também se tornou famosa por ser a sede das
melhores companhias mercenárias do continente, depois das dos anões. Mas até mesmo
uma e outra companhia dos anões também se estabeleceu aqui – as que não tinham
vínculo com nenhum clã de Karn, a terra do povo mercenário.

Contudo, o pai do Conde Eberin, seu antecessor, cometeu um grande erro: ele
institucionalizou o que antes era uma boa e confiável relação comercial. As companhias
mercenárias se revezavam na função de força militar do condado. Proteger Dol Mordhar
é um serviço razoavelmente lucrativo e de pouco risco, pelo menos nos anos mais
recentes. Cada uma ficava um mês no serviço, todas se revezavam e todas ficavam
satisfeitas. Se alguma ameaça maior surgisse, as companhias disponíveis eram
recrutadas, além da que estivesse na função no momento. Tudo funcionava
perfeitamente.

Mas o velho Conde Mordhar tornou por decreto a Companhia da Lança Ardente de seu
amigo Theodric Wulfgar a sua guarda pessoal, e assim a maior parte do efetivo dela
passou a estar sempre empregada, acabando com o rodízio entre as companhias.

Naturalmente todas as demais – cerca de duas dúzias – não gostaram nada do que
aconteceu e, para contentá-las, o falecido conde fez outro decreto de pouca sabedoria:
apenas membros das companhias mercenárias poderiam dali em diante trabalhar como
homens de armas em Dol Mordhar. Tal decreto deu um poder considerável às
companhias, criando um monopólio para elas.

Coincidentemente ou não, desde essa época, as organizações criminosas aumentaram


suas atividades aqui, e a corrupção tomou conta das guildas comerciais, da burocracia e
da milícia. Se as companhias mercenárias também tiverem sua lealdade ao condado
comprometida, tudo isso pode desembocar em uma tomada de poder, ou simplesmente
na total anulação da autoridade da família Mordhar.

Foi esse o legado que o Conde Eberin herdou e, temendo a cada dia o pior e sem saber
como enfrentar tal situação, ele buscou a ajuda da Balança de Gotheintor.

Nem todos na Igreja da Justiça gostaram de ver sua líder acumulando uma função
secular inferior – isso até é comum entre os escalões intermediários da igreja, que
assumem funções de juízes e magistrados nos reinos, mas nunca a Balança de
Gotheintor. Quem ficou abertamente contra a decisão de Brunhild foi o líder da Ordem
da Torre de Diamante de Gotheintor, a ordem de paladinos da igreja, Heydar Gintaras.
Ele considerou inapropriado e indigno a Balança de Gotheintor assumir tal cargo, e
chegou mesmo a dizer que Brunhild devia abdicar do comanda da instituição.

Brunhild teve calma para responder e lembrou a Gintaras que não cabia a ele questionar
as suas decisões, que o papel da Ordem da Torre de Diamente é sempre servir à igreja e
levar a justiça onde ela for necessária, e que ela, a Balança de Gotheintor, é a palavra
final na igreja do deus da justiça. Ele, como líder da ordem de seus paladinos, deve
acima de tudo dar o exemplo, para que suas decisões também não sejam questionadas
pelos seus comandados. Além disso, para ela é inadmissível se omitir, quando o lugar
que mais precisa de justiça nos Principados Brilhantes, seja justamente onde está
sediada a Igreja da Justiça e sua ordem de paladinos.

Ela riu silenciosamente de seus pensamentos enquanto contemplava o porto e toda


cidade. É uma ironia como situações desagradáveis do passado se tornam motivo de riso
no presente.

Mas Brunhild não se tornou a Balança de Gotheintor apenas por sua devoção e feitos
durante a Guerra dos Estandartes Sombrios. Ela sabia fazer política como poucos, e sem
comprometer as suas crenças. Ela garantiu em particular a Heydar que não usaria seus
paladinos nos assuntos da Magistratura. Havia percebido que Gintaras considerava as
questões locais como assuntos de pouco relevância perto de ameaças como Demetiel, o
Perpétuo, e Mor Oedis. Na verdade, Brunhild sabia que os paladinos da sua igreja não
tinham o treinamento “específico” para fazer o que era necessário de ser feito em Dol
Mordhar. Não com suas armaduras brilhantes e clamores de batalha. Ela sabia de quem
ela precisava. E foi assim que ela chegou aqui.

Ela foi desperta de seus pensamentos por alguém batendo à porta, o qual ordenou que
entrasse. Era o seu fiel noviço e auxiliar Eliakim, que agora também exercia a função de
ajudante de ordens da Magistrada Chefe. Era um rapaz dedicado e ela sabia que ele não
hesitaria em se sacrificar por ela e pela igreja. Brunhild se cercou de gente da sua mais
absoluta confiança, todos do clero de Gotheintor, e realocou todos os antigos
funcionários da Magistratura em outras funções. Não confiava em ninguém da
burocracia do condado.

– Minha senhora, ele está aqui.

– Deixe-o entrar, Eliakim.

O noviço fez uma reverência humilde e se retirou. Brunhild sentou-se na sua maciça
cadeira de madeira e olhou ao redor para o seu gabinete. Ele era muito iluminado pela
luz vinda da grande sacada ao fundo, onde estava antes, tendo duas grandes estantes de
madeira trabalhada de cada lado com vários livros de leis e histórias locais, dos
Principados, do antigo Império Derenthar e de vários outros reinos da Sétima Lua. Tudo
muito arrumado e limpo, mas sem nenhum luxo ou ostentação. Além de sua armadura e
de seu símbolo sagrado no peito – um grande medalhão dourado representando um
escudo com uma balança em relevo – a única coisa mais brilhante no gabinete era a sua
maça pesada sobre a mesa. Com certeza ela não precisará usá-la na pessoa que esperava
– para falar a verdade, já fazia algum tempo que ela não usava sua arma contra alguém
ou alguma coisa –, mas Brunhild nunca ficava longe dela.

Eliakim abriu a porta, deu passagem a um homem, e depois saiu e a fechou, deixando-os
a sós. O homem não era muito alto, talvez um pouco acima da média. Seus cabelos
castanhos escuro, mais para lisos, estavam displicentemente crescidos e ele usava
bigode com cavanhaque. Tinha olhos ligeiramente amendoados, também castanhos, mas
ele não parecia um humano do oriente. Não chegava a ter meia idade, mas suas feições
transpiravam um tempo que não aparentavam ter. Seus traços, bem feitos como os de
Brunhild, tinham, contudo uma beleza máscula e, quando sorriu para a Magistrada
Chefe Taigi, foi como se um sol brilhasse em seu semblante e em sua tez branca
ligeiramente bronzeada. Parecia um homem comum como os trabalhadores do porto,
mas transpirava um ar de bravura e dignidade, um líder nato, apesar de usar roupas
comuns de homem livre. O segredo desse homem se revelou quando, em meio aos seus
cabelos desalinhados, apareceu uma pequena parte de sua orelha pontiaguda: ele era um
meio-elfo.
Brunhild levantou da cadeira e caminhou até o meio-elfo para lhe dar um abraço
caloroso. Talvez tivessem sido amantes em outra vida – o clero de Gotheintor, como a
maioria das igrejas em Isaldar, não possui qualquer tipo de celibato –, mas agora eram
apenas dois grandes amigos se reencontrando.

– Como devo chamá-la? Sua eminência ou meritíssima? – perguntou o homem rindo.

– Eu gostava quando você me chamava de Comandante Taigi, Viggo Logmar. – e


apontou para as cadeiras em frente a sua mesa para que ele se sentasse. Ela voltou para
sua cadeira maciça. – Quanto tempo faz? Desde o final da guerra, não?

Viggo concordou com um aceno de cabeça – Você continua cada vez mais bonita, e eu
já te falei que gosto de mulheres maduras e poderosas, não?

– Sim, e você continua o salafrário de sempre! – respondeu em meio ao riso de ambos. –


Como vai a tiefling, ela continua com vocês? Todos estão bem?

– Sim, ela continua parte do meu grupo. Todos estão bem, um pouco mais velhos,
procurando algo interessante e minimamente lucrativo para fazer juntos, além de entrar
em masmorras aldarianas. Então se tornou a Magistrada Chefe desse antro, não? Você
gosta mesmo de desafios difíceis de serem vencidos!

– Alguém tinha que fazer isso. Seria muita hipocrisia minha se a Balança de Gotheintor
virasse as costas para tudo que está acontecendo aqui. E depois de enfrentar as tropas de
Mor Oedis, eu diria que aqui é uma situação mais “delicada” do que difícil.

Fez aquele silêncio que precede uma pergunta que ninguém quer fazer, mas se sente
compelido a tal.

– Você ainda pensa nela, Viggo?

– Todos os dias. E acho que pensarei pelo resto da minha vida.

– A tiefling parece com ela em alguma coisa?


Viggo deu um sorriso cabisbaixo. – Ela não parece em nada. Drusina era apenas uma
pessoa pedindo ajuda, uma fugitiva das tropas de Mor Oedis. Coincidentemente, quando
nós a acolhemos, foi logo depois… Você sabe. E você? Vive apenas para sua fé e seu
trabalho?

– Sim, para minha fé e o meu trabalho. Talvez um dia, quando você se aposentar e ainda
me achar bonita, eu abdique e me aposente também. – Brunhild soltou uma sonora
gargalhada ao perceber que Logmar tinha corado.

O silêncio desta vez foi mais curto e ele olhou fundo nos olhos da Balança de
Gotheintor.

– Você não me trouxe aqui apenas para falar do passado e de nossas feridas antigas. Nos
velhos tempos nós faríamos isso bebendo em uma taverna.

Brunhild sorriu para seu antigo comandado.

– Não, Viggo, eu o chamei a Dol Mordhar porque preciso de você e de seu grupo.

O silêncio dessa vez foi diferente e Viggo o quebrou:

– Fale…

– Você tem toda razão: isto aqui é um antro. A corrupção impera, cresceu debaixo das
barbas de minha igreja enquanto eu lutava na guerra, e agora que a comando, eu tinha
que fazer alguma coisa. O Conde Eberin me deu carta branca e a autoridade para agir,
mas fora o clero e os templários da minha igreja, que protegem os poucos em que
confio, não há ninguém com quem eu possa contar que tenha as habilidades necessárias.
A milícia é corrupta, não posso confiar nas companhias mercenárias, e os paladinos da
Ordem da Torre de Diamante não têm o treinamento necessário para lidar com tudo que
acontece neste condado, além de não concordarem com eu ter me tornado a Magistrada
Chefe. Não são apenas os corruptos: há quem comanda todo o esquema e as
organizações criminosas. Mas eu acredito que isso é apenas a ponta da cauda do dragão.
Pela alma de Gotheintor, sabe lá quem realmente comanda isso tudo e qual é a extensão
desse poder.
Logmar ficou um instante pensativo, mas logo perguntou:

– O que quer exatamente que a gente faça? Parece que você precisa mais de um exército
e de uma Lei Marcial do que um grupo de aventureiros veteranos.

– É isso o que eles esperam, mas vou acabar com eles usando as táticas que usam:
combateremos nas sombras onde eles se escondem usando um grupo pequeno, mas
poderoso e incorruptível.

– Nós.

– Exato.

Viggo foi ficando cada vez mais interessado.

– Vocês começarão limpando os subterrâneos da cidade. Terão que matar todos os


monstros que tem lá, não apenas para tirar a atenção deles de vocês, mas para ter uma
via para atacá-los de surpresa, além de o subterrâneo muitas vezes ser usado pelo crime
organizado. Isso pode levar alguns meses, mas focando inicialmente nos monstros, eles
esquecerão vocês, a princípio. Depois, você e seu grupo começarão a fazer a verdadeira
“limpeza” de Dol Mordhar.

– Quais serão os nossos limites?

– Nenhum. Vocês poderão fazer o que for necessário. Vocês terão carta branca minha e
do Conde Eberin, mesmo que publicamente, em algum momento, ele possa repreendê-
los. – respondeu a Magistrada Chefe com um sorriso malicioso.

– Isso não vai contra as suas crenças?

Brunhild sorriu levemente e respondeu:

– Você é um homem bom, Viggo Logmar. Sempre foi. Eu confio em você e no seu
julgamento. Você saberá quem trazer à minha presença para ser julgado e quem deve ser
julgado sumariamente pela sua espada.
Viggo levantou e foi abraçar sua ex-comandante.

– Você sabe que sempre pode contar comigo.

Ela também se levantou para retribuir o abraço.

– O lado ruim é que o pagamento é pouco. Vocês receberão por mês o que conseguem
em um dia explorando uma masmorra. Mas vocês conseguirão muitos espólios e o que
for dinheiro sujo ficará como butim para vocês.

– Tenho que falar com o grupo antes dar uma resposta definitiva, mas acredito que eles
aceitarão.

– Eu tenho certeza que sim. – disse sorridente a Magistrada Chefe.

Quando Viggo ia abrir a porta para ir embora, Brunhild o chamou uma última vez:

– Só uma única exigência: vocês serão chamados de Guarda da Magistratura, você será
o Capitão e terão que usar uniformes.

O meio-elfo fez uma cara de resignação e ela complementou:

– Mas os uniformes de vocês serão negros.

Logmar sorriu.

A Guarda Negra de Dol Mordhar: Capítulo 2: Os Aventureiros

Exceto pelos orcs e pelos gnolls – embora estes últimos nunca sejam levados em
consideração – todas as raças inteligentes e civilizações de Isaldar não são da Sétima
Lua: elas vieram de Elária, chamada desde então de Mundo Primordial. Dois séculos e
meio atrás, uma entidade de poder incomensurável, chamada de “A Aniquilação”, veio
ao plano material com o único propósito de consumir toda a criação, começando por
Elária.

Os deuses desceram ao Mundo Primordial com suas hostes para lutar contra a entidade e
seus servos, e logo constataram seu imenso poder. Percebendo que não poderiam
derrotá-la, mesmo combinando todos os seus poderes e esforços, eles decidiram
aprisioná-la, usando para isso o próprio mundo de Elária e um poderoso ritual que
usaria seis das sete luas do Mundo Primordial para criar um selo místico, “O Selo das
Seis Luas”. A Sétima Lua, Isaldar, foi deixada de fora e escolhida como novo lar para as
raças e civilizações de Elária, e para lá elas foram levadas pela magia dos deuses ou por
meios mais sombrios.

Após levarem a última e mais numerosa de todas as raças, os humanos, os deuses


realizaram o ritual e foram bem sucedidos em aprisionar a poderosa entidade. Contudo,
alguma coisa aconteceu e os deuses tiveram suas almas consumidas ao final do ritual,
sendo todo o panteão morto e os seus corpos caíram com a maior parte de suas hostes
num cataclismo na Sétima Lua. Tal evento ficou conhecido como “A Queda dos
Deuses” e arrasou o coração do continente de Aldar, criando o deserto sobrenatural
chamado depois de “A Ferida”, destruindo onde antes florescia a civilização dos orcs e
os reduzindo à barbárie.

Muitos passaram a culpar os humanos pela tragédia divina, por terem sido a última raça
a ser trazida para Isaldar, e eles receberam a deselegante alcunha de “assassinos dos
deuses”. Apesar de tudo, não se chegou a se consolidar algum preconceito ou estigma
sobre os humanos por conta disso, mas a alcunha tornou-se notória e recorrente, e um
meio comum de se provocar um humano.

Os anos passaram e as raças de Elária foram se adaptando ao Novo Mundo. Dois


momentos foram especificamente traumáticos pára os recém chegados depois da vinda
do Mundo Primordial e a Queda dos Deuses: a primeira “Escuridão” e o primeiro
“Alinhamento”.

Com uma regularidade de uns poucos anos, Isaldar entra na sombra de Elária – que os
orcs dizem que se tornou sombria desde que a Aniquilação foi aprisionada, mesmo
quando está cheia nos céus – impedindo por completo a Sétima Lua de receber a luz dos
sóis gêmeos. Este período que felizmente dura apenas uns poucos dias, é chamado pelos
orcs de “A Escuridão”.
Durante a Escuridão, as criaturas do subterrâneo de Isaldar vêm à superfície em busca
de novas presas. Com a vinda das raças e civilizações de Elária, seu campo de caça se
tornou mais abundante. Não apenas criaturas bestiais e aberrações emergem durante a
Escuridão: predadores inteligentes e raças malignas do submundo também emergem
durante esses períodos para se banquetear com o sangue e o medo dos que vivem na
superfície. A primeira Escuridão enfrentada pelos povos vindos do Mundo Primordial
foi especialmente danosa, uma vez que havia ainda pouco contato com os orcs naquela
época – e na maioria das vezes não muito amistoso – e evidentemente os orcs não se
preocuparam muito em contar aos recém chegados o que acontecia durante a Escuridão.

Quando os novos habitantes do Novo Mundo pareciam já mais adaptados, uma nova
ameaça ainda maior se abateu sobre a Sétima Lua, nova inclusive para os orcs (e
gnolls). De tempos em tempos, as seis luas se alinham com Elária e Isaldar. Quando isso
acontece, o Selo das Seis Luas enfraquece, e a Aniquilação consegue tocar Isaldar com
o seu poder. Durante ao que foi chamado simplesmente de “O Alinhamento”, ela envia
alguns de seus servos mais poderosos para assolar o Novo Mundo, trazendo caos e
destruição desenfreada indiscriminadamente. Cidades inteiras são varridas do mapa e
muitos heróis deram suas vidas para derrotar tais ameaças.

Mas a Ferida não foi a única consequência da Queda dos Deuses. A morte do panteão
fez surgir por toda Sétima Lua, especialmente na Ferida, jazidas de um novo metal com
propriedades místicas, o “Metal Divino”. Além de ser um material de qualidade
superior, excelente para armas e armaduras, o Metal Divino possibilitou o surgimento de
uma nova arte arcana, a “Tecnomagia”. Essa mistura de tecnologia mundana com a
magia arcana nasceu no Império Melkhar, mas hoje está se espalhando por todo
continente de Aldar. Itens tecnomágicos são mais mundanos e acessíveis que os itens
mágicos normais e possibilitam maravilhas, como os fabulosos navios aéreos
melkharianos.

Além do Metal Divino, a morte dos deuses fez surgir os “Luminares”. Um Luminar é
um indivíduo que possui uma pequena parte da essência divina dos deuses mortos, a
“Centelha Divina”. Com os poderes que ela proporciona, um Luminar é capaz de feitos
assombrosos, mesmo para os mais poderosos magos. E o mais importante: os
Luminares são os únicos que podem ascender e se tornar novos deuses. Naturalmente há
aqueles que caçam e há aqueles que veneram os Luminares por isso.

Assim, a Sétima Lua é um mundo novo, repleto de perigos e mistérios, como as


inúmeras ruínas do Império Aldariano, um império que existiu há séculos em Isaldar,
muito antes da civilização dos orcs ascender, e que desapareceu misteriosamente,
deixando abandonadas suas cidades e edificações.
Passados dois séculos e meio desde a vinda dos povos de Elária, Isaldar ainda é
literalmente um novo mundo a se explorar, e os inúmeros grupos e companhias de
aventureiros são os que cumprem fundamentalmente essa tarefa, como a companhia de
Viggo Logmar, um Luminar meio-elfo, que comanda um grupo de veteranos da Guerra
dos Estandartes Sombrios.

* * *

– Então vamos bancar os guardas de cidade? – ironizou Gerolt antes de dar uma grande
dentada no pernil que devorava com satisfação. Todos já haviam terminado suas
refeições, mas o anão havia pedido mais um grande pedaço de carne.

– Eu fico imaginando o que vou dizer aos meus parentes: séculos de tradição arcana
eladrin rebaixados à guarda de cidade, e uma cidade humana ainda por cima… –
suspirou Valeran. Seus olhos sem pupilas, característicos de sua raça, davam a ele um ar
ainda mais distante.

Logmar deu uma leve risada diante dos comentários do anão e do eladrin. Ele e seu
grupo de aventureiros estavam terminando de almoçar no salão principal da bela
estalagem onde estavam hospedados. Na maioria das grandes cidades, esta seria uma
das melhores ou a melhor, mas em Dol Mordhar ela é apenas “acima da média”. Além
de ser a maior, a mais rica e mais antiga cidade mercante dos Principados Brilhantes, e
de fazer a conexão entre o comércio do oeste e do leste de Aldar, o Condado de Dol
Mordhar é o maior “centro de prazer” do ocidente, sem rival a oeste da Ferida. Claro
que não chega aos pés da Ilha de Zhao Khan ou das cidades de Shinmarash, mas o nível
de devassidão é bem acima de qualquer outra cidade do ocidente.

Embora o grupo de Logmar tenha condições de pagar pelo melhor, eles não queriam a
ostentação e os “excessos” que as melhores estalagens de Dol Mordhar podem oferecer.
Aqui onde estavam hospedados, na “Pérola do Condado”, eles tinham uma comida
excelente, sem o excesso de sutilezas dos temperos de Aryavarta, mas com um leve
toque deles, belas garçonetes sem estarem seminuas, e um conforto capaz de satisfazer o
eladrin Valeran, mas sem almofadas em excesso e prazeres carnais inclusos na diária.

O ambiente é fino, iluminado e harmonioso, mas sem ser exuberante. O leque de


iguarias e bebidas é amplo, capaz de agradar do delicado paladar dos eladrin ao gosto
rústico e acre de anões e meio-orcs. E o aroma do lugar se divide entre os belos arranjos
florais e as deliciosas comidas sendo preparadas na cozinha. O grupo estava sentado no
fundo do salão principal, mais afastado das demais mesas.
– Em princípio parecerá isso mesmo, pelo menos enquanto estivermos “limpando” e
mapeando as masmorras sob a cidade. Depois será questão de tempo até começarmos a
incomodar quem comando o crime em Dol Mordhar, e aí seremos qualquer coisa para
todo mundo, menos meros “guardas de cidade”.

– O pagamento é muito pouco. Mercenários com nossa experiência e reputação ganham


muito mais do que isso – ponderou Tarisha de forma veemente.

– Eu conversei com Brunhild sobre isso. Teremos moradia e alimentação por conta da
Igreja de Gotheintor, e ela irá fornecer todo equipamento adequado a “mercenários com
nossa experiência e reputação”, e estou falando de itens mágicos – respondeu sorrindo
para a halfling.

Os olhos de Tarisha brilharam ao ouvir “itens mágicos”. Embora halflings normalmente


não tivessem tal cobiça por tesouros desse tipo, Tarisha tinha essa predileção pessoal.
Viggo sabia que tinha acabado de convencer sua pequena amiga.

Quieta e prestando atenção em toda conversa, a tiefling Drusina apenas balançava a


cabeça afirmativamente sempre que Viggo falava. O meio-elfo sabia que ela iria até o
fim do mundo por ele.

– Acho que vou gostar de caçar criaturas no subterrâneo desta cidade. Ouvi dizer que
boa parte é construção aldariana, o que significa que podemos achar qualquer coisa lá
embaixo – o comentário de Garr significava que ele concordava. Esse era o jeito dele de
se posicionar sobre tudo.

– Se uma pessoa tão sublime como Brunhild se dispõe a uma tarefa tão mundana, a luz
de Ashkar-Mithrael também deve estar ao lado dela nessa empreitada – e esse era o jeito
de todo yaksha de se manifestar, e Kalyan, clérigo de Ashkar-Mithrael, não era exceção.

Logmar olhou para Gerolt levantando a sobrancelha esquerda. Conhecendo bem aquele
olhar, o anão interrompeu o seu “trabalho” com o pernil.

– Com mil gigantes! Não precisa ficar me dando esse seu olhar maldito, você sabe que
eu estou sempre com você, Viggo!

Então todos olharam para Valeran.


– Oh! Deuses mortos! Está bem, mas quero alguém para lavar os meus uniformes
negros e banhos aromáticos quentes. O cheiro do esgoto vai impregnar meus robes… E
a mim.

Gerolt e Garr balançaram a cabeça em repreensão, enquanto Logmar e os demais


gargalhavam. Viggo pegou sua taça e se levantou.

– Será providenciado, mestre da magia! Um brinde à Guarda da Magistratura!

Com certa rapidez, Gerolt pegou sua grande caneca de legítima cerveja anã e, subindo
em sua cadeira, corrigiu Logmar:

– Não, não. Um brinde à Guarda Negra de Dol Mordhar!

E sete taças e canecas bateram ruidosamente no ar.

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