Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Neste texto serão discutidas e apresentadas propostas de experiências musicais que já acon-
tecem em escolas brasileiras. Tais experiências podem estar no currículo ou como atividade
extraclasse, dependendo do contexto. Em ambos os casos, as propostas educacionais com
música oferecem o acesso a experiências que contribuem para a formação dos estudantes, e
tais contribuições serão também aqui tratadas.
Este texto tem como objetivo apresentar aula. Cada licenciando desenvolve seu proje-
exemplos de práticas de ensino de música to individualmente, em uma escola ou outro
realizadas em escolas de educação básica. espaço educativo. As práticas apresentadas
Trata-se de práticas desenvolvidas por al- neste texto aconteceram em diferentes se-
24
guns dos alunos do Curso de Licenciatura mestres, entre os anos de 2005 e 2009. No
em Música da Universidade Federal do Rio entanto, foram orientadas pelos mesmos
Grande do Sul, durante seu estágio super- princípios, dentre os quais destaco as con-
visionado, e por mim orientadas. O estágio cepções de ensino e de ensino de música e a
supervisionado, em que tiveram origem as forma de organizar o ensino com que vimos
práticas de ensino a serem apresentadas, trabalhando.
compreende um conjunto de atividades para
a atuação do professor, envolvendo desde a Para Basabe e Colls (2010), educadoras ar-
aproximação e interação com o contexto gentinas, “ensinar é uma ação orientada a
educativo até o planejamento, a execução e outros e realizada com o outro” (p. 144), o
a avaliação das atividades docentes em mú- que envolve um processo de comunicação
sica em contextos específicos. São realiza- e, também, dedicação, zelo, cuidado em
dos encontros semanais, em grupo, quando relação ao aluno, “uma preocupação pela
são discutidos coletivamente os projetos de pessoa do aluno e pelo que ele pode chegar
ensino, bem como os planos e relatórios de a ser” (p. 146). “O ensino envolve, pois, um
1 Doutora em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora associada da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS.
encontro humano. Porque ensinar é, em de- nadas finalidades, sejam aquelas definidas
finitivo, participar no processo de formação pelo próprio professor, sejam aquelas defi-
de outra pessoa, tarefa que só pode ser feita nidas pela escola, pelos governos ou demais
em um sentido pleno com esse outro” (p. âmbitos da sociedade.
146).
Há várias formas de organizar o ensino de
Nesse encontro, cabe ao professor “desem- música nas escolas. Uma delas é aquela que
penhar um papel de mediador entre os es- parte de uma listagem prévia de conteúdos.
tudantes e determinados saberes” (Basabe; São definidos os elementos que constituem
Colls, 2010, p. 147). A tarefa do professor a música (como timbre, melodia, inten-
“consiste em ajudar [os alunos] a introduzir- sidade, por exemplo) e, a partir deles, são
se numa comunidade de conhecimento e de propostas atividades diversas, com seus res-
capacidades, em proporcionar-lhes algo que pectivos objetivos. Outro caminho é definir
outros já possuem” objetivos de apren-
(Stenhouse, 1987, dizagem e, a partir
Ensinar música é mediar as
apud Basabe; Colls, deles, os conteúdos
2010, p. 147). Nos
relações das pessoas com a serem ensinados.
processos de ensino, a música, visando facilitar O professor pode 25
portanto, o aspecto e promover aprendizagens estabelecer, por
central é a pessoa, e musicais. exemplo, que os
não o objeto em si; a alunos deverão ser
relação com o saber, capazes de execu-
e não o saber; e a relação sempre depende tar padrões rítmicos e melódicos simples
do sujeito (ver D’Amore, 2005). e cantar em grupo canções diversas. Com
base nesses objetivos, planeja e desenvolve
Ensinar música é mediar as relações das um conjunto de atividades, que ajudarão os
pessoas com a música, visando facilitar e alunos a atingir esses padrões.
promover aprendizagens musicais. Essa
mediação é “marcada tanto pelas caracte- Outra forma de organizar o ensino de músi-
rísticas do conhecimento a transmitir como ca é definir atividades ou eixos que deverão
pelas características de seus destinatários” nortear as ações do professor e dos alunos.
(Basabe; Colls, 2010, p. 126). Em contextos Essa forma pode ser identificada nos Parâ-
formais, como a escola, ela deve ser feita de metros Curriculares Nacionais para o Ensi-
modo organizado, a partir de certas inten- no Fundamental, elaborados pelo Ministério
ções, com o propósito de alcançar determi- da Educação, em 1997, que estabelecem três
eixos norteadores das práticas de ensino e sentativos das culturas infantil e juve-
aprendizagem: a produção, a fruição e a re- nil, tão negligenciadas pela escola. Para
flexão. São esses eixos que norteiam a de- Miguel Arroyo (1994), a proposta é que
finição dos conteúdos do ensino das artes. este currículo seja construído a partir
da definição coletiva de temas – chama-
Não há nada de errado com os conteúdos, dos pelo autor de ‘temas transversais’
objetivos ou eixos propostos. O que parece – que representem as questões e os pro-
problemático é que, nos casos acima, o ensi- blemas colocados pela atualidade para
no é pensado e organizado somente a partir os homens, mulheres e crianças de nosso
da música como área ou disciplina. O foco tempo (Xavier, 2000, p. 5).
está no objeto, e não na pessoa ou nas pes-
soas a quem se destina o ensino. Nesses ca-
Essa citação deixa claro que a proposta não
sos, a mediação entre aluno e música (que
é abandonar as disciplinas curriculares –
caracteriza o papel do professor) é organi-
isto é, os saberes sistematizados, acumula-
zada tomando como eixo apenas um desses
dos pela humanidade, que são exemplifica-
elementos – a música. A relação entre aluno
dos nos conteúdos e atividades que vimos
e música – objeto central do ensino – não é
nos exemplos anteriores, específicos da área
explicitada.
de música. Também não se defende que os 26
2000, a educadora Maria Luisa Xavier obser- cias proporcionadas, pelos problemas cria-
planejamento seja desenvolvido atra- tida por diversos educadores para concreti-
vés de temáticas significativas que se- zar esses ideais é a chamada pedagogia de
jam objeto de desejo de conhecimento projetos (que também pode ser nomeada
cando-as – e capazes de dar conta dos senvolvida por diversos autores, entre eles,
chamados ‘saberes não escolares’ repre- Ovide Decroly, John Dewey, Willian Kilpa-
trick, Lawrence Stenhouse, Jerome Bruner, Esse acompanhamento é fundamental
Fernando Hernández, Jurjo Torres Santomé, porque um dos alertas que alguns que já
Josette Jolibert e Miguel Arroyo. Como expli- implementaram a Pedagogia de Projetos
ca Burnier (2001), fazem é para o risco de aligeiramento do
ensino, com redução ou superficialidade
A ideia central da Pedagogia de Projetos das informações acessadas pelos alunos
é articular os saberes escolares com os ou com foco principal no desenvolvimen-
saberes sociais de maneira que, ao estu- to de competências (saber fazer) sem a
dar, o aluno não sinta que aprende algo necessária fundamentação científica
abstrato ou fragmentado. O aluno que (…). (Burnier, 2001).
compreende o valor do que está apren-
dendo desenvolve uma postura indispen- Jolibert (1994, apud Xavier, 2000, p. 22) iden-
sável: a necessidade de aprendizagem. tifica três tipos de projetos:
Assim, o professor planeja as atividades
• projetos referentes à vida cotidiana – or-
educativas a partir de propostas de de-
ganização da sala de aula, divisão do tem-
senvolvimento de projetos com caráter
po, organização do espaço, elaboração
de ações ou realizações com objetivos
das normas de convivência, seleção de 27
concretos e reais (…).
atividades, divisão de responsabilidades...
Para explorar a intensidade da voz durante a escola privada de Ensino Fundamental, com
execução de algumas canções, a professora uma turma de 5ª série (atual 6º ano), com 19
confeccionou cartões coloridos com indi- alunos, ao longo de 11 aulas. O tema foi es-
cações de dinâmica, utilizando os símbolos colhido pela professora a partir do interesse
convencionais (pp = pianíssimo ou muito su- dos alunos por uma música de um comer-
ave; p = piano ou suave; mf = meio forte; e f = cial de televisão.
forte). A empolgação dos alunos em cantar
forte levou a professora a trabalhar os cuida- O projeto foi iniciado com a execução da
dos com a voz e a maneira mais adequada de canção em grande grupo, com acompa-
procurar emitir os sons. nhamento ao violão feito pela professora.
Logo em seguida, a professora pediu que
Os cartões de intensidade também foram os alunos, em pequenos grupos, tentassem
utilizados como ponto de partida para uma tirar uma parte da música de ouvido, utili-
zando a flauta doce. Para auxiliar os alunos, músicas ouvidas, oportunidade para gerar
a professora indicou as notas das melodias uma discussão sobre as funções da música
de algumas sílabas das palavras da canção. na vida das pessoas.
A partitura da melodia foi posteriormente
trabalhada com os alunos, destacando figu- A apreciação musical serviu de base para a
ras e padrões rítmicos. A professora também atividade seguinte, em que a professora le-
criou um arranjo para a canção. A canção foi vou músicas instrumentais pouco conheci-
executada pelos alunos em várias aulas no das pelos alunos para que, em grupos, eles
decorrer da realização do projeto, intercala- criassem um comercial para um produto,
da a outras atividades. Em uma dessas aulas, que “combinasse” com a música ouvida.
alunos e professora discutiram e experimen- Cada grupo apresentou seu comercial para
taram como pode- os demais colegas,
riam mudar o caráter e o grande grupo
O tema do projeto auxilia
expressivo da canção, discutiu a adequa-
a definir um fio condutor
modificando inten- ção de cada música
sidade, andamento
para nossas aulas, pois em relação aos co-
e instrumentos, por permite estabelecer merciais criados.
exemplo. ligações entre as várias 31
diversas atividades que acontecem na sala tim por tintim. São Paulo: Editora Moderna,