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SÍMBOLOS 

SAGRADOS Ensaio
2010 Sadas
“É  graças  aos  símbolos  que  o homem sai de sua situação  particular e se ‘abre’ para o geral e o
universal.  Os  símbolos  despertam  a experiência  individual  e  transmudam­na  em  ato  espiritual,
em compreensão metafísica do Mundo” (Mircea Eliade).
A Água
Nos mitos  a água representa o estado primitivo e caótico do mundo. Tiamat existia como
um  abismo  de  águas  antes  de  ser  vencido  por  Marduk.  No  Gênesis,  as  trevas originais  eram
repletas de águas, tendo surgido depois a Terra sobre elas.
Simbolicamente,  a  imersão  em  água  representa  este  retorno  ao  estado  primitivo,  um
recomeço.  Em   contrapartida,  emergir  da  água  representa  o  renascimento,  o  erguer­se  de  um
novo   estado.  Por  isto  o  gesto  de  mergulhar  e  sair  da  água  simboliza  tanto  a  renúncia  de  um
estado passado como a aceitação de uma nova condição. Representa morte e renascimento.
Em  nível  cósmico, este ato simbólico pode ocorrer nos dilúvios universais, que purificam
o mundo, matando­o para fazer nascer um mundo renovado. Em nível individual, temos o ato do
batismo   que   representa  a  morte  do  devoto  para  sua  vida  passada  e  o  nascer  para  uma  nova
vida.
Sobre  o  batismo,  assim  falou  João  Crisóstomo: “Ele representa a morte e a sepultura, a
vida  e  a ressurreição... Quando mergulhamos a cabeça na água como num sepulcro, o homem
velho  fica  imerso,  enterrado  inteiramente;  quando  saímos  da  água,  aparece  imediatamente   o
homem novo”.
Os  padres  cristãos  não  tiveram  repulsa  ao  simbolismo  pagão   da  água,  antes
adaptaram­no  à  teologia  cristã.  Cirilo  de  Jerusalém,  por  exemplo,  identifica  a descida de Jesus
ao Jordão com o antigo duelo do Deus contra o Monstro marinho.
Diz  ele:  “O  dragão  Behemoth, segundo Jó, estava  nas águas e recebia o Jordão em sua
garganta.  Ora,  como  era  preciso  esmagar  as  cabeças  do  dragão,  Jesus,  tendo  descido  nas
águas,  atacou  a  fortaleza  para  que  adquiríssemos  o  poder  de  caminhar  sobre  os escorpiões  e
as serpentes”.
Justino  compara  o  batismo  de Cristo à vitória de Noé sobre o dilúvio. “O dilúvio era, pois,
uma imagem  que o batismo acabava de consumar... Assim como Noé havia afrontado o mar da
Morte,   onde  a  humanidade  pecadora  tinha  sido  aniquilada  e  do  qual  emergira,  também  aquele
que  se  batiza  desce  na piscina  batismal  para  afrontar  o  dragão do mar num combate supremo
e sair dele vencedor”.
A Terra
Assim  como   a  água,  a  terra  é  outro  símbolo  universal.  Em  oposição  à  água,  que
geralmente  remontava  a  divindades  de  destruição,  como  Tiamat,  a  terra  representa  a  Deusa
Mãe, deuses da fertilidade, entidades benéficas e criadoras.
O  hino  homérico  à  Terra  chama­a  de  “mãe  universal  de  sólidas   bases,  avó  venerável
que  nutre  em  seu  solo  tudo  o  que  existe”.  O  homem  primitivo,  vendo  que  as  plantas  brotavam
do solo, relacionou a Terra a uma Grande Mãe.
Da  mesma  forma,  a  decomposição  dos  mortos  sobre  o  solo  mostra  que  esta que gera
também  absorve   novamente  seus  filhos,  num  eterno  ciclo.   Esquilo  di,  nas  Coéforas,  que  a
Terra:  “dá  à  luz  todos  os  seres,  nutre­os  e  depois  recebe  deles  de  novo  o  germe  fecundo”.
Ainda  o  hino  homérico  diz:  “É  a ti que pertence o dar a vida aos mortais, bem como o tomá­ la”.
O homem veio do pó e ao pó voltará, foi a sentença de Deus no Gênesis.
Nascer  e  ser  depositado  no  chão  é  ser  aceito  pela  Grande  Mãe.  Muitos  povos  têm este
hábito  de por  no chão a criança parida (humi positio). Em egípcio demótico, “sentar­se no chão”
tem o mesmo significado de “parir” ou “parto”.
A  morte  é  o  reencontro  com  o  ventre  materno.  O  Rig  Veda   assim  se   dirige  aos  que
morrem:  “Rasteja  para  a  Terra,  tua  mãe”,  “Tu,  que  és  terra,  deito­te  na   Terra”.   Deposita­se,
portanto, tanto o recém­nascido quanto o moribundo.
Alguns  rituais  de  renovação  também  envolvem  a  terra.  Os   escandinavos  enterravam
vivas  as  feiticeiras  e  sobre  o  sepulcro  plantavam  e  colhiam   cereais,  como  uma  forma  de
purificar a alma dela e salvá­la da danação eterna.
Certas  tribos  indígenas  enterram  vivas  as  crianças  que  apresentam  defeitos ou  retardo
mental.  O  gesto representa  uma  cautela  para  evitar  males  à  tribo  ou  à  própria criança que não
será  tão forte quanto a outra para enfrentar  a vida.  Além disto, enterrá­la é como devolver à terra
a matéria prima para ser renovada.
Em  outros  grupos,  pratica­se  um  ritual  simbólico  de  enterramento.  O  iniciado é  coberto
por  folhas  em   um  buraco  ou  é  enclausurado  em  um  tonel  e,  ao  emergir deste  ventre  telúrico,
será um renascido.
As   culturas  antigas  que  valorizam  a  Terra  costumam  ser  matriarcais.  É  possível  que
tenha   sido  a  mulher  a  desenvolver  a  agricultura,  sendo,  portanto,  responsável  por  uma
revolução  social  grandiosa  para  a  tribo.  Também  o   fato   de  ser  a  mulher  quem  gera  o  filho
assemelha­a à Grande Mãe Terra.
Em   algumas  mitologias,  a  Deusa  sequer  precisa  de  um  parceiro   para   gerar  filhos.
Segundo  Hesíodo,  Gaia  gerou  de  si  mesma  a  Urano.  Por   outro  lado,  a  hierogamia  era  tão
necessária   que  Gaia  gerou  a  Urano  exatamente  para  unir­se  a  ele  em  matrimônio,  afinal,  o
casamento  humano  era  considerado  uma  imitação  do  casamento  dos  deuses.  No
Brhadaranyaka Upanishad o marido diz “Eu sou o Céu” e, para a esposa, “Tu és a Terra”.
A árvore
Por  seu   poder  de  regenerar­se,  crescer,  dar  frutos,  a  árvore  é   outro  grande  símbolo
universal.  Em  alguns  mitos,  como no  Gênesis,  ela  representa a  imortalidade e a sabedoria, em
outros, ela representa o cosmo, como a Yggdrasff germânica.
A  árvore,  alta  e  frondosa,  guarda  frutos preciosos, representando a busca do iniciado. O
herói  mítico  precisa  enfrentar  perigos  e  vagar  por  longas  distâncias  até  alcançar  uma  árvore
com frutos dourados ou de atributos especiais.
Não   apenas  a  árvore,  mas  diversos  tipos  de  vegetação  gozaram  de reputação  mística.
As  mandrágoras  eram  dotadas  de  poderes  mágicos  e  sua  forma  semelhante à  de  um  boneco
atraía  a  atenção.  Ervas  têm  poderes  curativos,  alucinógenos,  de  modo  que  algumas  tribos
bebem  chás   especiais  para  adentrar  no  mundo   espiritual.  A  maioria  das  plantas  que  hoje
cultivamos foi alguma vez considerada sagrada.
Outros símbolos
Por sua firmeza, impassibilidade, a pedra representa o imutável, o espírito que não se
deixa abalar, bem como a estabilidade da vida eterna.
A  lua  simboliza  os  ciclos  de nascimento,  apogeu  e  morte,  em  suas  fases.  “Em  geral, a
maior   parte  das  ideias  de  ciclo,  dualismo,  polaridade,  oposição,  conflito,  mas  também  de
reconciliação   dos  contrários,  de  coincidentia  oppositorum,  foram  descobertas  e  precisadas
graças ao simbolismo lunar”, diz Mircea Eliade.
O  sol,  por  sua  vez,  não  muda.  Não apresenta  fases e  não transmite ideia de ciclo e sim
de  perpetuidade.  O  sol  é  resoluto,  imutável  e  intenso.  Representa  o  espírito  vívido,  inteligente,
soberano.  O  sol é  o  rei.  Confúcio  já  fazia  esta  comparação.  E  baseava­se  neste  símbolo  para
argumentar  que,  assim  como  há  apenas  um rei no céu, deve haver apenas um rei a governar  o
povo.
Muitos  dos  grandes deuses  eram  solares  e  foram  cultuados  em  culturas  já  em  fase de
urbanização,  culturas  que  tinham  reis,  como  o  Egito  antigo  e  seu Atom ou os índios do México.
Na  Grécia,  Apolo,  representando  um  príncipe,  o  filho do rei Júpiter, é associado ao sol. O dia de
Domingo era celebrado pelos romanos em homenagem ao Sol Rei.
O  corpo  humano  também  assume  uma  série  de  assimilações  com  os   elementos  do
cosmo.  Os  olhos simbolizam sol e lua, o fôlego simboliza o vento, os ossos são as pedras e os
cabelos as ervas. O ventre feminino é em muitas culturas comparado às grutas ou à terra que
recebe a chuva, o sêmen masculino. Mircea Eliade chama a estas correspondências de
“antropocósmicas”. Assemelham­se as características humanas aos elementos cósmicos.
A casa, assim como o corpo, é um símbolo cosmológico. Na verdade,  a casa é como se
fosse  um  segundo  corpo  e  o  corpo  é  como  se  fosse  a  casa  da  alma.  A  literatura  religiosa
contém  muitas  comparações  para  o  nascimento  como  a   entrada  do  espírito  numa  casa  e  a
morte como a saída desta.
Os  olhos  são  considerados  a  janela  da  alma  e  o  topo  do crânio  é  a  chaminé,  para  os
indianos,  tanto  que  os  iogues  costumam  quebrar  o  topo  do crânio de seus mortos para facilitar
a  saída  da  alma.  A  prática  de trepanação nas tribos indígenas da América Central, pode ser  um
eco da ideia de que a alma pode sair pelo topo da cabeça.
Um  elemento  da  casa  muito  rico  em  simbolismo  é  a  porta.  Atravessando  a  porta,  o
homem  religioso  sentia­se  protegido  contra  demônios  que  não  podiam  ultrapassar  o  limiar  da
casa.  Ela   também  simboliza  o  renascimento  ou  ritual  de   passagem  do  iniciado.  Entrar  pela
porta  é   iniciar­se   nos  mistérios  religiosos,  começar  a  caminhada  sagrada.  Nos Evangelhos,  a
porta  para  o  iniciado  é  estreita,  indicando  que  o  caminho  sagrado exige  um  comprometimento
que o homem profano não suporta.
Semelhante  à  porta,  a  ponte  representa  também   uma  passagem,  sendo  muito  usada
pelas  religiões  que  creem  em  inferno  ou  céu.  Na  mitologia  iraniana,  a  ponte  Cinvat  é  usada
pelos  mortos  e  torna­se  larga  para  os  justos  e  estreita  para  os  ímpios,  deixando­os  cair  num
abismo.
Nos  mitos   de  cavalaria,  Lancelot  precisou  atravessar  uma  ponte   fina  como  fio  de
navalha.  O  sofrimento  do  herói  serve  de  modelo  aos  que  querem  trilhar a  senda  da  evolução
espiritual.  Na  mitologia  nórdica,  a  ponte  separa  Asgard  de  Midgard,  o  mundo dos deuses e dos
humanos.
Ensaio baseado na obra O Sagrado e o Profano, de Mircea Eliade. Imagem de capa: Homem
Vitruviano, de Leonardo DaVinci
Publicação: Sadas Editora sadaseditora@hotmail.com www.scribd.com/SadasEditora
www.sadas.com.br/
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