Você está na página 1de 3

FICHAMENTO – EM DEFESA DA REVOLUÇÃO AFRICANA

FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1980, cap.2, p.21-31.

ANTILHANOS E AFRICANOS (p. 21)

Fanon reflete sobre a oposição entre Antilhanos e Africanos e a entidade que é o povo
negro. Isso, já que reiterar a existência de um “povo negro” é algo um tanto quanto questionável,
visto que não existe nada a priori que suponha a existência de um povo negro. Povo africano, povo
antilhano, são exemplos de grupos que possuem antecedentes sistemáticos que sustentam sua
existência, diferente do povo negro. “Que seria o ‘’povo branco’? Não é, pois, evidente que só pode
haver uma raça branca?”, o mesmo se aplica à raça negra: excluídas as influências culturais, nada
mais fica. (p. 22)
O autor volta a sua atenção à Martinica, onde as posições raciais tenazes são raras. A
questão racial é sobrepujada pela luta de classes, na qual um negro operário pode muito bem ir
contra um negro burguês. Ele explora a história das Antilhas em dois períodos: o antes e o depois da
guerra de 1939 a 1945.

ANTES DA GUERRA (p. 23)

No período anterior à segunda guerra, os Antilhanos atribuíam uma série de clichês à


cultura africana: bruxos, feiticeiros, tantã, bonomia, fidelidade, respeito pelo branco, atraso…
Através desses preconceitos estabelecia-se o sentimento de superioridade do povo antilhano ao
povo da África, assim como uma diferença fundamental: o africano era negro, o antilhano era um
europeu. Essa diferença era evidenciada, por exemplo, no alistamento no exército colonial que
mandava antilhanos para servir em unidades europeias enquanto africanos (com exceção daqueles
nascidos nos cinco territórios) eram mandados para servir em unidades indígenas. (p. 24)
O Antilhano era assimilado ao metropolitano. Além disso, “digamos que, não satisfeito
com ser superior ao Africano, o Antilhano desprezava-o, e se o branco podia permitir-se certas
liberdades com o indígena, o Antilhano, esse, não o podia de modo nenhum”. Quando um Antilhano
se apresentava em uma sociedade bordelesa ou parisiense, logo se adiantava: “originário da
Martinica”. O Africano, seria, portanto, o verdadeiro representante real da raça negra. “Quando um
patrão exigia esforço demasiado pesado a um martiniquenho, obtinha como resposta: ‘se quer um
negro, vá buscá-lo à África’, querendo dizer com isso que os escravos e os forçados se recrutavam
noutro lugar. Lá, no país dos negros”. Ou seja, em 1939 não se havia uma reivindicação
espontânea de negritude por parte dos antilhanos. (p. 25)
Em seguida, três acontecimentos principais são essenciais para o decorrer da narrativa dos
antilhanos. O primeiro é a chegada de Aimé Césaire, um professor liceu martiniquenho, homem
socialmente digno, que proclamava que “é belo e bom ser negro”. Claramente, foi um escândalo
um homem instruído e diplomado contestar anos de verdade branca, tanto que nem os mulatos nem
os negros compreenderam a afirmação de Césaire. Resultado: rotulado de louco por muitos. (p. 26)
Daí, o terceiro acontecimento: as manifestações da Libertação. Elas foram responsáveis
pelo nascimento sistematizado do proletariado na Martinica e nas Antilhas. A primeira
experiência metafísica da Martinica, portanto, culminou na sua primeira experiência política, e o
proletariado martiniquenho, dizia Comte, é um negro sistematizado.

DEPOIS DA GUERRA (p. 29)

Se em 1939 o Antilhano forçava seu olhar à Europa e negava ser negro a fim de evadir
sua cor, em 1945, tem-se o contrário: o antilhano volta seu olhar à África, e afirma-se negro a fim
de valorizar a sua cor. Da mesma forma, os antilhanos que antes renegavam sua ligação com a
África, agora a ela recorriam a fim de celebrar a sua origem, de “alimentar-se nas verdadeiras tetas
da terra africana”. A aceitação dos africanos, claro, não foi imediata. Rejeitavam-nos dizendo que
eles não haviam penado, sofrido e lutado na terra africana. “Os antilhanos tinham dito não ao
branco, o africano dizia não ao antilhano”. Acontece a sua segunda experiência metafísica: o
antilhano não era branco nem negro. Afinal, em 1939, na Martinica, ser negro era algo
completamente de ser negro na África, onde a discriminação era real e a realidade era desumana.
Descobrem-se, pois, filhos de escravos transplantados, forçados a serem brancos. “Parece, pois, que
o Antilhano está, após o grande erro branco, em vias de viver na grande miragem negra”. (p. 30 –
31)

IMPRESSÕES PESSOAIS

Trata-se de um texto extremamente relevante para se entender o que é a entidade do “povo


negro” e sobre as suas características. O complexo do povo antilhano em relação à sua identidade e à
sua cor reflete uma série de questões muito interessantes. Uma delas é a narrativa da superioridade
do homem branco e como ela afetou a própria consciência dos antilhanos. O distanciamento à África
que os habitantes das Antilhas tanto defendiam era uma tentativa, como Fanon reforça, de evadir a
sua cor e, consequentemente, aproximar-se do branco, do europeu, do metropolitano. Isso apenas
demonstra a gigantesca pressão da verdade branca sob diferentes culturas, em especial, a africana.
Outro ponto muito interessante é a experiência metafísica que os antilhanos passam com a
chegada dos dez mil militares racistas. Isso, porque a realidade do preconceito racial ainda era
relativamente distante da Martinica, permitindo uma integração maior dos negros à vida social do
lugar, assim como a limitação do racismo a certas anedotas. Quando os martiniquenhos passam pela
primeira vez uma opressão verdadeiramente racista, desperta-se a unidade necessária para que
acontecesse a introspecção da concepção do negro nas Antilhas e seu povo. Experiência metafísica,
essa, essencial para a futura experiência política, tão importante para a história martiniquenha.

Guilherme Stuhr dos Santos Lopes

Você também pode gostar