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Avaliação crítica da Assembleia Autárquica

Benedito Bento Juliasse1

Resumo

O presente ensaio, intitulado “Avaliação crítica da Assembleia Autárquica”, tem por objectivo analisar a
existência de uma efectiva fiscalização e representação da Assembleia Autárquica que contribua eficazmente
para a qualidade da governação autárquica moçambicana. Esta pesquisa resulta da constatação segundo a qual
existem desafios particulares a boa governação nos órgãos locais, isto porque há fracos mecanismos de controlo
e fiscalização, de liberdade de expressão, de legislação sobre conflito de interesse e os índices de participação
cada vez mais reduzidos. As informações recolhidas e analisadas com auxílio da teoria de agência (modelo
agente-principal) sugerem que o papel representativo e fiscalizador das Assembleias Autárquicas em
Moçambique é diminuto. Havendo ainda muitos aspectos por serem melhorados para que haja um exercício
efectivo da fiscalização e representação das assembleias autárquicas.

Palavras-chave: Assembleia Autárquica; Fiscalização; Representação.

Abstract

The purpose of this essay is to analyze the existence of effective supervision and representation of the
Municipal Assembly that contributes effectively to the quality of Mozambican municipal governance. This
research results from the finding that there are particular challenges to good governance in local bodies,
because there are weak mechanisms for control and inspection, freedom of expression, legislation on conflict of
interest and participation rates that are increasingly reduced. The information collected and analyzed with the
aid of agency theory (principal-agent model) suggests that the representative and supervisory role of Municipal
Assemblies in Mozambique is small. There are still many aspects to be improved so that there is an effective
exercise of inspection and representation of municipal assemblies.

Keywords: Municipal Assembly; Oversight; Representation.

Introdução

Em Moçambique, há mais de 20 anos, as autarquias locais constituem a esfera principal da organização do


poder político democrático. Isto deve-se ao facto delas ser consideradas como um meio de promoção do
desenvolvimento local, para o efeito, a existência de órgãos democráticos, confiáveis e proactivos é
determinante para uma governação mais transparente.

As Autarquias locais têm como órgãos uma Assembleia – dotada de poderes deliberativos – e um órgão
executivo. O primeiro, tem um conjunto de atribuições e competências relevantes no âmbito representativo e da
fiscalização do executivo que se encontram consagradas do ponto de vista legal. Porém, surgem algumas
questões sobre as quais importa refletir relativamente à existência ou não de uma efectiva representação e
fiscalização que contribua eficazmente para a qualidade da governação autárquica.
1
Licenciado em Ensino de História pela Universidade Pedagógica, Delegação de Niassa.
Inspector na Unidade de Controlo Interno da Direcção Provincial de Niassa
Para o desenvolvimento deste ensaio assume-se uma hipótese de investigação fundamental: as Assembleias
Autárquicas em Moçambique não exercem uma representação efectiva e controlo político satisfatório da acção
dos executivos no contexto do quadro legal em vigor e isso tem consequências na qualidade da governação
autárquica.

Em termos de metodologia para a elaboração do artigo recorreu-se à pesquisa documental: consulta e análise de
documentos, publicações de jornais e consulta de estudos realizados sobre o tema.

Características e Funcionamento das Assembleias Municipais

O MASC (2014) refere que a Assembleia Municipal é constituída por membros que são eleitos por sufrágio
universal, directo, igual, secreto, pessoal e periódico dos cidadãos eleitores residentes no respectivo círculo
eleitoral. A Assembleia Municipal tem um mandato de cinco anos. São algumas competências da AM as
seguintes:

 Pronunciar e deliberar/decidir sobre os assuntos e questões que sejam fundamentais para o


desenvolvimento económico, social e cultural da comunidade municipal.
 Deliberar sobre questões que tem a ver com a satisfação das necessidades colectivas e à defesa dos
interesses das respectivas populações;
 Acompanhar e fiscalizar a actividade dos demais órgãos e dos serviços e empresas municipais;

Os membros da Assembleia Municipal são eleitos pelo eleitorado através das listas estabelecidas pelos partidos
políticos ou grupos de cidadãos que concorrem às eleições autárquicas. E nessa base que eles devem prestar
contas a esse eleitorado. Isso pode ser feito de diversas formas, das quais destacamos:

 Contacto individual (ou em grupo) e reuniões com residentes nos bairros em que os membros relatam os
seus trabalhos na AM, as decisões tomadas e as suas implicações;
 Visitas sensibilização em bairros abrangidos por obras e outras mudanças substanciais resultantes, por
exemplo, do Plano e Orçamento Anual do CM, ou do Código de Posturas aprovados pela AM;
 Convites aos cidadãos e representantes do seu eleitorado e da comunidade, às sessões ordinárias da AM,
que, de principio, são públicas.

O Papel da Representação da Assembleia Autárquica em Moçambique

Como já foi referido, no âmbito do desenvolvimento das suas actividades os membros da Assembleia
Autárquica têm a obrigação de manter contacto directo com a população. Todavia, como constata Bilério
(2007), nesses encontros dá-se ênfase as reuniões realizadas com os líderes comunitários, religiosos, secretários
de bairros, agentes económicos, organizações partidárias, principalmente ligadas ao partido FRELIMO, entre
outras personalidades influentes. Dentre estes, os secretários dos bairros são os que constituem o elo de ligação
entre a população e o conselho autárquico. No entanto, como sustenta Bilério (2007) há que observar, que nem
todos os secretários de bairro foram eleitos pela população, muitos são resultantes dos antigos grupo
dinamizadores e a população não os legitima e muitos destes quase não reúnem com a população.

Depreende-se que o real papel representativo da assembleia municipal no nosso país é muito diminuto. Este
facto é secundado pela pesquisa de Brito (2003), quando refere que os membros das Assembleias Municipais
no Estado Moçambicano estão ligados aos seus partidos e não ao eleitorado. Esta situação deriva em grande
parte pela forma como esses são eleitos e reeleitos. Como explica Brito (2003), que a reeleição dos membros
das assembleias municipais depende da sua qualidade de relacionamento no interior dos aparelhos dos partidos
e não da defesa do eleitorado.

Não se pretende dizer aqui que os titulares dos órgãos da assembleia municipal se isolam totalmente da
população, mais somos de opinião que deve-se realizar contactos frequentes com a população para que ele se
sinta inclusa no processo de auscultação e tomada de decisões.

O Papel da Fiscalização Política das Assembleias Municipais em Moçambique

A legislação autárquica cria condições para que o governo municipal possa informar, explicar e justificar suas
decisões e acções perante a assembleia autárquica e esta possa punir ou recompensar os governantes pelo seu
desempenho. No entanto, apesar dessa abertura de espaço, os resultados práticos mostram uma deficiência do
exercício da fiscalização ao nível dos governos locais em Moçambique.

Nesta senda, baseando no estudo feito por Nuvunga, Mosse e Varela (2007), afirmam que há fragilidade ao
nível das assembleias autárquicas em fiscalizar as acções dos conselhos autárquicos, deixando desta forma de
agir como olhos, ouvidos e boca dos munícipes. Estes, muitas vezes não conseguem garantir o controlo do
plano de actividades e orçamentos anuais. A fiscalização feita por este órgão às actividades do Conselho
Municipal não é sistemática.

Em um outro estudo, Forquilha, mostra que em Moçambique ainda persiste a centralização do poder ao nível
dos governos locais, o que fragiliza a prestação de contas dos governos municipais aos seus munícipes. Tal
como refere o autor, o modelo de dominação personalizado recorrente do funcionamento das instituições
públicas autárquicas se caracteriza também pela fraca prestação de contas das próprias autoridades municipais e
fraca inclusão e institucionalização dos mecanismos de consulta aos munícipes no processo de governação,
(Forquilha; 2007).
Percebe-se destes argumentos, que não se pode esperar da Assembleia Autárquica a prática fiscalizadora muito
grandiosa. Isto é, o papel fiscalizador das Assembleias Municipais é diminuto, para não dizer residual. A
incapacidade das assembleias de exercer a fiscalização do poder executivo consubstancia-se, a lógica do
clientelismo político nas relações executivo/legislativo funciona com o princípio de que votar contra os
interesses do governante significa abdicar dos instrumentos fundamentais para o atendimento das demandas da
população, onde se situa a base eleitoral que elegeu o parlamentar. Desta feita, apoiando-se no argumento de
Forquilha (2007), pode-se concluir que as autarquias municipais são constituídas por um executivo forte e um
deliberativo fraco, ambos eleitos pelo povo.

Conclusão

Como já se identificou, o problema central está em torno da acção deficitária do órgão deliberativo municipal,
que deveria assumir um papel essencial não só de deliberação, mas sobretudo de fiscalização do órgão
executivo. Para este défice de fiscalização contribuem um conjunto de factores que também enunciámos, quer
por ocasião da revisão de literatura e como tal abordados por diversos autores, quer na secção 4.1 onde se
propuseram eventuais alterações legislativas e soluções que apesar de se caracterizarem como minimalistas
dentro do modelo em vigor, poderão ter um contributo significativo para a democracia local.

Esta dissertação avaliou os papéis fiscalizador e deliberativo das Assembleias Municipais e concluiu que eram
deficitários. O órgão que deveria concentrar um conjunto de competências e recursos com vista à execução do
poder deliberativo e fiscalizador, fá-lo de forma insuficiente.

Referencias Bibliográficas

Bilério. B. (2007). O papel dos governos (Autarquias) Locais na Consolidação da Democracia em


Moçambique: 1998-2006. Caso do Municipio de Inhambane. Conferencia Inaugural do IESE. Conference Paper
no 01.
Brito, Luís de (2003); Eleições Municipais e abertura do espaço político moçambicano‖. In: Partidos, Cidadãos
e Eleições Locais em Moçambique-2003. Maputo: Instituto, Sociedade e Administração.
Forquilha, Salvador Cadete (2007). Remendo Novo em Pano Velho‖: O Impacto das Reformas da
Descentralização no processo da Governação local em Moçambique. Conference Paper nº10. Maputo: IESE
Nuvunga, Adriano; MOSSE, Marcelo e VARELA, César (2007). Relatório do Estudo sobre Transparência,
Áreas de Risco e Oportunidades de Corrupção em seis autarquias moçambicanas: Chibuto, Chimoio, Gurué,
Nacala e Vilanculos. Maputo:CIP.
MASC. (2014). Guião de participação da Sociedade Civil em Cidadãos no Funcionamento das
Assembleias Municipais. Maputo. MAP Consultoria.
Tajú, G. (2002). Desafios para uma maior participação dos munícipes e da Comunidade na Goevrnação
Autárquica. In: A cobertura jornalística do processo de descentralização. Maputo: Freiderich Ebert Stiftung.

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