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FALANDO DE CONTROLE DE EMISSÕES

EM MOTORES DIESEL

Quando o assunto é poluição, existe sempre a polêmica de ―quem polui


menos‖, do ciclo do carbono e a chamada ―histeria carbônica‖ (termo cunhado
pelo Fernando Calmon e sempre repetido pelo Bob Sharp — visão essa que
compartilho) e um dos assuntos mais discutidos é relativo à poluição dos
motores de ciclo Diesel, em especial de uso automobilístico.

Trata-se de um assunto abordado na maior parte das vezes de maneira


ideológica, onde existe um ferrenho combate aos combustíveis fósseis e, de
uma maneira bastante intransigente, aos motores de ciclo Diesel em
automóveis, uma vez que na Europa há países com mais da metade da frota
queimando diesel.

Esse texto está bem longe de ser técnico, até porque ficaria muito cansativo e
o autor dessas linhas não possui a formação técnica para discorrer sobre
detalhes técnicos, mas tem o objetivo de apresentar um pouco das emissões
diesel e as estratégias adotadas pelos fabricantes de veículos e motores Diesel
visando a sua redução, enfocando motores de maior porte usado em veículos
comerciais.

Ao contrário do ciclo Otto, onde o combustível é injetado em proporções


visando a estequiometria ideal, no Diesel o ar é comprimido dentro do cilindro
atingindo elevadas temperaturas. Neste momento, o combustível é injetado e
em decorrência da temperatura do ar no interior da câmara, inicia o processo
de combustão num processo onde há o excesso de ar.

Considerando que o ar é altamente comprimido no interior do cilindro e que o


poder calorífico do diesel é superior ao da gasolina e do álcool —
principalmente deste, mais uma razão que inviabiliza o ―caminhão a álcool‖—,
temos no ciclo Diesel um elevado rendimento térmico, rendimento este que
representa a quantidade de energia contida no combustível convertida em
energia mecânica.

Por causa dessas particularidades, as emissões diesel são bastante diferentes


das emissões dos motores de ciclo Otto. Nos motores a gasolina há a
predominância de emissão de hidrocarbonetos (HC) de cadeia aromática e
monóxido de carbono (CO). No ciclo diesel, por outro lado, há a predominância
dos óxidos de nitrogênio (NOx, que compreende o NO, monóxido de nitrogênio,
e o NO2 , o dióxido de nitrogênio) e material particulado (fuligem, a popular ‖
fumaça preta‖).

Uma questão bastante relevante no quesito emissões e era especialmente


grave no caso do diesel é a emissão de óxidos de enxofre, extremamente
prejudiciais a saúde. Essa questão era crítica porque o diesel possuía uma
elevada quantidade desse componente. No passado o diesel possuía 2.000
partes por milhão (ppm) de enxofre, hoje foi reduzido para apenas 10 ppm.
Comparado com o ciclo Oto, o Diesel até recentemente era muito mais ―sujo‖
que a gasolina, entretanto os motores Diesel tiveram um salto grande em
termos de tecnologia e hoje são tão limpos quanto os melhores motores de
ciclo Otto.

Contudo, na Europa existe uma massiva campanha contra o diesel: o carro a


diesel que era visto como menos nocivo ao meio ambiente devido a menor
emissão de CO2, melhor aproveitamento térmico e a não emissão de
hidrocarbonetos, passou a ser visto como vilão em decorrência dos óxidos de
nitrogênio e do material particulado e atualmente existe uma extensa e massiva
campanha contra o diesel no Velho Mundo, mesmo ignorando a redução para
níveis quase zero de NOx e material particulado dos motores modernos e a
razão principal é a incapacidade de suprir quantidades crescentes de diesel
demandado pelos automóveis, transparecendo existir viés ideológico por trás
da questão ambiental. No ano 2000, de acordo com a ACEA (Associação
Europeia dos Fabricantes de Veículos) 32,8% dos 14,31 milhões de carros
novos vendidos na União Europeia eram movidos a diesel, enquanto que no
ano de 2014, esse valor subiu para 53,6% dos 11,66 milhões de carros.

O país europeu que mais consumiu carros a diesel em 2014 em termos


porcentuais foi Luxemburgo, com 72% dos 49,79 mil carros vendidos.

A melhoria na qualidade do diesel foi fundamental para a queima mais limpa do


combustível nos motores. A elevação do número de cetanos do diesel
(velocidade de queima do combustível na câmara, do momento da injeção na
câmara à queima total; quanto maior o número, maior a velocidade de queima)
permitiu uma queima mais completa do combustível e juntamente com a
eliminação a quase zero do enxofre na formulação do combustível
praticamente eliminou as emissões de óxidos de enxofre, grandes
responsáveis pela chuva ácida.

No Brasil existe hoje dois tipos de diesel: o diesel comum com 42 cetanos e até
500 ppm de enxofre (o chamado S-500, antigamente conhecido como diesel
metropolitano, vendido nas capitais), e o S-10 com 48 cetanos. Existe também
o diesel Podium de 51 cetanos.

O antigo diesel interior, chamado de S-1800 (1.800 ppm de enxofre) deixou de


ser comercializado para uso rodoviário.

Além dos inconvenientes e da toxidade dos óxidos de enxofre no ambiente, a


presença de combustível com enxofre nos motores de ciclo Diesel modernos
criaria um problema de apodrecimento do sistema de escapamento como um
todo (incluindo os catalisadores): com os sistemas de oxi-redução presente nos
escapamentos dos modernos motores Diesel, os óxidos de enxofre oriundos da
queima do combustível invariavelmente se transformaria em ácido sulfúrico
dentro do escapamento!
MELHORIAS NA INJEÇÃO DE COMBUSTÍVEL

Antigamente a injeção de combustível nos motores a diesel empregava


bombas injetoras mecânicas, seja no sistema Bosch (em linha, por pistões),
seja as rotativas do tipo CAV.

Bomba Bosch em linha do motor MWM D-229/4

Hoje, eletrônica nos motores Diesel permitiu um elevado grau de precisão na


injeção de combustível no motor. Os sistemas de injeção eletrônica de diesel
do tipo ―common rail‖ permite uma injeção sob altíssima pressão na câmara
(valores que podem chegar a até 2.100 bar!), permitindo múltiplos pulsos de
injeção (chega-se a 5 injeções por ciclo, com milissegundos de diferença entre
os pulsos) e isso permite uma queima uniforme do combustível. Somente isso
já tem-se uma redução drástica na emissão de particulados e o melhor
aproveitamento do combustível, melhorando o desempenho do motor.
Esquema de funcionamento do sistema common rail .
(http://4.bp.blogspot.com)

DIESEL OXIDATION CATALYST , OU CATALISADOR DE


OXIDAÇÃO DIESEL

Montado antes do filtro de partículas (ou então em uma única peça conjugada),
o catalisador de oxidação é o responsável pela oxidação dos gases e material
particulado emitidos pelo sistema de escapamento. É o primeiro sistema por
onde os gases serão efetivamente tratados.
Imagem de um catalisador de oxidação combinado com o filtro de partículas,
que veremos adiante.
(http://daejimetal.en.ec21.com)

FILTRO DE PARTÍCULAS (OU DPF – DIESEL


PARTICULATE FILTER)

Para o controle de emissão do material particulado residual, emprega-se um


filtro de partículas que atua como uma ―armadilha‖ para a fuligem.
O filtro de partículas: a diferença de pressão na entrada e na saída do filt ro
determinará, eletronicamente, o momento certo da ―regeneração‖ do filtro .
(http://www.2max.eu)
Quanto ocorre a saturação do filtro por excesso de partículas, a própria
eletrônica do motor se encarrega de proceder à limpeza, num processo
conhecido por ―regeneração‖. Nesta situação, o motor passa a trabalhar com
uma temperatura mais alta nos gases de escape visando ―queimar‖ as
partículas internas no filtro de partículas. Após algumas centenas de milhares
de quilômetros entretanto, pode ocorrer do sistema de regeneração de gases
não ser mais o suficiente para manter o filtro de partículas limpo, tornando-se
necessário a remoção e limpeza do filtro e em alguns casos, até mesmo sua
substituição.

Veja no vídeo abaixo um dos problemas que levou a uma revocação (recall)
nos Estados Unidos: o motor International Powerstroke V-8 de 6,4 litros que
equipou a F-250, durante o processo de regeneração do filtro de partículas,
tinha um aquecimento tão grande que o escapamento virava um maçarico!

CONTROLE DOS ÓXIDOS DE NITROGÊNIO

Para controle de emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), os fabricantes de


veículos e de motores recorreram a duas estratégias distintas para o
atendimento dos limites de emissões estabelecidos pelo EPA 2010 (EPA é a
Agência de Proteção do Meio Ambiente dos Estados Unidos) e para as normas
Euro 5 (atualmente em vigor no Brasil). Dessa maneira, os fabricantes, além
dos filtros de partículas, tiveram de recorrer ao pós-tratamento de gases de
escapamento ou então a recirculação desses gases conjugados a
catalisadores.

PÓS-TRATAMENTO DE GASES

Estratégia adotada por quase a totalidade dos fabricantes e veículos


comerciais e motores Diesel de maior porte, o pós-tratamento de gases
consiste na adição de amônia, um agente redutor, retirando o oxigênio das
moléculas de NOx, transformando-as em N2 (nitrogênio) e H2O (água).

Trata-se de um sistema simples que consiste basicamente em um reservatório


do liquido redutor (no caso, ureia a 32%, que no país chamamos de Arla 32)
que conjugado com a eletrônica do motor, injeta pequenas quantidades desse
líquido no sistema de escapamento, antes do catalisador de redução seletiva e
é nesse catalisador que, sob altas temperaturas, ocorre a redução do óxidos de
nitrogênio em elementos inertes (N2 e vapor d´água). Arla é acrônimo de
Agente Redutor Líquido de Óxidos de Nitrogênio Automotivo.
Representação esquemática de como funciona o sistema SCR.
(http://www.scania.com.br)

O consumo de Arla 32 situa-se na casa dos 4 a 6% do volume consumido em


diesel.

Em caso de esvaziamento do tanque de Arla, o motor entra automaticamente


em modo de segurança e há queda de potência, visando obrigar o motorista a
completar o reservatório. Entretanto, o ―jeitinho brasileiro‖ eliminou essa
questão e infelizmente tem muito caminhão rodando com água no reservatório
destinado ao Arla e outros, com uma gambiarra eletrônica que não deixa o
motor rodar em modo de segurança.

Alguns sistemas são chamados de ―closed loop‖ quando existe um sensor na


saída do catalisador SCR que mede a quantidade de óxidos de nitrogênio e
assim controlando a quantidade de Arla injetada no sistema. Os sistemas ―open
loop‖ por sua vez não apresentam esse controle e a injeção de Arla se dá
conforme uma programação.
Alguns catalisadores SCR possuem também uma colmeia denominada AOC
(Ammonia Oxidation Catalyst – catalisador de oxidação de amônia), visando
eliminar a amônia dos gases de escapamento.

RECIRCULAÇÃO DE GASES DE ESCAPAMENTO (EGR – EXHAUST GAS


RECIRCULATION)

Esquema de funcionamento do EGR refrigerado; Atualmente todas as picapes diesel do


mercado possuem esse sistema de controle de emissões de NOx, incluindo a nova RAM
Cummins 6,7 L (https://parts.olathetoyota.com

O uso da recirculação de gases de escape praticamente só é empregado por


fabricantes de comerciais leves e no caso de veículos pesados, apenas a MAN
e a Navistar-International Engines empregaM o referido sistema.
Os sistemas EGR consistem numa válvula que permite a recirculação de parte
dos gases de escapamento carregados de NOx, CO e outros componentes para
a admissão do motor (e a câmara de combustão), participando novamente do
processo de combustão, mas de maneira coadjuvante.

Surgido no começo dos anos de 1970, os sistemas de recirculação de gases


de escapamento visavam reduzir a temperatura da câmara de combustão com
a adição de elementos inertes e, assim, reduzindo a emissão de óxidos de
nitrogênio. Havia uma pequena melhoria no desempenho do motor uma vez
que as válvulas EGR reduziam as perdas de bombeamento, típicas do ciclo
Otto.

No ciclo Diesel, as válvulas EGR têm o mesmo objetivo e visam reduzir,


através da redução da temperatura da câmara de combustão, as emissões de
NOx, e para este processo ser ainda mais eficiente, os gases recirculados são
arrefecidos em um trocador de calor com o sistema de arrefecimento do motor.

Contudo no Diesel, a redução da temperatura da câmara de combustão causa


um efeito colateral: a maior emissão de material particulado, pois a menor
temperatura dos gases de escapamento por sua vez inibe a eficiência na
regeneração do filtro de partículas. Aliado a isso, recircular gases representa
também recircular ―sujeira‖ do processo de combustão, ou seja o motor
trabalha mais ―sujo‖. Por isso, uma maior quantidade de lubrificante, de boa
qualidade, é requerida para que o motor trabalhe limpo. Essa maior emissão de
material particulado, decorrente da queima incompleta do diesel também
incorre em maior consumo de combustível e sobrecarga do filtro de partículas,
que passa a requerer constantes regenerações para se manter operante
corretamente.

Uma característica dos motores com sistema EGR consiste na maior cilindrada
para gerar uma potência semelhante a outro, de menor cilindrada, em
decorrência dos elementos inertes introduzidos na câmara de combustão.
AS OPÇÕES DE CADA FABRICANTE

Motor Cummins ISBe6.7, um dos mais tradicionais do mercado; produz até


290 cv e equipa um grande número de Ford Cargo da faixa entre 230 e 290 cv;
Na RAM, além de não empregar o uso de pós -tratamento de gases, possui
uma regulagem especial que permite produzir até 370 cv .
(http://www.cumminseurope.com)
Para atender às normas Euro 5 e EPA 2010 (as principais em vigor no mundo),
fabricantes de motores de maior porte e caminhões mais importantes
caminharam em direção ao uso do sistema de redução seletiva (SCR). A Ford
nos motores Powerstroke 6,7-L (projetados e construídos pela empresa),
Cummins, Paccar Mercedes-Benz, Volvo e Scania escolheram esse sistema
dada a sua menor complexidade e a maior robustez.

A MAN (atualmente parte do Grupo Volkswagen) e a Navistar adotaram a


estratégia de empregar EGR + catalisador de oxidação de diesel conjugado
com filtro de partículas. Na MAN, o sistema foi bem sucedido, e os caminhões
da empresa continuam tendo a mesma reputação de quando empregavam os
tradicionais motores Cummins e MWM. Contudo na Navistar (fabricante dos
motores International — atualmente chamados de Maxxforce — e MWM), o uso
do EGR incorreu em diversos problemas.

Depois de anunciar a chamada ―Navistar in cylinder solution‖ em 2009, a


empresa deu uma guinada em 2012 e anunciou que seus motores Maxxforce
passariam a empregar a tecnologia SCR para atingir as metas de emissões
estabelecidas pela normas americanas de 2010.

No futuro quando forem implementadas as normas Euro 6 e EPA 2017,


provavelmente não será possível dispensar todos os sistemas de controle de
emissões possíveis para atender as exigências das autoridades, uma vez que
como já foi abordado, existe um lobby para banir o diesel na Europa, muito
mais em função da elevadíssima demanda desse combustível do que das
emissões propriamente dito (que comparativamente aos motores de ciclo Otto,
estão em pé de igualdade — mas sem o mesmo rendimento térmico e menor
consumo do diesel).

Hoje o diesel ainda é a única solução viável para movimentar motores que
exijam altos rendimentos e necessitem de robustez e consumo comedido, tanto
para autonomia quanto para a viabilidade econômica. E a indústria, até agora
tem respondido de maneira assertiva às exigências cada vez maiores em
termos de emissões.

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