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Liderança em uma empresa familiar: um estudo de caso

Recentemente recebi um empresário de 29 anos, herdeiro de uma


promissora administradora de condomínios que, apesar do momento
econômico, ampliou em 25 por cento sua carteira de clientes nos últimos
três anos. Ele, solteiro, reside no RJ com os pais e duas irmãs mais
jovens.

A organização em questão, conta com 20 funcionários, já carece de


novas instalações e sobretudo de ferramentas de gestão mais
atualizadas. Porém, a grande preocupação deste jovem a quem
chamaremos de Rui, é a transição de comando ‘súbita’ que seu pai, o
fundador e presidente da empresa quer promover, designando-o como o
principal dirigente da empresa familiar. Nas palavras de Rui: ‘meu pai
quer que eu assuma todas as responsabilidades, que eu seja o líder,
porque ele já está cansado e quer ficar tranquilo de que os negócios da
família vão continuar prosperando’.

A razão pela qual Rui veio se consultar comigo é o medo que ele está
experimentado diante da iminência de assumir toda a empresa pois, ‘ele
não se considera preparado’, ‘acha que não entende suficientemente a
dinâmica do negócio’ e, principalmente, ‘não tem a desenvoltura do pai
para ditar ordens’.
Principais dificuldades de Rui como líder da
empresa familiar
Ao longo do trabalho com meu cliente fomos identificando suas
principais dificuldades:

1. Rui confessa que teme fracassar no papel de principal dirigente,


o que poderia gerar prejuízos ou até leva-los à falência,
hipótese que para ele seria insuportável, pois não se imagina
trabalhando como um empregado;
2. Na época, Rui comandava o setor de maior responsabilidade na
empresa, segundo ele próprio, o qual não ‘rodava’ sem a sua
presença constante e não havia ninguém preparado para
substitui-lo;
3. Ele resistia em cobrar tarefas ou resultados de pessoas mais
experientes ou mais qualificadas do que ele assumindo seu
desconforto pelo fato de ele próprio ainda ser um estudante;
4. Sempre que precisou tomar uma decisão sozinho e que não
dizia respeito ao seu setor, foi uma experiência traumática,
porque ele não teve a certeza se, de fato, tomou a decisão
certa;
5. Quando ocorria algum problema envolvendo a equipe sendo
necessário apurar ‘erros’ ou responsabilidades, era o pai quem
pessoalmente conduzia as reuniões e quem dava a palavra
final. ‘Esta é uma característica dele’ explica Rui – ‘Meu pai não
aguenta não falar’.

Minha intervenção centrou-se nos encontros com ele no meu consultório


e por vídeo conferência, além de algumas visitas à empresa.

É muito pertinente a preocupação de Rui quanto à sua habilidade de


liderança, pois, o simples fato de ser ele o primeiro na linha sucessória
da organização, não lhe garante a capacidade de comandar a equipe.
O nome num lugar privilegiado no organograma não assegura o
envolvimento dos demais. A credibilidade independe da autoridade
herdada.
Não há um modelo correto ou padronizado de liderança, sobretudo
porque quem dá sustentação à posição do líder é a equipe liderada e
esta varia conforme o ambiente, a cultura, a época e os valores morais
dos envolvidos, entre outros aspectos. Alguma característica particular
observada na pessoa do líder deverá ser motivo de inspiração para
grupo. Já em 1921 em sua obra Psicologia de Grupo e A Análise do
Ego, Freud, o pai da psicanálise, ensinava que um grupo não é apenas
um agrupamento ou o somatório de pessoas, mas sim, se constitui por
indivíduos que estariam vinculados e identificados entre si por um
objetivo comum e que também se identificariam com a
figura idealizada do líder, o qual para Freud, só é líder se houver essa
identificação. Existe, portanto, um forte vínculo de sentimentos que
torna coeso o grupo.

Como trabalhar as dificuldades e despertar


em Rui a capacidade de liderar?
Partindo dessas premissas e a das cinco grandes questões apontadas
acima por meu cliente, a pergunta que ressalta é: como despertar em
Rui uma capacidade tal de inspirar e guiar sua equipe?

O presente caso despertou inúmeras possibilidades que não se esgotam


neste estudo. Resolvemos nos concentrar nos cinco pontos e propor
discussão sobre eles:

1. Rui confessa que teme fracassar no papel de principal


dirigente
A constatação de que meu cliente teme fracassar como gestor e rejeita a
possibilidade de ter que trabalhar como empregado de terceiros, reforça
a certeza de que ele se identifica com o negócio da família e que
portanto não cogita abandonar a empresa em busca de outra realização
profissional ou vocação. Logo, procurei ressaltar junto a ele o lado
positivo de sua vocação empreendedora a qual é, por si mesma,
indicativa de potencial liderança, apesar da ansiedade observada em
decorrência de incertezas futuras;

2. Rui comandava o setor de maior responsabilidade na


empresa e não havia ninguém pronto para substitui-lo
Um gestor que não prepara seus sucessores não se disponibiliza para
assumir novos desafios. Após algumas interlocuções, ficou claro para ele
o quanto estava se apegando à antiga tarefa como uma forma de se
proteger e também de se justificar por não assumir missões maiores. É
muito frequente nas organizações, em todos os níveis hierárquicos, a
centralização do conhecimento por parte dos funcionários. Por medo de
serem desligados, muitos, simplesmente não ensinam o trabalho que
executam, ou o fazem de maneira parcial – omitindo o ‘pulo do gato’.
Para Rui não havia ameaça de demissão, logo, ele estaria apenas
adiando sistematicamente a transferência do conhecimento e sabotando
tanto a si mesmo quanto à organização. Com o tempo, deu início ao
treinamento de um substituto, passando a praticar o que ele próprio
chamou de desapego;

. Rui resistia em cobrar tarefas ou resultados de pessoas


mais experientes ou mais qualificadas
É comum quando da formação de suas equipes alguns gestores
cuidarem de selecionar pessoas menos qualificadas do que ele próprio.
Conheci graduandos de engenharia que não admitiam ter em seus
quadros engenheiros já formados, pois o currículo deles (gestores)
deveria ser sempre ‘superior’. Tal postura prejudica a empresa limitando
a formação do seu potencial intelectual. O que está em jogo aqui, é o
pavor de ser substituído ou suplantado pelo outro, pavor este, baseado
em um modelo mental de comparação e exclusão de uma possível
ameaça.

É importante que os líderes tenham em mente que eles nunca


dominarão a totalidade dos conhecimentos requeridos pela organização,
devendo abrir espaço para que outros talentos também se agreguem e
se destaquem podendo dividir as responsabilidades, os sucessos e os
fracassos de cada empreitada.

Procurei trabalhar com meu cliente sua insegurança em atribuir tarefas.


Concordamos que ele deveria se concentrar primeiro em dominar o
negócio principal da empresa, deixando as áreas de apoio sob
responsabilidade direta dos demais líderes, implantar gradualmente a
cultura de transparência na gestão das informações, com elaboração de
procedimentos escritos para formalizar e democratizar o conhecimento e
estabelecer reuniões e auditorias periódicas para seu melhor
funcionamento.

4. Rui teve experiências ruins ao tomar decisões sozinho


Gestores estão a todo momento sendo convocados a tomar decisões o
que também significa fazer escolhas. Tarefa aparentemente simples mas
que demanda muita energia mental, pois, decidir implica em optar entre
múltiplas possibilidades, tendo que abdicar das outras, porém, renunciar
não é um ato espontâneo do ser humano, podendo ser muito cansativo.
Além do mais, o receio de tomar uma decisão errada e de direcionar a
empresa para um caminho indevido, está na base do estresse do líder,
sobretudo se ele tiver que agir rápido e repetidas vezes num curto
período. Sua função se torna tão mais árdua quanto maior for sua
dificuldade em delegar responsabilidades, ou seja, se ele for
centralizador.

No presente caso, Rui se queixa de ter que decidir sozinho. Ora, a


decisão não precisa ser um ato solitário. É importante que o líder
convoque os especialistas ou as pessoas que tenham conhecimento de
determinado assunto para se aconselhar com elas. Esse tipo de liderança
é chamada democrática,  valoriza a equipe e é a mais comum nas
organizações modernas. Há que se considerar a confidencialidade dos
assuntos antes de envolver outros atores e sempre será facultado ao
líder tomar a decisão final, mas, para isso a equipe deverá alimentá-lo
de informações de qualidade. Decisões tomadas no calor da emoção ou
sob a pressão dos eventos, invariavelmente redundam em posições
precipitadas com consequente arrependimento. A decisão compartilhada
minimiza a probabilidade de erro e reduz o sentimento de insegurança,
além de produzir aprendizado no grupo.

Rui ainda se sentia a sombra do pai em reuniões de


resolução de problemas
Nenhum líder é eterno. Sua posição é perene e depende da crença e
do suporte dos seus liderados. Da mesma forma que são alçados à
condição de líderes ou de heróis, eles são depostos, destituídos de seu
lugar simbólico. A história está repleta de exemplos de grandes homens:
na política, nas corporações ou nas religiões, que com o passar dos anos
foram esquecidos, relegados e até traídos por quem um dia os admirou
e os seguiu.

É importante que cada líder tenha o seu próprio cabeça a quem deva se


espelhar, da mesma forma que precisa ter percepção de sua condição de
transitoriedade. Assim, poderá, com mais facilidade, ‘passar adiante’ o
bastão do poder no momento certo. No presente caso, o líder
pai demanda ao filho que assuma sua posição de comando, mas ao
mesmo tempo não abre mão do exercício diário de chefiar a equipe e
sente necessidade de dar a última palavra inibindo assim a emergência
da credibilidade que falta ao substituto perante a equipe.

Muitas vezes é necessário um forte exercício de generosidade para


renunciar a sua vez de falar e perceber que é a vez de ouvir – em prol
do líder que você quer ver formado. Ainda que a decisão tomada pelo
novo comandante não seja aquela que você tomaria, o ato de apoiá-lo
publicamente transforma-se num forte combustível para a formação da
autoconfiança dele. Haverá a oportunidade de dizer-lhe em reservado:
‘não quis contestar sua decisão, mas que tal esta possibilidade?’. Os
líderes de uma organização não devem estabelecer uma competição de
egos, mas sim cooperarem entre si, resguardando a empresa como seu
propósito maior.

Principais atributos de comando para o


provável perfil de um líder
Ora, restou assim, a partir das situações que se apresentaram, tentar
listar e conceituar com meu cliente alguns possíveis atributos
de comando, para, a partir daí, compor o provável perfil de um líder:

 Compreensão superior sobre um determinado assunto ou


negócio, mas preservando sempre a postura de humildade em
relação ao conhecimento do grupo;
 Autoconfiança suficiente para inspirar, a partir de suas próprias
atitudes, a confiança nos demais e ser o depositário das
expectativas deles;
 Capacidade de influenciar, o que implica em poder comunicar-
se com os seus liderados – falar a mesma língua destes;
 Saber ouvir: desenvolver uma capacidade de escuta suficiente
para permitir ao outro também se posicionar;
 Adotar uma postura de coerência e congruência, ou seja, suas
atitudes devem condizer com o seu pensamento e com o que
apregoa e fala pelos corredores;
 Perceber o momento adequado de corrigir/retificar atitudes
indesejadas e apontar soluções desejáveis;
 Dar retorno positivo preferencialmente de forma coletiva, como
reconhecimento das atitudes acertadas dos liderados;
 Punir ou premiar com justiça, quando isto se fizer necessário,
mas nunca expondo um colaborador ao constrangimento
pessoal;
 Estar aberto para acolher o seu liderado em situações que
fujam a regra e quando o sofrimento dele for manifesto;
 Temperamento determinado: adotar postura e atitudes que
respeitem um certo direcionamento porém sem receio de voltar
atrás e retificar velhos posicionamentos;
 Ter ele próprio o seu líder a quem possa se referenciar e
consultar, ciente da condição de transitoriedade de qualquer
liderança;
 Apaixonar-se o mais que puder pelo seu ofício, negócio ou
causa.

Naturalmente, liderança se adquire na prática, não é um saber inato e o


líder não se forma de maneira instantânea em poucas lições. Ao
contrário, ele percorre passo a passo seu caminho, movido por desejo
próprio, sempre aprendendo enquanto também ensina, sendo generoso
e ético e às vezes refazendo o trajeto, mas imprimindo sua marca e
maneira particular de conduzir.

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