Você está na página 1de 340

/

/% //
II . Pedrosa, Adriano .

/
CDD-709 ~81611074
//
/

,-
/'
pára catãlogo sistemãtico :
,- /
~ enais de arte : São Pau l o : Cidade /
709 . 81611074
./ ,-
São Paul o : Cidade : Bienais de arte
709 . R í 611074
Fundação Bienal de São Paulo

Francisco Matarazzo Sobrinho


(1898-1977) Alex PerlsCi'noto
Presidente perpétuo Álvªro Augusto Vidigal
AI'l9él()AncJreaMªtarêlz~p
. ·Antonioli~ntiq"'~,CQl"lhaBüel1o
Conselho de honra

Presidente
Carlos Bratke
Carlos Eduardo Moreira Ferreira
Alex Periscinoto Diná Lopes Coelho
Celso Neves
Edem.ar Cid Ferre.ira
Jorge,~duardo Stpckler

. ~~i~gl~derichse~·Vi.l.lares
L.~i~F'er:nªlldoRotlrig~es Alves·( t)

Rubens Ricúpero
Oscar P. Landmann Thomaz Farkas
Otto Heller Wolfgang Sauer
Roberto Maluf
Roberto Pinto de Souza
Rubens José Mattos Cunha Lima
Sábato Antonio Magaldi I
Sebastião de Almeida Prado Sampli'~
Wladimir Murtinho
Diretores e gerentes Secretário de Estado da Cultura

Superintendente Secretário Municipal de Cultura

Marcos Weinstock Lauro Barbosa Moreira


Apoio Institucional

Ministério da Cultura

Ministério das Relações Exteriores

Secretaria de Estado da Cultura

Prefeitura Municipal de São Paulo

Secretaria Municipal de Cultura

Carta Editorial
Editora Abril
Editora Globo

Revista Bravo
Katià,Canton
Luis Pérez'Oramas
Manuela Carneiro da Cunha
Mari Carmen Ramírez
Mary Jane Jacob
Paulo Herkenhoff
Pedro Corrêa do Lago
Per Hovdenakk
Pieter Th. Tjabbes
Régis Michel
Robert Storr
Sônia Salzstein
Valéria Piccoli
Veit Gõrner
Vannick Bourguignon

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Pedro Querejazu
Ami Steinitz Pierre-André Lienhard
Apinan Poshyananda Rita Eder
Awa Meite Sania Papa
Santiago B. Olmo
'Saskia Bos
Sergio Edelsztein
Silvia PandQlfi Elliman
Vasif Kortun
Velaug Bollingmo
Virginia Pérez-Ratton
Voung-Ho Kim
Xu Jiang

Webarte
Mark van de Walle
Ricardo Anderáos
Ricardo Ribenboim
"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rot~

Soo-Ja Kim Cities on the move-2727 kilometers Bottaritruck Cidades em mudança-caminhão Bottari 2727 quilômetros 1997
performance colchas e roupas usadas [used clothes and bedcover] duração 11 dias
"Emperors and kings, dukes and marquises, counts, knights, and townsfolk, and all people
who wish to know the various races of men and the peculiarities of the various regions of the
world, take this book and have it read to you. Here you will find all the great wonders and
curiosities of Greater Armenia and Persia, of the Tartars and ofIndia, and of many other
territories . [.. .] We will set down things seen as seen, things heard as heard, so that our book
may be an accurate record, free from any sort of fabrication. And all who read the book ar hear
it may do so with full confidence, because it contains nothing but the truth."

ros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


"Imperadores e reis, duques e marqueses, condes, cavaleiros e homens do povo e todos
aqueles que quiserem conhecer as várias raças humanas e as peculiaridades das várias regiões
do mundo, levem este livro e leiam-no. Aqui encontrarás todas as maravilhas do mundo e
curiosidades da Armênia e da Pérsia, dos tártaros e da índia, e de muitos outros territórios.
[... ] Estabeleceremos as coisas vistas como foram vistas, ouvidas como ouvidas, de modo que
nosso livro possa ser um registro preciso, livre de qualquer tipo de fabricação. Etodos aqueles
que venham a lereste livro ou ouvi-lo o farão com plena confiança, pois ele contém nada
além da verdade."

Extracted fram [extraído de] Marco Palo, The traveIs [As viagens], XIII century [século XIII] ,
London: Penguin books, 1958, P.33, translated to the English fram a "curious Italianate
French" by Ronald Latham [traduzido do inglês para o português por Adriano Pedrosa] .
11 Fragmento Marco Polo
14 Apresentação Julio Landmann
18 Apresentação Francisco Weffort
20 Projeto Olafur Eliasson
22 Ir e vir [To come and go] Paulo Herkenhoff
30 Cartografia sentimental [Sentimental cartography] Suely Rolnik
38. Fragmento Italo Calvino
40 Roteiros Oceania Louise Neri
Francis Jupurrurla Kelly Geoff Lowe Mark Adams Mutlu Çerkez Tracey Moffatt
68 Metabolismo, geografia: vinte e seis notas sobre digestão e história mundial
[Metabolism, geography: twenty-six notes on digestion and world history] Daniel Birnbaum
76 Roteiros América Latina Rina Carvajal
Anna Maria Maiolino Doris Sal cedo Francis Alys Gabriel Orozco Inigo Manglano-Ovalle José Antonio Suárez Juan Davila
Meyer Vaisman Miguel Rio Branco Victor Grippo
108 Projeto Rosângela Rennó
114 Roteiros Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita
Andrea Fraser General Idea Janet Cardiff Jeff Wall Michael Asher Sherrie Levine
144 Duas questões sobre canibalismo e rap [Two questions on cannibalism and rap] Richard Shusterman
148 Roteiros Ásia Apinan Poshyananda
Chieh Jen Chen Choi Jeong Hwa Dadang Christanto Elizabeth Dadi Iftikhar Dadi Ing K. Luo Brothers Nobuyoshi Araki
180 Devorando o canibal: um conto de precaução da apropriação cultural
[Eating the cannibal: a cautionary tale on cultural appropriation] Deborah Root
190 Disparates sobre a voracidade [Disparate thoughts on voracity] Georges Didi-Huberman
204 Roteiros África Lorna Ferguson e Awa Meite
Abdoulaye Konaté Ahmed Makki Kante Candice Breitz Fernando Alvim Georges Adéagbo Joseph Kpobly Malick Sidibe
Moshekwa Langa Seydou Keita Soly Cissé Thomas Mulcaire Touhami Ennadre William Kentridge
238 Fragmento Jamaica Kincaid
240 Fragmento Manthia Diawara
242 Roteiros Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun
Bülent $angar Halil Altindere Khalil Rabah Shuka Glotman
266 Roteiros Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri
Bjarne Melgaard Esko Mannikkó Franz West Honoré õ'O Markus Raetz Maurice O'Connell Milica Tomic Pedro Cabrita Reis
Rineke Dijkstra Roza EI Hassan
310 Webarte Mark van de Walle
312 Webarte Ricardo Ribenboim e Ricardo Anderáos
314 Biografias
324 Nota do Editor Adriano Pedrosa
328 Agradecimentos
330 Fragmento Jorge Luis Borges
I'

Indice
William Kentridge II ritorno d'Ulisse [The return of Ulysses ] fragmentos de desenhos para a animação [fragments of drawings for the
animation] 1998 giz branco sobre guache preto sobre papel [whi te chalk on black gouache on paper] 88x120cm
Apresentação do Presidente da Fundação Bienal de São Paulo

No "Manifesto antropófago" há um trecho que sintetiza a experiência cultural: "Roteiros.


Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." Essa exposição, portanto, não é mais
uma mostra internacional, entre tantas, que seleciona artistas do mundo todo, o que sempre foi
o escopo da Bienal. Ela corresponde a uma experiência singular na história da Fundação Bienal
de São Paulo. Criaram-se rotas que foram efetivamente percorridas, para perseguire descobrir
idéias. Écomo a atividade do mineradorfaiscando gemas, catando ouro no aluvião ou cavando
a terra. Desde o início, a Bienal de São Paulo, na concepção de Francisco Matarazzo Sobrinho,
seu fundador, foi essa mineração das gemas lapidadas da história da arte ou a descoberta dos
novos filões das posturas artísticas em todo o mundo. Ele era incansável em instigar a vinda de
artistas novos ou. em criar ai ianças para obter grandes mostras, como a retrospectiva de Picasso,
em 1953. Cumpre homenageá-lo, afirmando que, em suas radicais mudanças curatoriais, a
mostra "Roteiros ... " estava, em princípio, traçada pelo compasso de Ciccillo. Estava previsto,
em seu ato de fé, que a cidade de São Paulo teria a capacidade de produzir grandes mostras de
arte do mundo.
A cada edição, a Bienal de São Paulo se reestrutura e se renova, buscando uma sintonia
com o momento presente, seja nas mostras de arte contemporânea, seja nas de caráter histórico.
Este segmento-"Roteiros ... "-consolida a vocação primeira e mais tradicional da Bienal-
expor a arte contemporânea internacional-, não importando o nome que se lhe dê a cada
biênio. A XXIV apresentará ainda três outros segmentos básicos: Núcleo Histórico, dedicado a
discutir a antropofagia e histórias de canibalismos, Representações Nacionais e Brasil. Nossa
estratégia para a XXIV Bienal foi a de manter inicialmente a estrutura formal de organização
do evento, abrirmo-nos para as modificações que se provassem necessárias no processo e
experimentar radicalmente no exercício e nas possibilidades de curadoria. Esse último fato será
sempre percebido pelo olhar acurado e analítico, que notará as conseqüências e as singulari-
dades desse processo.
Na estruturação do segmento "Roteiros ... ", Paulo Herkenhoff, curador-geral da XXIV
Bienal, procurou trabalhar com regiões entendidas como territórios culturais não-uniformes,
irredutíveis a uma mesma taxonomia geográfica. Há continentes. Há regiões formadas por
partes de três continentes, que é o caso do Oriente Médio e sua complexidade política e cultural.
Há regiões culturais, como a América Latina, cujas fronteiras são carregadas pela migração para
aAmérica anglo-saxônica. AAmérica Latina mereceu de minha parte recomendação de atenção
especial, no sentido de que seu número de artistas não fosse ultrapassado por de outros
"Roteiros ... ". A Bienal, com efeito, é um símbolo da capacidade operacional e cultural de toda
a América Latina. Apesar de termos um segmento dedicado ao Brasil, os curadores da XXIV
Bienal entenderam que a curadora da América Latina, se desejasse, poderia incluir artistas
brasileiros. O Brasil necessita ampliar suas bases de integração com nosso continente cultural, e
a Bienal de São Paulo pode ser um paradigma político disso, como se comprova com sua história.

14 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


o conjunto dos curadores oferece-nos qualidades profissionais e humanas admiráveis.
Vasifl<ortun e Ami Steinitz testemunham a necessidade de se realizarem experiências, apesar
das limitações impostas pelos conflitos no Oriente Médio. Rina Carvajal oferece um olhar
minucioso na invenção de sua América Latina. Louise Neri contribui com uma visão pertur-
badora da Oceania, que se confronta com o fundo de fantasias hedonistas ocidentais, que vão
do primitivismo ao surf. Ivo Mesquita representa, para nós, a capacidade de um curador latino-
americano atuar de modo pertinente e produtivo sobre outros sistemas culturais, como a
importância e o desafio dos Estados Unidos e Canadá. Lorna Ferguson e Awa Meite foram obsti-
nadas na ampliação das possibilidades de exposição da África, ao mesmo tempo que trabalham
sobre uma auto-imagem política emancipada de seu continente. A múltipla energia de Apinan
Poshyananda foi tanto reconhecer o imenso continente asiático como dali extrair exemplos de
um canibalismo extremamente pertinente em sua contemporaneidade. Descentralizamos o
olhar curatorial da Europa. Bart De Baere e MaarettaJaukkuri trazem uma perspectiva de fina
ironia e aguda delicadeza desse continente.
Os temas de "Roteiros ... " estão integrados em nosso programa educacional. O registro
mais concreto e definitivo de nossa Bienal são as publicações. É um privilégio contar com a
contribuição de curadores de todos os "Roteiros ... " na definição editorial específica de sua
seção. A montagem de "Roteiros ... ", desenhada por Paulo Mendes da Rocha e sua equipe e
coordenada por Ivo Mesquita, constitui um desafio porque apenas em parte foi predefinida,
deixando-se grande parte dela para um ágil diálogo entre os curadores, artistas e obras.
A densidade era o conceito regente da XXIV Bienal. No entanto, os curadores de "Rotei-
ros ... ", cada um a seu modo, decidiram investigar as possibilidades e os limites de se referirem
adicionalmente ao conceito de Antropofagia, tratado no Núcleo Histórico. Neste diálogo,
a curadoria da Bienal estimulou as interpretações convergentes e heterogêneas, evitando a
dispersão de significados, mas mantendo a pertinência do foco e as diferenças. Na escolha do
curador-geral da XXIV Bienal de São Paulo, compreendemos ser necessário convocar alguém com
comprovada circulação no meio internacional, para que se sustentasse ativamente o debate e se
avançasse na integração de idéias com outros curadores do mundo, e não se comunicasse apenas
por simples consultoria e distância. Paulo Herkenhoff promoveu a integração do conjunto.
Adriano Pedrosa, curador adjunto, trouxe, entre outras qualidades, uma disciplina e dedicação
que sustentaram o diálogo do grupo, mesmo em momentos críticos. Senti-me honrado e inte-
lectualmente gratificado em poder participar de suas reuniões e testemunhar o encontro das
diferenças. "Roteiros ... ", em suma, foi um foro concreto num diálogo de alteridades.
JuIia La nd ma nn

15 Apresentação Julio Landmann


Fundação Bienal de São Paulo President's Foreword

ln the "Anthropophagite manifesto," there is a passage that synthesizes the cultural experience:
"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." ["Routes. Routes. Routes.
Routes. Routes. Routes. Routes."] Therefore, this shaw is no longer an international exhibition,
one in many, that selects artists from all ove r the world, which was always the aim of the Bienal.
It corresponds to a singular experience in the history ofthe Fundação Bienal de São Paulo. Itiner-
aries were created that were effectively traversed in arder to follow and discover ideas. It is like
the activity of the miner digging out gems, searching for gold in the alluvium ar excavating the
land. Since its beginnings, the Bienal de São Paulo, in the conception of the founder Francisco
Matarazzo Sobrinho,was this mining oflapidated gems of art history ar the discovery ofthe
new veins of the artistic postures throughout the world. He inexhaustibly stimulated the coming
ofnew artists ar establishing alliances to obtain large shows, such as Picasso's retrospective in
1953. We pay homage to him in stating that in his radical curatorial changes, the "Roteiros ... "
exhibition was initially traced by Matarazzo's compasso ln his act of faith, it was foreseen that
the city ofSão Paulo would have the capacity to accomplish great shows of art from the world.
On each edition, the Bienal de São Paulo restructures and renews itself, searching for a
harmony with the current moment, be it in the contemporary art shows, be it in historical exhi-
bitions. This segment-"Roteiros ... "-brings together the primary and most traditional voca-
tion ofthe Bienal-to expose international contemporary art-notwithstanding the name given
to it at each biennial. The XXIV will introduce three additional basic segments: Núcleo Histórico,
dedicated to discuss anthropophagy and histories of cannibalism, Representações Nacionais
and Brazil. Our strategy for the XXIV Bienal was to initially maintain the formal structure of the
organization of the event, to open ourselves to changes deemed necessary throughout the
process and to experiment radically in the exercise and possibilities of curatorship. This last
instance will always be acknowledged by the careful and analytical eye that will note the conse-
quences and singularities of this processo
ln the structuring of the "Roteiros ... " segment, Paulo Herkenhoff, chief curator of the XXIV
Bienal, sought to workwith regions understood as non-uniform cultural territories, irreducible to
a single geographic taxonomy. There are continents. There are regions formed by parts of three
continents, which is the case of the Middle East and its politicaI and cultural complexity. There
are cultural regions, such as Latin America, whose borders are charged by the migration to
anglo-saxon America. Latin America merited from my behalf the recommendation for particular
attention in the sense that its number of artists were not surpassed by that of other "Roteiros ... ".
The Bienal, effectively, is a symbol of the operational and cultural capacity of all Latin America.
Despite already having a segment dedicated to Brazil, the curators ofthe XXIV Bienal understood
that the Latin American curato r, if so wished, could include Brazilian artists. Brazil needs to
expand its basis ofintegration with our cultural continent, and the Bienal de São Paulo may be a
politicaI paradigm of that, as corroborated with its history.

16 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


The group of curators presents us with admirable professional andhuman qualities. Vasif
Kortun and Ami Steinitz testifY to the necessity of carrying forth experiences, despite the limita-
tions imposed by the conflicts in the Middle East. Rina Carvajal offers a precise glance in the
invention of her Latin America. Louise Neri contributed with a disturbing vision of Oceania,
which is facedwith the depth ofhedonistic western fantasies that run from primitivism to surfing.
Ivo Mesquita represents, for us, the ability of a Latin American curator to perform in a pertinent
and productive mannerwith regards to other cultural systems, as the importanceand chalIenge
ofthe United States and Canada. Lorna Ferguson and Awa Meite were obstinate in expanding the
exhibition possibilities of Africa, at the sarne time that they work upon an emancipated politicaI
self-image oftheir continent. The manifold energy of Apinan Poshyananda lay as much in recog-
nizing the immense Asiatic continent as in extracting from there examples of an extremely per-
tinent cannibalism in its contemporaneity. We descentralized the curatorial approach ofEurope.
Bart De Baere and Maaretta Jaukkuri bring a perspective of fine irony and acute gentleness of
this continent.
The themes of"Roteiros ... " are integrated in our educational programo The most concrete
and definite record of our Bienal are the publications. It is a pleasure to count with the contri-
bution of alI "Roteiros ... " curators in the specific editorial definition of their section. The spatial
arrangement of"Roteiros ... ", designed by Paulo Mendes da Rocha and his team and coordinated
by Ivo Mesquita, constitutes a chalIenge as it was only partly pre-defined, setting aside a large
section ofit for a flexible dialogue between the curators, artists and the works.
Density was the reigning concept of the XXIV Bienal. However, the "Roteiros ... " curators,
each in their own manner, decided to investigate the possibilities and limits of referring in
addition to the concept of Antropofagia examined in the Núcleo Histórico. ln this dialogue,
the Bienal's curatorship stimulated converging and heterogeneous interpretations, avoiding
the dispersion of meanings, yet maintaining the relevance of the focus and the differences. ln
the choice of the chief curator of the XXIV Bienal de São Paulo, we felt it necessary to summon
someone with accredited circulation in the international scene in order to actively sustain the
debate and to move forward in the integration of ideas with other curators in the world. ln this
way communication through sim pIe consultancy and distance is avoided. Paulo Herkenhoff
promoted the integration of the ensemble. Adriano Pedrosa, adjunct curator, brought, among
other qualities, a discipline and dedication that sustained the group's dialogue, even in criticaI
moments. I felt honored and intelIectualIy gratified to be able to participate in their meetings
and to testifY to the encounter of differences. ln short, "Roteiros ... " was a concrete forum in a
dialogue of otherness. Julio Landmann. Translatedfrom the Portuguese by Veronica Cordeiro.

17 Apresentação Julio Landmann


Apresentação do Ministro da Cultura

AXXIV Bienal de São Paulo é a última a ser realizada até o ano 2000, quando,junto com a passagem do milênio, estaremos comemo-
rando o VCentenário do Descobrimento do Brasil. Ejá antecipa esse momento histórico ao se organizar, pela primeira vez em seus
46 anos de existência, em torno de um tema brasileiro: a Antropofagia, categoria criada porOswald de Andrade para explicar, de
um ponto de vista nacional, o processo de formação de nossa identidade cultural. Essa proposta é fruto dedécadas de experiência
acumulada, que consolidou a Bienal de São Paulo como um dos três mais importantes eventos de artes plásticas no mundo de hoje.
A continuidade de um evento dessas proporções tem também efeitos na formação do público. É possível suporque as cerca de
400 mil pessoas que visitaram a XXIII Bienal de São Paulo não buscavam apenas o contato com as últimas novidades da vanguarda,

ou com as obras dos artistas já consagrados, mas estavam também atentas às leituras propostas pelos curadores. O hábito de visi-
tação dessa e de tantas outras grandes exposições de artes plásticas que têm sido realizadas nos museus e espaços culturais das
cidades brasileiras, com o apoio crescente de patrocinadores e dos meios de comunicação, certamente contribuiu para mudanças
quantitativas e qualitativas.
Nas parcerias que são estabelecidas para viabilizar a Bienal, o poder público participa com apoio direto, mas, sobretudo, com
o aprimoramento das leis de incentivo fiscal, que agora dispõem, inclusive, de mecanismos para estimular a circulação de
exposições e acervos de museus portodo o país. Os resultados alcançados por esse esforço conjunto entre Estado e sociedade vêm
provarque investirem cultura é um negócio que traz benefícios a todos os envolvidos, e que é possível aliaro crescimento econômico
de um setor da vida social à democratização de um produto de alto nível de qualidade. Descobrimos, trilhando nossos próprios
caminhos, e buscando as soluções mais adequadas à nossa realidade, o que os países mais avançados já sabem e vêm pondo em
prática há algum tempo.
Ao reelaborar a noção de antropofagia, que, do ponto de vista europeu, era uma prática primitiva, bárbara, e contrária aos
mais elementares princípios de humanidade, Oswald de Andrade propôs uma interpretação irônica e irreverente de como, no
Brasil, as influências vindas de fora são incorporadas a um "corpo" nativo, transformadas em alimento que o fortalece sem
descaracterizá-lo. Acredito que essa imagem se aplica também ao amadurecimento da vida cultural do país, de que a Bienal de São
Paulo, neste ano em sua vigésima quarta edição, é um caso exemplar. Francisco Weffort

18 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Minister of Culture's Foreword

The XXIV Bienal de São Paulo is the last one to take place before the year 2000, when at the turn of the millennium, we will be cele~
brating the V Centenary of the Discovery ofBrazil. The Bienal anticipates this historical moment by focusing, for the first time in its
46 years of existence, on a Brazilian subject: Antropofagia, a category created by Oswald de Andrade to explain, from a national point
ofview, the process offormation of our cultural identity. This proposition is the result of decades of accumulated experience, which
consolidated the Bienal de São Paulo as one of the three most important visual arts events in the world today.
The continuity of an event of this magnitude also has its effects in the education of the publico It may be assumed that the
approximately 400 thousand people who visited the XXIII Bienal de São Paulo were hot merely looking for contact with the last
avant~garde novelties ar with works of art of celebrated artists, but were also alert to the different readings proposed by the curators.
The visiting habits ofthis and many other large art exhibitions which have been organized in museums and cultural spaces ofBrazil~
ian cities, with the increasing support of sponsors and communication media, have certainly contributed to the quantitative and
qualitative changes.
ln the partnerships that have been established to make the Bienal possible, the public administration participates with direct
support, but above all, the improvement of tax benefit laws has provided mechanisms to stimulate the circulation of exhibitions and
museum collections throughout the country. The results achieved through this joint effort between State and society comes to prove
that investing in culture is a business that brings benefits to all those involved, and that it is possible to associate the economic
growth of a sector of sociallife to the democratization of a product of a high quality standard. We have discovered, treading our own
paths, and searching for those solutions most adequate to our reality what the more advanced countries already know and have been
putting into practice for some time.
Reelaborating thenotion of antropofagia which from the European point ofview was a primitive, barbarian practice contrary to
the most elementary principIes ofhumanity, Oswald de Andrade proposed an ironic and irreverent interpretation ofhow the foreign
influences in Brazil are incorporated into a native "body" transformed into nourishment that strengthens it without changing its
genuine character. I believe this image applies as well to the enrichment of the culturallife in the country, ofwhich the Bienal de São
Paulo, this year in its twenty fourth edition, is exemplary. Translatedfrom the portuguese by Veronica Cordeiro.

19 Apresentação do Ministro da Cultura Francisco Weffort


Paulo Herkenhoff Ir e vir

"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. sua arte. Afinal, já havia uma chave: "Contra o gabinetis-
Roteiros." Sete vezes a palavra "Roteiros" repete-se no mo, a prática culta da vida", afirmava Oswald de Andrade
"Manifesto antropófago" de Oswald de Andrade. Encon- no "Manifesto da poesia pau-brasil" (1924).
tra-'se entre o parágrafo "Contra o mundo reversível e as Nos dois encontros em São Paulo, os curadores
idéias objetivadas" e "O instinto caraíba". "Roteiros ... " consolidaram pontos de partida e definiram o formato
é presença entre a mecânica das idéias "cadaverizadas" final de "Roteiros ... ". O diálogo centrífugo desenvolveu
e o canibalismo, etimologicamente originado de caraíba. objetivos de complementaridade, contrapontos ou con-
África, América Latina, Ásia, Canadá e Estados Unidos, frontos, demarcação de especificidades. Um chat da
Europa, Oceania e Oriente Médio são nossos "Rotei- Internet entre os cu radores, coordenado por Ad riano
ros ... ", definidos sem um critério único, como conti- Pedrosa, completou esta rede de relações de alteridade.
nente, bloco econômico ou regiões culturai~, Não se trata Os curadores receberam informações sobre a relação
de uma espécie expandida das alegorias dos quatro con- desta Bienal com a audiência brasileira, seu papel no
tinentes, desenvolvidas pela arte européia do século XVII. contexto da cidade e os compromissos com a educação.
O substantivo plural "Roteiros" conota múltiplos Nesta Bienal o conceito geral regente é "densidade",
pontos de vista. Os desafios contemporâneos já indica- como processo de condensação de significados. Quase
vam ser necessário à Bienal desenvolver a capacidade todos os curadores de "Roteiros ... " optaram por fazer
de escolher. Nos anos 70 sedimentou-se a idéia de salas referência ao tema Antropofagia e Histórias de Caniba-
especiais dedicadas a grandes nomes da arte. Em 1996 lismos do Núcleo Histórico como hipótese de trabalho.
introduziu-se a idéia de uma mostra composta por Na escolha dos curadores das regiões das econo-
exposições de regiões do mundo com Uniuersalis. Nosso mias centrais, preferíamos olhares da margem, mas pro-
desafio foi integrar um conjunto de olhares e articular fundamente vinculados a suas regiões. A escolha de cura-
critérios. No processo de "Roteiros ... " foi necessário dores belga e fi n landesa com Bart De Baere e Maaretta
definir o foco. Jaukkuri para a Europa significa, portanto, deslocardeci-
Mercator orientou as representações cartográficas, sões dos centros hegemônicos. Os curadores deveriam
hoje amplamente vigentes, segundo a posição mais ade- ter a capacidade de articular uma perspectiva do olhar a
quada ao olhar europeu. Estamos frente a recortes da partirdo lugar. Era necessário definir uma questão e testá-
produção artística de sete áreas. O conjunto dos "Rotei- la em campo, construindo o desenho final de cada Rotei-
ros ... " não busca reduziro mundo a uma visão universa- ro e não a realização de enunciados preestabelecidos.
lista ou globalizante, nem mesmo cada região a um Na montagem dos Rotei ros da África, visou-se a con-
olhartotalizante. Alguns comparam o papel do curador jugar experiência e potencial do próprio continente por
ao do cartógrafo. No catálogo da mostra Cartographies meio de pessoas que enfrentam em seu cotidiano as difi-
(1992), organizada por Ivo Mesquita, o crítico Justo Pastor culdades de produzir conhecimento sobre o continente,
Mellado analisa como a origem cultural e geográfica do a partir de aí mesmo viver. Lorna Ferguson havia supe-
curador marca as aproximações à arte do Outro. "Rotei- rado fronteiras como coordenadora da I Bienal de Joan-
ros ... " seria trabalho de cosmógrafos buscando um olhar nesburgo. Convidada, coube-lhe indicar uma curadora do
de, sobre ou para sua região. Dois princípios foram esta- sul do Saara, de um lugaronde fossem escassas institui-
belecidos como método curatorial: ire vir. Os curadores ções de arte. Assim, Awa Meite enriquece estes Roteiros
deveriam efetivamente constitu ir seus Rotei ros por meio com os artistas do Mali. Mesmo na África existem poucos
da experiência bie palmilharo território para (re)conhecer curadores com uma visão da produção artística deste

22 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


complexo continente. Nem mesmo as comunicações e parece se imporcomo uma pré-condição ideológica para
possibilidades de viagem são sempre eficientes. Por isso, a organização do bloco econômico deste hemisfério. O
desde o início, a Bienal de São Paulo compreendeu que México, por exemplo, é hoje uma espécie de fronteira
estes Roteiros poderiam ter um sentido adicional que se- espessa. É o extremo da América Latina. O norte de seu
ria propiciar às curadoras da África a oportunidade de território é a fronteira alfandegária dos Estados Unidos,
conhecer um pouco mais de seu próprio continente. como pri mei ro bastião norte-americano a deter as cor-
As curadoras da África não buscaram vestígios de rentes migratórias latino-americanas. Chiapas é uma
"canibalismo" em alguma sociedade tradicional. Um fronteira interna na sociedade mexicana. As fronteiras
editor europeu ligado à África disse-me que era lamen- da América Latina invadem os Estados Unidos, com a
tável que conotássemos a África ao canibalismo. Talvez cultura que se transporta pela migração. Rina Carvajal
ele quisesse salvar o continente de uma visão preconce- vive em Nova York, lugar que hoje concentra a diversi-
bida do canibalismo como ato de barbárie. O processo dade do pensamento da América Latina, atraindo críticos
de emancipação da cidadania na África confronta-se como destino numa espécie de diáspora voluntária. O
com a voracidade política da exclusão social, do racismo sistema de classificação cultural operante nos Estados
e genocídio. Na América Latina, o modernismo-e o Unidos não tem validade na América Latina. Não nos
"Manifesto antropófago"-é momento luminoso como interessa na Bienal em geral a ideologia do multicultu-
busca de uma linguagem própria pela superação da ralismo, com seu sistema de classificação das etnias
herança colonial e de sua síndrome de emulação da arte desenvolvido pela sociedade norte-americana.
européia. Buscamos neste continente uma arte que toca A escolha adequada do curador da Ásia nesta Bienal
a emancipação política da linguagem e a constituição de deslocaria a busca do eixo predominante Japão-Coréia
uma reflexão dolorosa sobre o processo em que a África na direção do sudeste da Ásia. Apinan Poshyananda, da
se assume como sujeito crítico de sua própria história. Tailândia, tem realizado algumas exposições sobre aÁsia.
Franz Fanon afirmou que a descolonização é sempre um Desde cedo aderiu ao conceito da Bienal, inclusive cani-
fenômeno violento, com a substituição de "espécies" de balismo. Inicialmente, pensou-se num impasse decor-
homens. O pós-colonialismo implica violências novas. O rente do fato de que fossem muito escassas as referências
tem po social da África do Su I está hoje constitu ído tanto de canibalismo na cosmogonia budista. No entanto, seu
pela Comissão da Verdade e Reconciliação quanto pela projeto curatorial se desenvolveu para conjugar a es-
arte de Abdoulaye Konaté ou William Kentridge. pessura trágica do presente com aspectos arcaicos das
Numa época, muitos artistas brasileiros evitavam culturas da Ásia e o processo dessa etapa pós-colonial.
as mostras latino-americanas, que eram entendidas como Poshyananda criou metáforas e interpretações originais
um gueto. O partido curatorial de Rina Carvajal toma a para o canibalismo. A curadoria da Ásia reflete um reper-
antropofagia como mais um ponto de contato entre o tório mais amplo de interpretações do canibalismo no
Brasil com a América Latina. Em sua heterogeneidade, a processo pós-colonial. Uma dimensão que se aborda é o
América Latina busca reforçar suas relações identitárias, desejo, demonstrando a vastidão com que o ato amoroso
mesmo que os processos de subjetivação tenham preva- e o de se ai imentar confl uem no sign ificante "comer".
lência em outros níveis. No entanto, no mundo compe- Um exemplo disto seria o sorriso siamês: a idéia de auto-
titivo da globalização e de reordenamento das econo- exoticização para oferta ao consumo do colonizador e a
mias em blocos geográficos, a idéia de identificação lati- posterior devo ração deste. Existem também nuances polí-
no-americana-quer realidade histórica, quer ficção- ticas em suas noções de canibalismo: guerras, opressão

23 Ir e vir Paulo Herkenhoff


de minorias ou ataque especulativo do sistema financeiro Talvez nenhum continente tenha produzido um corpus
internacional às moedas asiáticas. tão variado de pensamento sobre o canibalismo: mito-
Uma exceção especial no processo de escolha dessas logia clássica, imaginário medieval, Dante, Staden, Léry,
curadorias ocorreu com relação aos Roteiros Canadá e Montaigne, de Bry, Shakespeare, Swift, Goya, Géricault,
Estados Unidos, com a escolha do crítico brasileiro Ivo Moreau, Rodin, Freud, Bataille, dadaísmo, surrealismo,
Mesquita. Mesquita teve uma importante experiência no Lévi-Strauss, Caillois, Cobra, Yves Klein, além da mitolo-
Canadá, onde realiza trabalhos curatoriais desde 1988 gia clássica e do canibalismo dos citas.
para instituições locais e agora como professor visitante A Nova Guiné seria o último laboratório das cul-
no Centerfor Cu rato ri ai Studies do Bard College no esta- turas ditas "primitivas" clássicas, uma espécie de última
do de Nova York. Um pressuposto no desenho curatorial fronteira da civilização ocidental, afirma W. Arens. Com
desenvolvido foi entender o canibalismo como uma es- um acervo tão intenso de práticas canibais, a Oceania
pécie de latência interdita na cultura norte-americana. poderia oferecer motivos e fatos para um contato com
Assim, a obra de JeffWall, Dead troops talk, é um ponto de aspectos mais fatuais. Numa experiência que poderia
partida básico destes Roteiros na discussão do caniba- nos remeter à antropóloga Margaret Mead, que viveu
lismo. Ao tratar da guerra do Afeganistão, Wall refere-se entre aqueles povos da Nova Guiné, Marina Abramovic
a Ajangada do Medusa, obra de Théodore Géricault, cujos tentou realizar um projeto com canibais de ilhas da Ocea-
estudos estão expostos no Núcleo Histórico desta Bienal. nia. Louise Neri, curadora da Oceania, nasceu na Nova
Outra direção tomada pela curadoria de Ivo Mesquita Zelândia e foi curadora assistente da Bienal de Sydney. Ali
aborda a "institutional critique". Alguns artistas ironizam onde pareceria mais fácil discutir identidade social,
as instituições culturais. A arte é metaforicamente devo- Louise Neri buscou extrair o processo de subjetivação em
rada pelas instituições do sistema de arte (museus, mer- artistas individuais que facilmente seriam redutíveis ao
cado, arquitetura, colecionadores, crítica de arte, cura- padrão étnico, ao modelo genérico do aborígine. O mun-
dores, educadores, etc.). No Brasil, uma crítica institu- do de surfistas e tatuagens aqui expõe de forma icono-
cional extremamente voraz se fez nos anos 60 e 70 com clástica. Neri trata com artistas que insistem em recusar
artistas como Nelson Leirner, Barrio, Antonio Manuel e a se converter pela regulação do modelo eurocêntrico
Ivens Machado, o qual ergueu uma arquitetura dentro com suas contradições acirradas pela dimensão do pro-
" do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1975, cesso de colonização. Tracey Moffatt é a aborígine que
tornando-a espaço de ação escatológica. Machado não se desloca do arcaísmo na direção de utilizar o fundo
perdia de vista a Merde d'artiste de Manzoni. comum das tecnologias contemporâneas para fazer
Desde logo sentimos que a maior dificuldade de emergir, com sua obra ácida, fantasmas pessoais no
lidarcom a idéia de canibalismo estava na Europa, talvez quadro do modelo pós-colonial. Neri questiona a idéia
não sem uma razão cultural. O canibalismo é um antigo de processo de constituição da identidade cultural ao
fantasma da Europa, uma idéia que deixa de ser remota problematizar a própria noção de canibal. Canibal é o
para se tornar uma experiência concreta com os nativos "mau selvagem", que no pólo oposto ao modelo do
da América. No fundo, o canibalismo é para a Europa um "bom selvagem" sedimentado na Europa iluminista,
signo de diferença e de barbárie conforme entendida recusa toda complacência do colonizado e, politica-
neste continente. No entanto, muito das histórias de mente, insiste na "barbárie".
canibalismos conhecidas no Ocidente foram, de certo O Oriente Médio é a região de riscos. É parte de três
modo, a história do canibalismo projetado pela Europa. continentes. A região ferve no centro e arde nas bordas,

24 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


no dizerde seus curadores. Ausente das grandes mostras curatorial e não delimitação de territórios. Pediu-se para
internacionais, organizar Roteiros do Oriente Médio evitar a clássica montagem por salas e constituir uma
implicava organizar intricada arquitetura curatorial. O transparência quearticule regiões, artistas e obras. Arti-
primeiro escolhido foi Vasif Kortun, curador de uma culados, os Roteiros mantêm sua identidade. Os artistas
Bienal de Istambul e proveniente de um país islâmico. não seriam misturados como numa exposição coletiva
Porsua vez, Kortun deveria trabalharcom um curadorde universal que ·reduzisse a experiência individualizada
Israel, tendo escolhido Ami Steinitz. Em sua perspectiva dos curadores a uma espécie de comissão interna-
inicial propusera não incluir em seus Roteiros artistas cional, dissolvendo os olhares num olho único. Canadá
originários de seus países, o que implicaria considerar e Estados Unidos terão uma montagem dispersada pelo
apenas a arte produzida no mundo árabe. Esses Roteiros espaço da Bienal.
são uma espécie de exposição viável. Mais do que uma "Roteiros ... " dialoga com a pintura Mapa de Lopo
exposição de arte de conciliações, como talvez a maioria Homem, de Adriana Varejão. A artista aí se refere à repre~
preferisse, esses Roteiros-mais do que qualqueroutro- sentação cartográfica daquele português que em '5'9
é um testemunho sobre si mesmo como possibilidade do desenha um mapa em que todos os continentes estariam
processo cu rato ri aI. Roteiros Oriente Médio talvez tratem unidos. O capricho cartográfico de Homem reconciliava
mais sobre a arte da curadoria. Sobre as suas possibili- as antigas concepções ptolemaicas e reassegu rava o
dades sobrepostas afrontei ras tão claras e fortemente papel bíblico de Adão como pai da humanidade, o que
demarcadas com feridas abertas. Ou seja, sobre as pos- se daria apenas com esta unidade do horizonte geográfi-
sibilidades de deslocar o olhar por regiões de conflito co. Lopo Homem tentava reconciliar antigas crenças e o
e encetar diálogo. Alguns artistas, por indignação ou trauma do conhecimento. Varejão repõe o trauma. Um
medo de lidar com curadores do "lado inimigo", não grande corte sobre o mapa no meio da pintura expõe as
desejaram participar destes Roteiros. vísceras e a carne do quadro feitas em tinta e sutura, tal
O Oriente Médio, como berço das religiões mono- fenda com material cirúrgico. Frente o desafio da des-
teístas, permite-nos discutircomo o canibalismo é trata- continuidade e do contágio cultural, esta pintura é um
do como prática do Outro entre as sociedades. "Tanto emblema do horizonte cu rato ri ai de "Roteiros ... ".
europeus quanto árabes parecem ter um mórbido inte- Paulo Herkenhoff
resse no canibalismo" é a análise antropológica de Evans-
Pritchard. Para alguns povos africanos, os europeus
seriam canibais. Durante séculos, o cristianismo afir-
mou que os judeus utilizavam sangue humano em
alguns rituais. A eucaristia é um sacramento que impli-
ca o consumo do corpo de Cristo. Na França Antártica,
protestantes comparavam os católicos aos índios cani-
bais. Já na Rússia, uma mulher de confissão batista foi
ipso facto acusada de canibalismo. Como fantasma, o
canibalismo é sempre a prática do Outro.
O arquiteto Paulo Mendes da Rocha criou soluções
para atender ao programa de montagem desenvolvido
pelos curadores. O espaço seria um diagrama do diálogo

25 Ir e vir Paulo Herkenhoff


Paulo Herkenhoff To come and go

"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rotei~ curatorial method: to come and go. The curators should
ros. Roteiros." ["Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. effectively constitute their Roteiros by means of an expe~
Routes. Routes."] The word "Roteiros" is repeated seven rience of treading the territory for a (re)cognition of its
times in Oswald de Andrade's "Anthropophagite mani~ art. After all, a key was already at hand: "Against the cab~
festo." It is situated in between the paragraphs "Against inets, the cultured practice of life," stated Oswald de
the reversible world and objectivized ideas" and "The Andrade in the "Manifesto ofpau~brasil poetry" (I924).
Carahiban instinct." "Roteiros ... " is presence between During the two meetings in São Paulo, the curators
the mechanics of"cadaverized" ideas and cannibalism, consolidated points of departure and defined the final
etymologically originated from carahiba. Africa, Latin format of"Roteiros ... ,; The centrifugaI dialogue gave rise
America, Asia, Canada and the United States, Europe, to objectives of complementarity, counterpoints or con~
Middle~East and Oceania constitute our "Roteiros ... ," frontations, demarcation of specificities. An Internet chat
defined not by a single cri teria, but as a continent, eco~ between the curators coordinated by Adriano Pedrosa
nomic block or cultural regions. We are not dealing here completed thís network of relations of otherness. The
with an expanded version of the allegories of the four curators received information about the relationship of
continents, developed in XVII century European art. this Bienal with the Brazilian audience, its role in the city
The plural noun "Roteiros" connotes multiple view~ context and the commitments with education. ln this
points. Contemporary challenges already indicated that Bienal the general reigning concept is "density," as a
it was necessary for the Bienal to develop the ability to process of the condensation of meanings. Almost all
choose. ln the '70S the idea of special rooms dedicated to "Roteiros ... " curators chose to pay reference to the theme
the great masters in art was established. ln I996 the idea ofAntropofagia and Histories of Cannibalism of the Núcleo
of a show composed of exhibitions of regions in the world Histórico as a working hypothesis.
was introduced with Universalis. Our challenge consisted ln choosing curators from the central eco no mies
in integrating a group of views and articulating criteria. regions we preferred marginal gazes albeit strongly linked
ln the process of"Roteiros ... " it was necessary to define to their regions. The choice ofBelgian and Finnish cura~
the focus. tors with Bart De Baere and Maaretta Jaukkuri for Europe
Mercator oriented the cartographic representations, therefore means displacing decisions from their hege~
nowadays widely extant, according to the position most monic centers. The curators should have the ability to
adequate to European eyes. We are faced with cutouts of articulate a viewing perspective based on the place. It was
the artistic production of seven areas. The "Roteiros ... " necessary to define an issue and test it on site, building
ensemble does not seek to reduce the world to a univer~ the final plan of each Roteiro rather than the realization
salist or globalizing vision, nor each region to an all~ of pre~established declarations.
encompassing gaze. Some compare the role ofthe curator ln the assemblage of Africa's "Roteiros ... " the aim
to that ofthe cartographer. ln the catalogue ofthe exhi~ was to converge the experience and potential of the con~
bition Cartographies (1992), organized by Ivo Mesquita, tinent itself through people who, by the very fact ofliving
the critic Justo Pastor Mellado analyses how the curator's there, face the difficulties of producing knowledge about
cultural and geographic origin denotes the approxima~ the continent in their quotidiano Lorna Ferguson had over~
tions to the art of the Other. "Roteiros ... " would be the come barriers as the coordinator of the I Johannesburg
work of cosmographers searching for a gaze of, about or Biennial. Having been invited, she was asked to indicate
for his/her region. Two principIes were established as a a curator from the region south of the Sahara, from a

26 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


place where art institutions would be scarce. ln this way, less, in the competitive world of globalization and the
Awa Meite enriches these "Roteiros ... " with the artists reordering of economies into geographical blocks, the
from Mali. Even in Africa there exist few curators with a idea of Latin American identification-be it historical
vision of the artistic production of this complex conti- reality, be it fiction-seems to impose itself as an ideo-
nent. Not even means of communication and traveI pos- logical pre-condition for the organization of this hemi-
sibilities are always efficient. For this reason, the Bienal sphere's economic block. Today Mexico, for example, is
de São Paulo understood from the beginning that these a sort of dense border. It is the extremity ofLatin America.
Roteiros could have an additional sense which would be to The north of its territory is the customs border of the
provide African curators with the opportunity to get to United States, as the first North American bastion to
know more about théir own continent. deter the Latin American migratory currents. Chiapas is
The curators of Africa did not search for vestiges of an internal border in Mexican society. Latin American
"cannibalism" in any traditional society. A European edi- borders invade the United States along with the culture
tor acquainted to Africa told me it was pitiful that we that is carried across through migration. Rina Carvajal
connote Africa to cannibalism. Perhaps he wished to res- lives in New York, the place which nowadays concen-
cue the continent from a preconceived notion of canni- trates the diversity ofLatin American thought, attracting
balism as an act ofbarbarity. The process of citizenship critics as destiny in a sort of voluntary diaspora. The sys-
emancipation in Africa is confronted with the politicaI tem of cultural classification that operates in the United
voracity of social exclusion, of racism and genocide. ln States has no validity in Latin America. At the Bienal in
Latin America, modernism-,-and the "Anthropophagite general we are not interested in the ideology of multicul-
manifesto"-is the enlightened moment as the search for turalism with its system of ethnic classification devel-
an individuallanguage that would surpass the colonial oped by North American society.
inheritance as well as its syndrome ofEuropean art emu- The pertinent choice of Asía'scurator in this Bienal
lation. ln that continent we are searching for an art that would displace the search for the predominant axis of
touches on the politicaI emancipation of language and Japan-Korea following the direction towards the south-
the constitution of a painful reflection on the process in east of Asia. Apinan Poshyananda, from Thailand, has
which Africa recognizes itself as the criticaI subject ofits accomplished several exhibitions about Asia. From the
own history. Franz Fanon stated that decolonization is very beginning he adhered to the Bienal's concept, includ-
always a violent phenomenon with the substitution of ing cannibalism. lnitially, Asia was thought ofin terms of
"species" of men. Post-colonialism implies new types of an impasse arising from the fact that references to canni-
violence. South Africa's social time is constituted today balism in Buddhist cosmogonywere far too scarce. How-
as much by the Truth and Reconciliation Commission as ever, its curatorial project was developed towards marry-
by the work of Abdoulaye Konaté ar William Kentridge. ing the tragic density of the present with archaic aspects
At one time, many Brazilian artists avoided Latin . of Asian cultures and the process of that post-colonial
American exhibitions, which were understood as a ghetto. stage. Poshyananda created metaphors and original inter-
Rina Carvajal's curatorial approach takes anthropophagy pretations for cannibalism. Asia's curatorship reflects a
as yet another meeting point between Brazil and Latín wider repertory of interpretations of cannibalism in the
Ameríca. ln its heterogeneity, Latin America seeks to post-colonial processo One of the dimensions tackled is
restrengthen its identity relations, even if the processes desire, demonstrating the vastness with which the loving
ofsubjectivation haveprevalence on other leveIs. Nonethe- act and that of feeding oneself flow together in the signi-

27 Ir e vir Paulo Herkenhoff


fier "to eat." A relevant example would be the Siamese ln reality, for Europe cannibalism is a sign of difference
smile: the idea of self-exoticization as an offering to the and barbarity as understood in this continent. However,
colonizer's consumption and its subsequent devour- many ofthe histories of cannibalism known in the West
ment. There are also politicaI nuances in his notions of were, in a certain way, the history of cannibalism as pro-
cannibalism: wars, oppression of minorities or specula- jected by Europe. Perhaps no continent has ever created
tive attack of the international financial system to Asiatic such a varied body of thought on cannibalism: classical
currencies. mythology, the medieval imaginary, Dante, Staden, Léry,
A special exception in the process of selection of Montaigne, de Bry, Shakespeare, Swift, Goya, Géricault,
these curatorships took place in relation to Canada and the Moreau, Rodin, Freud, Bataille, dadaism, surrealism,
United States "Roteiros ... ", with the choice of the Brazil- Lévi-Strauss, Caillois, Cobra, Yves Klein, in spite of clas-
ian critic Ivo Mesquita. Mesquita had an important expe- sical mythology and the cannibalism of the skythes.
rience in Canada where he executes curatorial work since New Guinea would be the last laboratory ofthe so-
1988 in local institutions and more recently as visiting called classical "primitive" cultures, a type oflast border
lecturer at the Center for Curatorial Studies ofBard Col- of western civilization, as W. Arens states. With such an
lege in the state ofNew York. A precept in the curatorial intense collection of cannibal practices, Oceania could
design developed was to understand cannibalism as a offer motives and facts for a contact with more factual
type of restrained latency in North American culture. aspects. ln an experience that could refer us to the anthro-
Thus JeffWall's work, Dead troops talk, is a primary point pologist Margaret Mead who lived with those peoples
of departure ofthese Roteiros in the discussion of canni.., from New Guinea, Marina Abramovic attempted to carry
balism. Dealing with the Afghanistan war, Wall refers to out a project with cannibals from islands in Oceania.
the The raft ofthe Medusa by Théodore Géricault, the stud- Oceania's curato r, Louise Neri was born in New Zealand
ies of which are exhibited in the Núcleo Histórico seg- and was assistant curato r of the Sydney Biennial. Precise-
ment ofthis Bienal. Another direction taken by Mesquita ly where it would have seemed easiest to discuss social
deals with the "institutional critique." Some ofthe artists identity, Louise Neri strove to extract the process of sub-
are iro nicai of cultural institutions. Art is metaphorically jectivation in individual artists who would easily be
devoured by the institutions ofthe art system (museums, reducible to ethnical standards, to the generic mo deis of
market, architecture, collectors, art criticism, curators, the Aboriginals. The world of surfers and tattooing is
educators, etc.) ln Brazil an extremely voracious institu- exhibited here in an iconoclastic way. Neri deals with
tional criticism was made in the '60S and '70S with artists artists who insist in refusing to convert themselves by the
such as Nelson Leirner, Barrio, Antonio Manuel and regulations of the eurocentric models with its contradic-
lvens Machado, who raised an architecture inside the tions stirred by the dimension ofthe colonization processo
Museu de Arte Moderna ofRio de Janeiro in 1975, turn- Tracey Moffatt is the Aboriginal who, displaced from
ing it into a space of scatological action. Machado would archaism, moves in the direction of utilizing the com-
not lose sight ofManzoni's Merde d'artiste. mon ground of contemporary technologies in order to
From an early stage we felt that the greatest diffi- cause the emergence of personal ghosts in the frame-
culty in dealing with the idea of cannibalism lay in Europe, work of the post-colonial model. Neri questions the idea
perhaps not without a cultural reason. Cannibalism is an of the constituting process of cultural identity in ques-
ancient ghost in Europe, no longer a remote idea when it tioning the very notion of the cannibal. The cannibal is
becomes a concrete experience among American natives. the "bad savage," which at the opposite end ofthe "good

28 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


savage" mode! established in Enlightenment Europe, baptist confession was ipso facto accused of cannibalism.
refuses all colonized complacency and politically insists As a ghost, cannibalism is always a practice of the Other.
in "barbarity." The architect Paulo Mendes da Rocha created solu-
The Middle East is the region of risks. It is part of tions to respond to the installation concepts devised by
three continents. The region boils in the center and the curators. The space would be conceived as a diagram
seethes on the edges, in the words ofits curators. Absent of the curatorial dialogue and not as the delimitation of
from the big international shows, to organize the Middle territories. The curators were asked to avoid the classical
Eastern Roteiros implied organizing an intricate curato- arrangement by rooms and to constitute a transparency
rial architecture. The first one chosen was VasifKortun, that would articulate regions, artists and works. Articu-
curator of one Istanbul Biennial and coming from an lated, the "Roteiros ... " maintain their identity. The
Islamic country. ln turn, Vasif should work with a curator artists would not be jumbled as in a universal group exhi-
from Israel, for which he chose Ami Steinitz. ln his initial bition that reduced the curators' individualized experi-
perspective, Kortun had proposed to exclude from his ence to a sort of international commission, dissolving
Roteiros artists originating in either of their countries, the gazes into a single eye. Canada and the United States
which would imply taking into consideration only the art andwill have a dispersed arrangement throughout the
from the Arab world. These Roteiros are a sort of viable Bienal' s space.
exhibition. Beyond the idea of an art of conciliations "Roteiros ... " establishes a dialogue with Adriana
exhibition as perhaps many had hoped for-and more Varejão's Mapa de Lopo Homem [Lopo Homem's map]. ln
than any other-it is a testimony about itself as the pos- this painting the artist refers to the cartographic repre-
sibility of the curatorial processo The Middle East Roteiros sentation of that Portuguese man who in I5I9 drewa
perhaps deal more with the art of curatorship. With their map in which all continents would be united. Homem's
possibilities superimposed upon clear and strongly cartographic caprice reconciled the old ptolemaic con-
demarcated borders with open wounds. ln other words, ceptions and reassured Adam's biblical role as the father
they deal with the possibilities of displacing the gaze by ofhumanity, something that would only occur with this
conflicting region and introducing dialogue. For fear or unity of the geographic horizon. Lopo Homem attempted
indignation to work with curators from the "enemy's to reconcile old beliefs and the trauma of knowledge.
side," some artists preferred not to participate in these Varejão replaces the trauma. A large cut on the map in
Roteiros. the middle of the paintingexposes the viscera and the
Source ofthe monotheistreligions, the Middle East meat of the picture made with ink and suture, such a fis-
allows us to discuss the way in which cannibalism is sure with surgical material. ln the face of the challenge of
treated as a practice ofthe Other between societies. "Both discontinuity and cultural contagion this painting is an
Europeans and Arabs seem to have a morbid interest in emblem ofthe curatorial horizon of"Roteiros ... "
cannibalism", follows Evans-Pritchard anthropological Paulo Herkenholf
analysis. For some African peoples, the Europeans would Translatedfrom the Portuguese by Veronica Cordeiro.
be cannibals. For centuries christianity stated that jews
used human blood in some rituaIs. The eucharist is a
sacrament which implies consuming the body of Christ.
ln Antarctic France the protestants compared the catho-
lics to the cannibal Indians. And in Russia, a woman of

29 Ir e vir Paulo Herkenhoff


Suely Rolnik

Cartografia sentimental
"Encontraré achar, é capturar, é roubar, mas não há método para achar, só uma
longa preparação. Roubaré o contrário de plagiar, copiar, imitarou fazer como.
A captura é sempre uma dupla-captura, o roubo, um duplo-roubo, e é isto o que
faz não algo de mútuo, mas um bloco assimétrico, uma evolução a-paralela,
núpcias sempre 'fora' e 'entre'."
-Gilles Oeleuze e Claire Parnet, Dia/agues

Cartografia: uma definição provisória


Para os geógrafos, a cartografia-diferentemente do mapa, representação de um todo está-
tico-é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de trans-
formação da paisagem.
Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha
e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos-sua perda de sentido-e
a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação
aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos.
Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera
basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às lingua-
gens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das
cartografias q ue se fazem necessárias.
O cartógrafo é antes de tudo um antropófago.

o cartógrafo
A prática de um cartógrafo diz respeito, fundamentalmente, às estratégias das formações do
desejo no campo social. E pouco importa que setores da vida social ele toma como objeto. O que
importa é que ele esteja atento às estratégias do desejo em qualquer fenômeno da existência
humana que se propõe perscrutar: desde os movimentos sociais, formalizados ou não, as muta-
ções da sensibilidade coletiva, a violência, a delinqüência ... até os fantasmas inconscientes
e os quadros clínicos de indivíduos, grupos e massas, institucionalizados ou não.
Do mesmo modo, pouco importam as referências teóricas do cartógrafo. O que importa
é que, para ele, teoria é sempre cartografia-e, sendo assim, ela se fazjuntamente com as
paisagens cuja formação ele acompanha (inclusive a teoria aqui apresentada, naturalmente).
Para isso, o cartógrafo absorve matérias de qualquer procedência. Não tem o menor racismo
de freqüência, linguagem ou estilo. Tudo o que der língua para os movimentos do desejo, tudo
b que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido, para ele é bem-vindo. Todas as

30 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas. Por isso o cartógrafo serve-se de fontes as
mais variadas, incluindo fontes não só escritas e nem só teóricas. Seus operadores conceituais
podem surgir tanto de um filme quanto de uma conversa ou de um tratado de filosofia. O
cartógrafo é um verdadeiro antrop6fago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar,
transvalorado. Está sempre buscando elementos/alimentos para compor suas cartografias. Este
é o critério de suas escolhas: descobrir que matérias de expressão, misturadas a quais outras,
que composições de linguagem favorecem a passagem das intensidades que percorrem seu
corpo no encontro com os corpos que pretende entender. Aliás, "entender", para o cartó-
grafo, não tem nada a ver com explicar e muito menos com revelar. Para ele não há nada em
cima-céus da transcendência-, nem embaixo-brumas da essência. O que há em cima,
embaixo e portodos os lados são intensidades buscando expressão. E o que ele queré mergu-
lhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia:
pontes de linguagem.
Vê-se que a linguagem, para o cartógrafo, não é um veículo de mensagens-e-salvação.
Ela é, em si mesma, criação de mundos. Tapete voador... Veículo que promove a transição
para novos mundos; novas formas de história. Podemos até dizer que na prática do cartó-
grafo integram-se história e geografia.
Isso nos permite fazer mais duas observações: o problema, para o cartógrafo, não é o do
falso-ou-verdadeiro, nem o do teórico-ou-empírico, mas sim o do vitalizante-ou-destrutivo,
ativo-ou-reativo. O que ele quer é participar, embarcar na constituição de territórios existen-
ciais, constituição de realidade. Implicitamente, é óbvio que, pelo menos em seus momentos
mais felizes, ele não teme o movimento. Deixa seu corpo vibrar todas as freqüências possíveis
e fica inventando posições a partir das quais essas vibrações encontrem sons, canais de pas-
sagem, carona para a existencialização. Ele aceita a vida e se entrega. De corpo-e-Iíngua.
Restaria saberquais são os procedimentos do cartógrafo. Ora, estes tampouco impor-
tam, pois ele sabe que deve "inventá-los" em função daquilo que pede o contexto em que se
encontra. Por isso ele não segue nenhuma espécie de protocolo normalizado.
O que define, portanto, o perfil do cartógrafo é exclusivamente um tipo de sensibili-
dade, que ele se propõe fazer prevalecer, na medida do possível, em seu trabalho. O que ele
quer é se colocar, sempre que possível, na adjacência das mutações das cartografias, posição que
lhe permite acolhero caráterfinito ilimitado do processo de produção de realidade que é o
desejo. Para que isso seja possível, ele se utiliza de um "composto híbrido", feito do seu olho,
é claro, mas também, e simultaneamente, de seu corpo vibrátil, pois o que queré apreendero
movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e representação: fluxo de intensidades

31 Cartografia sentimental Suely Rolnik


escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas cartografias, desestabi·
lizando suas representações e, por sua vez, representações estacando o fluxo, canalizando as
intensidades, dando·lhes sentido. Éque o cartógrafo sabe que não tem jeito: esse desafio
permanente é o próprio motor de criação de sentido. Desafio necessário-e, de qualquer
modo, insuperável-da coexistência vigilante entre macro e micropolítica, complementares
e indissociáveis na produção de realidade psicossocial. Ele sabe que inúmeras são as estraté·
gias dessa coexistência-pacífica apenas em momentos breves e fugazes de criação de sentido;
assim como inúmeros são os mundos que cada uma engendra. É basicamente isso o que
lhes interessa.
Já que não é possível definir seu método (nem no sentido de referência teórica, nem no
de procedimento técnico) mas, apenas, sua sensibilidade, podemos nos indagar: que espécie de
equipamento leva o cartógrafo, quando sai a campo?

Manual do cartógrafo
É muito simples o que o cartógrafo leva no bolso: um critério, um princípio, uma regra e um
breve roteiro de preocupações-este, cada cartógrafo vai definindo e redefinindo para si, cons·
tantemente. O critério de avaliação do cartógrafo você já conhece: é o do grau de intimidade
que cada um se permite, a cada momento, com o caráterde finito ilimitado que o desejo
imprime na condição humana desejante e seus medos. Éo do valor que se dá para cada um
dos movi mentos do desejo. Em outras palavras, o critério do cartógrafo é, fundamental-
mente, o grau de abertura para a vida que cada um se permite a cada momento. Seu critério
tem como pressuposto seu princípio.
O princípio do cartógrafo é extramoral: a expansão da vida é seu parâmetro básico e
exclusivo, e nunca uma cartografia qualquer, tomada como mapa. O que lhe interessa nas
situações com as quais lida é o quanto a vida está encontrando canais de efetuação. Pode·se
até dizer que seu princípio é um antiprincípio: um princípio que o obriga a estar sempre
mudando de princípios. Éque tanto seu critério quanto seu princípio são vitais e não morais.
E sua regra? Ele só tem uma: é uma espécie de "regra de ouro". Ela dá elasticidade a seu
critério e a seu princípio: o cartógrafo sabe que é sempre em nome da vida, e de sua defesa,
que se inventam estratégias, por mais estapafúrdias. Ele nunca esquece que há um limite do
quanto se suporta, a cada momento, a intimidade com o finito ilimitado, base de seu critério:

32 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


um limite de tolerância para a desorientação e a reorientação dos afetos, um "Iimiarde dester-
ritorialização". Ele sempre avalia o quanto as defesas que estão sendo usadas servem ou não
para protegera vida. Poderíamos chamaresse seu instrumento de avaliação de "Iimiarde
desencantamento possível", na medida em que, afinal, trata-se, aqui, de avaliar o quanto se
suporta, em cada situação, o desencantamento das máscaras que estão nos constituindo,
sua perda de sentido, nossa desilusão. O quanto se suporta o desencantamento, de modo a
liberaros afetos recém-surgidos para investirem outras matérias de expressão e, com isso,
permitir que se criem novas máscaras, novos sentidos. Ou, ao contrário, o quanto, por não se
suportar esse processo, ele está sendo impedido. Éclaro que esse tipo de avaliação nada tem a
ver com cálculos matemáticos, padrões ou medidas, mas com aquilo que o corpo vibrátil capta
no ar: uma espécie de feeling que varia inteiramente em função da singularidade de cada situ-
ação, inclusive do limite de tolerância do próprio corpo vibrátil que está avaliando, em relação
à situação que está sendo avaliada. A regra do cartógrafo então é muito simples: é só nunca
esquecer de considerar esse "limiar". Regra de prudência. Regra de delicadeza para com a vida.
Regra que agiliza mas não atenua seu princípio: essa sua regra permite discriminaros graus
de perigo e de potência, funcionando como alerta nos momentos necessários. Éque, a partir de
um certo limite-que o corpo vibrátil reconhece muito bem-a reatividade das forças deixa
de ser reconversível em atividade e começa a agir no sentido da pura destruição de si mesmo
e/ou do outro: quando isso acontece, o cartógrafo, em nome da vida, pode e deve ser absolu-
tamente impiedoso.
De posse dessas i nformações, podemos tentar defi n ir mel hor a prática do cartógrafo.
Afirmávamos que ela diz respeito, fundamentalmente, às estratégias das formações do desejo
no campo social. Agora, podemos dizerque ela é, em si mesma, um espaço de exercício ativo
de tais estratégias. Espaço de emergência de intensidades sem nome; espaço de incubação de
novas sensibilidades e de novas línguas ao longo do tempo. A análise do desejo, desta pers-
pectiva, diz respeito, em última instância, à escolha de como viver, à escolha dos critérios
com os quais o social se inventa, o real social. Em outras palavras, ela diz respeito à escolha
de novos mundos, sociedades novas. A prática do cartógrafo é, aqui, imediatamente política.

Extraído de Suely Rolnik, Cartografia sentimental, transformações contemporâneas do desejo,


São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989, P.1S-16; 66-72.

33 Cartografia sentimental Suely Rolnik


Suely Rolnik

Sentimental cartography
"To encounter is to find, to capture, to steal, but there is no method for finding,
only a long preparation. Stealing is the contrary to plagiarizing, copying,
imitating or doing as. The capture is always a double-capture, the stealing, a
double-stealing, and this is what makes not something mutual, but an
asymmetrical block, an a-parallel evolution, marriages, always 'outside' or
'in-between' ."
-Gilles Deleuze and Claire Parnet, Dialogues

Cartography: a provisional definition


To geographers, cartography-distinct from maps which are representations of a static whole
-is a drawing that accompanies and creates itself at the sarne time as the transformation
movements of the landscape.
Psychosociallandscapes can also have cartography. Cartography, in this case,
accompanies and creates itself at the sarne time as the dismantlement of certain worlds-its
loss of sense-and the formation of other worlds. Worlds that create themselves to express
contemporary affects, in relation to which the cogent universes became obsolete.
Ifthe task of a cartographer is to provide a language to demanding affects, it is basically
expected ofhim that he would be immersed in the intensities ofhis time, and aware of
the languages he encounters, he devour those which seem to him possible elements for the
composition of those cartographies that deem themselves necessary.
The cartographer is first and foremost an anthropophagite.

The cartographer
The practice of a cartographer refers to, fundamentally, the strategies of the formations of
desire in the social jieId. And little does it matter which sectors of the sociallife he chooses as
an objecto What matters is that he remains alert to the strategies of desire in any phenomenon
of the human existence that he sets out to explore: from social movements, formalized or not,
the mutations of collective sensitivity, violence, delinquency... up to unconscious ghosts and the
clinical profiles of individuaIs, groups and masses, whether institutionalized or noto
Similarly, little matters the theoretical references of the cartographer. What matters is
that, for him, theory is always cartography-and, thus being, it creates itselfjointly with the
landscapes whose formation he accompanies (including, naturally, the theory introduced
here). For that, the cartographer absorbs matters from any source. He has no racism
whatsoever regarding frequency, language or style. All that may provide a language to the

34 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


movements of desire, all that may serve to coin matter of expression and create sense, is
welcomed by him. AIl entries are ,good, as 10n,g as the exíts are mu1tip1e. For this reason the
cartographer makes use of the most varied sources, including sources not solely written nor
solely theoretical. Their conceptual operators may equally arise fram a fi 1m as fram a
conversation or a philosophy treatise. The cartographer is a true anthropophaBite: he lives of
expropriation, appropriation, devourment and delivery, transvalorizedo He is always searching
for nourishmel)t to compose his cartographies. This is the criterion for his choices: to
discover which matters of expression, mixed to which others, which language compositions
favor the passage of intensities that traverse his body in the encounter with the bodies he
intends to understand. ln fact, "to understand", for the cartographer, has no relation
whatsoever with explaining and least of all with revealingo For him there is nothing high up
there-skies oftranscendence-, nor down under-the mists of essence. What there is high
up there, underneath and everywhere are intensities looking for expression. And what he
wants is to dive into the geography of affects and, at the sarne time, invent bridges to
undertake his crassing: bridges oflanguage.
We see that language, for the cartographer, is not a vehicle of messages-and-salvation.
It is, in itself, creation of worlds. Flying carpeto ooVehicle that pramotes the transition to new
worlds; new forms ofhistory. We may even say that in the cartographer's practice history and
geography integrate themselves.
This allows us to make two further observations: the prablem, for the cartographer, is
not that of the false-or-true, nor of the theoretical-or-empirical, rather it is that of the
vitalizing-or-destructive, active-ar-reactive. What he wants is to participate, embark in the
constitution ofexistential territories, constitution ofreality. Implicitly, it is obvious that, at
least in his happiest moments, he does not fear the movement. He allows his body to vibrate
in all possible frequencies and keeps inventing positions fram which these vibrations may
find sounds, passage channels, a lift towards exístentíalízation. He accepts life and surrenders.
With body-and-Ianguage.
It would remain to know which are the cartographer's procedures. Well, these do not
matter either, for he knows that he must "invent them" based on what the context in which he
finds himself demands. For this reason he does not follow any type of normalized protocol.
What defines, therefore, the pro file of the cartographer is exclusively a type of
sensitivity, which he sets himselfto make prevalent, wherever possible, in his work. What
he wants is to place himself, whenever possible, in the surroundings ofthe cartographies'
mutations, a position which allows him to welcome the finite unlimited character of the

35 Cartografia sentimental Suely Rolnik


process of production of reality that is the desire. For this to be possible, he makes use of
a "hybrid compound," made out ofhis eye, of course, but also, and simultaneously, ofhis
vibrating body, for what he looks for is to apprehend the movement that arises from the
fecund tension between flux and representation: flux of intensities escaping from the plan of
organization of territories, disorienting its cartographies, disrupting its representations and,
in this way, representations stagnating the flux, channeling the intensities, giving them sense.
lt's because the cartographer knows there is no other way: this permanent challenge is itself
the motor ofthe creation ofsense. A necessary challenge-and, in anyway, insurmountable-
of the vigilant coexistence between macro and micropolitics, complementary and inseparable
in the production of psychosocial reality. He knows that the strategies of this coexistence are
countless-peaceful merely in brief and fleeting moments of the creation of sense; as well as
countless are the worlds that each one engenders. This is basically what interests him.
Since it is not possible to define his method (not in the sense of theoretical reference,
nor in that oftechnical procedure) but, only, his sensitivity, we may ask ourselves: what type
of equipment does the cartographer take, when he sets afield?

Cartographer's manual
What the cartographer carries in his pocket is very simple: a criterion, a principIe, a ruI e and
a brief route of preoccupations-this, each cartographer defines and redefines to himself,
constantly.
You already know the evaluation criterion of the cartographer: it is that of the degree of
intimacy that each one allows oneself, at each moment, with the finite unlimited character
that desire prints on the desirous human condition and its fears. lt is that of the value that is
given to each one of the movements of desire. ln other words, the criterion of the
cartographer is, fundamentally, the degree of openness towards the life that each one allows
oneself at each momento His criterion takes as its premise its principIe.
The principIe ofthe cartographer is extra-moral: the expansion oflife is his basic and
exclusive parameter, and never a cartography of any kind, taken for a map. What interests
him in situations with which he deals is to what extent life is finding channels of effectuation.
lt may even be said that his principIe is an antiprinciple: a principIe that obliges him to
constantly change his principIes. For both his criterion as well as his principIe are vital and
notmoral.
And his rule? He has only one: it is a sort of"goIden ruIe." It provides elasticity to his
criterion and his principIe: the cartographer knows that it is always in the name oflife, and of

36 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


its defense, that strategies are invented, no matter how preposterous. He never forgets that
there is a limit to how much can be borne, at each moment, the intimacy with the finite
unlimited, the base ofhis criterion: a limit oftolerance for the disorientation and
reorientation of affects, a "threshold of deterritorialization." He always evaluates the extent
to which the defenses that are being used serve or not to protect life. We could name his
instrument of evaluation the "threshold of possible disenchantment," since, after all, this
deals with evaluating how much can be borne, in each situation, the disenchantment of the
masks which are constituting us, their loss of sense, our disillusion. How much can
disenchantment be borne so as to free those recently emerged affects to invest in other
matters of expression, and with this allow new masks to be created, new senses. Or, on the
contrary, the extent it is being upheld for not being able to bear this processo Of course this
kind of evaluation has nothing to do with mathematical calculations, standards or measures,
but with that which the vibrating body captures in the air: a type of feeling that varies
completely based on the singularity of each situation, including the limit of tolerance of the
vibrating body itself that is evaluating, in relation to the situation that is being evaluated.
The rule ofthe cartographer is thus very simple: never forget to consider this "threshold."
Rule of prudence. Rule of gentleness towards life. Rule that expedites yet does not attenuate his
principIe: this ruI e allows him to discriminate the degrees of danger and potency, functioning
as a warning sign whenever necessary. Because after a certain limit-which the vibrating
body recognizes quite well-the reactivity ofthe forces ceases to be reconvertible in activity
and begins to act in the sense of pure destruction of one's self and/or of the other: when this
happens, the cartographer, in the name oflife, can and must be absolutely impious.
With these infarmations in hand, we can attempt to better define the practice of the
cartographer. We affirmed that it refers fundamentally to the strategies ofthe formation of
desire in the social field. Now we may say that it is, in itself, a space af active exercise of such
strategies. A space afthe emergence ofnameless intensities, a space ofincubation ofnew
sensitivities and new languages throughout time. From this perspective, the analysis of desire
ultimately refers to the choice ofhow to live, to the choice of cri teria with which the social,
the real social,' is invented. ln other words, it refers to the choice of new warlds, new societies.
Here, the practice of the cartographer is immediately politicaI.

Extracted from Suely Rolnik, Cartografia sentimental, transformações contemporâneas do desejo,


São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989, P.1S-16; 66-72, translated from the Portuguese
by Adriano Pedrosa and Veronica Cordeiro.

37 Cartografia sentimental Suely Rolnik


"De todas as mudanças de língua que o viajante deve enfrentarem terras longínquas, nenhuma se compara à que o espera na
cidade de Ipásia, porque não se refere às palavras mas às coisas. Uma manhã cheguei a Ipásia. Um jardim de magnólias refletia·se
nas lagoas azu is. Cam i n hava em meio às sebes certo de encontrar belas e jovens damas ao ban ho: mas, no fu ndo da água,
caranguejos mordiam os olhos dos suicidas com uma pedra amarrada no pescoço e os cabelos verdes de algas.
Senti·me defraudado e fui pedir justiça ao sultão. Subi as escadas de pórfido do palácio que tinha as cúpulas mais altas,
atravessei seis pátios de maiólica com chafarizes. A sala central era protegida por barras de ferro: os presidiários com correntes
negras nos pés içavam rochas de basalto de uma mina no subsolo.
Só me restava interrogar os filósofos. Entrei na grande biblioteca, perdi·me entre as estantes que despencavam sob o peso
de pergaminhos encadernados, segui a ordem alfabética de alfabetos extintos, para cima e para baixo pelos corredores,
escadas e pontes. Na mais remota sala de papiros, numa nuvem de fumaça, percebi os olhos imbecilizados de um adolescente
deitado numa, esteira, que não tirava os lábios de um cachimbo de ópio.
-Onde está o sábio?-O fumador apontou para o lado de fora da janela. Era um jardim com brinquedos para crianças:
os pinos, a gangorra, o pião. O filósofo estava sentado na grama. Disse:
-Os símbolos formam uma língua, mas não aquela que você imagina conhecer."

Extraído de Italo Calvino, "As cidades e os símbolos", As cidades inuisíueis, São Paulo: Companhia das Letras, 1990 , P.47-48,
traduzido do italiano por Diogo Mainardi.

Carlos Garaicoa City view trom the home table Vista urbana da mesa de casa 1998 maquete de cristal com fotografias, insetos, madeira e água para
instalação em São Paulo [crystal maquette with photographs, insects, wood, water for São Paulo installation] dimensões variáveis

38 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


"Ofall the changes oflanguage a traveler in distant lands must face, none equals that which waits him in the city ofHypatia,
because the change regards not words, but things. I entered Hypatia one mornir:g, a magno lia garden was reflected in blue
lagoons, I walked among the hedges, sure I would discover young and beautifulladies bathing; but at the bottom ofthe water,
crabs were biting the eyes ofthe suicides, stones tied araund their necks, their hair green with seaweed.
I felt cheated and I decided to demand justice ofthe sultan. I climbed the porphyry steps ofthe palace with the highest
domes, I crassed six tiled courtyards with fountains. The central hall was barred by iran gratings: convicts with black chains
on their feet were hauling up basalt blocks fram a quarry that opened undergraund.
I could only question the philosophers. I entered the great library, I became lost among shelves collapsing under the vellum
bindings, I followed t~e alphabetical order of vanishes alphabets, up and down halls, stairs, bridges. ln the most remote papyrus
cabinet, in a cloud of smoke, the dazed eyes of an adolescent appeared to me, as he lay on a mat, his lips glued to an opium pipe.
'Where is the sage ?'
The smoker pointed out ofthe window. lt was a garden with children's games: ninepins, a swing, a topo The philosopher
was seated on the lawn. He said: 'Signs form a language, but not the one you think you know.' "

Extracted fram ltalo Calvino, "Cities and signs ," Invisible chies, New York: Harcourt Brace & Company, I974, PP.47-48, translated
fra m the ltalian byWilliam Weaver.

39 Fragmento
curadoria Louise Neri

Oceania: explorando, não


conhecendo
"No momento em que um selvagem australiano sai para caçar, sua aparência e modo de agir
passam por uma fantástica transformação: o olhar, antes pesado e apático, ilumina-se e nem
sequer por um momento se fixa num objeto; o andare os movimentos, antes lentos e preguiçosos,
tornam-se ágeis e inquietos, embora silenciosos; ele caminha a passos rápidos e furtivos, seus
olhos movendo-se de um lado para o outro, vigilantes, ansiosos por detectar sinais de caça,
temerosos de encontrar inimigos ocultos. Cada um à sua vez, a terra, a água, as árvores e o céu
são submetidos ao olhar perscrutador, capaz de inferir presságios a partir das mais insignifi-
cantes circunstâncias. Ele mantém a cabeça erguida enquanto avança em ritmo variável. De
repente, suspende a marcha e o gesto em movimento, como se subitamente petrificado. À sua
volta nada se mexe, mas seus olhos vigilantes e inquietos movem-se de um lado para outro,
enquanto a cabeça e todos os músculos parecem imobilizados; o branco de seus olhos descreve
rápidos movimentos, enquanto toda a sua sensibilidade está concentrada, e sua alma totalmente
absorta nos sentidos da visão e audição."
-Sir G. Grey, Expeditions in Western Australia [Expedições no oeste da Austrália], 1837-18391

No quadro Impersonation [Personificação] (1984), de GeoffLowe, há uma figura representada na


pose típica do Aborígine Mítico: apoiado sobre uma só perna, como cegonha, tendo numa das
mãos o bumerangue e na outra a lança, o olhar atento a um vasto e aberto algures. Porém este
lugar não é aqui. Aqui o espaço não é infinito, mas limitado, determinado pela largura, altura e
profundidade de uma passagem interna. Nessa figura, nada é particularmente convincente-
meio tola, escondida por uma tosca máscara de rosto negro, a indumentária escura e folgada
como aquela dos ajudantes de cena "invisíveis" no teatro Kabuki, um fio de contas tribais enrola-
do no pescoço-para nãofalarda fatura tênue, esboçada, processual-como a vida, e não à guisa
da vida. Ainda assim, devido a toda sua contingência, este quadro é perturbador, seu sentido
deslizante evoca todo tipo de idéias contraditórias que você e eu possamos ter sobre o Outro-
idéias mais moderadas, talvez, do que as reações, que se alternavam entre idealização e depre-
ciação, dos colonizadores europeus aos povos indígenas, em suas descobertas e usurpações da
chamada terra nullius, mas conflitantes assim mesmo. Imitando nossas brincadeiras infantis de
adivinhação e de "vestir de gente grande", essa imagem também nos dá a noção de como nos
sentiríamos se fôssemos aquele Outro agora, na cultura nervosa de nosso presente. Ao reuniro
mundo do atelier do artista e o mundo construído de múltiplas maneiras que habitamos,
Impersonation esforça-se para tratar daquilo que é o não conhecer, neste caso apresentando, em
nosso meio moderno, impressões contraditórias e freqüentemente estereotipadas-"os modelos
que trazemos dentro de nós"2-dos mais antigos povos indígenas.
Tracey Moffat Heaven Paraíso 1997 vídeo colorido [color videotape] duração 28 minutos

40 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Tatau (1978-86) é um processo de representação que também se realiza num quadro restri-
to, desta vez (segundo nos informa a legenda) uma sala de estar residencial nos subúrbios de
Auckland, Nova Zelândia. Entretanto, não há aqui fantasia improvisada; o próprio corpo
humano desnudo, objeto da pintura, é "envolto em imagens" [trad .] no tradicional processo de
tatau samoano. Ao recuperar a tatuagem a partir de taxonomias descorporificadas do arquivo
colonial para documentar sua afirmação visceral de experiência individual e coletiva, o fotógrafo
MarkAdams descreve seu trabalho de estripação como uma reação consciente ao seu estar num
determinado momento histórico - "Em 1978, a Nova Zelândia não integrava a Polinésia. Havia
o medo como reação indigna àquilo que não conhecíamos"3-e ao espaço emergente de cruza-
mento de culturas que o fotógrafo passou a observar e ocupar naquela época, levado por seu
próprio desejo de criar imagens a partirde experiências radicais. Juntamente com o artista e seu
objeto-a interação entre o tatuador, seus colaboradores e a "vítima" [sic]-, participamos da
manifestação de uma provação tribal, que é ao mesmo tempo autenticamente alienígena e radi-
calmente alterada por seu novo contexto. Enquanto trabalhava, integrando-se no turbulento
processo social do tatau, onde a realidade é tanto o compartilhamento de uma vivência exte-
nuante, quanto o local onde ela ocorre, Adams descobriu que a própria barreira entre culturas
não era fixa. Se os samoanos que ele conheceu adotavam o tatau como maneira de afi rmar sua
identidade, alguns o faziam num contexto que viam como um espaço deslocado; para outros, o
espaço se deslocava no tempo para tornar-se um novo espaço cultural compartilhado, ligando
o lugarda realidade atual com o evento de determ inação histórica. Consciente do fato de que suá
posição de estrangeiro no quadro acarreta um perigoso grau de deslizamento entre o que ele diz
estar fazendo e o que realmente está acontecendo- aquilo que, segundo sua expe riência, no
passado parecia corporificar a familiaridade, ser conhecido, agora apresentava-se instável-,
Adams consumou o paradoxo, transformando-o em efeito positivo. "Estas seis imagens definem,
para mim, os limites daquilo que agora acho razoável, mais ou menos bom. E isto pode ser, em
parte, porque se Paulo (o tatuador), sua família e os outros samoanos que agora conheço, antes
eram aquilo que eu não conhecia, agora certamente não são mais. Portanto, se a distância propi-
ciada pela ação de 'transformar em outro' for reduzida ou removida por meio de negociação,
talvez a potência do argumento sobre quem pode representar quem seja proporcionalmente
diminuída. Ou talvez isso nem tenha mais importância."4
Heauen [Paraíso] (1997), um vídeo doméstico aparentemente simples, beirando o enfado-
nho, representa a reviravolta subversiva de Tracey Moffatt na filmografia convencional de temas
antropológicos e vida selvagem . A artista transforma, num empreendimento científico de alta
inflexão emocional, seu trabalho de campo, conduzido segundo a genuína tradição naturalista-
um quadro que ela gerou por tentativa e erro e depois dirigiu por controle remoto, enviando um
grupo de mulheres a várias praias de surfe na Austrália, com a missão de colher, seguindo crité-
rios rígidos, imagens que ela pudesse montar num só filme, sem cortes. Em lugarde povos nati-
vos ou vida animal, em Moffatt temos a taxonomia do Grande Macho Australiano lentamente
revelada no prelúdio e no poslúdio do Grande Surfe Australiano, ao som do rufarde tambores e
da rebentação. E, como na maioria dos filmes sobre animais selvagens (ao contrário dos filmes
sobre surfe), os momentos orgásticos desse esporte mítico são relegados ao plano das tomadas
panorâmicas, quando não totalmente ausentes. Aqui, acompanhamos o olho da câmera no
encalço de surfistas que transformam em vestiários as áreas de estacionamento junto à praia,
onde são flagrados no despojamento pós-coito de sua segu nda pele, a de neoprene. E, tal como
na observação de animais na floresta, o esconde-esconde que o olho joga com sua presa fálica
é errático e precário e o sujeito, indiferente, hipnotizado e hostil. Mas a excitação é irresistível e
a busca prossegue até o "abate", quando a mão de uma mulher subitamente se projeta de t rás
Tracey Moffatt Heaven Paraíso 1997 vídeo colorido [color videotape) duração 28 minutos

43 Oceania Louise Neri


da câmera e arranca a toalha com que a "vítima" esconde suas partes pudendas. No curso desta
vivissecção lenta e minuciosa, o homem, tendo desfrutado os prazeres e enfrentado os perigos
do oceano amniótico, é acossado, encurralado e agilmente desmembrado, literal e metaforica-
mente, por u ma predadora terrestre.

Só me interessa o que não é meu ... Em seus respectivos projetos, Lowe, Adams e Moffatt exploram
aspectos daquilo que eu denominarei "síndrome de coração das trevas", a forma de sentimento
psicótico tão vividamente articulado e dramatizado nos primeiros encontros históricos entre
homem branco e "selvagem", subseqüentemente fantasiado na literatura e filmografia enlatada-
aquele efeito de adrenalina provocado pelo não saber, pelo medo de ser diferente e enxergar de
modo diverso em espaço alheio. As narrativas de primeiros contatos são em grande parte
histórias violentas, uma implosão em espiral que transforma esse sentimento conflitante em
formas mais sutise sinistras de desejo esquizóide, a impulsionarobjetivos de longo prazo de
controle, possessão, assimilação e destruição-a apropriação do "canibal", a partirde sua estru-
tura cultural específica, pelo "civilizado" de modo a permitir-lhe atos de violência e promis-
cuidade sem limites. Só me interessa o que não é meu ... Por outro lado, enquanto reconhecem a
presença do estranho em si próprios como condição imanente, os artistas criam contextos
dinâmicos, de performance e de confrontação, por meio dos quais exploram esse mesmo senti-
mento ao invés de tentarem defini-lo e fixá-lo no espaço estático e distendido da história. E, ao
converter suas contradições inatas em vez de coibi-Ias, lançam o sentimento como um discurso
fértil e ativo nos espaços infinitamente contestados de terra e corpo.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Bem no espírito de verdadeiros
canibais modernos, nossa curadoria apropriou o título de sua seção do manifesto visionário de
Oswald de Andrade, que reivindicava uma cultura brasileira nativa e moderna. Outros excertos
do manifesto aparecem ao longo do meu textoS. Minha reação instintiva à topografia escarra-
pachada de nossos roteiros exploratórios, no conceito abrangente de antropofagia, foi tratar a
Oceania como um projeto de história espacial e corpórea, uma entidade antropomorfizada que
havia se transformado no próprio objeto antropofágico, ou seja, aquilo que estava sendo cani-
balizado. Este raciocínio reflete a idéia de que todos nós temos uma relação de consumo com a
terra que habitamos, em virtude de nossos desejos e ações. Em outras palavras, somos todos
"devoradores do futuro"6. Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente ...
Poder-se-ia até mesmo sugerir que a terra não existe até que seja reconhecida e se torne objeto de
ações, até que entre para a linguagem. Assim, a história de uma terra é uma história intersubje-
tiva do quão diferentemente as pessoas se comportam na paisagem e a respeito desse fenômeno,
e do conflito que surge do fato de pessoas habitarem um mesmo lugar, de modos diferentes.
A obra fundamental de GeoffLowe, Tower Hill [Monte Torre] (1g84)-produzida na mesma
época que o ciclo de pinturas Ten famous feelings for men [Dez sentimentos famosos para homens],
o qual inclui Impersonation-originou-se de sua fascinação com Tower Hill, morro de primordial
beleza situado na região agrícola de Victoria, desnudado para receber culturas aráveis no final
do século XIX, e que mais de um século depois foi reflorestado, tendo como modelo a paisagem
original reproduzida pelo pintor romântico austriaco Eugene von Guerard. Como resposta a
essa extraordinária caixinha chinesa? de arte e vida-a reconstrução de uma paisagem natural
com base numa representação evidentemente resultante do modelo interior do próprio artista
imigrante do século XIX, o qual assimilava nos termos formais que conhecia a paisagem alieníge-
na diante de si-, Lowe convidou Greg Page, artista que vivia de pintara óleo e in loco paisagens
do cotidiano, que vendia diretamente do cavalete para excursionistas de fins-de-semana, e
seu equivalente urbano e pós-moderno, Tony Clark, que à época conduzia uma investigação
acanhada de temas de paisagens históricas, para colaborar com ele num grande trabalho de

44 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


composição, trazendo à baila e desenvolvendo um complexo discurso sobre o papel central e
controverso da pintura na percepção e ordenação da paisagem. Na disposição resultante, na
mesma medida que a pintura original de von Guerard permaneceu fiel ao próprio "modelo
interior", Lowe executou o modelo como um constructo discursivo e instável: Tower Hill consiste
de um grande painel central, uma pós-imagem esquemática pintada em tons ácidos de amarelo
e verde, em torno da qual estão agrupados pequenos objetos que vão desde representações mais
cromaticamente convincentes, embora igualmente impressionistas, da localidade, até esboços
do natu ral e de modelos. Essa noção do poder exercido pela pi ntu ra sobre a paisagem alcança
sua apoteose em Painting devours everything [A pintura devora tudo] (1995), uma formulação
posterior e ainda mais esquisita de Lowe, onde a topografia de Tower Hill é antropomorfizada
num dragão mítico da Renascença italiana (que a meu veré mais parecido com seu equivalente
antipodiano, o Grande Crocodilo Australiano) como tributo à persistente capacidade da pintura
de permear a imaginação cultural.
Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico . ..
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada ... Pelos roteiros. Acreditar nos sinais,
acreditar nos instrumentos e nas estrelas ... No cenário sempre repetitivo do Paraíso perdido, saqueado
e consumido, emerge um enredo alternativo, que propõe os processos da própria exploração
como história, e não as descobertas. Ser um explorador significa habitar "um mundo de objetos
potenciais com os quais se mantém um diálogo imaginário"8. A natureza ativa do tempo e do
espaço do explorador rejeita o impulso de impor estruturas tangíveis sobre outras menos ime-
diatamente visíveis, literalizaros limites e relações metafóricos, permitindo-lhes permanecer
dinâmicos e sensíveis. Uma outra instância, mais frágil, do desejo reside nesse discurso espacial
e sem fim sobre a exploração, onde o não conhecertransforma-se num estado positivo e atuante
de investigação, de vivência no momento e de descrição em termos dessa vivência. O não saber
e o risco, inclusive o conhecido tropo do vôo para fora do corpo e do tempo, revelam-se como
atitudes de sabedoria xamânica, desde os primeiros relatos do explorador até as investigações
do artista contemporâne0 9 •
A produção em vídeo de Francis jupurrurla Kelly se situa nas especificidades de tempo,
lugar, estrutura social e linguagem de seu povo tribal, os Warlpiri, uma comunidade aborígene
que habita a remota região de Yuendumu, no Território Norte da Austrália. Parentesco e paisagem
são os dois principais universos do pensamento Warlpiri. Suas relações metonímicas e metafóri-
cas são expressas mais dramaticamente nas cerimônias, onde as representações materializam
e renovam essas associações.jukurrpa ou "a Lei" é um cabedal de conhecimento cronotópico que
possui poder de coalizão e força contemporânea, o qual se interpenetra com a relação espaço-
tempo mundana que gera, ao mesmo tempo em que difere dela. Os relatos sobrejukurrpa des-
crevem as ações de certos seres e a maneira como eles criam e recriam a paisagem, seus recursos
e forças naturais. Essas histórias e a trama de parentesco se posicionam metaforicamente na
grande paisagem, e no limite alcançam o outro lado do continente.
Utilizando os meios de comunicação colocados à disposição pela Warlpiri Media,jupurrurla
criou modos de utilização de vídeo e televisão que combinam com as premissas básicas da forma
de representação performática e oral de sua tradição cultural tribal. Os mecanismos que per-
mitem aos povos indígenas alcançar autonomia cultural e política dependem total e essencial-
mente do universo da produção cultural, na capacidade que a cultura tem de construir-se, formar
sua imagem aos seus próprios olhos e aos olhos do mundo. Se até a próxima geração os meios
de representare reproduzir formas culturais forem apropriados e perdidos, a civilização estará
destruída. Éesta a luta que origina a arte dejupurrurla, a questão de como os meios de repre-
sentação podem ser eficazmente introduzidos na jukurrpa-a qual privilegia os processos
reprodutivos e não os produtos, e restringe as expressões sigilosas-para rememorare reativar

45 Oceania Louise Neri


a coleção de narrativas tribais, restaurando assim um sentido de lugar, sem ameaçar a própria
base da cu Itu ra.
jupurrurla sugere que a movimentação inquieta e recorrente de sua câmera de vídeo traz
um significado a cada passo. As tomadas panorâmicas não seguem o movimento do olho do
artista, mas sim do olhar de personagens invisíveis, que convergem para a paisagem partici-
pando de cerimônias rituais, incluindo certas histórias-dançadas "trazidas" de alguma distância
para produzir a contigüidade e o corpus dessas histórias. Os não-iniciados poderão ver neste
vídeo uma produção doméstica e não um trabalho épico de peso; entretanto, levando-se em
conta os conceitos de parentesco e lugar dos Warlpiri, a expressão "filmagem caseira" é muito
procedente. O primeiro vídeo feito por jupurrurla, Coniston Story (1984), relembrou um grande
massacre de aborígenes pelos brancos em 1929, em retaliação pelo assassinato de um branco
caçador de peles e dingos, os cachorros dos aborígenes. A matança aniquilou a concentração
ritual, a congregação que funcionava como repositório de histórias locais e de tomada de
decisões. As várias versões de narrativas sobre esse período histórico, conhecido como "Killing
Time" (Tempo de Matança), serviram de mito de origem, explicando a presença e natureza dos
europeus na região e articulando as relações que emergiam entre as duas culturas. jupurrurla
retornou ao local mais de meio século depois, levando consigo trinta Warlpiri-o número
necessário, segundo o cômputo de parentesco, para identificar e articular as relações na repro-
dução cultural. Esse grupo incluía um velho japangardi (membro da "metade" oposta do grupo
tribal de jupurrurla), o qual testemunhou os eventos na sua infância e faria a narrativa da
história, segundo complexas exigências de inscrição e produção cultural, que obedecem aos
binômios correspondentes de casamento e descendência. Assim, o processo de recordação da
comunidade, instigado para reconstruiro relato do que aconteceu, repor as histórias perdidas no
massacre, também se transforma no sistema pelo qual se estabelece e põe em funcionamento
os procedimentos de produção, realizando o objetivo de jupurrurla, ou seja, criarYapa-meios
de comunicação que verdadeiramente existem na e a partirda cultura Warlpiri.
Dadas as complexas condições que corroboram a produção artística na cultura aborígene,
no que diz respeito à concepção, interpretação e expressão cultural, jupurrurla dirige, ao invés
de criar, expressões da cultura comunitária rigorosamente negociadas e articuladas. Ele baseia
seu modelo de discurso eletrônico nos princípios de orientação, ou seja, que cada um fala a partir
de e para seu lugar em particular. Portanto, qualquer história vem de um lugar específico e viaja,
formando em sua passagem elos que definem os roteiros para pessoas e cerimônias. Uma
longa história, um mito completo ou uma decisão importante requerem um grande número de
pessoas e enredam muitas comunidades para sua efetivação. Por isso, a referida transferência
do discurso Warlpiri para a linguagem de vídeo é altamente exploratória.
Mais de dez anos após sua primeira incursão no universo dos filmes em vídeo, jupurrurla
continua a produzi-los em Yuendumu, além de dedicar-se à família e à comunidade, suas prin-
cipais àtribuições. Nesse período, os objetivos vêm sendo razoavelmente mantidos e os registros
cresceram, assim como as transmissões via satélite e as co-produções com redes nacionais de
telecomunicações. Entretanto, o projeto é frágil e está sempre ameaçado de extinção; assim
como o futuro da comunidade, sobrevive somente graças ao constante e vigilante processo de
negociaçã0 10 •
GeoffLowe continua a questionar sua própria posição como um artista, na fragilidade
temporal e espacial do mundo vivenciado, agora colaborando regularmente com outros para
incorporar passagens formais e experimentais por fora da linguagem do seu trabalho pessoal,
para dar sustentação à instável e insolúvel aparência das coisas. O artista entrou, literal e metafo-
Tracey Moffatt Up in the sky Lá no céu 1997 25 litofotografias off-set [off-set photolitographies] edição 47/60 72x102cm
cortesia Roslyn Oxley9 Gallery, Sydney

46 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


47 Oceania Loui se Neri
ricamente, em suas pinturas-como, por exemplo, em Ready, steady, go [Aprontar, preparar,
largar], de 1990, onde ele transpõe as atividades desinibidas de workshop do grupo "Rosebud"
e entra no espaço abstrato e prazeiroso de uma pintura feita por sua colega Angela Brennan-
utilizando as técnicas aprendidas na psicoterapia em grupo. Querdizer, usando o que as pessoas
conhecem como resultado daquilo que já vivenciaram para explorar conceitos mais amplos,
desdobrar sua estrutura em vários outros meios cooperativos-os quais ele não cria, mas dirige,
juntamente com sua sóciaJacqueline Riva: um grupo de projeto (A constructed world) [Um mundo
construído], um fanzine de arte (ARTFAN), e um vídeo coletivo (Scenes from the Whipstickforest. .. )
[Cenas da floresta Whipstick ... ].
Por intermédio do ARTFAN, um projeto desenvolvido por Aconstructed world e publicado pelo
próprio grupo desde 1993, Lowe e Riva procuram restabelecer as comunicações entre o mundo
da arte e o mundo exterior, extraindo insights e impulsos sobre a arte de uma grande variedade
de vozes concorrentes. Cada exposição ou nova edição é apresentada em cerca de cem palavras
porquatro pessoas-um crítico, um artista, um indivíduo de profissão não-correlata e um leigo
no mundo das artes, que representa o público em geral. Enquanto reconhece que "a reação à
arte é seu maior capital"11, a ARTFAN se esforça para equilibrar a voz do observador-avaliador,
estimulando várias outras opiniões sobre a aparência da arte e a própria experiência da obser-
vação. Scenes from the Whipstick forest ... , uma série de "sketches" filmados em vídeo, também é
feita "para o momento da experiência real de se juntar pessoas só para ver no que dá". Com uma
câmera de vídeo doméstica, ferramenta "ágil, presente, democrática, de fácil manejo para o
indivíduo ou grupo, barata e divertida~', que utiliza relativamente sem talento ou perícia, Lowe
filma performances coletivas na paisagem ilimitada e caprichosa, na procura de seu caminho de
retorno para o que é o não conhecer. "As pessoas fazem um monte de coisas frente à câmera:
cantam, tiram suas roupas, revelam algo secreto. Parecem incorpóreas ou em estado de graça,
abençoadas ou radiantes, melhores no vídeo do que na pintura, de alguma forma mais meigas,
efêmeras, mais presentes, mais desejáveis. Mas, no caso da paisagem, é necessário conhecer a
iluminação disponível, os ângulos etc., para se conseguir alguma sensação de 'estar ali', caso
contrário ela parecerá plana, sem nuances e 'unidimensional', desprovida de características de
paisagem. O vídeo é como uma pintura, na medida em que você tende a aprender.sobre o mundo
enquanto testemunha algo que pode ser representado ... alguns sentimentos não se dão a ver,
precisam ser significados."12
Todos os meios que o grupo A constructed world utiliza em seu repertório são adotados com
o propósito de oferecer múltiplos pontos de entrada em tópicos comuns ao coro de vozes que
constitui a comunidade de artistas e amadores, em constante evolução, trabalhando em torno
de Lowe. Imagens e opiniões de pessoas famosas ou comuns competem lado a lado, fantasias e
fatos vivenciados flertam e entram em conflito mútuo. Assim, a imaginação de Lowe se recoloca
no mundo exterior que usa como cenário, "uma cena temporal solta, onde a história acontece e
a cu Itu ra se forma"13. "Sem pre tive enorme confiança no local, e não no país ou estado, pois ele
representa a oposição ao domínio da cultura mundial, uma vez que advém da repetição de suas
próprias experiências. Locais poderão ser bons ou maus, porém são verificáveis. Você constrói
um senso de lugar com base naquilo que acontece com você" .14
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós ... Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Car-
naual. .. Contra a realidade social, uestida e opressora, cadastrada por Freud ... Fascinante e enigmática, Up
in the sky [Lá no céu] (1997), a fuga fotográfica de Tracey Moffatt, traz evocações obscuramente
religiosas da interpenetrabilidade entre indivíduo e paisagem. Moffatt explora seu "coração de
trevas"-aquilo que não conhece-numa queda livre, a alta definição controladora de sua visão
artística que lhe permite relembrar, repetidas vezes, aqueles poucos momentos de ansiedade
proibida necessários para o clic perfeito enquanto se posta, em segurança, detrás da lente.

48 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


A análise do sonho comum de queda no vazio supõe que, se o indivíduo não desperta antes
de chocar-se contra o solo, é porque está morto. Portanto, a queda livre poderia ser o estado de
"sonho acordado", um termo que vem sendo usado para descrever o poder da fotografia em
misturar passado e presente, suspender em destilações incomparáveis o mundo e a vivência
dele pelo artista 1s .
Ao direcionar sua mente incansável de vivisseccionista para indivíduos e ambientes exis-
tentes, cujas experiências redistribui num registro propositalmente mais elevado, Moffatt
confere um lirismo formal e selvagem à sua consciência exploratória da interação humana com
e na paisagem. Ao criaro storyboard de Up in the sky, enquanto se dirigia para algum destino em
lugar nenhum, a artista identificou momentos ambíguos e espantosos no não-enredo, segundo
os personagens e locações que encontrou em seu caminho. "Escolho meus personagens pelas
pessoas que são, e não poraquelas que eu gostaria que fossem".16 A partirdaí, ela permite que
as características de cadajogadore cada lugar, segundo sua própria percepção, representem-se
sob a direção dela. Porém, será que neste cenário Tracey Moffatt sonhou os personagens, ou
foram eles que a sonharam? Na paisagem áspera e vazia, as realidades dos indivíduos se
materializam num agourento espetáculo de sonho acordado.
No esboço incompleto que Moffatt apresenta, os hiatos e espaços em branco são tão pro-
vocantes quanto as próprias revelações. A ativação da capacidade crítica do observador, com o
objetivo de explicare descobrir, não leva a lugar nenhum pois, no limite, é a intensidade e ousa-
dia da aventura-"a qualidade da viagem"17-que confere emoção ao trabalho. No jardim de
bifurcações de Moffatt, o indivíduo se vê sempre de volta ao começo, sabendo menos ainda que
antes e, por isso mesmo, sentindo-se muito mais sábio.
Outra série de eventos imponderáveis: Untitled 22092 (12 March 2025) [Sem título 22092 (12 de
março de 2025)]: "Um mapa de Chipre, desenhado com precisão a partir de levantamentos
topográficos, onde, devido ao aquecimento global, o nível do marse elevou, inundando a planí-
cie entre as montanhas do norte e as do sul, criando duas ilhas distintas, solucionando assim a
questão atual da fronteira que divide o norte do sul". Untitled 22095 (15 March 2025) [Sem título
22095 (15 de março de 2025)]: "Nadando e imaginando a inundação." Untitled 22099 (19 March
2025) [Sem título 22099 (19 de março de 2025)]: "Carrinhos de mão, montes de areia e outras
coisas necessárias para o preparo do concreto. A construção na planície prossegue impervia:-
mente". Untitled 22108 (28 March 2025) [Sem título 22108 (28 de março de 2025)]: "O efeito
estufa. Um lugar indistinto, o céu muito escuro e a lua cheia forçando sua passagem ao centro.
Umajovem recostada, em traje contemporâneo, cobre parcialmente seu rosto com a mão, sorri
em nossa direção por entre os dedos". E assim por diante. 18 Será que essas coisas realmente
aconteceram no futuro? Será que esses lugares e pessoas jamais existiram?
Mutlu Çerkez é um cipriota turco que reside e trabalha na Austrália, para quem a identi-
dade contestada de sua pátria longínqua é umafonte inata e perene de entretenimento para sua
pesquisa artística. (Digo "entretenimento" porque o toque de Çerkez é delicado e indefinível,
revelando sua preferência pela natureza sugestiva do fragmento imaginário face à literalidade
do todo ideológico). Frente à sua indeterminação, que como sabemos pode ser ao mesmo tempo
liberalizante e perturbadora, Çerkez se volta para a imagem tênue de sua única certeza: o seu
próprio "eu". Mas, em vista do ceticismo com que vê o corpo empírico, as questões a ele rela-
cionadas, e a lógica da narrativa clara, prefere desempenhar sua experiência na forma de uma
trama em aberto, complexa e instável, de referências edéticas ao seu passado, presente e futuro.
Nesse processo, Çerkez produz lentamente e com sensível precisão ao longo de um amplo reper-
tório de meios-pintura, artes gráficas, escultura, música rock e cinema-e de taxonomias-
tanto naturais como artificiais-, para formar cenários cuidadosamente orquestrados, enquanto
inventa e reinventa regras e táticas no âmbito da estratégia de seu estado lúdico.

49 Oceania Louise Neri


Mark Adams
Farwood drive, Henderson, West Auckland Su'a Pasina Sefo da série Tufuga Ta-Tatau 1982 cibacromo
125 x100cm coleção Museum of New Zealand Te Papa Tongarewa
Chalfont Crescent, Mangere, South Auckland Su 'a Suluape Paulo II da série Tufuga Ta-Tatau 1985 cibacromo
125 x100cm coleção Museum of New Zealand Te Papa Tongarewa

51 Oceania Louise Neri


Rechaçando a idéia de que o desenvolvimento artístico deve seguir uma progressão linear
de tempo, a obra de Çerkez propõe um modelo cronotópico, no qual os eventos e experiências
subjetivados em termos de seu próprio espaço de vida, real e imaginado, permanecem em estado
constante de fluxo dinâmico e interdependente. Assim, numa exposição dos trabalhos do artista,
o observadoré propelido, de imagem a imagem, às dobras e hiatos do tempo metafísico. O pro-
jeto Notes for an unwritten opera [Notas para uma ópera não escrita] (1992) consistiu de oito ima-
gens, "lembranças"19 de uma viagem à sua terra natal e uma linha do tempo tirada da vida do
próprio Çerkez e instaladas, juntamente com um apiário vivo, na parede externa da galeria, de
modo que os visitantes pudessem observar as abelhas trabalhando em seus favos. Em More notes
for an unwritten opera [Mais notas para uma ópera não escrita] (1997), três pinturas e um modelo
escultórico referiam-se a trabalhos anteriores, os quais por sua vez adquiriram uma importância
mais profunda como índices. Sem dúvida, Çerkez continuará a elaboraros termos semânticos e
físicos de sua obra no quadro de sua "ópera", a qual, assim como todas as suas imagens edéticas,
poderá ou não algum dia ser representada por pessoas reais, em tempo real. E, assim, Çerkez
mantém esses termos num estado de potencialidade, tão enigmáticos e vulneráveis quanto a
figu ra que ele rep resenta "nadando e imagi nando a inundação" em algum ponto longínquo na
história futura, suspensa numa existência sensível, embora não-diferenciada, num oceano de
tempo e espaço.

Post-Scriptum: Antropofagia, Exploração e Sentimento Oceânico


Sob a imensa, complexa e turbulenta superfície da Oceania enlouquecida portantas linhas con-
fl itantes de desejo, há uma outra oceania que de tempos em tempos se revela aos exploradores
- não apenas um outro novo território para serconsumido pelo descobrimento ou pelo olhar,
mas algo substancialmente menos tangível, um sentimento, um "objeto em potencial com o
qual travar um diálogo imaginário". Certa vez Romain Rolland descreveu esse "sentimento
oceânico" para seu amigo Sigmund Freud - com o qual discutia religião porcorrespondência-,
como sendo "um sentimento puramente subjetivo e não-específico de eternidade, de imensidão,
ausência de limites, um sentimento de vínculo indissolúvel com o mundo exterior". Refletindo
a partir de base científica, Freud considerou o "sentimento oceânico" possivelmente como sendo
uma disfunção do ego, onde as linhas divisórias entre este e o mundo exterior haviam-se tornado
"incertas" ou "incorretamente traçadas." Após maior reflexão, inferiu que o sentimento pudesse
ser uma forma ideada e sobrevivente do estado mental primord ial quando o ego e o mundo à
sua volta estavam mais intimamente ligados 2 0 • O escopo que Freud definiu em suas tentativas
de compreender o significado de Rolland tem dois pólos sociais: numa extremidade, o sujeito
psicótico que não percebe o limite que o separa dos outros, e na outra extremidade-ponto de
partida de minhas explorações-o artista em seu território artístico, unificado com aquilo que
está sendo representado. Para aqueles que vivem, como nós, num tempo em que o pensamen-
to psicanalítico permeia cada centímetro de nosso espaço cultural, é fácil subestimaro quão
liberalizantes as descobertas e definições de Freud poderão ter sido para uma cultura na qual,
antes de suas investigações, os impulsos humanos mais vigorosos não tinham nomes e, por-
tanto, eram banidos para os mundos mais amedrontadores do não-conhecer e da superstição.
Pergunto-me se Rolland e Freud, sentados às suas respectivas escrivaninhas, imersos em seu
diálogo amniótico, davam-se conta de que ambos integravam uma consciência participativa,
uma mesma cadência religiosa de acordo com a qual Oswald de Andrade, no outro lado do
mundo, já havia começado a escrever seu "Manifesto antropófago" .
Louise Neri. Traduzido do inglês por Izabel Murat Burbridge.
Agradeço a Co ll ier Schorr por seu apoio editorial e comentários e a todos do passado, presente e futuro cujas reflexões e
palavras espero ter respeitosamente consumido.

52 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


1. Londres, 1841, vol. 2, P.267 in Paul Carter, The road to Botany 14. GeoffLowe num discurso de inauguração da mostra "St.
Bay: an exploration of landscape and history, Chicago: Chicago Kilda Scapes", Melbourne 1991, GeoffLowe: collaborations 1980-
University Press, 1987, P.350. 199 2, P·23·
2. Geoff Lowe em entrevista a Alison Carroll, "The excluded 15. Esta expressão foi tirada de "Ode to a Nightingale", de
middle: GeoffLowe talks about his work with amateurs," no John Keats (1819), para servirde título da exposição "The wak-
catálogo da exposição Geoff Lowe: collaborations 1980-1992, ing dream: photography's first centuryj selections from the
Melbourne: Australian Centre for Contem porary Art, 1992, p.12 Gilman PaperCompanycollection," realizada no Metropoli-
3. MarkAdams em correspondência com a autora, maio 1998. tan Museum, Nova York, 1993. No texto de apresentação do
4. Idem. catálogo, a curadora Maria Morris Hambourg usa o grande
5. Oswald de Andrade, "Manifesto antropófago," (1928), devaneio de Keats para descrever a qualidade fantásmica de
Gilberto Mendonça Telles (org.) Vanguarda européia e moder- fotos "excepcionais, cuja presença pode conter uma reali-
nismo brasileiro, Petrópolis: Vozes, 1972. dade desconcertante, [mas] uma realidade que flutua num
6. Tomei emprestado este termo do controverso estudo da universo incorpóreo no qual passado e presente se fundem.
história ecológica das terras e povos australianos escrito pelo Enquanto existem simultaneamente em ambas as dimen-
australiano Tim Flannery, especialista em animais mamíferos sões, elas são pós-imagens de visões poéticas no coração das
(Melbourne: Reed Books, 1994). O estudo pressupõe a dizi- coisas", p.xviii.
mação do meio ambiente primordial pelo homem como uma 16. Tracey Moffatt em conversa com a autora, maio de 1998
inevitabilidade fatalística da habitação humana. 17. Paul Carter, The road to Botany Bay: an exploration oflandscape
7. Alusão ao brinquedo chinês que consiste de cubos encaixa- and history, p.26 Carter utiliza essa expressão charmosa em
dos, os menores dentro de maiores, sucessivamente [N. da n. sua discussão sobre o Capitão James Cook, explorador inglês
8. Paul Carter, The road to Botany Bay: an exploration oflandscape do século XVIII, que o autor designa como "o inauguradorda
and history, Chicago: University ofChicago Press, 1989, P.25. história espacial australiana".
Estou absolutamente em dívida com o brilhantismo meta- 18. Estas descrições de autoria de Çerkez foram publicadas no
fórico da teoria original e vívida da descoberta e exploração catálogo de sua exposição, Notes for an unwritten opera, Anna
da Austrál ia, apresentada por Carter. Schwartz Gallery, Melbourne, 1992.
9. Michael Taussig, "Homesickness and Dada" in The nervous 19. Usei esse termo aqui e em outro lugardo texto, no sentido
system, Nova York: Routledge, 1992, p.161. descrito por Husserl em sua discussão da história fenome-
10. Para discutir Francis Jupurrurla Kelly e Warlpiri Media, nológica e da função idética em The origin ofgeometry (1936): "A
contei em grande parte com o trabalho instrumental de Eric possível atividade de rememoração, na qual experiências pas-
Michaels, um antropólogo norte-americano e crítico cultural sadas são vivenciadas como que se de maneira quase-nova e
cujos detalhados, eloqüentes e apaixonados estudos de campo quase ativa, pertence à passividade daquilo que de pronto é
das modernas práticas culturais aborígenes são documentos obcuramente despertado e do que talvez venha a emergir
imprescindíveis no estudo da cultura australiana. A pequena com clareza cada vez maior." Paul Carter invoca esta teoria
monografia For a cultural future: Francis jupurrurla makes TV at fascinante na formulação de sua criação da história intercul-
Yuendumu, da qual tirei a maior parte das informações, foi tural no último capítulo de The road to Botany Bay: an exploration
publicada pela Artspace, Sidney, em 1987, como Volume 3 da oflandscape and history, P.349.
série Art & Criticism Monographs. 20. Sigmund Freud, Ciuilization and its discontents, Nova York:
11. GeoffLowe e Jacqueline Riva, editorial, Artfan One, prima- W.W. Norton & Company, 1989, p.l0-21. Tomei conhecimento
vera de 1993. desse intercâmbio no oportuno editorial "Oceanic Feeling",
12. GeoffLowe em correspondência com a autora, maio de 1998 de autoria de Robyn McKenzie, in lIKE, Art Magazine 5, 1998,
13. Angela Brennan, "GeoffLowe: according to others", no RMIT, Melbourne.
catálogo da exposição GeoffLowe: collaborations 1980-1992, P.17.

53 Oceania Louise Neri


curadoria Lou ise Neri

Oceania: exploring, not knowing


"The moment an Australian savage commences his day's hunting, his whole manner and
appearance undergo a wondrous change: his eyes, before heavy and listless, brighten up, and are
never for a moment fixed on one object; his gait and movements, which were indolent and slow,
become quick and restless, yet noiseless; he moves along with a rapid stealthy pace, his glance
roving from side to side in a vigilant manner, arising from his eagerness to detect signs of game,
and his fears ofhidden foes . The earth, the water, the trees, the skies, each are in turn subjected
to a rigid scrutiny, and from the most insignificant circumstances he deduces omens-his head
is held erect, and his progress uncertain, in a moment his pace is checked, he stands in precisely
the position of motion as if suddenly transfixed, nothing about him stirs, but his eyes, they
glance uneasily from side to side, whilst the head and every muscle seem immoveable; the white
eyeballs, may be seen in rapid motion, whilst all his faculties are concentrated, and his whole
soul absorbed in the sense of sight and hearing."
-Sir G. Grey, Expeditions in Western Australia, 1837-18391

ln GeoffLowe's painting Impersonation (1984), there's a figure standing in that distinctive pose
. associated with the Dreamtime Aboriginal: balanced on one leg like a stork, boomerang in one
hand, spear in the other, looking out towards a somewhere vast and open. But that somewhere
is not here. Here, space is not infinite but limited, determined by the height, depth, and width of
an interior doorway. Nothing about the figure is particularly convincing- sort of silly, shrouded
in a crude blackface mask and loose-fitting, dark costume like those worn by the "invisible"
stagehands ofKabuki theatre, a string of ethnic-Iooking beads looped around its neck-not to
mention the paintwork which is tenuous, sketchy, processual-like life, rather than being life-
J '

like. And yet for all its contingency, this picture disturbs, its slippage evoking all the conflicting
thoughts that you and l might have about the Other-more moderate, perhaps, than the alter-
nately idealizing and derogating responses ofEuropean colonizers toward indigenous peoples
in their discovery and usurpation of so-called terra nullius, but conflicted nonetheless. Mimicking
the games of d~ess-ups and charades we've all played, this image also conveys something ofwhat
it mightfeellike to be that Other now, in the nervous culture of our presento Bringing together the
world ofthe artist's studio with the variously constructed world that we inhabit, Impersonation
attempts to deal with what it is to not know, in this case presenting the contradictory, often
stereotypical, impressions-"themodels we carry around inside"2-of the most ancient of
indigenous peoples in our modern midst.
Tatau (r978-86) is a process of depiction also taking place in a restricted frame, this time
(so the caption informs us) a suburban living-room in Auckland, New Zealand. But here there is
no improvised costume; the bared human body, which is the object ofthe picture, is itselfbeing
"wrapped in images" [tr.] through the process ofthe traditional Samoan tatau. Recuperating
the tattoo from the disembodied taxonomies of the colonial archive to document its visceral
Geoff Lowe Impersonation Person ificação 1984 tinta de polímero sintético sobre linho [synthetic polymer paint on
linen] 152,5x 122cm coleção The lan Potter Museum of Art, The University of Melbourne

54 XXIV Bienal. "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rote iros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
55 Oceania Louise Neri
affirmation of individual and communal experience, photographer Mark Adams describes his
gut-wrenching work as a self-conscious response to his being in a particular historical moment-
"ln 1978, Ne'w Zealand was not Polynesia. Fear existed as an undignified response to what we
did not know"3-and to the emergent cross-cultural space that he began to observe and occupy
at the time, drawn by his own desire to make images out of extreme experiences. With the artist
and his subject- the interaction between the tattooist and his collaborators and the "victim"
[sic]-we enter into the enactment of a tribal ordeal which is at once authentically alien yet rad-
ically altered by its new contexto As Adams worked, incorporating himself into the boisterous
social process of the tatau where reality is as much the sharing of the gruelling experience as
where it is taking place, he found that the barrier between cultures itself was not fixed. If the
Samoans he met carried on tatau as a means of affirming identity, some did so within a context
they perceived to be a dislocated space; for others, the space shiÍted in time to become a new
shared cultural space connecting the place of current reality with the event ofhistorical determi-
nacy. Alert to the fact that his position as the stranger within the frame entails a risky degree of
slippage between what he says he's doing and what is actually happening- that something
which had once seemed in his experience to embody familiarity, to be known, had turned out to
be unstable-Adams consumed the paradox, turning it to positive effect. "These six images
define for me the limits of what I now think of as OK, more or less. And this may be partly
because ifPaulo [the tattooist] and his family and the other Samoans I now know were once
what I did not know, they certainly are not that now. So, if the distance afforded by "othering" is
reduced or removed by negotiation, perhaps the potency of the argurpent over who can represent
whom diminishes proportionately. Or maybe it just doesn't matter anymore."4
Heaven (1997), a seemingly simple, verging-on-boring home-video, is Tracey Moffatt's sub-
versive spin on the conventional anthropological or wildlife filmo She transforms her fieldwork,
gathered in true naturalist tradition-the frame initially worked out by her through trial-and-
error then conducted by remote control, sending a bunch of women out on assignment to various
surfing spots around Australia to shoot footage according to her strict instructions which she
could then incorporate in one seamless whole- into a scientific enterprise with a high emotional
twist. Instead of indigenous peoples or animaIs, we see the taxonomy of the Great Australian
Male slowly revealed in the fore and afterplay of the Great Australian Surf, to the sound of
throbbing drums and breaking waves. And as in most wildlife films (but unlike surfing movies),
the orgasmic moments of this mythic sport are relegated to the longshot, or altogether absent.
Instead we follow the camera's eye as it hunts down guys in the outdoor locker-room ofbeach
carparks, intercepting their "post-coital" stripping of wetsuit second skins. And as in wildlife-
spotting, the pursuant game ofhide-and-seek that the eye plays with its phallic prey is erratic
and precarious; the subject is by turn indifferent, fascinated, hostile. But the thrill is irresistible
and the chase continues to the "kill," where a woman's hand suddenly darts out from behind the
camera and snatches away the towel that is being clutched by the "victim" to his private parts. ln
this slow and detailed vivisection, man, having ridden the pleasures and dangers of the amniotic
ocean, is stalked, trapped, and jauntily dismembered, literally and metaphorically, bya land-
dwelling predatress.

The anIl} things that interest me are thase that are nat mine . .. ln their respective projects, Lowe, Adams,
and Moffatt are exploring aspects of what I will call the "heart of darkness syndrome," that form
of psychotic feeling so vividly articulated and theatricalized in historical first encounters between
white man and "savage," and subsequently fantasized in literature and schlock cinema-that
Geoff Lowe com [with] Tony Clark e [and] Greg Page Tower hill Monte Torre 1984 resina, óleo, ti nta de polímero sintético
sobre linho e gesso [alkyd resin, oil, synthetic polymer paint on linen and plaster] 152x304cm

56 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros."


57 Ocea ma
. Louise Neri
58 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
instant, adrenalous thrill of not knowing, the fear ofbeing different and seeing differently in
alienated space. The history offirst encounters, for the most part, is a violent history, a spiralling
implosion of this conflicted feeling into the more subtle and sinister forms of schizoid desire
driving long-term objectives of controlling, possessing, assimilating, destroying-the appro-
priating of "cannibal" from its specific cultural framework by "civilized" as licence for "civi-
lized" to run amok. The only thíngs that ínterest me are those that are not míne . .. By contrast, artists,
recognizing the presence of the stranger within themselves as an immanent condition, create
dynamic, performative, confrontational contexts through which to explore this sarne feeling,
rather than attempting to define and fix it within the static and distended space ofhistory. And
in proselytizing, rather than suppressing, its innate contradictions, they release it as an active
and fertile discourse into the endlessly contested spaces ofland and body.
Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. ln the spirit of true modern cannibals,
our curatorium bit the title of our enterprise from Oswald de Andrade's visionary manifesto for
a modern, indigenous Brazilian culture, other snatches ofwhich appear throughout my text. 5 My
instinctive response to the sprawling topography of our exploratory routes as situated within the
comprehensive concept of antropofagía, was to treat Oceania as a project of spatial and corporeal
history, an anthropomorphized entity that had become the anthropophagic subject itself, the
thing being cannibalized. ln this thought resonates the idea that all of us have a consuming rela-
tionship with the land we come to inhabit by virtue of our desiring and acting upon it: ln other
words, we are all "future-eaters."6 Only anthropophagy unítes uso .. Socíally. Economícally. Phílosophí-
caIly. One could even suggest that the land does not exíst until it is perceived and acted upon, until
it enters language. Thus, the history ofthe land is an intersubjective history ofhow different
people behave in and towards the phenomenon oflandscape, and ofthe conflict that arises from
people ínhabítíng the sam e place ín düferent ways.
GeoffLowe's pivotal work, Tower Hill (1984)-produced contemporaneouslywith the paint-
ing cycle Tenfamousfeelíngsfor men, ofwhich Impersonatíon is part-grew out ofhis fascination
with Tower Hill, a primordial beauty spot in rural Victoria, denuded for arable cultivation by the
late nineteenth century which, more than a century later, was reafforested using as a model the
rendering of the originallandscape by the Austrian Romantic painter, Eugene von Guerard. ln
response to this astonishing Chinese box of art and life-the reconstructing of a naturalland-
scape after a painting which so clearly sprang from the nineteenth century emigré painter's own
interior model-his assimilating the foreign landscape before him into the formal terms that he
knew-Lowe invited Greg Page, an artist who lived from selling his on-the-spot, slice-of-life,
oil-on-canvas landscapes fresh offthe easel to weekend daytrippers-and an urbane postmodern
counterpart, Tony Clark, who was engaged in a self-conscious investigation ofhistoricalland-
scape motifs-to collaborate with him on a major composite work, thus eliciting and enacting
a complex discourse on the central and controversial role of painting in the perception and order-
ing of landscape. ln the resultant arrangement, insofar as von Guerard's original painting
remained true to "the model within" himself, so did Lowe render the model as a discursive and
unstable construct: Tower Hill consists of a large central paneI, a schematic afterimage brushed
in acid yellow and green, around which are clustered small subjects ranging from more chromat-
ically convincing, but equally impressionistic, renderings of the location to sketches from life
and models. This idea ofthe power ofpainting over landscape reaches its apotheosis in Lowe's
later, kookier formulation, Paíntíng devours everythíng (1995), where the topography ofTower Hill
anthropormorphizes into a mythical dragon ofthe Italian Renaissance (though looking to me
Geoft Lowe
A constructed world Um mundo construído maquete 1997 ambiente técnica mista [mixed media environment]
dimensões variáveis
Artfan Magazine Revista Artfan

59 Oceania Louise Neri


more like its notorious antipodean counterpart, the Great Australian Crocodile), as a tribute to
painting's persistent ability to permeate the cultural imagination.
Down with the reversible world and objective ideas. Transformed into corpses. The curtailment of
dynamic thought. .. Down with memory, source of custom . .. Personal experience renewed . .. Along the routes.
Believe in signs, believe in the instruments and the stars . .. ln the consistently repeating scenario ofPar-
adise lost, ravaged, and consumed, emerges an alternative plot which proposes the processes of
exploration itself as history rather than its discoveries. To be an explorer is to inhabit "a world of
potential objects with which one carries on an imaginary dialogue."7 The active nature of the
explorer's space and time refuses the impulse to impose tangible structures on less immediate-
ly visible ones, to literalize metaphorical boundaries and relationships, allowing them to remain
dynamic and responsive. Another, more fragile intimation ofhope resides in this open-ended
spatial discourse of exploration, where not knowing becomes a positive, performative state of
investigating, of experiencing in the moment, and of describing in terms of such experience. Not
knowing and risk, including the familiar trope of flight out ofbody and time, reveal themselves
as attitudes of shamanic wisdom, from the earliest accounts of the explorer to the inquiries of
the contemporary artist.8
Francis Jupurrurla Kelly' s' video production is located in the specificities of place, time, social
structure, and language ofhis tribal people, the Warlpiri, a remote Aboriginal community located
in and around Yuendumu in Australia's Northern Territory. Kin and landscape are the two central
domains in Warlpiri thought. Their metonymic and metaphoric relations are most dramatically
expressed in ceremonial events where performances materially enact and renew these associa-
tions: jukurrpa or "the Law" is a chronotopical body ofknowledge which possesses binding power
and c'o ntemporary force, which interpenetrates yet differs from the mundane space/time it gen-
erates. The stories which recountjukurrpa tell ofthe actions of certain beings, and how they create
and re-create the landscape, its resources, and its natural forces . These stories and the web of
kinship position themselves metaphorically in the extended landscape, ultimately reaching out
across the continent.
With the community outfit ofWarlpiri Media, Jupurrurla has developed ways of using video
and television broadcast which conform to the basic premises ofhis tribal cultural tradition in
its performative and oral formo The mechanisms for indigenous people achieving cultural and
politicaI autonomy lie wholly and essentially in the domain of cultural production, in the cul-
ture's ability to construct itself, to image itself, through its own eyes as well as the world's. lfby
the next generation, the means of representing and reproducing cultural forms are appropriated
and lost, then the civilization is destroyed. This is the struggle which generates Jupurrurla's
art, the question ofhow media can be effectively brought inside jukurrpa-which privileges the
processes of reproduction over its products and restricts expressions relating to secrecy- to rec-
ollect and reactivate shared tribal narrative, thus restoring a sense of place without threatening
the very basis of the culture.
The restless, recurrent camera movement ofJupurrurla's video work, he suggests, conveys
meaning at every step. The pans do not follow the movement ofhis eye, but that of unseen char-
acters who converge on the landscape, according to ceremonial convention in which certain rit-
ual story-dances are "brought in" from some distance to effect the contiguity and corpus of such
stories. The uninitiated eye may observe a home-movie rather than a work of epic authority but
if one takes into account the Warlpiri concepts ofkin and place, the term "home-movie" is quite
productive. Coniston story (1984), Jupurrurla's first video, recalled a large-scale massacre of
Aborigines in 1929 by whites in retribution for the murder of a white trapper and dingo-hunter.
Mutlu Çerkez Untitled 22095-15 March 2025 Sem título 22095-15 de março de 2025 óleo sobre papel-te la [oil on
canvasboard] 28x46cm

60 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rote iros ."
61 Oceania Louise Neri
a design
for the
overture
curtain
of an
unwritten
o pe ra

62 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros . Roteiro s. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


The massacre wiped out a ritual gathering, a congregation functioning as a repository ofIocal
stories and decision-making. The various versions ofthe story ofthis historical period, which is
kilOwn as the "Killing Time," have come to function like an origin myth, explaining the presence
and nature ofEuropeans in the area and articulating the relations that arose between the two .
cultures. Jupurrurla revisited the site over half a century later, taking with him thirty members of
the Warlpiri-the necessary number according to kinship reckoning to oversee the identifYing
and articulating of relations in cultural reproduction. This group included an old Japangardi (a
member ofthe opposite "side" ofJupurrla's tribal skin group) who had witnessed the events as
a child, and who would eventually perform the narration for the story, according to the complex
requirements of cultural inscription and production which follow the corresponding binary
structures of marriage and descent. Thus the process of communal recollection instigated in arder
to reconstruct a story of what "actually" happened, to replace those stories lost ín the massacre,
also becomes the system by which production procedure is established and carried out, fulfilling
Jupurrurla's aim to create Yapa-media that exists truly in and ofWarlpiri culture.
Given the complex corroborative conditions of artistic production in Aboriginal culture
regarding the conception, interpretation, and production of cultural expression, Jupurrurla
directs, rather than authors, carefully negotiated and orchestrated expressions of community
culture. He mo deis his electronic discourse on the principIes of orientation, that one speaksfrom,
andfor, one's own particular place. Any story, therefore, comes from a particular place and traveIs,
forging links in its passage which define the routes that people and ceremonies follow. A long
story, a full myth, a major decision requires many people and enmeshes many communities in its
enactment. Thus this transference ofWarlpiri discourse to vídeo is highly exploratory in nature.
More than ten years after his first foray into video production, Jupurrurla is still making
video at Yuendumu, in addition to his broader responsibilities of family and community. The
objectives have been more ar less maintained, the archive has developed as have satellite broad-
casting and coproductions with national media networks. But the project is always endangered
and fragile; like the future of the community, it survives only through a constant and vigilant
process of negotiation. 9
GeoffLowe continues to interrogate his own position as an artist within the temporal and
spatial fragility of the experienced world, now regularly collaborating with others to integrate
formal and experiential passages outside the language ofhis own work to sustain the unstable,
irresolvable appearance of things. He has, literally and metaphorically, walked into his paint-
ings-as in ReCldy, steady, go, 1990, where he transposes the uninhibited workshop activities of
the "Rosebud" group into the groovy, abstract space of a painting by his fellow-artist Angela
Brennan -using techniques learned in group psychotherapy; that is, utilizing what people know
as a result ofthe lives they have already lived in arder to explore larger concepts, to open his struc-
ture out into various collaborative mediums, which he'directs rather than authors together with
his partner, Jacqueline Riva: a project group (A Constructed World), an art fanzine (ARTFAN) , and
group video (scenesfrom the Whipstick Forest. . .).
Through ARTFAN, a project of A Constructed World self-published since 1993, Lowe and
Riva seek to reestablish communication between the art world and the outside, eliciting insights
and impulses about art from a broad range of competing voices. Each exhibition ar issue fea-
tured is discussed by four people in one hundred words ar so-a critic, an artist, someone from
another profession and someone who represents the general public (with no art background).
ln recognizing that "the response to art is its greatest capital," 10 ARTFAN attempts to redress
Mutlu Çerkez
Untitled 22092-12 March 2025 Sem título 22092-12 de março de 2025 óleo sobre papel-tela [oil on canvasboard]
28x46cm
Notes for an unwritten opera Notas para uma ópera não escrita 1992 coleção Australian National Gallery, Canberra

63 Oceania Louise Neri


the voice ofthe evaluative viewer by encouraging various opinions about the look of art and the
experience oflooking itself. Scenes fram the Whipstick Forest. . ., an ongoing series of video sketches,
is also made "for the moment of actual experience, of getting people together just to see how it
will turn out." Using a home video-camera, a tool which is "fast, about presence, democratic,
user- and group-friendly, cheap, fun," and which he is comparatively untalented and unskilled at
using, Lowe records group performances in the vagaries of the open landscape, in the process
finding his way back to what it is to not know. "People will do a lot ofthings in front of a camera-
sing, take their clothes off, reveal something secreto They look spiritual ar in grace or blessed or
glowing, better in video than in painting, somehow more sweet, more ephemeral, more there,
more desirable; but for landscape you need to know about available light, angles, and so on, in
order to get some sense of'being there,' otherwise it looks flat and integrated, not like a land-
scape at alI. Video is like painting in that you tend to learn about the world as you witness what
can be represented ... certain feelings don't present, they need to be signified."ll
AlI mediums in the repertoire ofA constructed world are constituted to offer multi pIe points
of entry into common topics by the chorus ofvoices that make up Lowe's constantly evolving
working community of artists and amateurs. Images and opinions of famous and ordinary
people jostle side by side; life experiences and imaginations flirt and clash. Thus his imagination
relocates itself in the outside world which it uses as a kind of background, "a loose temporal
scene where history happens and culture forms ."12 "I've always had great faith in location,
rather than nation or state, which is the opposition to dominance of world culture, because
locality comes from your own repeated experiences. Whether they be good or bad, they are
checkable. You construct a sense of place by what happens to you." 13
But we never let the concept oflogic invade out midst . .. We were never catechized. Instead we invented
the carnival. . . Down with social reality, dressed and oppressive, registered by Freud . .. Tracey Moffatt's
arresting and enigmatic photographic fugue Up in the sky (I997), presents darkly religious evo-
cations ofthe interpenetrability ofindividual and landscape. Moffatt explores her heart of dark-
ness- what she does not know- in free-falI, the controlling high-definition ofher artistic vision
that alIows her to recolIect again and again those few moments of proscribed anxiety necessary
for the perfect shot whilst stationed securely behind the lens. ln the analysis of the common
dream offalIing is the beliefthat ifyou don't wake up before you hit the ground, you're dead.
Free-falI then, might rather be the state of "waking dream," a term which has been used to
describe the power of photography to commingle past and present, to suspend the world and the
artist's experience of it in unique distillations. 14
By applying a vivisector's relentless intelIigence to existing people and environments and
recasting their experiences in a willfulIy heightened key, Moffatt imparts to her exploratory
consciousness ofhuman interaction with, and within, the landscape a savage formallyricism.
Storyboarding Up in the sky en route to some destination nowhere, she identified ambiguous,
perplexing moments in the non-plot according to characters and locations she encountered along
the way. "I choose the characters for who they already are, not who I want them to be."15 She
then alIowed the characteristics of each player and place, as perceived by her, to dramatize them-
selves under her direction. But in this scenario, did Moffatt dream the characters or did they
dream her? ln the harsh, blank landscape, people's realities flesh out into an ominous burlesque
of waking dream.
ln the incomplete outline that Moffatt provides, the gaps and blank spaces are as provoca-
tive as the revelations themselves. Activating one's criticaI faculties here to find explanations, to
discover, leads nowhere because, ultimately it is the intensity and daring ofher adventure-"the
Mutlu Çerkez Untitled 22099-19 March 2025 Sem título 22099-19 de março de 2025 óleo sobre papel-tela [oil on
canvasboard] 32,5 x 25,5cm

64 XXIV Bienal "Roteiros. Rote iros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
65 Oceania Louise Neri
quality of the travelling"16-that gives the work its kick. ln Moffatt's garden of forking paths,
one finds oneself always back at the beginning, knowing even less than before, but feeling all
the wiser for it.
Another series ofimponderable events: Untitled 22 092 (12 March 2025): "A map ofCyprus,
accurately drawn from relief surveys, where, due to global warming, the sea leveI has risen,
flooding the plain between the northern and southern mountains, creating two distinct islands,
thus settling the currentIy disputed border dividing north and south." Untitled 22 095 (15 March
2025): "Swimming and imagining the flood." Untitled 22 099 (19 March 2025): "Wheelbarrows,
mounds of sand, and other things necessary for the preparation of concrete. Building on the plain
continues imperviously." Untitled 22108 (28 March 2025): "The greenhouse effect. A featureless
place, the sky very dark, and the full moon forcing its way through centrally. A young woman
lying on he{ side, dressed in contemporary costume, partIy covers her face with one hand, smiles
addressing us through her parted fingers ." And so on. 17 Did these things really happen in the
future? Do these places and characters ever exist?
MutIu Çerkez is a Turkish Cypriot living and working in Australia, for whom the contested
identity ofhis remote homeland is an innate and perennial source of entertainment for his artistic
investigations. (I say "entertainment" because Çerkez's touch is delicate and elusive, revealing
his preference for the suggestiveness of the imaginary fragment over the literalness of the ideo-
logical whole.) ln the face ofthis indeterminacy, which we know can be both liberating and trou-
bling, Çerkez turns to the tenuous image ofhis only certainty: his own self. But being skeptical
ofboth the empirical body and its reIated issues and the logic of clear narrative, he chooses instead
to perform his experience as a complex, unstable, and open-ended mesh of eidetic references to
his past, present, and future. ln the process, he produces slowly and with exquisite precision
across a broad repertoire of mediums (painting, graphics, sculpture, rock music, film) and tax-
onomies (both natural and artificial) to form careful orchestrated scenarios, all the while invent-
ing and reinventing the rules and tactics within his strategic state of play.
Resisting the idea that artistic development must follow time's linear progression, Çerkez's
work proposes a chronotopical model where the events and experiences subjectivized in terms
ofhis myn actual and imagined life span are in a constant state of dynamic and interdependent
fluxo Thus in a Çerkez exhibition, the viewer is propelled from image to image into the folds and
gaps ofmetaphysical time. The project Notes for an unwritten opera (1992) consisted of eight
images, "recollections"18 from a trip to his homeland and a timeline based on his own life
installed together with a live apiary built into the exterior wall of the gallery so that the bees could
be visible at work in the honeycomb; in More notes for an unwritten opera (1997), three paintings
and a sculptural modeI made reference to the the earlier works, which in turn took on a deeper,
more indexical significance; in subsequent acts, Çerkez will no doubt continue to elaborate the
physical and semantic terms ofhis oeuvre within the frame ofthis "opera" which, like all his
eidetic images, may or may not ever be performed by real people in real time. And so does Çerkez
keep these terms in a state of potentiality, as enigmatic and vulnerable as the figure he depicts
"swimming and imagining the flood" at some far-off point in future history, suspended in a
sentient yet undifferentiated existence in an ocean of space and time.

Postscript: antropofagia, exploration, and oceanic feeling


Beneath the immense, complex, and turbulent surface ofOceania crazed with so many conflicting
desire lines,. there is another oceania which reveals itself to explorers fram time to time-not just
another new territory to be consumed by discovery or the gaze, but something rather less tangi-
ble, a feeling, a "potential objectwith which to carry on an imaginary dialogue." Romain Rolland
once described this "oceanic feeling" to his friend, Sigmund Freud, during a correspondence on

66 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Rote iros. Roteiros. Roteiros. Rotei ros. Roteiros."
the subject of religion, as a "purely subjective, unspecified feeling of eternity, unboundedness,
limitlessness, a feeling of an indissoluble bond with the external world." Pondering its scientific
basis, Freud saw "oceanic feeling" possibly as a dysfunction ofthe ego, where the boundary lines
between it and the external world had beco me "uncertain" or "drawn incorrectly." On further
reflection, he surmised that it could be a surviving ideational form of the primordial state of mind
when the ego and the world about it was more intimately bonded. 19 The range identified by Freud
in these attempts to grasp Rolland's meaning locates two social extremes: at one end stands the
psychotic subject who does not perceive the sustaining line between himself and others ; at the
other- where my explorations begin- stands the artist inside his artistic territory, unified with
that which is being depicted. Living as we do in a time where psychoanalytical thought pervades
every inch of our cultural space, it is easy to underestimate how liberating Freud's discoveries
and definitions must have been to a culture in which, prior to his explorations, the most powerful
human impulses had no names and so were banished to the more fearful realms of not knowing
and superstition. I wonder ifRolland and Freud, as they sat at their respective writing tables
immersed in amniotic conversation, had any idea that they were part of a participating conscious-
ness, thatvery sarne religious rhythm to which Oswald de Andrade, at the other end ofthe world,
had already begun writing his "Anthropophagite Manifesto." Louíse Nerí
Thanks to Collier Schorr for her editorial support and comments and to those past, present, and future whose thoughts and
words I have, I hope, respectfully consumed.

I. London, 1841, vol. 2, P.267 in Paul Carter, The road to Botany 13. GeoffLowe in an opening speech for the exhibition "St.
Bay: an exp[oration of[andscape and history , (Chicago: Chicago Kilda Scapes," Melbourne 1991, in GeolfLowe: coBaborations
University Press, 1987), P.350. 19 80 - 199 2 , P·z3 ·
2. Geoff Lowe interviewed by Alison Carroll, "The excluded 14. This expression was taken from John Keats 's "Ode to a
middle: GeoffLowe talks about his work with amateurs ," in Nightingale" (1819) for the title ofthe exhibition, "The waking
exhibition catalog, GeolfLowe: coBaborations 1980- 1992, Aus- dream: photography's first century; Selections fram the
tralian Centre for Contemporary Art, Melbourne, 1992, p.12. Gilman Paper Company Collection," at the Metrapolitan
3. Mark Adams in correspondence with the author, May 1998. Museum, New York in 1993. ln her intraduction to the exhibi-
4. lbid. tion catalog, curator Maria Morris Hambourg uses Keats 's
5. "Anthrapophagite manifesto ," Revista de Antropofagia I, São famous reverie to describe the phantasmic quality of"excep-
Paulo, 1928. tional" photographs "whose presence can have a disconcerting
6. I have borrowed this term fram the title of Australian mam- reality, [but] a reality that floats in an incorporeal realm in
mologistTim Flannery's controversial study ofthe ecological which past and present merge. Existing simultaneously in
history of the Australasian lands and people (Melbourne: both dimensions, they are afterimages ofpoetic visions into
Reed Books, 1994), which posits the decimation ofprimor- the heart ofthings." p.xviii.
dial nature by man as a fatalistic inevitability ofhuman inhab- IS. Tracey Moffatt in conversation with the author, May 1998.
itation. 16. Paul Carter, The road to Botany Bay: an exp[oration of[andscape
7. Paul Carter, The road to Botany Bay: an exp[oration of[andscape and history, p.z6. Carter uses this rather charming expression
and history (Chicago: University ofChicago Press, 1989) P.25 . in his discussion ofthe eighteenth-century explorer Captain
Iam utterly indebted to the metaphorical brilliance ofCarter's James Cook, whom he credits as "the inaugurator of Aus-
original and vivid theorizing of discovery and exploration in tralia's spatial history."
Australia. 17. These descriptions were written by Çerkez for his exhibi-
8. Michael Taussig, "Homesickness and Dada" in The nervous tion catalog, Notesfor an unwritten opera (Melbourne: Anna
system (New York: Routledge, 199z) p.16I. Schwartz Gallery, 199z).
9. For this discussion ofFrancis Jupurrurla Kelly and Warlpiri 18. I used this terin here and elsewhere in the text in the sense
Media, I have depended heavily on the instrumental work of that Husserl describes in his discussion of phenomenological
Eric Michaels, an American anthrapologist and cultural critic history and eidetic function in The origin of geometry (1936):
whose detailed, eloquent, and impassioned field studies of "To the passivity of what is at first obscurely awakened and
modern Aboriginal cultural practices are key documents in what perhaps emerges with greater and greater clarity there
the study of Australian culture. The small monograph fram belongs the possible activity of a recollection in which the past
which I took most of my information, For a cultural future: experiencing is lived though in a quasi-new and quasi-active
Francis Jupurrur[a makes TV at Yuendumu, was published by way." This fascinating theory is invoked by Paul Carter in his
Artspace, Sidney in 1987 as Volume 3 oftheir Art & Criticism imagining of a crasscultural history in the final chapter of The
Monograph Series. road to Botany Bay: an exp[oration of[andscape and history , P.349
10. GeoffLowe and Jacqueline Riva, editorial statement, Artfan 19. Sigmund Freud, Civj[ization and its discontents (New York:
One, Spring 1993. W.W. Norton & Company, 1989), pp.lO-ZI. This exchange
II. GeoffLowe in correspondence with the author, May 1998. carne to my attention in Robyn McKenzie's timely editorial,
lZ. Angela Brennan, "GeoffLowe: according to others," in the "Oceanic Feeling," in LIKE , Art Magazine 5, 1998, RMlT,
exhibition catalogue, GeolfLowe: coBaborations 19 80-1992 , P.17. Melbourne.

67 Oceania Louise Neri


Danie l Bi rnbaum

Metabolismo, geografia: vinte


e seis notas sobre digestão e
história mundial

1. G. C. Lichtenberg sonha com a terra como um enorme organismo vivo. "É concebível que as
massas continentais formem todo um sistema de órgãos que cooperam entre si? E os diferentes
conti nentes deveriam ser entend idos em analogia com os órgãos internos: ri ns, fígado, intes-
tino? E o que acontece com os produtos excedentes, os excrementos do planeta?"
2. A vida na terra distribui energia, consome energia. O que acontece com o excedente, que faz
com que a economia restrita exploda? Poucos pensaram na analogia entre o sistema ecológico
e o metabolismo humano de maneira tão drástica quanto Lichtenberg. No entanto a mesma
idéia ressurge constantemente na "grande economia" de Nietzsche, em Bataille e em teóricos
como Félix Guattari. O fluxo de energia na terra é uma economia material-emoções, pensa-
mentos, bens, dinheiro, desejo, armas, petróleo, arte, informação. Tudo circula, tudo comunica.
3. Félix Guattari : "Assim, é impossível permanecer fora da economia e descrevê-Ia como um sis-
tema fechado. O sonho de uma descrição sistemática e do controle da economia inspirou todos
os regi mes total itários e ideologias modernas. Este son ho acabou" .
4. "Na verdade, meus irmãos, o Espírito é um estômago" (Nietzsche).
5. Metabolismo: pensaré comer. Incorporare digerir. Na Enzylopadie [Enciclopédia], de Hegel,
encontramos uma série de notas sobre o "sistema oral" e a dupla função da boca. A questão é
a passagem do interior para o exterior e do exterior para o exterior, a incorporação da substância
exterior e a expressão da substância interior. A boca tem "a dupla função de iniciarsimulta-
neamente a transformação do alimento num momento dentro do organismo animal vivo e, em
oposição a esta interiorização do exterior, de completar a objetivação da subjetividade que
ocorre através da voz" (parágrafo 401). O Espírito fala pela voz. Para que os sinais escritos sejam
apreendidos, eles devem se tornar voz. Hegel entende a apropriação em analogia com o comer.
O Espírito come.
6. Em um dos primeiros textos de Hegel, Der Geist des Cnristentums [O Espírito do cristianismo], há
uma extensa e especulativa interpretação sobre a Sagrada Comunhão como um ato fundamental
do cristianismo: comerda carne de Cristo e beberdo seu sangue, atos de comunhão. O jovem
Hegel retorna constantemente à doutrina da encarnação. A morte sacrificial de Cristo e a salva-
ção dos fiéis através dos sac ramentos. O Pai se encarna na figura do Filho, que é sacrificado
para o bem da salvação do homem - o Espírito torna-se carne, que é devorada e então retorna
à espiritualidade. No ritual da comunhão, Hegel vê um movimento dialético entre o subjetivo
e o objetivo: a hóstia é uma objetivação do infinito amorde Cristo pela humanidade, mas este
"amor, tendo-se tornado objetivo, este subjetivo, tornando-se coisa, retorna à sua essência e
volta a se r subjetivo, no processo de comer". O círculo especulativo se fecha na incorporação
religiosa. Sujeito e objeto reconciliam-se no complicado sistema digestivo da dialética.

68 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros . Rote iros. Roteiros . Roteiros. Roteiros ."
7. Pleroma-zur Genesis und Struktur einer dialektischen Hermeneutik bei Hegel [Pleroma-para gênese e
estrutura de uma hermenêutica dialética de Hegel] (1978), livro pioneiro de Werner Hamacher,
é dedicado à extensa correspondência entre o comere o ler, o digerire o compreender. As figuras
da incorporação caracterizam toda a filosofia de Hegel. O Espírito nega a si mesmo e, exterio-
rizado, torna-se carne. No entanto, o movimento especulativo repousa no princípio da dupla
negação. A carne é negada, devorada e novamente desmaterializada em Espírito. Nas palavras
de Hamacher: "O Espírito lê e come a si próprio, à medida em que a nutrição torna-se escrita".
O sistema de Hegel é uma enciclopédia autocanibalística, que tudo abrange.
8. Nos capítulos finais de Fenomenologia do Espírito, que trata do conhecimento absoluto, a exterio-
rização e o sucessivo retorno do Espírito ao longo da história são descritos como um processo
digestivo laborioso: a matéria da história "tem de penetrare digerirtoda a sua rica substância".
O conceito fundamental de Aufhebung [EnforcamentoJ-q ue é tanto cancelamento quanto pre-
servação-pode ser interpretado como devoração. Uma época é devorada pela próxima, quando
é abatida, mas também preservada, como um momento, num metabolismo mais abrangente. O
Espírito devora-se, ao longo da história. Incorpora sucessivamente toda substância, até que,
finalmente alcança a completa saciedade do conhecimento absoluto (o Comer Absoluto), esta-
do que Hegel, recorrendo a um termo neoplatônico, denomina Pleroma (plenitude, saturação).
9. Os devaneios de Lichtenberg sobre o mapa-múndi como um organismo digestivo permanecem
sendo um mero esboço, mas em Hegel os continentes são consignados a seus lugares na vio-
lenta geopolítica do Espírito do Mundo-um sistema de incorporação e excreção.
10. Geografias: o Espírito é europeu. Ele sempre come "na mesma direção". Hegel desenha um
mapa no qual os continentes, os grupos étnicos, as espécies de animais e plantas adquirem
suas derradeiras posições na estrutura dialética. Num grande gesto, Hegel delineia os traços
básicos: "O Espírito do Mundo movimenta-se do leste para o oeste, pois a Europa é o fim
absoluto da história e a Ásia, seu início". O sol levanta-se no leste e a alvorada asiática da
razão é o nascimento da história. Assim como o corpo celestial radiante, o Espírito do Mundo
move-se em direção ao oeste.
11. Esta exposição geográfica começa com uma violenta exclusão, a da África. O continente ainda
está "velado na corescura da noite" e não faz parte da trajetória razoável da história mundial.
Diz-se que se'us habitantes ainda presas das forças cegas e irracionais da natureza e, em
conseqüência, são "incapazes de qualquer espécie de formação ou desenvolvimento. Agora
deixamos a África para jamais retornarmos" . Uma expulsão violenta-excreção.
12. "Somente agora, tendo deixado a África para trás, é que nos encontramos no verdadeiro palco
da história mundial. Vamos esboçar brevemente os alicerces geográficos da Ásia e da Europa.
A Ásia é o continente dos começos. É bem verdade que ela se situa ao oeste da América, mas
assi m como a Eu ropa é o centro absol uto e o fi m do vel ho mundo, da mesma forma a Ásia é
, um leste absoluto. A Ásia foi a alvorada da razão e o início da história do mundo." A infância
da história transcorre nas culturas orientais. A luz da razão já é forte, escreve Hegel, mas ainda
se situa fora da subjetividade humana. O movimento da história em direção ao oriente significa
o gradual despertardo homem. No humanismo europeu, o processo alcança o seu auge: a
autoconsciência iluminada do homem europeu é a realização final da razão.
13. Metabolismo-geografia-política: o mapa como um exemplo da violência inerente à classi-
ficação. A crença na possibilidade de mapearo sistema a partirde fora parece contribuir pa ra

69 Metabolismo, geografia Daniel Birnbaum


a ereção de estruturas totalitárias. Félix Guattari quer lero mapa após a queda dos grandes
sistemas, lê-lo a partir "de dentro", como se o próprio mapa fizesse parte da economia. Qual é
a alternativa ao mapa totalitário? Um rizoma político. Um diagrama do fluxo, a lógica da
transformação: sangue, ouro, sujeira, água, petróleo, fogo . ..
14. Geografias alternativas. A África de Michel Leiris, os Estados Unidos de Joseph Beuys. O meta-
bolismo eurocêntrico derruído: as coordenadas geopolíticas redesenhadas. A violência inerente
do mapa versus uma política de mapas conflitantes.
15. No dia 23 de maio de 1974, Joseph Beuys chega ao Aeroporto John F. Kennedy, em Nova York.
Envolto em cobertores, é carregado numa maca. Uma ambulância o conduz a uma galeria de
Manhattan, onde um coiote o aguarda. Ele ainda não tocou em solo americano. Durante quatro
dias e quatro noites realiza-se uma performance, que Beuys intitula "Coiote-gosto dos Estados
Unidos e os Estados Unidosgostam de mim". O que está em jogo é um encontro entre mundos, entre
a Europa e uns Estados Unidos ainda não atraídos para a esfera européia. O coiote, animal
sagrado dos índios, é confrontado com peças do universo do artista: uma bengala, dois cober-
tores, uma pilha de exemplares do The Wall StreetJournal. Decorridos quatro dias de comunicação
ritual entre o homem e o animal, Beuys regressa do mesmo modo que chegou. Conclui: Tão
grandes são os poderes do coiote que se tornam incompreensíveis ao gênero humano.
16. No entanto, a alma da Europa não é a luz hegeliana, mas uma sede de podere uma violência
desenfreada. Michel Leiris denomina o espírito europeu "uma maquinária violenta", cuja
pesada armadura está "manchada de sangue pordentro e porfora". O meio de expressão do
"espírito" europeu não é a razão, mas a violência.
17. Em sua obra Genealogia da moral, Nietzsche delineia uma história diferente do homem europeu.
O humanismo moderno não é o resultado de um iluminismo cada vez maior, mas de uma
violência primordial, sucessivamente refinada, sublimada e tornada invisível. O que precisa
ser explicada é a existência de "um animal dotado de alma". O primeiro pré-requisito para
aquilo a que denominamos "vida mental" e "subjetividade" é a memória e esta, segundo alega
Nietzsche, só pode ser produzida por meio da dor: "Algo queima por dentro, de tal modo que
dói e permanece na memória; somente aquilo que não pára de doer permanecerá conosco".
18. A cultura européia apóia-se inteiramente na violência e na dor. Não somente os outros são
reprimidos, pois o europeu é também um sutil atormentador de si mesmo. "Quando o homem
achou necessário adquirir uma memória, isto sempre se deu à custa de sangue, tortura e
sacrifícios." O animal homem tornou-se "interiorizado", criou um doloroso espaço interior,
alimentado por doses sutis de autotormento (aquilo a que se costuma chamar consciência).
Em vez de pôr para fora suas agressões, todas as forças são direcionadas para dentro e o
sofri mento au menta.
19. Indicações de outros mapas, de diferentes sistemas, que rompem com a economia do idealismo
europeu. Os limites do organismo e da apropriação. Novalis: "Alguém conseguiria permanecer
vivo comendo seus excrementos?" O condicional, a economia hegeliana em seu ponto extremo.
Ele sonha com uma economia total, uma incorporação de toda externalidade ao vasto metabo-
lismo do sistema. A matéria da história tem de "penetrarem tudo e digerirtoda sua rica subs-
tância", até q ue fi nal mente tudo é incorporado a um corpo total mente saciado. O sistema
come ou quercomertudo: "Tudo tem de se tornar alimento". (Novalis)

70 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


20. O jovem George Bataille lê Nietzche e identifica-se completamente com ele. Deparou-se final-
mente com um pensador sensível à importância da leveza e do riso. O poder afirmativo e o riso
são mais profundos do que todos os pensamentos filosóficos e todos os sistemas. O riso trans-
cende, sublima, põe tudo abaixo. Em seu rodopiarextático, o sistema é abalado. Para Bataille,
o riso nietzscheano significa o movimento transcendente mediante o qual a economia do
pensamento fechado explode. A risada é excesso, sacrifício, desperdício. A doutrina de Bataille
diz respeito ao heterogêneo, que não pode ser incorporado ao indivíduo ou ao corpo social,
mas tem de ser expelido. A esta ciência Bataille denomina heterologia. Seu objeto de estudo é
o mecanismo expulsório básico operando na constituição do organismo psicológico e social:
aquilo que é estranho tem de ser rejeitado ou sacrificado. Em conseqüência, é declarado sujo
ou sagrado, torna-se um fetiche.
21. A escatologia de Bataille e sua obssessão por rituais de sacrifício enraizam-se em sua vontade
de liberar-se da economia do pensamento dialético, que ele considera basear-se erroneamente
na ausência como força motivadora, por detrás da fome infinita do organismo, e em sua vontade
de apropriar-se de substâncias externas. O ato de comer, por ocasião dos rituais de sacrifício,
pode ser interpretado de maneira radicalmente antieconômica, não como uma vontade de
ganhar, mas como puro dispêndio- um consumo ilimitado da energia excedente que resiste à
assi m ilação.
22. É uma questão de vida e morte. O organismo vivo procura excluiros hieróglifos da morte,
aqueles signos inanimados que não permitem interpretação e incorporação. O hieróglifo por
excelência: a própria morte. Bataille: "A morte é a forma mais elevada de luxúria".
23. Luxúria- sujeira. A destruição ostensiva das riquezas é um mecanismo cultural básico também
nas sociedades modernas, embora de forma sublimada. É preciso haver um consumo da energia
excedente, um aniquilamento ritual, comer sob uma infinita variedade de disfarces. Bataille
localiza este princípio básico da perda no investimento de enormes quantias em aquisição de
jóias, na produção de objetos sagrados e na criação de poesia e arte- é um gasto perdulário,
que não pode responder pelo princípio do ganho: a luxúria.
24. CNN: "A negociação encerrou-se com o acordo de um corte de 50 por cento nas armas nucleares
baseadas em terra. A supervisão dos procedimentos de desmantelamento e destruição será
mútua".
25. Uma festa pacífica. Mísseis destruídos, ogivas destruídas. Que luxo superaria a destruição
voluntária, em massa, de armas destrutivas? Não a destruição, mas a destruição da destruição.
A negação da negação. Resultado=o.
26. O sol espalha sua energia sem nada pedir de volta. Os raios deste corpo celestial, que se auto-
consome, atingem a terra e são transformados em força vital nas plantas, animais e formações
humanas. Um excedente cada vez maior de energia é acumulado: excesso. Mais cedo ou mais
tarde a explosão está fadada a acontecer.
Daniel Birnbaum. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

71 Metabolismo, geografia Daniel Birnbaum


Danie l Bi rn bau m

Metabolism, geography: twenty-


six notes on digestion and
world history
r. G. c. Lichtenberg dreams of the earth as one huge, living organism: "Is it conceivable that the
continental masses form one whole system of cooperating organs? And should the different
continents be understood in analogy with the internal organs: kidneys, liver, bowels? And what
happens to the surplus products, the excrements ofthe planet?"
2. Life on earth binds energy, consumes energy. What happens to the surplus, which explodes the
restricted economy? Few have thought about the analogy between the ecological system and
human metabolism in such a drastic way as Lichtenberg. But the sarne idea resurfaces constant-
ly: in Nietzsche's "grand economy," in Bataille, and in theoreticians such as Félix Guattari. The
flow of energy on earth is a material economy- emotions, thoughts, goods, money, desire,
weapons, oil, art, information. Everything circulates, everything communicates.
3. Félix Guattari: "Thus, it is impossible to remain outside of economy and describe it as a closed
system. The dream of a systematic description and control ofthe economy has inspired all
modern ideologies and totalitarian regimes. This dream is over."
4. "ln truth, my brothers, the Spirit is a stomach" (Nietzsche) .
5. Metabolism: thinking is eating. Incorporating and digesting. ln Hegel's Enzyklopéidie [Encyclo-
pedia] we find a series ofnotes on the "oral system" and the double function ofthe mouth. The
issue is the passage from interior to exterior and from exterior to interior- the incorporation
of exterior substance and the expression ofthe inner. The mouth has the "double function of
simultaneously initiating the transformation of food to a moment within the living animal
organism, and, opposed to this interiorization of the exterior, the function of completing the
objectivation of subjectivity taking place through the voice" (paragraph 401). The Spirit speaks
through the voice. ln order for written signs to be grasped they have to become voice. Hegel
understands this appropriation in analogy with eating. The Spirit eats.
6. ln Hegel's early text Der Geist des Christentums [The Spirit of christianity], there is an extended,
speculative interpretation ofthe Holy Communion as the fundamental act ofChristianity: the
communal eating ofChrist's flesh and drinking ofhis blood. The young Hegel constantly
returns to the doctrine ofincarnation. The sacrificial death ofChrist and the salvation ofthe
faithful ones through the sacraments. The Father is incarnated in the figure of the Son, who is
sacrificed for the sake ofMan's salvation- the Spirit becomes flesh, which is devoured and
then returns to spirituality. ln the ritual of the Communion, Hegel sees a dialectical movement
between subjective and objective: the Host is an objectivation ofChrist's infinite love for
mankind, but this "love, having become objective, this subjective having become a thing, returns
to its essence and becomes subjective again in the process of eating." The speculative circle is
closed in religious incorporation. Subject and object are reconciled in the complicated digestive
system of dialectics.

72 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros."


7. Werner Hamacher's pioneering Pleroma-zur Genesis und Struktur einer dialektischen Hermeutik bei
Hegel [Pleroma-on genesis and structure of a hermeneutic dialectic by Hegel] (1978), is
dedicated to this far-reaching correspondence between eating and reading, digesting and
understanding. The figures ofincorporation characterize all ofHegel's philosophy. Spirit
negates itself-and exteriorized, it becomes flesh. But the speculative movement rests upon
the principIe of double negation. Flesh is negated, devoured and again dematerialized into
Spirit. ln Hamacher's words: "The Spirit reads and eats itself as nutrition becomes writing."
Hegel's system is an auto-cannibalistic encyclopedia-all-encompassing.
8. ln the concluding chapters of the Phenomenlogy of Spirít, which deal with absolute knowledge,
the externalization and successive return ofSpirit through history is described as a laborious
digestive process: the subject ofhistory "has to penetrate and digest all ofits rich substance."
The central notion ofA1ffhebung-both a canceling and a preserving-can be interpreted as a
devouring. An epoch is devoured by the next, where it is broken down but also preserved as a
moment in a more encompassing metabolismo The Spirit devours itselfthrough history,suc-
cessively it incorporates all substance, until it finally reaches the full satiety of absolute knowl-
edge (Absolute Eating)-a state which Hegel, using a neo-Platonic term, calls Pleroma (fullness,
saturation).
9. Lichtenberg's reveries about the world map as a digestive system remain a mere draft. But in
Hegel, the continents are assigned to their places in the violent geopolitics ofWorld Spirit-a
system ofincorporation and excretion.
10. Geographies: the Spirit is European. He always eats "in the sarne direction." Hegel draws a map

where continents, ethnic groups, species of animaIs and plants acquire their ultimate positions
in the dialectical structure. ln a grand gesture Hegel delineates the basic traits: "The World Spirit
moves from east to west, since Europe is the absolute end ofhistory, and Asia its beginning."
The sun rises in the east-the Asiatic dawn ofReason is the birth ofhistory. Like the radiant
heavenly body, the World Spirit moves westwards.
II. This geographical exposition commences with a violent exclusion: Africa. This continent is
still "veiled in the dark colo r of the night," and it is not part of the reasonable course of world
history. Its inhabitants are said to be still caught in the blind and irrational forces of nature,
and consequently they are "incapable of any kind of formation or development. We now leave
Africa never to return." A violent expulsion-excretion.
12. "It is only now, having left Africa behind, that we find ourselves on the real stage of world

history. Let us now briefly sketch the geographical foundations of Asia and Europe. Asia is the
continent of commencement. It is true that it is situated to the west of America; but just as
Europe is the absolute center and end of the old world, so Asia is an absolute east. Asia was the
dawn of reason and the beginning of world history." The childhood ofhistory takes place in the
Oriental cultures. The light of reason is already strong, Hegel writes, but it is still situated out-
side ofhuman subjectivity. The eastward movement ofhistory signifies the gradual awakening
ofMan. ln European humanism the process reaches its peak: the enlightened self-consciousness
ofEuropean man is the final realization of reason.
13. Metabolism-geography-politics: the map as an example ofthe violence inherent in classifi-
cation. The beliefin the possibility ofmapping the system from the outside seems to amount
to the erection of totalitarian structures. Félix Guattari wants to read the map after the downfall

73 Metabolismo, geografia Daniel Birnbaum


of the grand systems- to read the map from "within," as itself part of the economy. What is
the alternative to the totalitarian map? A politicaI rhizome. A flow diagram, the logic oftrans-
formation: blood, gold, filth, water, oil, fire ...
14. Alternative geographies: Michel Leiris's Africa, Joseph Beuys's America. Eurocentric metabo-
lism broken down: the geopolitical coordinates drawn anew. The inherent violence of the map
vs. a politics of conflicting maps.
IS . On May 23,1974, Joseph Beuys arrives atJohn F. Kennedy Airport in New York. Wrapped in
blankets, he is carried out on a stretcher. An ambulance takes him to a Manhattan gallery, where
a coyote awaits him. He has still not touched American soi!. During four days and four nights a
performance takes place, which Beuys names Coyote- I likeAmerica and America likes me. What is
at stake is an encounter between worlds, between Europe and an America not yet drawn into the
European sphere. The sacred animal ofthe Indians, the coyote, is confronted with items from
the world of the artist: a walking stick, two blankets, a pile of copies ofThe Wall Street Journal.
After four days of ritual communication between man and animal, Beuys returns in the sarne
way that he arrived. He concludes: The powers ofthe coyote are so great that they are incom-
prehensible to mankind.
16. However, the soul ofEurope is not the Hegelian light, but a will to power and a ruthless vio-
lence. Michel Leiris calls the European spirit a "violent machinery," whose heavy armor is
"bloodstained both inwardly and outwardly." The medium ofEuropean "spirit" is not reason,
but violence.
17. ln his On thegenealogy ofmorals, Nietzsche sketches a different history ofEuropean man oMod-
ern humanism is not the result ofincreasing enlightenment, but of a primordial violence,
successively refined, sublimated and made invisible. What has to be explained is the existence
of"an animal endowed with a sou!." The first precondition for what we call "mentallife" and
"subjectivity" is memory; and memory, Nietzsche claims, can only be produced through pain:
"Something is burnt in, so that it hurts and stays in the memory; only that which does not stop
hurting will stay with uS."
18. European culture rests entirely on violence and pain. It is not only the others who are repressed
- the European is also a subtle tormentor ofhimself. "It was never without blood, torture and
sacrifices, when man found it necessary to acquire a memory." The animal man has become
"interiorized," he has created a painful interior space, entertained by subtle doses of self-torment
(what is usually called conscience) . Instead of acting out his aggressions, all forces are directed
inwardly, and suffering increases .
19. Indications of other maps, different systems, breaking up the economy ofEuropean idealismo
The limits ofthe system and of appropriation. Novalis : "Could anyone stay alive by eating his
excrements?" The would-be Hegelian economy at its extreme. He dreams of a total economy,
an incorporation of all externality in the vast metabolism ofthe system. The subject ofhistory
has to "penetrate everything and digest all of its rich substance," until finally everything is
incorporated in a totally satiated body. The system eats (or wants to eat) it all: "Everything has
to become food" (Novalis) .

74 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros ."
20. The young George Bataille reads Nietzsche, and identifies completely with him. He has finalIy
come across a thinker with an eye for the importance oflightness and laughter. The affirmative
power and laughter is more profound than alI philosophical thought and alI systems: laughter
transcends, sublates, tears down- in its ecstatic whirl, the system is shattered. For BatailIe,
Nietzschean laughter signifies the transcending movement whereby the economy of closed
thought is exploded. Laughter is excess, sacrifice, waste. Bataille's doctrine concerns the
heterogeneous, which cannot be incorporated in the individual or social body, but has to be
expelIed. This science Bataille calIs heterology; its object of study is the basic expulsory mecha-
nisms at work in the constitution of psychological and social organism; what is foreign has to
be rejected or sacrificed. Hence, it is declared filthy or holy- it becomes a fetish.
21. Bataille's scatology and his obsession with sacrificial rituaIs are rooted in his will to liberate
himself from the economy of dialectical thought, which he considers to be erroneously based
on lack as the motivating force behind the system's infinite hunger and its will to appropriate
outer substances. The act of eating within sacrificial rituaIs can be interpreted in a radically
anti-economical way: not as a will to gain, but as pure expenditure-a limitless consumption
ofthe surplus energy which resists assimilation.
22. It is a matter oflife and death. The living system seeks to exclude the hieroglyphs of death-
those inanimate signs which do not alIow for interpretation and incorporation. The hieroglyph
par excelIence: death itself. Bataille: "Death is the highest form ofluxury."
23 . Luxury- dirt. The ostentatious destruction ofriches is a basic cultural mechanism also in
modern societies, although in a sublimated formo There has to be a consumption of surplus
energy: a ritual annihilation, eating in an infinite variety of guises. Bataille finds such a basic
principIe ofloss in the investment of enormous sums in jewelry, in the production of sacred
objects, and in the creation of poetry and art- a wasteful expenditure which cannot be
accounted for by the principIe of gain: luxury.
24. CNN: "The negotiations ended with the agreement of a 50% cut-down on land-based nuclear
arms. The supervising ofthe dismantling and destruction procedures will be mutual."
25 . A peaceful potlatch. Destroyed missiles, destroyed warheads . What luxury would surpass the
voluntary destruction of mass destructive weapons? Not destruction but destruction of
destruction. The negation of negation. Result =o.
26 . The sun spreads its energy without demanding anything in return. The rays of this self-
consuming heavenly body reach the earth and are transformed into a vital force in plants,
animaIs, and human formations . An increasing surplus of energy is accumulated: surfeit.
Sooner or later the explosion is bound to come. Daniel Birnbaum

75 Metabolismo, geografia Danie l Birnbaum


RUTAS - AMÉRICA LATINA - Rina Carvajal

Con su gesto transgresor e irreverente, la Antropofagia brasilena inaugura una


discusión cardinal en la historia cultural de América Latina.(l) Su metáfora de
devoración, apropiación y asimilación selectiva de la diferencia no solo se
convierte en una imagen fundadora en cuanto a las posibilidades de reflexión
crítica sobre la autonomía intelectual y cultural del propio Brasil y de su
capacidad para dislocar relaciones jerárquicas con otras culturas. Ella se
transforma también en una suerte de paradigma para el análisis de las nociones de
descolonización y enmancipación cultural en el resto del continente. El mestizaje,
la ingestión y contaminación permanente de perspectivas, en torno a cualquier idea
de pureza o de superioridad cultural, enunciadas por las propuestas antropofágicas
de los anos 20, cre~n todavía hoy un marco provocador para examinar algunas de
las dinámicas más significativas de la producción artística de América Latina a
finales del milenio.
Partiendo de las lúcidas estrategias de un grupo de artistas muy heterogéneo
y de las innumerables posibilidades de interpretación que éstas abren con sus
potentes y complejas metáforas, Rutas-América Latina busca articular una mirada y
una reflexión problematizadora del arte del continente . Al resistirse a cualquier
definición de identidad , y de bordes culturales fijos e incontaminados, esta
selección busca dar cuenta de los intrincados estratos de significación que
conforman un terri torio y una producción cuya más clara característica es la
reformulación constante de sus propios términos. Esas experiencias, demasiadas
fracturadas e hibridizadas en la actualidad, intentan ser articuladas desde las
obras mismas y más bien a modo de un palimpsesto - bajo una visión ambivalente y
en un territorio de contradicciones, movimientos y transformaciones continuas -
que se propone dejar atrás el agotado mode lo antropológico y exotista, con sus
premisas de "unidad" y "autenticidad de lo latinoamericano" , que caracterizó las
últimas décadas. La múltiple tensión de fuerzas y narrativas de las de por sí tan
distintas culturas y sociedades de América Latina, y la dislocación generada por
el movimiento de las migraciones y del nomadismo en este particular momento
histórico, exige que esas nociones de identidad, apropiación y fronteras
culturales sean repensadas de un modo mucho más abierto y dinámico. Un modo posible
de abordar esta producción sería mirarla desde la perspectiva de una práctica
laberíntica - siempre fragmentada, inacabada y en continua reformulación.
Las obras de los artistas que participan en esta exhibición son extremadamente
diversas e individuales, y cruzan distintas generaciones y una vasta complejidad
de estrategias y registros expresivos . Sin embargo, todas ellas convergen en un
momento determinado con la imagen del dinamismo, metabolización y expansión
cultural articulada por la Antropofagia . La yuxtaposición y el diálogo de sus
respectivas visiones habla de una pluralidad mayor de identidades y de
estrategias . Sugieren experiencias de reapropiación, cruces de bordes ,
intercambios , pasaj e e inestabi lidad , las cuales remi ten y aluden a una cadena
infinita de transformaciones . Gabriel Orozco por ejemplo , nos enfrenta a
situaciones artísticas híbridas y en constante movimiento . Su trabajo , que a veces
puede ser objeto, proceso, escultura, fotografía o acciones, cambia de puntos de
GabrielOrozco Perro durmiendo Cachorro dormindo [Sleeping dog] 1990 cibacromo 47,3x31,5cm coleção particular cortesia Marian Goodman , Nova York
vista y de lugar continuamente, desplazãndose fluidamente entre los intersticios
y mãrgenes de diferentes culturas.
Orozco, quien vive desde hace algunos anos entre México y Nueva York, y trabaja
por largos períodos en Europa, asimila y reinterpreta en su obra una amplia
tradición de lenguajes y técnicas escultóricas - experiencias que su singular
relación con objetos y situaciones de la cotidianidad le permite potenciar una
condición nueva, transitoria para e l objeto y la experiencia escultórica . Sus
experimentac iones parten de materiales precarios, obj etos encontrados y
situaciones anónimas de objetos cotidianos intervenidos y reelaborados por medio
de acciones genera lment e efímeras . Estas pueden llegar a ser a veces tan
intangibles y discretas, como para requerir toda la atención de quien las mira.
En Perro durmiendo, 1990, el artista nos sugiere en una experiencia familiar y
aparentemente comün, la posibilidad de percepciones y sensaciones inesperadas. La
vulnerabi li dad y la calma deI cuerpo de un animal dormido, las pulsaciones leves
de su respiración, su tacto sobre la piedra, atestiguan de pronto una inextricable
experiencia de lo escu l tura l y de la materia , revelando por un instante la fuerza
de una imagen a punto de su disipación. Las siempre abiertas prãcticas artísticas
de Orozco, implican nociones de desplazamiento e inestabilidad, de confluencia y
disgregación, un estar permanentemente "entre espacios", de un lugar a otro, de
una forma a otra y así infinitamente. ElIas van dando cuenta deI movimiento deI
artista, de su acción sobre las cosas y de los procesos mediante los cuales éstas
se transforman. En Piedra que cede (1992), y a manera de un autorretrato, Orozco
crea una esfera deI plastilina que pone a transitar por distintos lugares. Este
objeto nómada cuya masa reproduce el peso deI artista, experimenta continuas
modificaciones en su recorrido , registrando y absorbiendo en su superficie marcas,
huellas y residuos de todo lo que encuentra a su paso. En la densa e inestab l e
materialidad de esta obra, y en las ricas contradicciones que encierran sus
paradojas, el artista desestabiliza en un solo gesto, no solo las categorías
establecidas por una tradición escu ltór ica sino los supuestos jerãrquicos que
definen los límites de una determinada producción artística.
En un trabajo como Gaja de zapatos (1993), Orozco pareciera jugar el papel de
un i lusionista perspicaz aI presentar acertijos que desobjetivizan y .modifican una
y otra vez la percepción deI objeto . Con esta obra realiza una acción mínima y
radical . AI colocar esa blanca caja de zapatos en un espacio, pone en evidencia
su vacío l iberando toda una situación tanto de desorientación e inestabilidad como
de posibilidades para el objeto . Esta caja , simple , precaria y perecedera, se
transforma de repente en un receptãculo que contiene, cuestiona y despliega una
gran variedad de relaciones, límites, polaridades y significados para el objeto
artístico. En LA DS (la deésse) (1993), tomando un camino diferente deI de sus
trabajos anteriores , ll eva a cabo una precisa operación de canibalismo cortando y
reconstruyendo impecablemente sesenta centímetros de la parte central de un
Citroen DS y cada uno de sus tornillos, roscas y tuercas en partes iguales , que
luego ensamb la y funde a la perfección. La contundente presencia física de este
objeto, a partir de los procesos subversivos de Orozco, se vuelve de pronto
perturbadoramente inestable . El espacio recortado y comprimido de la diosa (la
Gabriel Orozco
Turista maluco [Crazy tourist] Mercado Cachoeira [Cachoeira Market] Brasil 1991 cibacromo 31,5x47,3cm cortesia Marian Goodman, Nova York
La OS 1993 carro alterado [altered carl 114x140x480cm coleção FNAC, Paris cortesia Marian Goodman Gallery, Nova York

2
deésse) , el vehículo icónico de la elegancia y sofisticación de la industria
automovílistica francesa de los anos cincuenta, se convierte de pronto, por el
gesto irreverente y desmitificador de ese corte, en un híbrido extrano, residuo
deI fracaso deI sueno futurista de grandeza de la tecnología europea.
El énfasis en la acción gestual, en los procesos deI objeto escultural y las
nociones de circularidad y de movimiento, esenciales aI trabajo de Orozco, se
estructuran también de un modo particular en las experimentaciones de Ana Maria
Maio1ino. La obra de esta artista abarca una conspicua cantidad de medios y
lenguajes, y parte de las narrativas y metáforas deI imaginario femenino de la
vida diaria. Estas envuelven una larga cadena de personas, gestos, procesos y
energías e implican - a partir deI cuerpo y de sus acciones repetidas deI gesto
- una potencialización de los procesos transformativos deI ser y la materia. Las
prácticas de Maiolino estructuran en sus innumerables reiteraciones deI gesto,
situaciones primordiales deI lenguaje y deI cuerpo. La intensidad, la fuerza vital
de estas repeticiones primarias, intuye una memoria de lo informe, un principio
originario, germinal de la materia. En su obsesiva insistencia, éstas repeticiones
retienen, como la naturaleza misma, similitudes y diferencias que reflejan el
pulso de la vida, rehaciéndo, anunciando ciclos, devoraciones, gestaciones,
procesos confirmatorios de una visión deI tiempo que lo comprende todo: tiempo
trabajado íntimo e infinito, génesis deI mundo recomenzando una y otra vez. Por
un fio (Por un hilo) (1976) muestra su propia imagen unida a la de su madre y de
su hija a través de un hilo, ese hilo que sugiere la fecundación, continuidad y
persistencia de la vida formándose y reafirmándose con el primer gesto, en 'lo
igual y lo diferente'. En Entrevidas (1981-1991) la artista camina entre cientos
de huevos. AI invitarnos a recorrer 'un territorio minado por las fragilidades de
la vida', sus pasos enuncian una refutación y una afirmación constantes. Aún si
peligroso e inestable, y por paradój ico que sea, este caminar entre huevos,
amenazado por energías en suspenso, sustenta promesas de fertilidad y renacimiento
y acentúa la oscilación entre e1 espíritu y la materia, la mente y el cuerpo, lo
primigenio y el instante.
Desde comienzos de los noventa, Maiolino realiza series de esculturas-objetos,
instalaciones que continuan enfatizando la iteración de las acciones deI gesto,
esta vez a partir deI modelado de la mano en la arcilla en los primeros estadios
deI trabajo material. En Muchos (1991-1995), los gestos se multiplican en la
intensa acumulación y manufactura de formas simples, pequenas - bolas o rollos
cilíndricos de arcilla modelada, que sugieren la articulación originaria deI
lenguaje, de las funciones deI cuerpo, y de la naturaleza desplegándose,
anunciando nuevo ciclos, manteniendo el tiempo en sus repeticiones, en su
constante hacer y rehacer la materia. Allí, la forma 'se afirma y se anula
dinámicamente en la búsqueda de una identificación que nunca concluye, forzando
así la continuidad de otro gesto para sustentar el deseo'.
A su modo irónico y ecléctico, Juan Dávi1a acumula y yuxtapone los códigos
visuales, culturales y estilísticos más divergentes. La forma móvil y elusiva con
que sus imágenes enmascaran y desenmascaran sistematicamente formas, narraciones
y discursos, fractura repetidamente toda posibilidad de una identidad no
contaminada para su obra. Con deliberada falta de estilo, y atacando siempre las
Anna Maria Maiolino Entrevidas [On the margin of life] 1981 instalação foto Hanzy Stahl

3
reglas del buen gusto y del decoro, pinta imágenes ambivalentes y viscerales, que
provoc an reacciones muy perturbadoras en el espectador. Aún cuando una parte
fundamental de su trabajo consiste en develar mecanismos sicológicos y culturales
muy oscuros y reprimidos, bajo la obvia violencia y revulsión que provocan sus
imágenes, Dávila teje una trama crítica y conceptual extremadamente elaborada.
En esta obra todo parece estar descentrado, al revés. Desde las estrategias
de un montaje híbrido que asocia, mezcla y carnavaliza consistentemente temas,
técnicas y formatos de los más dispares y fragmentados, la obra se apropia, copia
y transforma imágenes, códigos y estilos ajenos, parodiando toda noción de pureza,
autenticidad y autoría . En ese ensamblaje infinito de imágenes, discursos y
percepciones que se proyectan y contaminan unas a otras, la obra despliega
innume rables perspectivas de significación, subvirtiendo, resistiendo siempre
cualquier idea de identidad o de órdenes culturales establecidos. Siguiendo el
esti lo de la imágen ponográgrafica, Dávila retrata en su trabajo cuerpos
sexualmente ambiguos, 'trasvestis'sin género preciso . Esas imágenes, en la
liter alidad degradada de su carnalidad, presentan una satírica y muy sutil
ref lexión en torno a los discursos y jerarquías culturales que colonizan y
legitimizan 'el cuerpo' y sus posibles identidades. Con e llas tematiza 'lo
mestizo~.' aludiendo al sincretismo de razas y culturas como una posibilidad de
resistencia y negación de lo puro . Un aspecto clave y recurrente de este trabajo
de Dávila, ha sido el interés en socavar la autoridad y rigidez de los modelos
cent rales en relac ión a sus exigenc ias de una supuesta 'esenc ia propia' para
América Latina .
Su instalación de Juanito Laguna (1994), a partir de un personaje ficticio
creado por el pintor argentino Antonio Berni (1905-1gel), describe a un nino de
las villas de miseria de Buenos Aires y sus esperanzas frustradas de escape. La
imagen de Juanito, funciona en este trabajo a modo de alegoría donde se entretejen
fragmentos y aspectos incongruentes de narrativas históricas, geográficas y
artís ticas de varios continentes. A partir de las metamorfosis que esas
referencias generan en 'el cuerpo' de Juanito, Dávila produce una serie de figuras
comp lej as cuya promiscuidad y encabalgamiento disuelven cualquier marca posible
de identidad o de origen. El espacio físico de la obra se transforma también en
una suerte de feria en la cual todo ha sido trastocado, contaminado. La mezcla
exube rant e y laberíntica de historias, formatos, obj etos y j erarquías de esta
carnava lización no solo hace evidente las ambivalencias y los conflictos
inherentes a las experiencias coloniales, sino también muestra que toda "identidad
es una máscara y que todo origen se desintegra en una serie de susti tuciones [ ...],
transferencias y sincretismos".2
En su caminar y deambular constante por e l centro de la ciudad de México,
Francis A11s registra impresiones, experiencias e imágenes, para hacer conexiones
y discretas intervenciones escultór icas en sus calles. Alys se mueve entre pasajes
e intersticios, manteniendo siempre una distancia prudente, la suficiente para
mirar oblicuamente los objetos y las situaciones que encuentra a su paso y poder
crear con estos momentos efímeros de interrelación y diálogo. Sus propuestas, más
que el intento de fusionar realidades culturales, sociales y estéticas en extremo
Anna Maria Maiolino' Many M ~itos detalhe 1995 argi la moldada [molded clay] instalação Beguinage of Kortrijk cortesia Kanaal Art Foundation , Kortrijk, Bélgica
páginas segu intes [following pages] Juan Dávila Juanito Laguna detalhe 1994 instalação Chisenhale Gallery cortesia Chisenhale Gallery, Londres

4
diversas, son tentativas modestas por cruzar y conciliar - siempre en difícil
equilibrio - obstáculos, distancias y diferencias.
A1Js, quien es belga de origen, y ha hecho de México el lugar base de sus
experiencias artísticas, trabaja con ideas esculturales, objetos, video y acciones
que realiza caminando, y que rehace paralelamente también en forma de pinturas.
Sus poéticas objetuales y escultóricas, surgen de las relaciones casuales que
establece con objetos y situaciones de la vida diaria durante sus caminatas por
la ciudad. Estas experiencias son animadas por la seducción y afinidad que siente
ante el pulso desconcertante y vital de gentes, situaciones, imágenes y contactos
provocados por una cultura urbana inmersa en grandes polaridades . A1Js trabaja en
la marcha, sin rumbo fijo . A modo de un transeúnte atento, va recogiendo pistas,
reciclando imágenes, trazando rutas, reinventando la ciudad todos los días . Desde
1991, construye objetos magnéticos - un pequeno perro de hierro (The collector) y
unos zapatos con los cuales camina por las calles atrayendo y acumulando desechos,
memorias e impresiones del universo urbano que lo rodea .
En su obra , A1Js hace uso constante del reciclaje de imágenes, nutriéndolas
del diálogo dinámico con tradiciones y procesos de la cultura popular local donde
trabaja. Durante más de seis anos , ha llevado un taller de producción cooperativa
con los rotulistas que pintan los anuncios populares del centro de la ciudad . A1Js,
para muchos de su trabaj os se inspira en ese mismo tipo de lenguaj e visual . A
partir de la reconstrucción de fragmentos de esas imágenes, hace pinturas de
pequeno formato para que los rotulistas las reinterpreten y recreen a su propia
manera. A través de este procedimiento, y buscando disolver cualquier posibilidad
de autoría, devuelve las imágenes a las fuentes de donde surgieron para ser
modificadas nuevamente, y volver a iniciar una y otra vez los ciclos de
reconfiguración, pasaje y circulación.
Alys somete sus objetos, pinturas y operaciones esculturales a condiciones y
relaciones de balance no resuelto. En muchas de las pinturas de figuras trabajadas
en conjunto con los rotulistas, aparece la imagen genérica del hombre en traje
formal, de la que se apropia, para reinterpretarla, de los anuncios comerciales
populares de las sastrerias del centro de la ciudad. Alys presenta a este
personaje, solitario y enigmático junto a muebles y objetos, y en situaciones de
confusión, estranamiento e inestabilidad física. Su figura y las historias que se
narran, permanecen siempre entre espacios, suspendidas, incompletas, en espera de
un desenlace que nunca llega . A1Js acude a ese mismo tipo de relaciones tanto en
sus pinturas de muebles y edific ios i'ntervenidos por si tuac iones escul tóricas,
como en las acciones que estas reproducen y que previamente ha realizado en sus
recorridos. Este balance frágil e inquietante de imágenes, esta invers ión y
sustitución recurrente de géneros y roles, esta continua aspiración por conciliar
distancias y diferencias, se extiende a todas las prácticas de A1Js . El sistema
sensible estructurado en su obra , revela un territorio vulnerado por obstáculos y
márgenes que pese a todo permite seguir confiando en las posibilidades de diálogo
con que puede sorprendernos lo cotidiano .
La misma experiencia de desplazamiento, de vivir entre fronteras culturales,
sociales y geográficasintrínseca a la obra de A1Js , conforma las prácticas de
HUgo Manglano-Ovalle. El trabajo de este artista articula esas nociones sin
embargo, desde la perspect i va de una cultura 'latina' híbrida en los Estados

5
Unidos . Manglano-Ovalle examina en su obra, no tanto su propia historia 'mestiza , '
sino las representaciones y construcciones de identidad generadas por determinadas
estructuras y categorías de poder en el espacio social . De naturaleza
interdisciplinaria y participativa, su trabajo parte de estrategias conceptuales
que abarcan varios medios - fotografía , cine, video , escultura e instalación in
situ - a la par que utilizan materiales y lenguajes de las ciencias y la tecnología
avanzadas como estética para la manipulación de contenidos . Desde sus trabajos
tempranos individuales y en colaboración con grupos de jóvenes latinos y chicanos ,
donde articulaba problemáticas de aculturación y de inserción de los inmigrantes ,
dentro de los marcos más amplios de la realidad socio-política norteamericana , sus
obras cuestionan cualquier posibilidad de identidad o de bordes culturales
estables .
Los trabajos más recientes de Manglano - Ovalle , de sobria estética post -
mi nimalista, construyen desde su cuidado hermetismo , un orquestado camuflaje que
e sconde insospechadas paradoj as y tensiones . En El Nino Effect (El efecto del
Ni no) , 19ge , una instalación que recrea el ambiente meditativo de un spa , el coloca
una banda sonora de fondo que reproduce los sonidos de una tempestad de verano y
dos monitores que proyectan imágenes de nubes circulando de un lado a otro . Dos
tanques aislantes idénticos llenos de agua salada , invitan al espectador a ' perder
sus sensaciones' sumergiéndose en ellos . Lo provee además , de un servicio de
duchas , jabón y toallas para uso público antes y después de entrar en los tanques .
La aparente tranquilidad de este lugar neutro y aséptico va develando
paulatinamente sus intrincados y perturbadores contenidos . Utilizando la
tecnología como poética y estét i ca de la manipulación y tragresión paródica de
formas y significados , Manglano-Ovalle logra decodificar la violenc ia y
desmaterializar la percepción del cuerpo en la obra . Compara allí, por ejemplo ,
los registros usados para hablar de un fenomeno metereológico indeseable con las
ideologias xenofóbicas contra el inmigrante . Por el efecto azaroso de un sistema
climatológico desestabilizador - El Nino, el inmigrante indocumentado , amenazas
que vienen del sur - todo se transforma aquí en presagio de un desastre inminente .
El relajante fondo sonoro revela de pronto los sonidos digitalfzados de cientos
de tiros de pistola . Las delicadas y aparentemente calmas nubes , a punto de
colisión , van de un lado a otro de la frontera entre México y los Estados Unidos
anunciando una catástrofe en su conformación . El espectador , en su flotar
solitario y aislado en los tanques de 'privación de los sentidos' , pierde
forzosamente su escapismo , su distanciamiento y sus barreras , absorbiendo y
mezclándose , sin saberlo , con los fluidos de otros cuerpos que pasaron por ahí .
Partiendo nuevamente de las estrategias de un lenguaje reduccionista de formas
abstractas y concisas que llevan conceptualmente a su antítesis , en El Jardín de
las Del i c i as (19ge) , Manglano - Ovalles anal i za y problemat iza construcc iones y
r epresentaciones de la identidad a través de taxonomías de clasificación y control
surgidas del espacio social . Traza paralelos entre las pinturas de castas del siglo
d i eciocho , basadas en s i stemas coloniales de categorización de las razas mixtas
del Nuevo Mundo , y las nuevas visiones y criterios de representación de la
i dentidad y la diferencia que surgen de la ciencia genética . Esta instalación
c onsta de 4e imágenes fotográficas creadas a partir de las huellas digitales del
ADN de distintos individuos -información que el artista transfiere a archivos

6
Francis Alys Francis Alys and the collector Francis Allys e o coletor 1991 foto lan Dryden

Francis Alys The thief O ladrão 1996 óleo sobre tela [oil on canvas] 16 x22cm

Francis Alys Playing with pillows-while I was walking through


the center of Mexico City I placed pillows in broken window
frames Brincando com travesseiros-enquanto eu .andava pelo
centro da Cidade do México coloquei travesseiros nas molduras de
janelas quebradas setembro de 1990 Cidade do México Franci s Alys Sem título [Untitled] 1994 óleo sobre tela [oil on canvas] 13x19cm
Francis Alys em colaboração com Felipe Sanabra EI colector O coletor Francis Alys Sem título [Untitled] 1993
[The collector] 1991-92 Cidade do México Cidade do México

Francis Alys The leak O vazamento agosto de 1995 São Paulo, Brasil foto Kurt Hollander

Francis Alys em colaboração com Juan García Sem título [Untitled] óleo sobre tela [oil on canvas]
98x120cm
IFiigo Manglano-Ovalle
Twin Gêmeo 1994 cibacromo de exame de DNA [cibachrome of DNA analysis] 155 x61cm cortesia Max Protetch Gallery, Nova York
EI Nino effect-nino and nino Efeito EI NiFio-menino and menino 1998 fotografia colorida [color photography] 101 ,6x152,4cm cortesia Christopher
Grimes Gallery, Santa Mônica

91 América Latina Rina Carvajal


computarizados y que luego manipula en términos de forma y color y transforma
eventualmente en transparencia Cibachrome y tres barriles de agua potable
elaborada con fluidos humanos procesados y purificados para uso público . En esta
obra , el artista busca exorcizar y hacer tambalear viejos tabúes y modelos
autoritarios de representación mostrando espectros no jerárquicos y más globales
de la identidad , cuestionando al mismo tiempo las impredecibles prerrogativas y
~aradigmas que esas nuevas configuraciones pueden llegar a generar .

Hasta hace poco tiempo en su trabajo , Meyer Va i sman se burlaba mordaz e


irreverente de si mismo y del espectador . Colocaba insistentemente su identidad
en situaciones limites y paradójicas a través del juego repetido de las
categorizaciones . Sus autorretratos tempranos , más que un contenido
autobiográfico , reflejaban , a modo de máscara o espejo , una relación oblicua y
elusiva hacia los otros y hacia si mismo . Desde los papeles que asumia como
artista , complaciendo sin pudor la avidez consumista de su público , le devolvia
proyectadas en sus retratos , la realidad de su mundo , la conciencia de su propia
imagen . Ese sentido perturbador de comedia , simulación y opulencia de las prácticas
tempranas de Vaisman , se fue transformado gradualmente en la inserción cada vez
más introspectiva y sincera de su historia personal y de si mismo en su trabajo .
Su obra reciente , trazando un pasaje distinto al de la superficie , el artificio
y la ironia de obras tempranas , atraviesa bordes , obstáculos y distancias para
descender a un espacio intimo , cada vez más cerca del cuerpo y de la vida .
En obras de su primer periodo como Souvenir ( Recordatorio) , 1987 , construye
un complejo lenguaje de ficciones superpuestas donde entremezcla temas como el
autorretrato , la identidad y el simulacro . Buscando provocar una deliverada
opacidad en la percepción de su obra , incorpora aqui de modo serial su propia
caricatura realizada por un dibujante en las calles de Florencia . Elige un retrato
torpe y ordinario de si mismo , una imagen intencionalmente ambivalente que incluye
la visión 'ajena' y cuestiona inclusive su autenticidad como artista . El
escepticismo , el humor transgresivo de su obra de estos afios , encubre
/ ,
subreticiamente un lado trágico . Refleja la artificial y colapsada realidad del
individuo en las grandes urbes contemporáneas . Sus esculturas de pavos disecados
son muy importantes en ese sentido , en Pavo Sin Titulo V, 1992 , por ejemplo ,
borrando repetidamente las fronteras entre lo cómico y lo trágico , utiliza a manera
de alter ego , la tonta figura de ese animal muerto para cont inuar confrontando
equivocos del comportamiento humano , y la personalidad artistica . Relativizando
permanentemente la identidad y estableciendo una relación cada vez más extrecha
entre lo visible y lo oculto , enmascara y revist e a este pavo de falsas
identidades , confundiendo sus géneros y parodiando con el toda suerte de
e stereotipos y convenciones sociales .
Por ra~ones personales y de origen , Vaisman crea en su trabajo una vasta trama
de interacciones culturales que alude recurrentemente a multiples desplazamientos
e identidades . Nacido en Venezuela , de padres judios inmigrantes , vivió y trabajó
por más de una década en Nueva York donde perteneció a una generación emergente
de artistas que favorecia de modo abierto preocupaciones con e l arte Pop ,
Conceptual y Minimalista . Desde comienzos de los afios noventa , regresa a Caracas ,
donde reside actualmente . Verde por fuera , rojo por dentro , 1993, la primera obra
Meyer Vaisman Meyer Vaisman 1998 plástico, resinas [plastic , resins] foto Ricardo Armas

7
que realiza a su retorno a Venezuela, es personal e inusualmente autobiográfica.
Revirtiendo sus estrategias habituales, introduce aquí una nueva dimensión
introspectiva en su trabajo que se extiende a toda su producción reciente. Fabrica
una modesta estructura arquitectónica que recrea y contrasta la fachada pobre y
desnuda de un rancho venezolano con el interior sombrío de una casa burguesa. Un
interior que reconstruye su dormi torio de adolescente preservado intacto en la
casa familiar .
Vaisman r ea liza en este trabajo un recorrido elíptico, vulnerable a su
historia, su cuerpo y su interioridad, una suerte de excavación de memorias,
emoci ones y experiencias que entretejen otras narraciones e historias paralelas,
las de los miembros de su familia, sus innumerables exilios y desp lazam ientos,
aque llas de las contrastantes realidades sociales y económicas de Venezuela. El
entre laza paradojas y relaciones con los materiales de esta edificación. Coloca
cabe llos de nino aprisionados entre sus ladrillos y pelvises humanas y cráneos de
yes o vaciado y pigmentado, mimetizados en sus cantos . Sin ventanas, completamente
cerrado, e l interior de esta construcción solo puede ser observado parcialmente y
con gran dificultad por el espectador a través de los angostos orificios de las
pelvis de una mujer. Resistiéndose a ser descifrados, los e l ementos de la obra se
desdibujan, desplazan persistentemente sus significados - esque leto , casa, ciudad,
memoria, vacío, soledad - la intimidad aquí es transformada en estructura . El
silencio contenido de ese espacio, estalla de repente, liberador, en el estadio
fina l de la obra. Vaisman quiebra e l cemento, abre la puerta y la vida contundente,
irrumpe en la habitación. Fragmento sobre fragmento, cada vez más adentro, desde
los huesos, las emociones, incorpora densa, paulatinamente su cuerpo, su historia
y sus senas de identidad.
En Meyer Vaisman, 1998, un autorretrato donde integra su propia mortalidad,
exp ande y complej iza aún más la introspección en el trabajo. Exacerbando su
caniba l ización, Vaisman realiza un 'retrato en muerte' que reproduce, a partir de
un proceso tecnológico avanzado, la imagen tridimensional exacta de partes de su
esqueleto. Buscando revelar lo que es ta oculto, va hasta la esencia, la disolusión
misma de la identidad, para confesar la relativa fragilidad de la dinámica que la
sostiene. En este autorretrato, el esqueleto, reducido solo a puntos claves de
conección con el exterior - la cabeza, el coxis, las manos y los pies - permanece
sin columna vertebral que lo sostenga.
Muy autobiográfico y de una desmesurada introspección, e l trabajo de José
Antoni o Suãrez a modo de una cartilla personal, registra en su exuberante fluxión
de imágenes pequenisismas, una memoria anacrónica y diversificada. Memoria que da
cuenta, no solo de los planos psíquicos de lo íntimo, sino también de una relación
deliberadamente oblicu~ con la realidad, vivenciada desde el resguardo solitario
de la propia imaginacíon . En su constelación prolífica de fuentes, referencias e
imág enes y en su yuxtaposición permanente de esferas individua l es, cotidianas y
sociales, esta obra , construye una narrativa dispersa que , día tras día , mes tras
mes, va trazando un inventario poét ico e indiscriminado de lo interno y de su
re lación con la vida de todos los días.
Suárez, parte en su obra de una , experiencia casi monástica, extremadamente
Meyer Vaisman Verde por fuera, rojo por dentro Verde por fora, verm elho por dentro [Green on the outside, red on the inside] 1993 instalação técnica mista
[mixed media] fotos Ricardo Armas
páginas seguintes [followi ng pages] José Antonio Suárez Cuadernos [Notebooks]

8
rlEM.ENTo
MOEI

~ABá(!'~,H
tamtt l&l;,.o,..wt.k.
"'''''t11'~IIJIIIA'JfII.
...... ~~.A ~~7 •• ,1~AfIl,l.
t
d:;i!'!~

I'

o. ~"tQlo9ia t~l
l
último capitulo de
'Lo$ t,it~' YOLOVEJ

""""'A
marn.\1-
110505', Lo, libre-

~s~~ adri~~bf~
mrnte la ~ df\·t.r
sa~ historlâ~ en
JU~i!o. 5tn J.Llrd~
CClf\otlcto.
íntima y localizada. Protegido de la violencia externa latente, y concentrado en
su taller, procesa en sus innumerables y diminutas imágenes, una obsesiva conexión
con el mundo de su entorno. Guarda celosamente numerosos recortes de periódicos,
frases e imágenes que utiliza luego como referencias para su trabajo . Dibuja,
además, copiosamente, haciendo grabados y llenandodiariamente cuadernos diminutos
de imágenes y textos . A manera de un viaje interior, integra cuerpo, imaginación
y pensamiento para rehacer el mundo una y otra vez . Se retrata repetidamente a sí
mismo con prolijidad y detallismo microscópico; explora y examina su sexualidad,
ilustra sus estados vegetales, animales , busca su génesis; registra una singular
y atemporal relación con la historia del arte; y recrea e ilustra al mismo tiempo
las realidades contrastantes de la vida urbana colombiana, todo lo que escucha y
ve a través de los medios .
Sus pequenos cuadernos , al modo de las ilustraciones en los márgenes de los
manuscritos medievales, presentan un flujo vertiginoso e indiscriminado de
imágenes y textos en situaciones fragmentadas, cuya yuxtaposición y contiguidad
depende del azar . Estas situaciones , crean un ritmo secuencial inconexo de gran
movilidad, una superposición arbitraria que provoca una marcada opacidad en la
percepción de las imágenes, solo claras y sencillas en apariencia . En la tradición
de los vanitas y de su recolección alegórica de figuras y objetos , la iconografía
íntima que éstas imágenes conforman , pareciera registrar complejos estados
mentales , el paso y transitoriedad del tiempo .
El formato íntimo, pequeno, la humildad artesanal de esta obra y su economía
y sutileza de medios - lápiz, plumilla, témpera, acuarela y grabado - contraponen
y contrastan una precisa disciplina de ejecución con un manantial divergente y
anácronico de imágenes . Extremadamente densas y compactas en su acumulación, éstas
imágenes testimonian una imaginación poética dinámica y singular . La obra de José
Antonio Suárez, desde la modestia de su escala, habla de la fuerza y densidad de
lo mínimo, de sobrevivencia, delimitación, desnudez - del exilio en la propia
interioridad .
Las esculturas y ensamblaj es de Doris Salcedo exploran las historias de
violencia silenciadas de la vida diaria colombiana ofreciéndolas como posibilidad
de elaboración de un duelo público. Con una fuerte connotación antropomórfica y
una drámatica yuxtaposición de materiales, de objetos y elementos arquitectónicos
del ambiente doméstico, su obra persigue poner en evidencia las experiencias de
pérdida y dolor que surgen tras esas historias . Salcedo , quien ha viajado a las
regiones más remotas del país para contactar y entrevistar a los sobrevivientes ,
como parte del trabajo artístico , se apropia de sus traumáticas narraciones y las
reinterpreta para la reconstitución de una memoria que concite el respeto
colectivo hacia ellas . A manera de receptáculo y de lugar de remembranza, su obra
busca expresar y legitimar ese dolor , restableciendo una relación de compromiso y
de empatía con la vivencia de esa realidad .
El trabajo de Salcedo parece articularse en un territorio de paradojas . Este
territorio no solo reconcilia un espacio real con otro abstracto y metafórico ;
representa además , la posibilidad y la imposibilidad de expresar el dolor
individual y la tragedia de tanta gente . Materialmente muy densos , y cargados con
una evidente energía física y visceral , sus trabajos , en su mezcla de objetos
domést i cos , personales , y fragmentos animales y humanos , intentan aprehender y

9
proyectar a partir de la extensión deI cuerpo en el espacio social una
percepción profunda de los estados interiores deI dolor. Experiencia demasiado
radical y privada que por su propia naturaleza auto-referencial, se resiste
siempre a ser objetivada en el lenguaje . AI ritmo persistente de sus procesos, la
posibilidad de formular un lenguaje que concilie lo público y lo privado, aparece
y desaparece una y otra vez en su obra sin resolverse nunca completamente .
Salcedo refleja en su trabajo la necesidad e importancia de encontrar un modo
de imaginar y traducir el dolor y la pérdida, así como la urgencia de inscribirlos
en el territorio deI discurso público. Atrabiliarios (1992), es una instalación
que presenta una serie de nichos recubiertos con membrana semi trasparente de
vejiga de res cosida con puntos de sutura a la pared . En estos nichos, Salcedo
inserta zapatos femeninos de aquellas mujeres desaparecidas por acción de la
violencia y cuya muerte nunca ha quedado comprobada. A modo de un memorial , estas
pequenas estructuras - evocativas de los cementerios colombianos - presentan una
velada distancia con el espectador por la opacidad y tactilidad de la superficie
y rememoran la ausencia de las víctimas y el sufrimiento y complejos estados
psíquicos de sus sobrevivientes . A modo de huellas o reliquias deI cuerpo ausente ,
los zapatos quedan suspendidos dentro de un espacio intermedio donde la identidad
permanece "suj eta a una infini ta borradura o desmaterialización ." (3) La Casa
Viuda (1993-94)
conforma una serie de ensamblaj es escul tóricos basados en la
simbiosis de una puerta y fragmentos de muebles, prendas personales y elementos
humanos que la artista coloca en situaciones de obstrucción o de aislamiento .
Narrados desde una perspectiva femenina, estos trabajos expresan la violación y
el destierro deI espacio doméstico y funcionan a modo de lamentación por la
ausencia de los ocupantes de la casa . Con una intensidad y energía muy diversas
de las de éstas últimas obras, las esculturas de madera y concreto que Salcedo
viene realizando desde finales de los anos ochenta, presentan una drámatica y
extrana materialidad . Construidas con muebles, elementos orgánicos y cemento,
estas piezas parecen retener el aura deI cuerpo humano aprisionada en el concreto .
ElIas marcan y testimonian además los signos deI trauma en su superficie : son
atravesadas por elementos punzantes , y sus grietas, resquebraduras y abrasiones
sugieren heridas o cicatrices .
A lo largo de toda su producc ión, los procesos de Salcedo, parten de una
condicion esencialmente femenina deI hacer y parecen cumplir una compleja función
ritual. La extr~ma insistencia de su labor, la obsesividad de sus gestos repetidos
- de costura, sutura y remiendo - aluden persistentemente a la necesidad de senalar
las heridas, de mostrar las acciones de su reparación y curación , y de encontrar
un espacio de continuidad . Desde las propias contradicciones de representación que
la obra genera, estas reiteraciones sugieren un modo de activismo , la posibilidad
de concertar la expresion colectiva deI dolor de otros redimiéndolo a través de
la reconstrucción de su memoria .
La fotografía de Miguel Rio Branco parece gestarse desde el centro mismo de
una herida , desde su involucramiento con todo aquello que ha sido marginado y
relegado a la oscuridad . La enigmática densidad de sus imágenes , no solo remite
a un mundo de distancias sociales irreconciliables , sino que se constituye en
llamada aI respeto por la vida ; una vida impregnada de humanidad , pero siempre en
páginas seguintes [following pages] Doris Salcedo Installation 1995 instalação Carnegie International, Pitsburgo foto Richard Stoner cortesia Alexander
and Bonin , Nova York

10
Miguel Rio Branco
Le teu et la lionne O fogo e a leoa [The fire and the lioness] 1993
009 man Homem cachorro Maciel 1979

102 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros ."
103 América Latina Rina Carvajal
peligro y al borde del vértigo provocado por su deslizamiento hacia límites
extremos. Ellas conectan con emociones tragicas el horror, el instinto de
sobrevivencia, el miedo a la muerte - y expresan reiteradamente la inevitabilidad
del sufrimiento, la conjunción inseparable de la belleza y el desamparo.
Bajo la superficie tangible pero evasiva de las imágenes de Rio Branco se
intuye una fuerza subterránea, una resonanc ia corporal poderosa. Estas
fotografías, llenas de planos y espesores, despliegan, desde la grave solidez que
las sustenta, un pulso móvil, polifónico que va de una sensación a otra, de una
percepción a otra . Muchos de sus trabajos parten de un ensamblaje de imágenes por
planos, de yuxtaposiciones y transparencias, que confrontan, sin comienzo ni fin,
distintas narrativas e integran además insospechados efectos y percepciones
sensoriales. Casi cinemáticos, estos ensamblajes, mezclan ritmos y espacios muy
diversos evocando nociones de temporalidad, quietud, movimiento e inusuales
impresiones táctiles y olfativas . En Pequenas reflexiones sobre una cierta
bestialidad (1990-98), un montaj e audiovisual que evoca la animalidad del ser
humano , Rio Branco contrapone , a manera de narración retrospectiva , la imagen
estática y desolada de un perro agonizante, con otras, innumerables y en ritmo
vertiginoso . Estas últimas , establecen una suerte de mise en abime de planos,
narrativas y memorias. Su trayecto pareciera recordar la accidentada y desolada
existencia de este animal . Se intuye en esta obra , como lo intuimos en muchas
otras , la inminencia de una tragedia y la imposiblidad de detenerla . Este perro
se convierte de pronto en la parte más devastada del hombre. La precariedad de su
universo, su resistencia a la muerte, se transforman en metáfora de todos aquellos
seres marginados socialmente, y de su lucha desesperada por la sobreviviencia.
El color con su intensa saturación, cumple una función estructural en el
lenguaj e de Rio Branco. El uso del color, no solo conforma el tono expres i vo d.e
su obra, sino que le permite reconstruir su propia relación con la tradición
pictórica en la fotografía. En El fuego y la leona (1993), una leona banada en
rojo realiza un salto mortal a través de las llamas encendidas de un aro. Su
textura visceral, sanguínea, sustancia, tine aquí todo el espacio. La oscura
irradiación del color y su marcado cromatismo, acentúan una belleza y una
bestialidad extremas y parecen suspender y reconciliar por un instante el peligro
de una vida entre límites, su incierto tránsito entre la vida y la muerte.
Partiendo de los objetos más elementales y de las potenciales transformaciones
que éstos encierran, la obra de Victor Grippo expresa la densidad y la fuerza de
la imagen a partir de una' gran austeridad de medios . Densidad y fuerza de las
imágenes, en la medida en que éstas aluden a la constante expansión y modificación
de la materia y del espíritu . A través de una fecunda estructura de analogías que
conecta e integra elementos muy disímiles y opuestos, las investigaciones de
Grippo ofrecen continuas asociaciones entre el arte , la ciencia , la vida diaria y
su relación con lo cósmico .
De su entrenamiento temprano como químico y de su gran fascinación por la
ciencia y la experimentación , Grippo adquirió una particular inclinación por la
organización de sistemas para la exploración y modificación de fenómenos ,
experiencias que incorpora a su propio trabajo artístico . Sus indagaciones
evidencian la inestabilidad, transformación y tránsito constante de las cosas a
Victor Grippo Vida-muerte-resurrección [Life-death-resurrection] 1980 chumbo , feijões , água [Iead, beans, water]

11
105 América Latina Ri na Carvajal
nuevas realidades, ampliando y convirtiendo la frugal materialidad de los objetos
mas humildes y comunes en poderosas metáforas de energía latente . Muchas de sus
esculturas e insta laciones , giran en torno a los más .variados procesos y rituales
de nutrición . Surgen específicamente , de las numerosas asociaciones que establece
con la papa . Grippo utiliza la imagen de este tubérculo para 'lograr una conciencia
modificada, a través de una materia modificada' . En Analogía I (1970-77) , una
instalación que presenta una extensa configuración de papas colocadas sobre mesas ,
plataformas y sillas conectadas a electrodos , cables y a un voltímetro que mide
la carga eléctrica que ellas generan , Grippo coloca un texto que sugiere la
integración de sus varios estadios : actuando a modo de amplia metáfora , la papa
es allí naturaleza , alimento , conciencia y energía vital .
Esta transposición permanente de objetos de la vida diaria al discurso
artístico provoca una corriente inagotable de analogías y oposiciones , y crea
también todo un nuevo sistema de relaciones para aquellas cosas que ' miramos sin
verlas , y que usamos sin saber que contienen energía' . La mesa , por ejemplo , ocupa
un lugar fundamental en su trabajo . Además de funcionar como tema o soporte en
casi todas sus obras , sirve para constatar la confluencia de numerosas
experiencias , memorias y transmutaciones . En Tabla (1978) , vemos una mesa modesta
y gastada , con un texto en la superficie que describe su uso en el tiempo y guarda
las huellas de una existencia de vida : en ella se preparó el alimento , se compartió
con otros , se vivenció el trabajo , el sueno , la esperanza . Esta mesa fue testigo
también 'de algunos dibujos , de algunos poemas , de algun intento metafísico que
acompanó la realidad' . Más allá de oposiciones y contradicciones , y por la acción
de un gesto mínimo cargado de significación , el objeto evidencia aquí todo su
potencial de aSimilación , movilidad y transformación .
En Vida - Muerte-Resurrecci6n (1980) " Grippo coloca frijoles mezclados con agua.
dentro de contenedores de plomo de formas geomtricas . La secreta germinación de
las semillas quiebra la resistencia de las formas metálicas : al manifestar su
energía, afirman el poder y la continuidad de la vida .
El trabaj o de Grippo parece ofrecer en sus analogías y correspondenc ias un
espacio de reconciliación y de pasaje . Estas analogías, a la vez que aluden a un
interminable proceso de transformaciones , sugieren una integración de múltiples
niveles y experiencias , en tanto que la posibilidad de hacer de la identidad un
lugar de pertenencia , sin bordes ni coerción , en que se borran y reconstruyen los
propios límites constantemente .

Notas
Todos los textos colocados entre comillas simples refieren a palabras del artista .
1. Antropofagia : Concepto creado por el poeta y escri tor Oswald de Andrade
(1890 - 1954) y publicado en la Revista de Antropofagia , en mayo de 1928 , que propone
una visión cultural brasilena para la devoración y transformación crítica de la
influencia extranjera y su reconstrucción en térm i nos nacionales .
2. Carlos Pérez Villalobos , "Identity and Scatology ," en Juanito Laguna .
Catálogo de exhibición (London : Chisenhale Gallery , 1994) , ~ .8.
J . Madeleine Grynsztejn , About Place : Recent Art of the Americas . Catálogo de
exhibición . (Chicago : The Art Institute of Chicago , 1 995), p . 14 .
Victor Grippo Analogia I [Analogy I] 1970- 77 instalação Ikon Gallery, Birmingham batatas , arame, etetrôdos, voltímetro, texto [potatoes , wire, electrodes,
voltmeter, text] cortesia e foto Juan Oávila

12
Canadá e Estados Unidos curadoria Ivo Mesqu ita

Antropofagia: "art history as a


ready-made-in-waiting" ,
(ready-made retificado), 1998

114 · XXIV Bienal "Roteiros . Rote iros . Roteiros . Rote iros. Roteiros. Rote iros. Rotei ros."
"Em verdade eu vos digo que todos os passos do mundo se cruzam e entre-
cruzam, os tempos vêm e vão, só os lugares permanecem. E esperam."
["Indeed I tell you that all the paths of the world cross and intertwine, the
times come and go, only places remain. And they wait."]

"Toda a viagem é imaginária porque toda a viagem é memória."


["All traveI is imaginary because all traveI is memory."]

José Saramago, Cadernos de Lanzarote, 27.4.1994 e 8.12.1994, respectivamente,


São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

Eu não pertenço a esse lugar mas aprendi a estar. Cruzei a vasta pradaria, o branco do norte, as
montanhas do leste e do oeste, o rio, o mar, cidades. Ao sul, a cerca-reciclagem da guerra, maior
dos insultos-divide o mundo novo em dois. A outra trincheira, entre eles ao norte, não é diferente,
apenas mais sutil e mentalmente cruel-"as inquisições exteriores". Fronteiras políticas designando
territórios que se querem aparte no continente americano.Aqui vive uma gente variada e outra, com
quem, a despeito dos cultural c/ashes, nos tocamos, gentilmente, "[n]a existência palpável da vida".
Aqui aprendi de onde eu venho. Das Américas: não importa se protestantes de lingua anglo-saxã ou
católico de língua latina, "só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosofi-
camente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os cole-
tivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz". Cu rador cartógrafo, sempre. "Roteiros.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."

I do not belong to this place but I have learned to be Chere). I crossed the vast prairie, the white ofthe
north, the mountains of the east and of the west, the river, the sea, cities. To the south, a fence-a
war refuse, the greatest of all insults-divides the new world in two. The other trench, between
those to the north, is no different, just more subtle and mentally cruel-"the foreign inquisitions" ..
PoliticaI borders designating territories that are to be kept apart in the American continent. Here live
a varied group of people, and another with whom, despite the cultural clashes, we meet in a gentle
way, "[in] the palpable existence of life." Here I learned where I come from. From the Americas:
whether Protestants speaking Anglo-Saxon tongues or Catholics with a Latin language, "only
anthropophagy unites uso Socially. Economically. Philosophically. The world's only law. The dis-
guised expression of all individualisms, of all collectivisms. af all religions. af all peace treaties."
A cartographer-curator, always. "Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes."
Ivo Mesquita. Translatedfrom the Portuguese by Thomas Nerney.
Jeff Wall The storyteller o contador de histórias 1986 transparência em caixa de luz [transparency in light box] 229x437cm coleção
Museum für Moderne Kunst, Frankfurt cortesia Mary Goodman Gallery, Nova York

115 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


986 Nova York Atlan tic City Wash ington Nova York 1988 Nova York New Haven Fi ladélfia Baltimore Washing ton Nova York Toronto Winnipeg Toronto Montreal Quebec I

"As complexidades do atual cenário das relações Estados Unidos-América Latina vêm imprimindo
um impacto decisivo no papel desempenhado por práticas curatoriais ante a representação da arte
latino [norte] americana. O vácuo orgânico produzido pela crise de movimentos de oposição na
América Lati na [do Norte], o desapareci mento de um enq uad ramento bi polar articu lador de práticas
de resistência, e sua substituição por um enquadramento neoliberal de mercado, não chegou a
deslocar artistas e intelectuais de seus papéis tradicionais na esfera pública de seus países.' Porseu
tu rno, o cu rador emergi u como o agente pri mário de u ma grande rede de interesses privados. Essas
novas condições vêm ditando que o curador transforme a si próprio num 'cidadão transnacional,
responsável por uma cartografia de dissolução de fronteiras culturais'. 2 Isso implicou uma troca da
posição ética do 'crítico resistente' por um papel neutro [ético] de 'agente cultural'."
1. VerYúd ice, "G loba lizac ión e intermediación cu ltura l", n.p.
2. Ivo Mesqu ita, Cartog raphies, Winnipeg Art Gal lery, '993, P,'3 - 62.

Extraído de Mari Carmen Ramírez, [Negociando identidades: curadores de arte e a política cultural
da representação], traduzido do inglês por Adriano Pedrosa.

116 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Rote iros. Roteiros . Rote iros. Roteiros. Roteiros ."
lipeg Calgary Banff Vancouver Edmonton Winnipeg Toronto Nova York Filadélfia Nova York 1989 Nova York Nova York 1990 Nova York Toronto Winnipeg Toronto Nova Yorf

"The complexities ofthe present scenario ofUnited StatesfLatin American relations have had a def-
inite impact on the rale of curatorial practices vis-à-vis the representation ofLatin [North] American
art. The organic vacuum praduced by the crisis of oppositional movements in Latin [North] America,
the disappearance of the bi-polar framework that articulated practices of resistance, and their
substitution by the neo-liberal market framework, has all but displaced artists and intellectuals
fram their traditional rales in the public spheres of their countries. 1 ln their stead, the curator has
emerged as the primary agent of a large network of privatized interests. The new conditions have
dictated that the curator transform him ar herself into 'a transnational citizen, responsible for
a cartography of the dissolution of cultural frontiers.'2 This has implied exchanging the ethical
position of the 'resistant critic' for the neutral [ethical] rale of'cultural braker.'"
1. See Yúdice, "Globalización e intermediación cultural", n.p.
2. Ivo Mesquita, CartoBraphíes, Winnipeg Art Gallery, 1993, PP.13-62.

Extracted fram Mari Carmen Ramírez, "Brakering identities: art curators and the politics of cultural
representation", in Reesa Greenberg, Bruce W. Ferguson and Sandy Nairne, eds., Thinking about Exhi-
bítions, New York: Routledge, 1996.
Geoffrey James The fence at Tijuana A cerca em Tijuana díptico da série Running fence Cerca 1997 fotografia preto-e-branco
[black and white photograph]

117 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


)allas Minneapolis Winnipeg Toronto Nova York 1991 Nova York New Haven Toronto Winnipeg Montreal Toronto Nova York 1992 Nova York Toronto Winnipeg Toronto Washinç

118 XXIV Bienal "Rotei ro s. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rote iros. Roteiros. Roteiros."
a York Miami Chicago Nova York Dallas Minneapolis Winnipeg Toronto Nova York Washington Nova York 1993 Nova York Toronto Winnipeg Montreal Nova York Miami MialT

"Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que
era urbano, su bu rbano, frontei riço e conti nental. [. .. ]"
"A fixação no progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. São apenas maquinaria. E os
transfusores de sangue."
"Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo,
porque somos fortes e vingativos como o Jaboti."
"O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. é a escala termométrica do instinto
antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a
ciência. Desvia-se e transfere-se. [... ]"

"It was because we never had grammars, nor collections of old vegetables. And we never knew what
urban, suburban, frontiers and continents were[. .. ]"
"The determining of progress by catalogues and television sets. They are only machines. And the
blood transfusors."
"B ut they who cam e were not crusaders. They were fugitives from a civilization that we are devouring,
because we are strong and vengefullike the Jaboty."
"What happens is not a sublimation of sexual instincts. It's the thermometric scale of the anthro-
pophagite instinct. Moving from carnal to willful, and creating friendship. Affectionate, love. Specu-
lative, science. Deviation and transference [... ]"

Extraído de [extracted from] Oswald de Andrade, "Manifesto antropófago" [Anthropophagite mani-


festo],19 28.

Ao contrário do canibalismo, que é regido por uma lógica generalizadora, a antropofagia supõe um
ritual, parte de uma etiq ueta de guerra, não em confronto por territórios mas num em bate cu Itu ral,
ecológico, de equilíbrio das trocas. Enquanto estratégia ela supõe uma escolha, o reconhecimento de
qualidades que valorizam o inimigo: "só me interessa o que não é meu". A estratégia da antropo-
fagia é análoga à estratégia do ready-made. Ambas supõe a determinação de uma escolha, o
envolvimento com um idioma menos puro, a reciclagem cultural, "única lei do mundo". Mas essa
escolha é, sobretudo, uma operação crítica. Não é qualquerobjeto, idéia ou situação apropriados por
um artista que constitui um ready-made, mas antes é a opção por um certo objeto, idéia ou situação
e a relação deles com contextos determinados que lhe confere sentido. A antropofagia confisca
valores, celebra a memória dos mortos, investindo-os novamente de sentido, pela "experiência
pessoal renovada".

Unlike cannibalism, which is driven by a generalizing logic, anthropophagy suggests a ritual, part
of an etiquette of war, not in a struggle for territories but in a cultural, ecological encounter of the
equilibrium of exchanges. As a strategy it indicates a choice, the recognition of qualities that give
value to the enemy: "I'm only interested in what is not mine". The strategy of anthropophagy is anal-
ogous to the strategy of the ready-made. Both indicate the determination of a choice, involvement
with a less pure language, cultural renewal, "the world's only law." But this choice is, above all, a
criticaI operation. It is not just any object, idea or situation appropriated by an artist to constitute a
ready-made, but before that it is the option for a particular object, idea or situation and their relation
to particular contexts that confers meaning to it. Anthropophagy confiscates values, celebrates the
memory of the dead, reinvesting them with meaning, through the "renewed personal experience".
LM .. Translatedfrom the Portuguese blJ Thomas Nerney.
Sherrie Levine After van Gogh: 3 D'aprês van Gogh: 3 1993 fotografia em preto-e-branco [black and white photograph] 25.4x20,3cm

119 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


194 Nova York Ottawa Montreal Ottawa Nova York Miami Los Angeles Monterey Big Sur San Francisco Nova York 1995 Nova York Washington Nova York Toronto Winnip

"Estratégias fágicas [do grego phagos: aquele que come] e eméticas [do grego emein: vomitar] são apli-
cadas em cada sociedade em paralelo e em todos os níveis de organização social. Ambas são meca-
nismos indispensáveis de espaçamento social, mas sua eficácia reside precisamente em sua dupla
presença, apenas como um par. Sozinhas, cada uma delas engendraria muito desperdício para
assegu rar um espaço social mais ou menos estável. Contudo juntas, e valendo-se do desperd ício da
outra, as duas estratégias podem tornar seus respectivos custos e inadequações um tanto menos
proibitivas ou mais toleráveis."

"A estratégia fágica é 'inclusivista', a emética é 'exclusivista'. A primeira 'assimila' os estranhos aos
vizinhos, a segunda mistura-os aos estrangeiros. Juntas, polarizam os estranhos e tentam darconta
do mais crítico e perturbador meio de campo entre os pólos de vizinhança e do estrangeiro. Aos
estranhos para quem elas definem uma condição de vida e suas escolhas, essas estratégias estabe-
lecem um verdadeiro parde pólos mutuamente exclusivos: conforme-se ou dane-se, seja como nós
ou não fique aqui por muito tempo, jogue de acordo com nossas regras ou esteja preparado para
ser expulso do jogo para sempre."

Extraído de Zygmunt Bauman, [Ética pós-moderna], traduzido do inglês por Adriano Pedrosa.
Gabriel Orozco Island into the island Ilha dentro da ilha 1993 cibacromo 31,5x47,3cm cortesia Marian Goodman , Nova York
Catherine Opie Untitled #2 Sem título nQ 2 da série Mini-mail Mini-shopping 1997 iris print 40,6 x104,1 cm cortesia Regen Projects ,
Los Angeles

120 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Itreal Nova York Dallas San Diego Borrego Springs Dallas San Diego Dallas 1996 Nova York Annandale-on-Hudson Washington Boston Mattapoiset Filadélfia Nova Yor

"Phagíc [do grego phagos: aquele que come] and emetíc [do grego emeín: vomitar] strategies are
applied in parallel, in each society and on every levei of social organization. They are both indis-
pensable mechanisms of social spacing, but they are effective precisely because oftheir co-presence,
onlyas a pairo Alone, each strategy would spawn too much waste to be able to secure a more or less
stable social space. Together, however, the two strategies, disposing of each other's waste, may
make their respective costs and inadequacies somewhat less prohibitive or more bearable."

"The phagic strategy is 'inclusivist,' the emetic strategy is 'exclusivist.' The first 'assimilates' the
strangers to the neighbors, the second merges them with the aliens. Together, they polarize the
strangers and attempt to clear up the most vexing and disturbing middle-ground between the
neighborhood and alienness poles. To the strangers for whom they define the life condition and
its choices, they posit a genuine 'either/or': conform or be damned, be like us or do not overstay
your visit, play the game by our rules or be prepared to be kicked out from the game altogether."

Extracted from Zygmunt Bauman, Postmodern ethícs, Oxford: Blackwell, 1993, P.163.

121 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


'hoenix San Diego Nova York San' Diego Palm Springs Los Angeles Santa Bárbara San Luis Obispo San Simeon Big Sur Carmel Berkley Sono ma San Francisco Nova \

Arte: ruptura em contexto


Em Un libro saturniano [Um livro saturniano] (1913), um discípulo de Jean Lorrain, René Zapata
Quesada, desenvolveu a teoria da criminalidade americana como fruto da antropofagia indígena
e da delinqüência conquistadora. Oliverio Girondo, a quem o texto era dedicado, cunhou um
conceito: o estômago eclético latino-americano. Oswald de Andrade sintetizou-o: tupy or not tupy
that is the questiono Caetano Veloso instrumentou-o e até o monumentalizou com seu Verdade tropical
(1996). A Bienal de São Paulo proporá outro tanto este ano, ao comemorar os setenta anos do
"Manifesto antropófago" (1928) .
Que lugar merecem hoje o crime, a devoração e a antropofagia em uma reflexão sobre a arte
contemporânea? Em uma primeira instância, poderíamos pensar que existe uma grande diferença
entre a antropofagia de vanguarda e o canibalismo global. A antropofagia foi uma estratégia de
ampliação e consolidação de mercados nacionais sob o controle férreo da burguesia local. O cani-
balismo, no entanto, leva a extremos a contradição entre a nacionalidade econômica (de empreendi-
mentos isolados e grupos de interesses específicos) e a reprodução ingovernável da sociedade
global como umtodo. A outsourcing, a terceirização, a delegação nada tem a ver com a luta clássica,
agônica e guerreira, dos arcaicos tupis ou da velha vanguarda. Éo mesmo capital que, em nome do
neoleviatanismo social, transfere não só capital de um mercado para o outro mas, principalmente,
obrigações, garantias, compromissos de um nível a outro do mesmo sistema. Na realidade, não se
trata mais de uma disciplina de incorporação, em que o estômago eclético tudo devora, mas sim de
uma estratégia de esvaziamento e descarga por meio da qual se consolida a nova cultura de respon-
sabilidades flutuantes e inovações empresariais contínuas. Não podemos mais, então, falar do
antropofágico. Temos de falar do antropoemético (de emein, vomitar). Robert I<urtz explica: "Não é
mera casualidade, diz ele, que os bancos e companhias financeiras estejam à testa das megafusões.
Como se sabe, o acúmulo cada vez menor de capital real é compensado por um fantástico endureci-
mento de títulos puramente financeiros. Assim como a produção de bens de investimento e con-
sumo não é mais que um hobby secundário do alucinado capital financeiro, da mesma maneira, a
orientação estratégica no campo de batalha global das fusões passa do mercado de bens ao mer-
cado de capitais. Por isso os grandes bancos vão à falência mais rapidamente e em maior proporção
que outros empreendimentos e também assumem a liderança da concentração de capital como um
todo. A fusão estratégica do capital real está subordinada à fusão estratégica do capital fictício, já
que a renda dos investimentos a curto prazo é maiore mais imediata que os investimentos a longo
prazo, destinadas à produção real". Essa lógica supera a antropofagia do peixe grande que come o
pequeno e entroniza a antropoemia de produzirdejetos sociais.
Em um texto sobre "O antropófago", Oswald de Andrade diferenciou a economia capitalista do
possuir de uma economia libidinosa do ser. Contra o princípio aleatório e acumulativo do capital
que, para dizê-lo com Erasmo, se poderia guiar pelo Pecuniae obediunt omnia, tudo se subordina ao
dinheiro, o poeta de vanguarda reivindicou o lance de dom, uma economia dadivosa, desprevenida e
pródiga que, como Santo Tomás (mas também como Bataille), mantivesse que usus pecuniae ipsius,
isto é, que a econom ia se basta a si própria e depende do gasto.
As vanguardas aceitaram sua temporalidade ou historicidade, isto é, se aniquilaram quando
se assumiram como vanguardas históricas. Em outras palavras, quando abandonaram a política em

122 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
mi 1997 Nova York Annandale-on-Hudson Boston Chicago Nova York San Diego Nova York Dallas San Diego Los Angeles San Francisco Vancouver Banff Calgary Chicag

favor da ideologia. Por outro lado, a arte não é propaganda mas valor de uso. Esse conceito separa
(analisa, critica) a contradição entre o valor (antropofágico) e o uso (antropoemético): por meio do
uso se transgride a conservação, acumulação e capitalização dos valores. Contudo essa trans-
gressão não pode ser uma simples imitação do existente mas uma fissura do ser, indício ambíguo
que revela tanto o esgotamento de valores como a urgência para normalizar a sua avaliação, sua
circularidade autodesejável.
Em uma conferência recente sobre arte política, Susan Buck-Morss desenvolveu suas conhe-
cidas idéias de resgate de uma experiência de vanguarda a partir da interrupção temporal e do
deslocamento espacial, mas não deixava no entanto de notar que essas características não são
exclusivas da arte e estão, elas também, disseminadas e gastas em nossa cultura. Num tom em que
se pode reconhecer o autoquestionamento, admitia que nosso sucesso pessoal, como já sabemos,
alimenta a ideologia dominante assim como nossa preocupação por marcas, símbolos e prestígio
sustenta as corporações globais e, conseqüentemente, a mesma exploração, não menos global. Mas
aquilo que Hegel chamou de consciência infeliz, Marx redefiniu como alienação e os existencialismos
c~nsuraram como o não-autêntico, paira, muitas vezes, como pensamento desarticulado, acessível à
consciência somente quando reconhecemos, apesar disso, que uma opção ou decisão pessoal impli-
cará, necessariamente, perdas ao outro. Alguém certamente pagará pelo nosso desejo.
Dias atrás alguns operários despencaram de uma obra em Buenos Aires quando caiu o elevador
de carga sobre o qual trabalhavam. O nacionalismo de opereta da mídia não deixou de enfatizar
que o elevadorera brasileiro (peça esquecida, talvez, na lista de Schindler... ). Ninguém lembrou que
o único brasileiro da situação era a situação em si, descrita, há 30 anos, pela "construção" de
Chico Buarque de Holanda. Poucos lembraram que o dono da obra em construção era o mecenas
Constantini e, menos ainda, que no seu patrimônio figura um dos quadros-ícones da vanguarda
latino-americana, o Abaporu, o antropófago, de Tarsila do Amaral. Mais do que nos devolvero sabor
amargo de uma alegoria brechtiana, a história nos mostra o outro lado da violência contem-
porânea. Chico Buarque hoje põe a voz (como José Saramago a letra) a uma estetização do mundo
do trabalho, as imagens do fotógrafo Sebastião Salgado, livro imprescindível em uma mesa frente
ao sofá de uma sala de estarcool e da moda.
A política da arte nos propõe uma dupla estratégia, de entrega e resistência à interpretação.
Rompe com a memória como acumulação autoritária de valores instrumentais mas, ao mesmo
tempo, reinscreve essa ruptura no espaço imanente de uma experiência de embate que implica o
sujeito, na medida em que toca o seu corpo. Produz seu corpo. Engana-se quem pensa que a
antropofagia devora corpos. Ela os produz. Quem se alimenta de carne humana é o canibalismo
cínico. Por outro lado, a política da arte nos propõe uma ruptura imanente, uma prática crítica,
contextualizada, segundo a qual, voltando a Buck-Morss, a arte é-ou deveria ser-a continuação
da política por outros meios, meios que não são nunca meramente instrumentais mas que, como a
ética, são um fim em si mesmos. Infinitos por definição. Diferentes por essência.
Raul Antelo. Traduzido do espanhol por Lilia Astiz.

123 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


Jronto Montreal Nova York 1998 Nova York Annandale-on-Hudson Nova York Miami Nova York Detroit Windsor Nova York Houston Nova York San Diego Los AngE

Art: rupture in context


ln Un libra saturniano [A saturnine book] (1913), a disciple ofJean Lorrain, René Zapata Quesada,
developed the theory of American criminality as the result of indigenous anthropophagy and con-
queror delinquency. Oliverio Girondo, to whom the text was dedicated, established a concept: the
Latin American eclectic stomach. Oswald de Andrade synthesized it: tupy ar not tupy that is the ques-
tion. Caetano Veloso orchestrated and even monumentalized it in his Verdade Tropical [Tropical Truth]
(1996). This year the Bienal ofSão Paulo will further these investigations, with its celebration ofthe
seventieth year ofthe "Anthropophagite manifesto" (1928) .
What place do crime, devourment, and anthropophagy deserve today in a retlexion of con-
temporary art? At first we could think that there is a big difference between avant-garde anthro-
pophagy and global cannibalism. Anthropophagy was a strategy of the enlargement and
consolidation of national markets under the strict control of a local bourgeoisie. However, canni-
balism accentuates the contradiction between the economic nationality (of isolated ventures and
groups of specific interests) and the unmanageable reproduction of the entirety of global society.
The outsourcing, contracting, delegation has nothing to do with class struggle, agonizing and war-
like, ofthe archaic tupi ar the old avant-garde. It is the sarne capital that, in the name of social
neo-Ieviathanism, transfers not only capital from one market to another, but mainly liabilities,
warranties, obligations from one level of the sarne system to another. ln reality, it is no longer a
question of a discipline of incorporation, in which the eclectic stomach devours everything, but of
a strategy of evacuation and discharge through which a new culture of tluctuating responsibilities
and continuous business-like innovations is consolidated. Therefore, we can no longer speak in
terms ofthe anthropophagite. We must speak ofthe anthropoemetic (from emein, to vomit). Robert
Kurtz explains this: "It is not accidental, he says, that banks and financing institutions are at the head
of the megafusions. As is well known, the ever decreasing accumulation of real capital is compen-
sated by a fantastic tightening of strictly financial securities. Just as the production ofinvestment
and consumer goods is merely a secondary hobby ofthe dazzling financial capital, in the sarne way
the strategic orientation in the global battlefield of the consolidations goes from the goods market
to the capital market. For this reason the large banks go bankrupt not only more rapidly and in
greater numbers than other businesses but they become the leaders of capital concentration as a
whole. The strategic consolidation of real capital is subordinated to the strategic consolidation of
fictitious capital since short term investment incarne is larger and more immediate than long term
investments, designated for real production". This logic surpasses the anthropophagy of the big
fish that eats the small one and enthrones the anthropoemy of producing social debris.
ln a text on "O antropófago" [The anthropophite], Oswald de Andrade distinguished the capi-
talist economy of possessing from a libidinal economy of the self. Against the aleatory and cumulative
principIe of capital which, according to Erasmus, could be ruled by Pecuniae obediunt omnia, all is
subordinated to money, the avant-garde poet reclaimed the golpe deI don, a liberal economy, unpro-
vided for and prodigal, as Saint Thomas (but also as Bataille) would maintain that usus pecuniae ipsius,
that is, that economy sustains itself and relies on consumption.
The avant-garde movements accepted their temporality ar historicity, that is, annihilated them-
selves, when they recognized themselves as historical movements. ln other words, when they gave

124 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
a York Dallas San Diego Nova York Montreal Nova York

up politics for ideology. Art, instead, is not propaganda but usage vaI ue. This concept separates
(analyzes, criticizes) the contradiction between the value (anthropophagite) and the usage (anthro-
poemetic): through usage it is possible to transgress the conservation, accumulation and capital-
ization of values. But this transgression cannot be a simple resistance ofthe extant but a fissure of
the being, an ambiguous sign that indicates both the exhaustion of values as well as the urgency to
normalize its evaluation, its self-desirous circularity.
ln a recent conference on politicaI art, Susan Buck-Morss developed her well-known ideas
ofthe rescue of an avant-garde experience departing from the temporal interruption and spacial
displacement but nevertheless did not fail to observe that these characteristics are not art exclusive
and they also find themselves disseminated and worn out in our culture. ln a manner in which it is
not difficult to recognize the self-questioning, she admitted that our personal success, as we know,
feeds the dominant ideology as well as our preoccupation with brands, symbols and prestige sup-
ports the global corporations and, as a consequence, the sarne equally global exploitation. But that
which Hegel called unhappy consciousness, Marx redefined as alienation and the existencialisms
condemned as that which is inauthentic, floats, very often, as an inarticulate thought, accessible
to consciousness only when we recognize, no matter how difficult it may be, that a personal
option or decision will inevitably bring losses to the other. Someone will surely pay for our wish.
A few days ago some workers tumbled at a building site in Buenos Aires when a scaffolding
collapsed. The operetta nationalism of the media could not help but emphasize that the elevator was
Brazilian (a forgotten piece, perhaps, in Schindler's list... ). No one remembered that the only
Brazilian aspect ofthe situation was the situation itself, described, 30 years ago, by Chico Buarque
de Holanda's "construction". Few remembered that the owner ofthe building under construction
was the maecenas Constantini and least of all that, in his patrimony, features one ofthe icon-paint-
ings ofthe Latin American avant-garde, Tarsila do Amaral's Abaporu, the anthropophagite. But more
than handing us back the bitter flavor of a Brechtian allegory, history shows us the other side of
comtemporary violence. Chico Buarque gives voice today (as José Saramago, words) to a peculiar
estheticism of the world of work, the images of the photographer Sebastião Salgado, an essential
book to rest on a coffee table of a cool and fashionable living room.
The politics of art offers us a double strategy, of surrender and resistance to interpretation. It
breaks with memory as the authoritarian accumulation ofinstrumental values but, at the sarne time,
redrafts this rupture within the immanent space of an experience of confrontation that involves the
subject as it touches its body. Produces its body. He who thinks that anthropophagy devours bodies
is wrong. It produces them. He who feeds on human flesh is the cynical cannibalism. On the con-
trary, the politics of art proposes to us an immanent rupture, a criticaI practice, contextualized,
according to which, going back to Buck-Morss, art is-or should be-the continuation of politics
through other means, means that are never merely instrumental but that, as ethics, are an end in
itself. Infinite by definition. Different by essence.
Raul Antelo. Translatedfrom the Spanísh by Lílía Astíz.

125 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


Os museus no Canadá e nos Estados Unidos estão entre as mais completas realizações do projeto
daquelas sociedades 1 • Isso se deve ao espírito capitalista, à ética protestante, ao individualismo
celebrado pelo se/f-made-[wo]man, e à filantropia como forma de socialização-"uma consciência
participante, uma rítmica religiosa". São conquistas socioculturais porque criaram uma cultura de
museus e implementaram a sua manutenção na esfera do capital privado. Se as coleções são ou não
o resultado da pilhagem, da especulação, da apropriação pelo mercado de arte, não altera o sentido
simbólico que têm de modo amplo para aquelas sociedades: são, a tradição materializada-a
história da qual foram excluídos todos os americanos-e que pode ser comprada, contemplada,
multiplicada e mercantilizada. Incorporam essa tradição por meio da deglutição:-"Absorção do
inimigo sacro. Para transformá-lo em Totem", o substrato da história e da cultura que estão cons-
truindo. Transformaram certa história da arte ocidental em uma espécie de ready-made-in-waiting,
uma escolha precisa "[dJa humana aventura". No entanto, uma assepsia de todas essas operações
digestivas se faz necessária. Essas coleções encontraram na América do Norte as condições técnicas
de conservação e preservação que até então não lhes haviam proporcionado seus lugares de origem.
A tecnologia museológica (conserVação, display, segurança, programas e corpo técnico) desen-
volvida e implementada pelas instituições canadensés e norte-americanas garantem aos acervos as
condições de uma longa sobrevida e a assepsi~ das operações que movimentam o espaço institu-
cional, um território protegido, seguro pelo aparato técnico e pelo idealismo da função. Esse modelo
de museologia como que representa a contribuição "norte-americana" para a preservação da
história ao mesmo tempo que define os padrões tecno-profissionais pré-requisitados p~ra que se
participe de um certo circuito de informação e conheciment02.
Vinculadas aos movimentos do capitalismo e à implementação de um modelo socioeconômico •
por meio de um projeto político-cultural, os museus constituem um território de reprodução sim-
bólica e material dos ideais dessas sociedades. Da função clássica de conservar e preservar a
tradição e os cânones estéticos; de agentes do projeto modernista, que conferia a eles a tarefa de
articular o poder utópico e restau rador da arte, expandindo a noção mesma de arte, os museus, na
idâde da industrialização universal generalizada, transformaram-se na metáfora planejada para a
intersecção de empenhodos valores sociais hegemônicos e "comunitários" com objetos estéticos.
Eles são hoje o espaço privilegiado para o escoamento do excedente do capital por meio da
filantropia-patrocinadores e colecionadores-a serviço da educação e do patrimônio comum. O
museu de arte concretiza, em última instância, o poder da classe dominante expondo seu patri-
mônio acumulado como um projeto edificante, que demanda 'O trabalho do artista e do intelectual
como parceiros no esforço pela educação pública. Se o artista é por definição o nômade provocador,
o transgressor das fronteiras, o museu se fundamenta pelo sedentarismo, já que funciona como
parte de um projeto de acumulação, classificação e poder. O projeto está baseado na privatização
da questão cultural e pelo programa pedagógico-educativo de reconstrução das relações sociais
com respostas "criativas" a problemas sociais. De um lado o museu tenta incorporartoda uma nova
comunidade de culturas e histórias, que desafiam os paradigmas estéticos herdados, e por outro,
empenha-se no trabalho de legitimar e canonizar um sistema com determinações ideológicas pre-
cisas na perpetuação da dimensão idealista da empreita e na manutenção da função tradicional do
museu: especialista do gosto e construtor da história. Mais, incorporado pela economia da indús-
tria cultural, ele passa a ter "much more in common with other industria/ized areas of/eisure-Disneyland
say-than it wi// with the o/der, preindustria/ museum. Thus it will be dea/ing with mass markets, rather than art
markets, ànd with simu/acra/ experience ratherthan aesthetic immediacy".3 Nessa instância a experiência do

126 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. "
e subjetividade.
As entidades museais e
para o trabal ho de artistas dentro
Esse tipo de produção não é exclusi.
Broodt
dades
mente
institu

turalis correto,asinstitui.ções r1luseaisdesses países foram forçadas a um


processo de alta politização. De um lado a. a o capital das cornr\r'l,f"AtlC
pela.manipulaçãode.~~9{acervos
duções artísticas até
Éalique se está disc IT.ln,.t'lA·h ..~f'nrl·
c'·,<

eerll"pel1ha-se l1ô
The museums in Canada and the United States are some of the most accomplished achievements of
the project of those societies. 1 This has to do with the capitalist spirit, the Protestant ethic, with
individualism celebrated by the self-made- [wo]man, and with philanthropy as a way of socializa-
tion- "a participative consciousness, a religious tempo." They are sociocultural achievements
because they created a museum culture and implemented its maintenance within the sphere of
private funds. Whether or not the collections are a result oflooting, of speculation, of appropriation
by the art market, this does not affect the symbolic sense that they convey in a broad way for those
societies: they are the materialized tradition- the history from which all Americans have been
excluded- which can be bought, contemplated, multiplied and commercialized. Through a process
ofingestion, they incorporate that tradition- "Absorption ofthe sacred enemy. To transorm him
into a Totem,"- the substratum ofthe history and culture that they are creating. They transformed
a certain history ofwestern art into a kind of ready-made-in-waiting, a precise choice "( of) the human
adventure." ln the meantime, the asepsis of all those digestive operations becomes necessary. It was
in North America that these collections encountered the technical conditions of conservation and
preservation, which until then had not been available at their original sites. Museological technology
(conservation, display, safekeeping, technical staff and programs) developed and implemented
by Canadian and North American institutions guarantee conditions oflongevity to the collections,
and the asepsis of the operations that ensure the proceedings of the institutional space, a protected
territory, with the security of the technical apparatus and the idealism of its function. This museo-
logical model somehow represents the "North American" contribution for the preservation of
history at the sarne time as it defines the technical and professional standards prerequisited to
participate of a certain eircle ofinformation and knowledge. 2
Linked to the developments in capitalism and to the implementation of a socioeconomic
model by means of a cultural-politicaI project, museumsconstitute a terrain of symbolic and mate-
rial reproduction of the ideaIs of these societies. From the classical function of conserving and pre-
serving tradition and aesthetic canons; from agents of the modernist project, which conferred
them the task of articulating the utopian and restorative power of art, expanding the very notion of
art, the museums have now become, in the age of generalized universal industrialization, the
planned metaphor for the intersection of hegemonic and "community values" with aesthetic
objects. Today they are the privileged space for the draining of surplus capital through philan-
thropy- of sponsors and collectors-in the service of education and society's common heritage.
The art museum ultimately exemplifies the power of the ruling class as it exhibits its accumulated
heritage as an edifying project, which demands the work of the artist and the intellectual as partners
in the effort towards public education. If the artist is by definition a provocative nomad, the trans-
gressor of frontiers, the museum bases itself on immobility, as it functions as part of a project of
accumulation, classification, and power. The project is based on the privatization of the cultural
issue and on the pedagogic-educational program of reconstruction ofthe social relationships with
"creative" responses to social problems. On the one hand the museum attempts to incorporate a
whole new community of cultures and histories, which challenge the inherited aesthetic paradigms,
on the other, it becomes engaged in the task oflegitimizing and canonizing a system with precise
ideological determinations in the perpetuation of the idealistic dimension of the undertaking and
maintenance ofthe traditional function ofthe museum: connoisseur oftaste and creator ofhistory.
More, drawn into the economy of the cultural industry, it comes to have "much more in common
with other industrialized areas ofleisure-Disneyland say-than it will with the older, preindustrial
museum. Thus it will be dealing with mass markets, rather than art markets , and with simulacra

128 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros . Rote iros."
experience rather than aesthetic immediacy."3 ln this case the experience ofthe museum ceases to be
that ofhistory (time) to become one ofthe intensity and the euphoria ofthe spectacle of place (space).
A group of conceptual practices that emerged during the 1960s developed several ways of crit-
icism towards the politicaI and socioeconomic sources through which artistic and cultural production
is interpreted, incorporated and projected by museums, galleries and alternative spaces. They reveal
the institution as a cultural machine, which through its exhibiting and collection program deter-
mines the destiny of a discourse within society. These artists have in the museum, in the politics
ofthe institution, the object privileged for the work, which examines, analyzes and subverts the
hegemonic structures ofthe institutionalized culture. Nevertheless their purpose, unlike the Dadaists
and Duchamp, who mocked the cultural system in order to create a transgressive space between the
center and the edge of institutionalized culture, is to set themselves up and operate inside the insti-
tutional field, substituting the method of negation for the strategy of criticaI engagement/disen-
gagement (Joshua Decter). It is no longer the normative values ofthe system ofhigh culture that are
being sabotaged and destroyed in an anarchist gesture, but the very institutional infrastructure and
the exhibition situation that are now being deconstructed in ideological, politicaI, social and eco-
nomic terms. The artists move from the edge to the institutional center and out again, exploring
their own legitimacy as cultural agents ofthis system. On the terrain ofthe institution, they set up
a zone of confrontation of the politics of institutionalization with those of the production of
information, representation and subjectivity.
Museums and exhibitions in Canada and the United States have been the raw material for the
work of artists found within what has been called the institutional critique. This kind of production is
not exclusive to these countries-some examples include the work of Marcel Broodthaers, Daniel
Buren, Hans Haacke and Gerhard Richter among others-butit presupposes societies in which cul-
tural institutions present a high degree of specialization and are effectively inserted in the system of
production and circulation of the economy. It assumes that the institutions institutionalize not the
artistic production caught randomly but a sociocultural project where programs, roles, duties and
responsibilities are made explicito With the advent of multiculturalism and the politically correct, the
museal institutions of those countries were forced into a process of great politicization. On one side
the appropriation of the museums by corporate capital and the manipulation of their collections as
capital; on the other the emergence and reception of artistic productions up until then marginalized
by them. Their encounter takes place in the institutional space. It is there that history, representa-
tion, identity are being discussed. The institutional critique goes further afield and strives to look
closely at the museal situation, submitting its practices to a systematic analysis: the museum as the
place of official and corporate culture and that continually appropriates for itself resources from the
real world. The artists that work on this is sue are not exclusively concerned with formulating strate-
gies for the analysis of institutionalized cultural structures, but with how our standards for values,
norms and sociocultural authority are actually created.
I.M .. Translatedfrom the Portuguese by Thomas Nerney.
1. Although there are, culturally, fundamental differences between the two, it is not our aim here to pursue them. Both were
founded on the basis of capitalism and the Protestant ethic. "Differences and likeness" are a generalization and, perhaps, a stereotype,
but, in spite of their use being politically incorrect, we all know they are based on aspects of reality to some extent.
2. Referring to the circulation of works from collections and exhibitions. I do not question the technical merits of this issue. For the
loan of works and exhibitions both conservation and safekeeping are defini te, although each case demands a solution. There is, at
the moment, a manipulation of these standards that may favor or restrict the circulation of these collections.
3. Rosalind Krauss, "The culturallogic ofthe late capitalist museum", October nO·54 (Fall 199 0 ), p.I7.

129 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


"I feel it is implicit, yet perhaps not immediately recognized through background information, that
those activities which pertain to my art and those activities which pertain to me in general, are
determined by one another."-Michael Asher

Michael Asher
Desde o final dos anos 60, uma das premissas fundamentais do trabalho de Michael Asheré que
uma "obra" não pode sertrazida de fora para uma situação de exposição, mas sim que essa situação é
que deve ser articulada para transformar-se no objeto do trabalho ("obra"). Sua prática empenha-
se numa crítica sistemática às instituições que apresentam e representam obras de arte. Assim,
todo o seu trabalho é produzido a partir da especificidade arquitetônica, social e histórica do lugar
de exposição. Entretanto ele não se estrutura metaforicamente, mas está baseado na noção de deslo-
camento de algo pré-existente, despercebido anteriormente ou não articulado claramente e que é
trazida para dentro da situação de exposição. "Asher's work commited itselfto the development of
a practice of situational aesthetics that insisted on a criticai refusal to provide an existing appara-
tus with legitimizing aesthetic information, while at the same time revealing, if not changing, the
existingcontiditions ofthe apparatus".1 Incorporando sempre o quadro institucional em que o
trabalho se inscreve e fazendo desse último um modo de expô-lo metonimicamente, Ashersubverte
a noção e a economia da obra de arte. O que ele mostra em suas exposições não são objetos sem
função, passíveis de estetização e despolitização, mas sim a própria instituição artística e o espaço
de expos ição tratados como objetos de análise crítica. Com Asher a postulada autonomia da obra
de arte está intimamente vinculada à eficácia do aparato museológico. A arquitetura do espaço
expositivo, parte do aparelho institucional que define algo como arte, assim como o quadro social
e histórico em que se inscreve uma mostra, tem sido a matéria-prima de sua prática. Entretanto o
trabalho não se limita a circunscrever as coordenadas e os aparelhos de um certo campo institu-
cional. O objetivo é sempre o de enredar a lógica do modo de produção dos significados sob o qual
nós vivemos e percebemos e apontaro tipo de injunções que esse modo de produção supõe. Dentro
da produção artística que toma a institutional critique (crítica institucional) como questão fundante,
as estratégias empregadas porMichael Asherquerem revelara rede de forças que orientam as deci-
sões e as atividades no interiorde um sistema cultural determinado como o museu e a exposição.
O trabalho funciona como um dispositivo de articulação e enquadramento, tensionando o conjunto
dos significados no quadro das instituições de arte, de modo a deslocar as simetrias e sínteses arti-
ficiais. Asher "mobilise aussi I'experience antérieure du spectateur pour créer par rapport 'a elle une instabilité
susceptible de déplacer I'attente, les pr~ugés et les conventions visuelles. La visée d'une telle tentative d'exposer les
conditions de la perception serait de d~ouer un certain type d'aliénation conventionnelle du spectateur quand ii
appréhende I'art". Introduzindo mudanças de procedimentos no interiorda estrutura institucional,
q ue frustram a idéia de exposição, "ii veut amener le spectateur à s'interroger notamment sur les modes dont
I'institution lui présente I'histoire, en dictant circuits et trajectoires de pensée". 2 10M.
1. Benjamin H.D. Buch loh, "Editor's Note", in Michael Asher: Writings 1973-1983 on works 1969- 1979, Halifax: The Press ofthe Nova
Scotia Schoo l of Art and Design/Los Ange les: Museum ofContemporary Art, 1983, p.vii.
2. Brigit Pelzer, "Les fonct ions de la référence", in Michael Asher, Paris: Centre Georges Pompidou/Musée Nationa le d'Art Moderne,
1991, p . 22.
Michael Asher project for Le Nouveau Musée Projeto para Le Nouveau Musée 1991 Villeurbanne , França

130 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros. "
131 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita
132 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
"With audio, you are able to flip-flop so easily between worlds. It's about the transportation of
the viewer, the listener. I was never able to do that with print-making and photography. Ilike the
insidiousness of audio, the way it moves into the subconscious. I think that's why music moves us
soo It moves into the whole body." -Janet Cardiff

Janet Cardiff
Formada em gravura e fotografia, o trabalho de Janet Cardiff, a partir dos anos 90, caracteriza-se
pelo recurso a instalações, utilizando som, fotografias, filmes, vídeos e componentes escultóricos.
Entretanto o que faz a singularidade de sua obra é a relativização do privilégio da experiência
retiniana nas artes visuais e o engajamento de sentidos como o tato e a audição na experimentação
do trabalho. Em To touch [Tocar] (1993-95), Cardiff cria uma instalação interativa, em que o visi-
tante associa entre sons, toques e memória. Em uma sala quase vazia, vinte pequenos alto-falantes
pendurados nas paredes e uma mesa usada no centro compõem o ambiente. Quando o espectador
se aproxima da mesa e toca-a, os alto-falantes emitem sons diferentes segundo a parte da superfície
da mesa que é tocada. A partir daí se estabelece uma espécie de dança entre o espectador e a sala,
marcada pelo ritmo, tipo e intensidade dos toques. Os sons que se ouvem são fragmentos de
diálogos, diferentes tipos de música, ou ainda puros ruídos das ruas, da vida doméstica, da
natureza. Cada par de alto-falantes conta uma história, sem necessariamente concluí-Ia, mas que
despertam no visitante evocações da sua memória pessoal além de conscientizá-Io da presença do
seu corpo no espaço da exposição. Em outras instalações, algumas delas em colaboração com o
escultor George Bures Miller, Cardiffutiliza estratégias mais teatrais, construindo um cenário que
coloca o espectador diante da materialização de uma cena extraída de um romance literário, de uma
história de ficção científica, do fotograma de um filme ou da cena de uma ópera. Nesses ambientes
são projetados filmes e vídeos, ouvem-se trilhas sonoras e há objetos a serem contemplados e
examinados, enunciam-se múltiplas narrativas e possibilidades de interpretação. Todas elas reque-
rem os sentidos, a imaginação e a memória do espectador, fazendo-o cúmplice e voyeurdas histórias
fabricadas pela artista.
Na série das walks [caminhadas], Cardiffrecorre aos modelos de audio-tours empregados pelos
museus e pelo turismo como forma de subverter a autoridade das vozes que ordenam as instituições
sociais e culturais, dramatizando os intrincados meios pelos quais os lugares estão carregados de
desejo e significados. De posse de um walkman, o espectador é levado a empreender um trajeto, sob
a orientação da artista, pelo espaço interno e/ou externo do recinto da exposição. Seduzido pela voz
misteriosa da artista, ele é, pouco a pouco, enredado numa narrativa de caráter passional, erótica
ou sotu rna, em q ue se mesclam ficção com a real idade do Iugar onde ele se transita. O tau r leva-o
de volta ao lugar de partida, mas sem dar a ele a conclusão da história em que esteve envolvido.
Como uma colagem sonora construída de fragmentos de diálogos recolhidos do cinema, de extratos
de histórias policiais e eróticas, de novelas de rádio e de trilhas sonoras de filmes, os audio-tours
criados pela artista "concern a dialogue between inside and outside, between the mind and the externa I realities
it perceiues, between the gallery and the exterior world, and between indiuiduals".l Cardiff apropria-se, desse
modo, do potencial que cada linguagem e cada lugar representa para além dos processos de medi-
ação e interpretação, tendo nessa estratégia uma oportu nidade de interrogar os diversos métodos
e motivos que constróem as formas de representação e percepção, artística ou institucional. 10M.
1. John S. Weber, "Janet Cardiff", in Presenttense: nine artists in the nineties, San Francisco: San Francisco Museum ofModern Art, 1997, p.16.
Janet Cardiff
To touch Tocar detalhe 1994 técnica mista [mixed media] coleção Edmonton Art Gallery, Edmonton, Canadá cortesia Thomas Healy
Gallery, Nova York
Louisiana walk #14 Caminhada em Louisiana nº14 1996 técnica mista: Janet Cardiff [mixed media: Janet Cardiff] cortesia Thomas
Healy Gallery, Nova York

133 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


"Andrea Fraser is available to provide artistic services on a per project basis to individuais, institu-
tions, foundations, corporations, and public art programs.
The services the artist offers consist oftwo phases under separate engagements to be provided
in sequence. The first phase is interpretative; the second is interventionary. Following the initial
discussions, these phases proceed differently according to the nature and interests ofthe client."1

Andrea Fraser
Desde a segunda metade dos anos 80, Andrea Fraser tem desenvolvido um trabalho que Joshua
Decter descreve como "site/institution-specific post-performance". O trabal ho consiste na obser-
vação e análise em termos sociais, políticos, econômicos e ideológicos da infra-estrutura institu-
cional que organiza e administra museus e exposições. Dentro da vertente aberta pela Arte
Conceituai de engajamento crítico em relação ao sistema da arte e particularmente aos modelos/
desempenhos de exposições e instituições, esse tipo de produção adota uma estratégia de descons-
trução/apropriação dos diversos discursos que constituem a instituição: estatutos, 'relatórios, pro-
gramas, projetos, arquitetura, coleção, eventos, equipamentos expositivos, textos de parede,
etiquetas, guias etc. Fazendo do museu um objeto como os outros encontrados em suas próprias
galerias, o trabalho de Fraser tem como objetivo questionar a sua identidade e o papel que joga
dentro das relações culturais e de produção na sociedade contemporânea. Quer revelar e trazer ao
debate o museu e a exposição como instru mento de poder e controle sobre a ci rcu lação de infor-
mação, a legitimação e arbitragem do gosto e do conhecimento, e, finalmente, das formas de per-
cepção e uso da prod ução cu Itu ralo" Museums were, and are, part of the pub/ic sphere aimed at taking ho/d
of and defining the interests, cu/ture, p/easures, dai/y practices, and "highest aspirations" of a pub/ic."2 Fraser
tem desenvolvido uma série de projetos-performances, textos, vídeos, publicações-que se
apropriam de e manipulam as diferentes vozes que falam pela instituição-patronos, conselheiros,
patrocinadores,diretores, curadores e monitores-e que são consumidos pelos visitantes. Para
tanto, ela cria personagens que atuam a partir de um roteiro construído como uma colagem de
textos (intertextualidade) extraídos das diversas falas, que de dentro da instituição concretizam,
reiteram e reproduzem, simbolicamente, os objetivos, os códigos e as convenções do empreendi-
mento museológico. Os trabalhos-visitas guiadas, discursos inaugurais, relatórios-operam
como umametacrítica da epistemologia do projeto educativo dessas instituições, mostrando aquilo
que não se vê, mas está dissimulado nos espaços expositivos, e que movimenta a máquina cultural
que elas representam . Entretanto, a fala de suas personagens (a voz de Andrea Fraserdo interiorda
instituição) não assume uma posição judicatória e assertiva, mas deixa ao espectador a possibi-
lidade de estranhamento e interpretação. Em 1994, Fraser introduziu a noção de "serviço" para
descrever certas práticas artísticas contemporâneas em relação ao contexto que cria a sua demanda.
"Services, rath~r, was intended to identify one aspect of many, but not ali, of the practices described with those
terms [critica institucional, arte pós-estúdio, arte site-specific, arte contexto, arte pública, arte com-
munity-based etc]: the status ofthe work, or labor, of which they consist and the conditions under which that work
is undertaken. [. .. ] The strategic value of using the term "service" to describe that labor was so that it provides a
basis for identifying the value ofthat portion of an artist's activity which did not result in a transferable product". 3
Com táticas antiestéticas e problematizando as condições e situações em que se dão parte da pro-
dução artística na contemporaneidade, Andrea Fraser recusa, com fina ironia e humor, o primado
retiniano nas artes visuais em favor da informação e do estímulo à reflexão. I.M .
1. Andrea Fraser, "Preliminary prospectus", Eis límits dei museu, Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 1995, p.119.
2. And rea Fraser citada por Joshua Decter, "Andrea Fraser", Flash Art (novembro/dezembro 1990), P.138.
3. Andrea Fraser, "What's tangible, transitory, mediating, participatory, and rendered in the public sphere", October, n.80 (primavera
1997), p .112 - 11 3·
Andrea Fraser Museum highlights: a gallery talk Destaques do museu: uma visita guiada 1989 performance Philadelphia Museum
of Art, Filadélfia foto Adam F. Kelly e Vincent J . Massa cortesia American Fine Arts, Co., Nova York

134 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rotei ros. Roteiros."
135 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita
"This is the story ofGeneralldea and the story ofwhat we wanted. We wanted to be famous. We wanted to be glam-
orous. We wanted to be rich . That is to say we wanted to be artists, and we knew that ifwe were famous, ifwe were
glamorous, we could say "WE ARE ARTISTS" and we would be. We never felt we had to produce great art to be great
arti sts. We knew that great art d id not bri ng glamou r and fame. We knew we had to keep a foot in the door of art. We
were conscious ofthe importance ofberets and paint brushes. We made public appearances in painters' smock. We
knewthat ifwe were famous, ifwe were glamorous, we could say "WE ARE.ARTISTS" and we would be. We did and we
are. We are famous, glamorous artists."-Genera/ldea

General Idea
Entre 1968 e 1994, o grupo Generalldea dedicou-se a uma pesquisa sistemática sobre as linguagens visuais, o sistema
dos signos e dos significantes culturais, operando com uma espécie de semiótica própria e um imaginário híbrido e
pessoal, em que se mesclam cultura erudita e popular (concursos de beleza, shows de televisão, revistas etc.) Sua
obra, desenvolvida através de meios que vão da pintura e escultura à instalação, performance e publicações, sempre
favoreceu a re-invenção em lugar da desconstrução, a alegoria em lugar do didatismo. Num esforço de recrutar um
novo público para as artes em Toronto do final dos anos 60, o Generalldea "managed to s/ip their unsettling messages past
the audience's guard, whi/e a/ways rep/acing 'receiued thruths with something /ess certain" . 1 Minando e pervertendo as regras, os
valores e mitos que orientam o circuito artístico (museus, galerias, crítica, mercado), seus membros usurparam
papéis, apropriaram-se de trabalhos de outros artistas, históricos ou contemporâneos, chamando a si mesmo de para-
sitas. Dessa forma, subvertiam, com humore ironia, a dimensão política e ideológica da linguagem e da cultura e
o apreço pelos "gênios e personalidades únicas" nas artes. Como uma troupe de ativistas e militantes, cuja prática
se inscreve na tradição do Dada, Pop Art, Fluxus e contemporânea à Arte Conceituai, o General Idea criou novas
estratégias formais para ampliar a teatralidade do fazer artístico, renovando-se diante de cada nova demanda do
momento sociocu Itu ral : "from the 1970S File Magazine (the anti-Life Magazine through which Generalldea inuestigated the semi-
otics of popular culture [e que, juntamente com a galeria e arquivo da Art Metropole, possibilitou a criação de uma
ampla rede de colaboração entre artistas e implementou a circulação e distribuição de seus trabalhos]) to the 1984 Miss
Generalldea Pageant and Miss Generalldea Pauillion (two long-term conceptual framing deuices that prouided structural coherence for
a range of performances, euents, and instal/ations), to the wonderful/y naughty and daring poodle paintings ofthe 1980s that took on
the ubiquitous neo-geo style but were also elegantly uibrants emblems of a gay Kama Sutra" .2 A parti r de 1987, o General Idea
concentrou-se em trabalhos sobre a crise desencadeada pela aids. Se antes a identidade sexual e os esterótipos sobre
gays foram objeto e meio de tensionamento das suposições do ambiente sociocultural, ago ra suas estratégias e
vocabulário se somará ao esforço de discussão e conscientização da epidemia e das implicações político-ideológicas
dela advindas. Apropriando-se do logo LOVE, criado po r Robert Indiana nos anos 60, substit uindo-o po r AIOS, com a
mesma estrutura gráfica e cromát ica, eles desenvolveram uma variedade de "produtos" (pinturas, gravuras, escul-
tura, papel de parede, camisetas, múlt iplos , pôste res, objetos, selos etc.), que t ransformou o logo "cri ado" po r eles
em um dos signos dos anos 80. Dent ro da mesma at it ude de co mbat ivo engajamento fo ram criadas as instalações
PLA©EBO, One day of AZT, One year of AZT e Fin de Siécle. Aprop riando-se das noções de design e das estrutu ras mini -
malistas , esses t rabalhos configuram amb ientes de uma assepsia " hospitalar" e são estridentes alego ri as sob re
perda, solidão e melancolia. I.M .
1. Lilian Tone, "Bitter pills", Generalldea , Nova York: The Museum ofModern Art, project Series 56, 1996.
2 . Joshua Decter, "Generalldea: the sensuous wh iteness oflife's interru ptions", Generalldea, Chicago: The Arts Club ofChicago, 1997, p.6-7.

General ldea Fin de siécle Fi m de século [End of the century) 1990 3 filhotes de foca empal hados , placas de isopor inalteradas [3 stuffed harp seal pups of straw
and acrylic , unaltered sheets of polyexpanded styrene) dimensões variáveis coleção particular [private collection), Milão cortesia Galeria Massimo di Cario, Milão

.. . . ...
"llike repetition, because it implies an endless succession ofsubstitutes and missed encounters. [... ]
I would like you to experience one ofthose privileged moments of aesthetic negation, when high art
and popularculture coalesce. I would like high art to shake hands with its cynical nemesis-kitsch,
which in its sentimentality makes a mockery of desire. I would like the meaning of this work to
become overdetermined and congealed that it implodes and brokers a new paradigm."-Sherrie leuine

Sherrie Levine
Sherrie Levine tem desenvolvido seu trabalho-pinturas, esculturas, fotografias e instalações-a
partirda apropriação de obras fundamentais do pré-modernismo e modernismo (van Gogh, Degas,
Schiele, Matisse, Brancusi, Malévich, Mondrian, Duchamp, Miró entre outros), que se constituíram
em paradigmas de um estilo ou período artístico e que inscreveram na História da Arte a figura do
"artista-herói". Entretanto, ela não se apropria de um estilo de modo a inventar um neo qualquer,
mas sim do material que o constitui, a própria imagem, duplicando-a e, desse modo, deslocando o
que ela representa. Diferentemente de óutras estratégias de apropriação, Levine não faz nenhuma
intervenção nas imagens com que trabalha: ela copia ou fotografa uma reprodução (o museu imagi-
nário) e não o original, sublinhando, muitas vezes, o aspecto déjà uú das imagens escolhidas. Sem
tentar dissimular seu "roubo" do trabalho de outrem, sua estratégia subverte e colapsa os princí-
pios de criatividade, autoria, originalidade e expressão, valores que mantêm o circuito das artes
visuais e o seu sistema. Sua obra interrompe o discurso da maestria estética pela recusa de inventar
Sherrie Levine da série Cathedral (1,2,4) 1995 fotografia preto-e-branco [bl ack and white photograph] 25,4x20,3cm cada [each]
Sherrie Levine da: série Cathedral (1,3) 1996 iris print 86,4x71,1 cm cada [each]

138 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
uma imagem, e submete a utopia modernista a um exame crítico, questionando os sistemas de rep-
resentação, institucionalização e consumo do objeto de arte. Em outros trabalhos Levine realiza
intervenções mínimas. Em seus quadros, ela se apropria de algo mais genérico da prática pictórica
(geometria, abstração, minimalismo) para simulare comentaro processo criativo e de produção da
obra. Nas esculturas, "materializando" em vidro os bachelors da parte inferior do Grande vidro , de
Duchamp, conforme instruções contidas na Boite Verte do artista, ou re-fundindo um dos Newborn
de Brancusi a partirde um original, ela opera uma simbiose entre originalidade e repetição. Nos
trabalhos com arquitetura e design (Mies van der Rohe, Gerrit Rietveld, Charles Eames), ela trabalha
não apenas a duplicação do projeto mas altera a sua escala, deslocando a noção de funcionalidade
que rege aquelas práticas. Alargando o conceito de ready-made, a linguagem de Levine está infor-
mada pelas teorias feminista, psicanalítica e o pós-estruturalista, envolvendo noções como a morte
do autor (Barthes e Foucault), simulacro (Baudrillard), o fim da História da Arte (Preziosi) e
intertextualidade (Barthes). Seu trabalho não propõe nenhuma ilusão de originalidade ou indi-
vidualidade. Tampouco pretende algo sagrado. Toma a História da Arte como matéria-prima à
disposição do artista, como um "ready-made in waiting. [... ] Her gesture can be read as one of irony,
homage, humor, critique; the readings are not mutuall!:} exclusive, and are individuall!:} incomplete"1. O trabal ho
de Levine propõe um dilema ao espectador: é senso comum que uma reprodução mecânica não
é uma obra de arte, mas uma cópia feita artesanal mente propõe, como tal, ambigüidades e estra-
nhamentos, que questionam a tradição e as convenções que regem o sistema d~ arte. I.M.
1. Ann Temkin, "Newbarn", Sherrie leuine Newborn, Filadélfia: Philadelphia Museum af Art, 1993, P·15 e 39.

139 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


Jeff Wall A villager from Aricakõyü arriving in Mahnutbey, Istanbul Um aldeão de Aricakbyü chegando em Mahnutbey, Istambu l setembro [september]
1991 transparência cibacromo, caixa de luz fluorescente [cibachrome transparency, fluorescent light display case] 228x290cm coleção Hirshhorn
Museum and Scu lpture Garden, Washington cortesia Marian Goodman Gallery, Nova York

140 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rote iros. Roteiros . Rote iros ."
"The fascination ofthis technology [fotografia] for me is that it seems that it alone permits me to
make pictures in the traditional way. Because that's basically what I do, although I hope it is done
with an effect opposite to that oftechnically traditional pictures. The opportunity is both to recu-
perate the past-the great art ofthe museums-and at the same time to participate with criticai
effect in the most u p-to-date spectacu larity. Th is gives my work its particu lar relation to pai nti ng.
Ilike to think that my pictures are specific opposites to paintings."-jeffWall

JeffWall
Artista e historiadorda arte, Wall tem desenvolvido sua obra associando fotografia (transparências
sobre caixas de luz) e produção cinematográfica a um repertório conceituai que abarca o pós-estru-
turalismo, estratégias conceitualistas e teoria feminista para uma reinterpretação da História da
Arte e dos gêneros da pintura (histórica, paisagem, retrato, natureza-morta, composição). Trata-se de
uma atitude pós-conceituai empenhada na reconstrução da tradição pictórica (pictorial tradition) na
idade das tecnologias. Entretanto seu trabalho não pretende ser uma revisão ou retorno ao passado,
conforme os muitos "neos" que povoaram os anos 80. Ao contrário, aborda a tradição com uma
perspectiva crítica, como possibilidade de investigar o presente (social e cultural) e conferir um sen-
tido político ao trabalho do artista. Sua estratégia dirige-se a certas ortodoxias na produção e inter-
pretação do trabalho artístico impostas pela noção mesma de história a partir do século XIX e
desenvolvidas pelo Modernismo. "[ ... ] Wall conceiues his photographictableaux in a dialectical relation to
the tradition of figuratiue painting. At issue for him is the possibility of redefining modern art by situating in the
historical (and logical) gap between the fine arts and the media, between the artistic tradition-that is, the trans-
mission of cultural norms through technical knowledge-and the technology nf the spectacular image."1 Os
"tableaux fotográficos"-espécie de imagem híbrida da composição pictórica com o registro
fotográfico, estritamente limitada a uma representação bidimensional-de Wall configuram-se
como uma imitação teatral da pintura usando recursos da publicidade e do cinema. A peculiar
luminosidade que lhes confere o dispositivo de uma caixa de luz sobre a qual é aplicada a
transparência da imagem, em sua maioria, de grandes proporções, chama a atenção, como na
pintura, para as qualidades físicas dos trabalhos, situando-os em algum lugar entre esta última, a
fotografia e o ci nema. A estratégia no uso da fotografia é o recon heci mento do poder desse meio em
construir e representar credibilidade. Cada imagem criada por Wall (retratos, alegorias, fantas-
magorias, crônicas visuais) tem lugar em um cenário-estúdio ou externa-meticulosamente
planejado e construído, como num set cinematográfico, onde o artista tem controle total sobre o
processo e o resultado final da imagem. O uso de uma variedade de recursos técnicos e tecnológi-
cos quer desenvolver uma obra em conformidade com o mundo contemporâneo, seja do ponto
de vista da sua produção, apresentação e percepção. Mesmo naquelas paisagens onde não há a
presença da figura humana, o instante flagrado é resultado de uma longa observação, para ter
"the effect of a dramaticeuent remoued from a narratiue fiow". 2 Em trabalhos mais recentes, Wall deixa de
lado a teatralidade e a retórica dos conteúdos, para concentrar-se em questões mais intimistas, de
cunho existencial, associadas a uma preocupação maior com questões da estética e da linguagem
fotográfica. A noção de drama, que marcava anteriormente seus falsos flagrantes de rua ou interio-
res, é substituída pelo sentido de documentação, a despeito do processo de construção da imagem
permanecero mesmo. Interessa-lhe representar a proximidade da ação apreendida pelo obturador
e a imagem que resu Ita dessa operação. Wall opera agora entre a noção de verdade fotográfica repre-
sentada pela grande tradição da fotodocumentação/fotojornalismo e a ficção capaz de ser criada e
manipulada pelo olho do artista. 10M.
1. Jean-François Chevrier, "Play, Drama, En igma" ,JeffWal/, Chicago: The Museu m ofContemporary Art et aI/i, 1995, p.11.
2. I<erry Brougher, "The photographer of modern Iife", JeffWal/, Los Angeles: The Museu m of Contem porary Art, 1997, p.26.

141 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


A curadoria dispersa os trabalhos pelo espaço expositivo. Eles não constituem um núcleo represen-
tativo de algo, não ilustram uma idéia ou confirmam uma hipótese. Não há nada a ser representado.
Os trabal hos apenas articu Iam um mapa de escol has feitas, um desen ho vi rtual q ue se apropria da
situação de exposição. Ele aponta para uma rede de relações que possibilita a travessia do território
demarcado por ela. Ao visitante fica a possibilidade de articular essas balizas, vestígios de um
roteiro, e empreender sua própria travessia, inexoravelmente um roteiro outro. Os trabalhos ficam ali
meio à deriva, entre entrega e resistência à interpretação, por conta e risco de suas prerrogativas,
cada um deles instalando uma diferença, singular e irredutível. Batalhando pela sua materiali-
dade-não qualquer uma, mas aquela que resulta do seu próprio regime de funcionamento:
desconstrução, ready-made, apropriação-, são eles, e não qualquer idéia que paire sobre eles, os
responsáveis pelas tensões que instauram. No esforço de marcarem suas presenças-eles mesmos
resultados de escolha e decisão-num espaço que tenderia a anulá-Ias, esses trabalhos, assim como
a curadoria, apresentam-se, "paradoxalmente quase que imateriais. Porque não se oferecem co-
mo uma visualidade em superfície, presas fáceis para serem enfeixadas num estilo e daí reduzidas
a uma identidade".1 Ao contrário, estão ali ajogarcom a própria situação de exposição, profunda-
mente empenhados, no entanto, em transgredir incessantemente os limites e o sistema que criam
a sua necessidade. Eles "desvia[m]-se e transfere[m]-se".
1. S. Salzstein-Goldberg & I. Mesquita, "Imaginários singulares" , in catálogo Imaginários singulares, São Paulo: Fundação Bienal
de São Paulo, 1987, p .21.
Sherrie Levine da série Interieurs parisiens (after Atget) 16, 18,21,33,36,45 Interiores parisienses (d'apres Atget) 1997 fotografia
preto-e-branco [black and white photograph] 25,4x20,3cm cada [each] cortesia Margo Leavin Gallery, Los Angeles

142 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros ."
Curatorship disperses works around the exhibition space. They do not constitute a representative
core of anything, they do not illustrate an idea or confirm a hypothesis. There is nothing to be rep-
resented. The works only articulate a map of choices that have been made, a virtual design that
appropriates itself of the exhibition situation. lt points to a network of relationships that make it
possible to cross the territory demarcated by this crossing. The visitor is given the possibility of
articulating these pointers, these vestiges of a route, and set out on their own crossing, inexorably
taking another route. The works remain there rather adrift, neither yielding to interpretation nor
resisting it, on account of and risking their prerogatives, each one ofthem installing a singular and
irreducible difference. Struggling to establish their materiality- not any materiality, but one derived
from their way of functioning: deconstruction, ready-made, appropriation- it is the works them-
selves, and not any idea hovering over them, that are responsible for the tensions they create. ln the
effort to mark their presence- themselves results of choice and decision- in a space that would
tend to annul them, these works, as well as their curatorship, reveal themselves "paradoxically as if
almost immaterial. Because they do not offer themselves as surface visuality, easy preys to be cate-
gorized into a certain style and so reduced to an identity." 1 On the contrary, they are there to play
with their own exhibition situation, profoundly engaged, however, in incessantly transgressing the
limits and the system that create the need for this situation. They "deviate and transfer themselves."
Ivo Mesquita. Translatedfrom the Portuguese by Thomas Nerney.
I. S. Salzstein-Goldberg & L Mesquita, "Imaginários Singulares", in Imaginários Singulares, São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo,
1987, p.2I.

Jeff Wall The giant A gigante 1992 transparência cibacromo, caixa de luz fluorescente [cibachrome transparency, fluorescent display
case] 39x48cm coleção Marian Goodman Gall ery, Nova York

143 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


Richard Shusterman

Duas questões sobre


canibalismo e rap
1. Em seu estudo sobre o rap, publicado em Pragmatist aesthetics [Estética pragmatista] (Oxford:
Blackwell, 1992), o senhor recorre explicitamente ao conceito de canibalismo para descreuer a estética
de apropriação do rap e de como ele sampleia música pré-grauada e outros sons. Chega até mesmo a
se referir, na página 203, aos primeiros rappers como "canibais musicais da selua urbana". Qual tem
sido a reação a esta caracterização do rap?
Na língua inglesa, "canibalizar" não apenas significa comer a carne humana mas
também, de modo mais geral, denota a prática de tirar partes de uma coisa para
acrescentá-Ias a outra, por exemplo quando alguém remove várias partes de um carro
para juntá-Ias a outro veícu lo. Mi n ha descrição do sam pleamento no rap referia-se
claramente a este significado simbólico, de canibalizar partes visando a criação de
uma nova unidade musical. Nenhum dos leitores afro-americanos do livro (ou da crítica
sobre rap que também escrevi para um fanzine dedicado ao gênero) jamais encarou
de outro modo o emprego que faço do termo "canibalismo". Jamais me acusaram de
denegriro rap, ao associá-lo àquilo que alguns denominariam o primitivismo das
culturas canibais africanas.
Eu, porém, enfrentei essas críticas, formuladas por certos leitores brancos, profun-
damente preocupados com uma linguagem politicamente correta. Com efeito, os edi-
tores de Criticallnquiry, excelente revista que publicou um diálogo entre mim e outro
crítico, insistiu para que me abstivesse de usaro termo "canibalismo" em relação ao
rap em meu novo artigo "Rap remix: pragmatism, postmodernism, and other issues on
the House" [Rap: pragmatismo, pós-modernismo e outras questões na House]1 . Argu-
mentaram que seu uso sugere que a cultura do rap e suas fontes étnicas são primitivas
e selvagens, que o termo "canibalismo" reforça t remendamente a identificação da cul-
tura negra com a selvageria bárbara. Embora reconhecendo que eu estava defendendo
o valor da canibalização musical do rap, eles permaneceram irredutíveis, afirmando
que o uso do termo "canibalismo" transmitia uma valorização negativa, uma acusação
colonialista e desdenhosa de brutalidade selvagem. Insistiram que seus leitores (basi-
camente acadêmicos brancos anglófonos) ficariam tão pertu rbados e induzidos em
erro pelas horríveis conotações de canibalismo que minhas considerações pos itivas
sobre o rap se dilu iriam e que eu (quando não também a revista) facilmente poderia
sertomado po r alguém que expressava pontos de vista racistas e colonialistas.

144 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros."
2.Quais foram as conclusões que o senhor tirou dessa reação? O que o canibalismo passou a significar
para o senhor, como filósofo?
A primeira conclusão foi simplesmente prática. Dei-me conta de que os editores conhe-
ciam seus leitores americanos acadêmicos melhor do que eu. Se eu quisesse comunicar
mais eficazmente minha mensagem àquele público, deveria evitaro termo "canibalis-
mo". Era fácil encontrar rodeios lingüísticos superficiais. Por exemplo, ao escrever para
leitores americanos, em vez de me referir ao fato de que o rap canibaliza outros sons,
simplesmente escrevi que o rap "se alimenta" de outros sons (ver meu estudo posterior
sobre rap em Practicing philosophy: pragmatism and philosoflcallife [Praticando filosofia :
pragmatismo e vida filosófica] (Nova York: Routledge, 1997). Claro que esta é uma res-
posta muito rotineira, não passa de uma solução cosmética para o verdadeiro problema
relativo ao canibalismo: nossa reação superficial, cega, primitivamente visceral a ele,
que expressa todo o primitivismo selvagem que projetamos sobre o próprio canibalismo.
Assim, além do projeto de policiar minha linguagem para os leitores americanos
politicamente corretos, comecei a perceber que a filosofia poderia ser útil no sentido
de lembrar às pessoas que havia uma variedade de significados para o canibalismo.
Até mesmo no ato literal de comer carne humana há diferentes significados possíveis.
Sabemos, por Diógenes Laércio, que os estóicos Zeno e Crísipo defendiam o ato de
comer cadáveres sob "as forças das circunstâncias", ou seja, quando não havia nada
mais disponível para se comer. O ensaio de Montaigne sobre o canibalismo assinala
outro significado da prática: "realizar uma vingança extrema" contra um inimigo
derrotado, "assando-o e comendo-o".
Podemos, porém, imaginar facilmente outro significado para a ingestão da carne
humana: não apenas o mero uso de um cadáver humano com finalidades nutritivas,
nem a vingança sobre um inimigo, mas a afirmação simbólica do humano pelo ato de
se banquetear com ele. Não demonstramos nosso apreço e nosso desejo pelos seres
humanos a quem amamos quando damos pequenas mordidas em suas orelhas, chu-
pamos seus mamilos, suas línguas etc.? Alguns de nós ainda procuram provar toda a
extensão de seu amor com um ato de completa ingestão (é claro gue não de partes
inteiras do corpo, ato que feriria o amante, mas pelo menos dos fluidos corporais). Aqui,
engoliré mais um ato amoroso de plena rendição e feliz abandono do que o agressivo
desafio da vingança.
Será que o ritual da Eucaristia não exprime a mesma ingestão amorosa do divino
corpo de Cristo? Será, então, que o canibalismo também poderia ser temido por
ameaçar a adoração (e o ato de comer) ao ser superior? Se reveren,ciamos o corpo
humano, porque haveríamos de preferir enterrar nossos cadáveres, que irão al imenta r
vermes e larvas desprezíveis, a honrá-los como fonte de nutrição para formas humanas
nossas companheiras? Há muito tempo Montaigne compreendeu que o conceito de .
canibalismo suscita muitas questões provocativas, que merecem uma reflexão ma is
esclarecida e imaginativa. No entanto, nossa tradição teimosa de reagir ao canibalismo
por meio de um estremecimento visceral, irrefletido, de repulsa condenatória, parece
permanecertão cegamente primitiva quanto o canibalismo que ele detecta.
Richard Shusterman. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.
1. Criticallnquiry, n.22 (1995), P.150-158

145 Duas questões sobre canibalismo e rap Richard Shusterman


Richard Shusterman

Two questions on
cannibalism and rap
I. ln your study ofrap in Pragtnatist aesthetics (Oxford : Blackwell, 1992) you explicitly use the
concept of cannibalism to describe rap's aesthetic of appropriation, its sampling of prerecorded music
and other sounds. You even refer to the early rappers, on page 2°3, as "musical cannibals ofthe
urbanjungle."What has bem the reaction to this characterization ofrap?
ln the English language, "to cannibalize" not only has the meaning of eating human
flesh but more generally denotes the practice of taking parts fram one thing to add it to
another, as when one strips off various parts of one car to add them to another vehicle.
My description of rap's sampling was clearly oriented toward this symbolic meaning of
cannibalizing parts to create a new musical whole. Nane ofthe African-American readers
ofthe book (ar ofthe rap criticism l also wrate for a local grass-raots rap-fanzine) ever
took my use of"cannibalism" in any other way. Never did they accuse me of denigrating
rap by associating it with what some would call the primitivism of African cannibal
cultures.
l did, however, face this criticism fram certain white readers who were deeply
concerned with politically correct language. ln fact, the copy editors ofCritical lnquiry,
an excellent journal who published an exchange on rap between myself and another
critic, insisted that l refrain fram using the term "cannibalism" with respect to rap in
my new article "Rap remix: pragmatism, postmodernism, and other issues in the
House."l They argued that its use implies that rap culture and its ethnic sources are
primitive and savage, that the term "cannibalism" too powerfully reinforces the identi-
fication ofblack culture with barbaraus savagery. While recognizing that l was defend-
ing the value ofrap's musical cannibalization, they remained adamant that the very use
ofthe term "cannibalism" entailed a negative valuation, a scornful colonialist charge of
savage brutality. They insisted that their readers (primarily white Anglophone acade-
mies) would be so disturbed and misled by the horrific connotations of cannibalism,
that my positive appreciation of rap would be lost, and that l (if not also the journal
that published me) could easily be taken as expressing colonialist racist views.

146 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
2.What condusians have !:Iau drawnfrom this reactian? What has cannibalísm come to mean to !:Iau
as a phílasapher?
The first conclusion was simply practical. I recognized that the editors knew their
American academic readership better than I did, so that ifI wanted to communicate my
message more effectively to that public, I should avoid the term "cannibalism". Superfi-
ciallinguistic circumventions were easy to find oFor example, when writing for North
American audiences, instead of referring to rap's cannibalizing of other sounds, I simply
wrote that rap "fed" on other sounds (see my later study of rap in Practicing philosophy:
pragmatism and the philosophicallife (New York: Routlede, I997). This, of course,
is a very perfunctory response, a merely cosmetic solution to the real problem with
respect to cannibalism: our blind, shallow, and primitively visceral reaction to it, which
expresses all the savage primitiveness that we project on cannibalism itself.
So beyond the project of policing my language for politically correct North Ameri-
can readers, I began to see that philosophy could be useful in reminding people of the
varieties ofthe meanings of cannibalism. Even in the literal act of eating human flesh,
there are different possible meanings. As we learn from Diogenes Laertius, the Stoics
Zeno and Chrysippus both advocated the eating of corpses under "the stress of circum-
stances," i.e., when there was nothing else available to eat. Montaigne's essay on canni-
balism points to another meaning ofthe practice: "to betoken an extreme revenge" on
a defeated enemy by "roasting and eating him."
But one can easily imagine another meaning for the ingesting ofhuman flesh: not
the mere nutritional use of a human corpse nor the revenge on an enemy but the symbolic
affirmation ofthe human by the act offeasting on it. Do we not demonstrate our appre-
ciative desire for human beings whom we lave by nibbling on their ears, sucking on
their nipples, tangues, etc.? Some of us further seek to prove the higher measure of our
lave by an act of full ingestion (of course, not of whole body parts, an act that would
wound the lover, but at least ofbody fluids). Swallowing here is a loving act of full accep-
tance and happy surrender rather than the aggressive defiance of revenge.
I sometimes wonder whether the ritual of the Eucharist does not express the sarne
loving ingestion ofthe divine body ofChrist? Might cannibalism, then, also be feared for
its threat to the worship (and eating) of the higher than human? If we revere the human
body, why should prefer to bury our corpses to feed the lowly worms and maggots
rather than honoring them as nourishment for fellow human forms? Montaigne long
ago realized that the concept of cannibalism raises a great deal of provocative questions
deserving more enlightened and imaginative thought. But our stubborn tradition of
responding to cannibalism with an unthinking visceral shudder of condemnatory
repulsion seems to remain as blindly primitive as the cannibalism it perceives.
Richard Shusterman.
L Critical Inquiry, n . 22 (199S), pp.1SO-1S8

147 Duas questões sobre canibalismo e rap Richard Shusterman


Ásia curadoria Api nan Poshyananda Me coma ... UVlfl flcu ... 1

A antropofagia é um fenômeno imensamente complexo, disso, resistência à invasão estrangeira e canibalismo


contendo múltiplos significados, que se aplica à arte, tornaram-se sinônimos a partir do momento que os cari-
mitologia, política, psicanálise, história cultural e teoria bes e os tupinambás passaram a lutar, matar e devorar
crítica. A expressão canibalismo denota o ato humano seus inimigos como forma de resistir ao completo domí-
de comercarne humana. Sua origem é a palavra canibal, nio cultural e à escravidão. Esses indígenas supunham
que por sua vez veio de "canibes", a corruptela de "cari- que, ao devorar seus inimigos, apoderavam-se de suas
bes" (termo étnico usado para designar os nativos das almas e absorviam sua habilidade de lutar.
ilhas caribenhas) introduzida pelos espanhóis 1 • Os explo- Em seu "Manifesto antropófago", Oswald de Andra-
radores europeus do século XVI acreditavam que os de descreveu a antropofagia como sendo lei única e uma
caribes fossem antropófagos. Muito antes da descoberta força consolidadora. Andrade exortou a revolução dos
do Novo Mundo, evidências de canibalismo já haviam caribes e denunciou catequeses, inquisições, missioná-
sido amplamente divulgadas. Com efeito, a existência de rios, portugueses, e os chamados povos cultos e cristiani-
canibalismo para além da cultura ocidental era uma idéia zados 4 • Na procura de rotas para redescobrir o instinto
bastante aceita. As referências sobre homens que devo- primai e a natureza indígena, Andrade retomou o assun-
ravam homens indicavam características não-civilizadas to da resistência dos nativos contra as invasões estran-
de selvagens em terras distantes. geiras enquanto clamava por uma vacina antropofágica.
Os antropólogos estabeleceram categorias para os Seu desejo pela transformação permanente de tabu em
vários tipos de antropofagia tais como exofagia, endofa- totem desafiava o conformismo e a sabedoria conven-
gia, autofagia, canibalismo gastronômico, canibalismo cionai, introduzidas pelos colonizadores europeus, e que
ritual ou mágico, e canibalismo de sobrevivência 2 • Deba- paralisavam a liberdade de pensamento e imaginação.
tes sobre o mito do canibalismo levantaram questões Permanece aberta à interpretação a pergu nta: a idéia rica
sobre o fato de um grupo presumir a natureza canibal de e provocadora de Andrade deve ser seguida como rota
outros, que pode ser interpretado como um aspecto de alternativa para uma nova doutrina, ou recebida com
su periodade cu Itu ral e estrutu ral. A ingestão de carne restrição (ou sangue), uma vez que esse tipo de manifes-
humana é considerada o ato mais profano e o comporta- tação poderia levar ao dogmatismo? Quanto ao conceito
mento mais anti-social que se possa imaginar. Vistos de roteiros no âmbito da seção asiática, este manifesto
como bárbaros e selvagens pela cultura européia, indiví- tem sido de grande valor por servi r de ponte Iigando cam i-
duos que comem seus semelhantes são classificados nhos labirínticos, encruzilhadas e fronteiras. Pesquisando
como pertencentes a um estágio de pré-civlização. Por trabalhos de Claude Lévi-Strauss, William Arens, Peggy
outro lado, já foi sugerido que os mitos de canibalismo Reeves Sanday, Mikita Brottman, Lu Xun, Zheng Vi, Key
na América do Sul, Ásia e Nova Guiné foram divulgados Ray Chong, John Gittings, Jasper Becker, Ben Kierman,
por exploradores e missionários com o intuito de justi- Hans-Peter Martin, Herald Schumann, Winin Pereira, e
ficar moral mente as missões colon izadoras e cu Itu rais Jeremy Seabrook, pude coletarembasamento teórico que
empreendidas por colonizadores europeus com o preten- forneceu ferramentas essenciais para a metodologia
so objetivo de pacificação e conquista, enquanto aqueles que adotei para estudar artistas asiáticos, cujos traba-
que acreditavam firmemente na existência do canibalis- Ihos extrapolam as vertentes temáticas da antropofagia,
mo sustentam que tal prática desempenhava um papel do mito de canibalismo e da cultura canibaiS.
central na ordem dos rituais e no regime alimentar 3 • Além

148 XXIV Bienal "Rote iros. Rote iros. Roteiros. Rote iros. Rote iros. Roteiros. Roteiros."
ai o
aniah saya ... nr .§ · · · ~ ~ · · · Eat me
I

Para elucidar minha interpretação de antropofagia, que comunidade brasileira estritamente feminina das ama-
está entrelaçada com canibalismo transcultural, que per- zonas, que manifestavam intenções agressivas e de ordem
meia culturas poderosas, parasitárias e predatórias, e a sexual com relação aos homens. Cristóvão Colombo não
devoração simbólica de indivíduos e almas como siste- encontrou canibais, mas foi informado pelos índios arau-
mas culturais, vale discutir alguns dos canibais clássicos aques que os caribes comiam carne humana e devoravam
e contemporâneos. Algumas histórias de canibalismo são os cativos para apropriar-se de sua habilidade de com-
plausíveis, enquanto outras não passam de ficção. Afasci- bate. Acredita-se que, antes da colonização das Américas,
nação não se deve à razão pela qual as pessoas comem os astecas participavam em massa de orgias canibalís-
carne humana, mas o porquê de um grupo invariavel- ticas durante rituais. Os órgãos e o coração ainda pul-
mente presumir que outros grupos o façam. Em algum sante dos prisioneiros de guerra eram consumidos para
momento da história, a designação de canibal já foi apli- simbolizaras forças revigorantes do mundo. Aconquista
cada a cada gru po h u mano. espanhola deu cabo dos sacrifícios humanos e do cani-
O debate sobre o Homem de Pequim (Sinanthropus) balismo. No século XIX Ta'unga, um polinésio nativo con-
como sendo pertencente a um povo canibal e caçadorde vertido ao cristianismo, relatou a ocorrência de caniba-
cabeças ocorreu entre '926 e '94', quando foram desco- lismo nas ilhas da Nova Caledônia. A ilustração na seção
bertos crânios pré-históricos em escavações perto de "Sobre o Canibalismo" mostra o filho de Pasan pedindo
Choukoutien, na China, que tiveram suas bases fratu- a seu pai que lhe desse homens gordos para comer.
radas provavel mente para perm iti r acesso ao cérebro. As Enquanto na Europa foram registradas ocorrências de
hipóteses levantadas sugeriam que o homem pré-histó- canibalismo de sobrevivência, alguns grupos de pictos,
rico preferia comer crus o cérebro humano e outras partes escoceses, irlandeses e russos eram conhecidos como
perecíveis antes de esquartejar e destrinchar a carcaça 6 • canibais. Algumas vezes, viajantes e missionários euro-
No sécu lo V a.c. Heródoto registrou que os andrófagos, peus eram temidos pornativos de outras terras que os
povo nômade que vivia à margem da civilização, tinham viam como canibais. A cultura judeu-cristã considerava a
costumes bárbaros tais como o de consumircarne huma- Eucaristia como sendo a comunhão com o sobrenatural,
na. No século XVI, o marinheiro alemão Hans Staden, que da mesma forma que pão e vinho simbolizam o corpo e o
era tripulante de um navio mercante português, ilustrou sangue de Cristo. A interpretação da Eucaristia-:-carne e
com xilogravuras sua experiência como prisioneiro dos fluidos corporais-levou à idéia do complexo canibal
índios tupinambás, no sudeste brasileiro. Em seu livro, dos católicos romanos e ao pensamento fetichista rela-
Staden conta que testemunhou rituais canibalísticos cionado com a ingestão da carne do Filho.
durante os quais mulheres e crianças nuas mordiscavam O desejo e a procura por culturas exóticas indica-
pedaços de carne humana, enquanto a cabeça da vítima vam que verdade e ficção freqüentemente se confun-
assava na fogueira. No texto que acompanha as ilus- diam. Como resultado, os rituais simbólicos tornaram-se
trações, o autor afirma que "o povo e a ilha descobertos fascinantes devido à função e ao significado do canibal is-
pelo rei católico de Portugal . . . são nus, belos e morenos, mo. A teoria do canibalismo de Lévi-St rauss, inclu indo
seus corpos bem talhados ... Eles também comem uns métodos de cozer e assar, pôs em evidência a prática
aos outros, até mesmo os que são assassinados , e pen - entre grupos exo e endocanibais. As hipóteses levantam
duram suas carnes sobre a fumaça".? O canibalismo questões sobre o modo como ind ivíduos cozinham
dos tupinambás levou também à legendária e poderosa seus semelhantes, e sobre o cozimento como analogia à

Ap inan Poshyananda
linguagem 8 • As trilhas canibais revelam razões mágico- durante a dinastia Han, a situação de fome extrema fez
religiosas para a exo e endofagia entre os aborígenes com que "pessoas trocassem seus fi lhos com os de outros,
australianos, incluindo sacrifício, vingança e respeito aos para serem-comidos" (i tzu erh shih). Durante o período de
mortos, enquanto os zulus acreditavam que comer a testa grande falta de alimentos na dinastia Ch'ing, o bispo de
e as sobrancelhas de seus inimigos lhes traria coragem Shansi, Monsenhor Luigi Monagatta, relatou: " ... agora
para enfrentar adversidades. Em Papua-Nova Guiné, atos eles matam os vivos para consumi-los" . As guerras e
de vingança e assassinatos entre grupos inimigos consis- rebeliões provocavam crises no fornecimento de alimen-
tiam de encher a boca do inimigo com pedaços de geni- tos. No ano de 906, as provisões de comida esgotaram-
tália. Já os kiwai obrigavam seus jovens guerreiros a se na cidade de Ts'agn-chou, província de Hopei, que
engolir o pênis do inimigo. Endofagia e canibalismo estava sitiada, e conseqüentemente as pessoas começa-
mortuário entre os Gimi eram praticados pelas parentes ram a comer carne humana. Tendo consumido a carne,
mulheres, que comiam o cadáver todo após cozinhá-lo quebravam os oSS05 dos cadáveres antes de misturá- los
no vapor, dizendo: "Venha a mim para não apodrecer no com argila para comer. Como vingança contra o inimigo,
chão. Deixe que seu corpo se dissolva dentro de mim" .9 ingeriam crus coração e fígado de suas vítimas, pois
Acreditava-se que o canibalismo de cadáveres masculinos acreditavam que a vida residia nestes órgãos e, portanto,
praticado pelas mulheres libertava a alma dos homens e comê-los sign ificava causar sofri mento máxi mo ao morto.
reestabelecia a androginia maternal. A disposição antro- Às crianças era permitido participar do banquete humano
pofágica dos nativos fo i discutida no contexto da molés- dos adultos. Em 1854, durante a Rebelião Taiping, vendia-
tia cerebral ku ru, transmitida pela ingestão de carne se carne humana seca ou fresca; nas residências, mãos e
humana insuficientemente cozida. Esta doença, conhe- dedos humanos eram cozidos para consumo. A brutali-
cida como "morte gargalhante", provocava atos insanos dade usada como tática psicológica resultou na expressão
tais como aquele em que enquanto o marido copulava "Vou comer você" (yu-shih chi-jou, shih-ch ih-pu-yen, e yu-jou
com um cadáver feminino, sua própria mulher cortava chih). No final da dinastiaJin, o hostilizado líder Chang
pedaços deste corpo para assá-lo na foguei ra. Na América Yen-ts'e foi esquartejado, sua medula devorada e a carne
do Norte, os índios kwakiutl realizavam seus ritos de ini- vendida ao público. Na dinastia Sung do Norte, o General
ciação na Dança Canibal do Inverno, quando os desejos WangYen-sheng permitia que seus soldados devorassem
canibalísticos e a fome primordial eram amainados e sa- prisioneiros. Sob a mesma dominação, um oficial, Chan
tisfeitos. Durante a cerimônia, o Dançarino Canibal estre- Liang-ch'en, foi obrigado a comer um pedaço de seu
mecia seu corpo e rangia os dentes para demonstrar o próprio corpo, após o que vomitou e morreu. Como igua-
apetite irresistível por carne humana. Apetite que apenas ria, a carne humana (ts'a i-jen) era preparada na forma de
o cheiro da mãe primordial conseguia satisfazer, no mo- pratos saborosos. Os modos de preparo variavam desde
mento em que um pano escaldante, embebido em sangue assar no forno ou sobre brasas, grelhar, defumar, secar
menstrual, era comprimido sobre seu rosto. Saciado pela ao sol, fritar, e ensopar, até usar para picadinho e conser-
fumaça sagrada desse sangue, alimento primordial, seu vas. Quanto ao gosto da carne humana (hsiangjou), a das
comportamento regredia até assemelhar-se ao de um crianças era vista como a mais saborosa, enquanto a
recém-nascido 10 . A loucura canibalística também conhe- das mulheres, ainda mais deliciosa que carneiro. A carne
cida como "psicose de Windigo", é uma síndrome obser- humana também era usada para tratamento de saúde. O
vada entre os índios algonquianos, uma aberração carac- ato piedoso e filial (hsiao-yi) do auto-sacrifício resultava
terizada pelo desejo compulsivo de comer entes amados. no endocanibalismo, onde filhos e filhas cortavam partes
Fantasias de agressão oral e ocorrência de casos de fome de seus corpos (braços, pernas, fígados) para alimentar
extrema já levaram pais a comer seus fil hos11. seus pais. Os registros dão conta ainda de noras e esposas
Os registros de canibalismo na China são dive rsos que cortavam a carne de seus parentes e maridos e a
e numerosos. Crônicas revelam casos de canibalismo de consumiam como remédio para moléstias. "Pães de san-
sobrevivência provocados por desastres naturais tais como gue" humano (hsueh man-t'ou) eram vendidos a mulheres
enchente, seca e pragas. Por exemplo, no ano 594 a.c., cujos maridos eram sexualmente impotentes. De outro
páginas anteri ores [previous pages] Nob uyosh i Araki Erotos 1993-94 fotog rafia

152 XXIV Bienal "Rote iros. Rote iros. Rote iros . Roteiros . Roteiros. Rote iros. Roteiros."
lado, por motivos egoístas, na dinastia Ming muitos febre de sangue virou moda enquanto partes da anato-
eunucos tentaram adquirir potência sexual comendo mia se tornavam valorizadas por suas propriedades tera-
miolos de jovens do sexo masculino. Na ptovíncia de pêuticas. Chegou-se ao ponto de se servircarne humana
Fukien, o eunuco Lao Ts'ai matava rapazes virgens para em festas e banquetes, regados a vinh0 14 • Em Revolt in the
comer seus miolos, numa tentativa desesperada de refa- soul & body, 1900- 1999 [Revolta no corpo e na alma], o
zersua genitália 12 • artista Chen Chieh-jen, de Taiwan, expõe a relação entre
Em J918, o famoso escritor chinês Lu Xun publicou seus trabalhos e os terríveis eventos ocorridos na China.
A madman's diary [Diário de um louco] (WangJenJih Chi) . Ao incorporar sua auto-imagem às fotos históricas de
Ao descrever as fantasias de um louco, popularizou a violência, Chen redefine o mito nacional, a história de
expressão sociedade "canibalista" (ch'ih-jen) e conscien- disciplina, castigo, violência, e as memórias de massa-
tizou os leitores sobre os aspectos canibalísticos da vida cres na China e em Taiwan. O artista pequinês Gu Dexin
chinesa. Lu Xun expôs abertamente os malefícios do sis- vem conduzindo experiências com carne e plástico para
tema de clãs, que revelavam a virtude confuciana e a mora- expressar uma combinação de violência e erotismo.
lidade como estrutura social canibalista. Estes malefícios Carne e pele significam vulnerabilidade visceral e emo-
tornaram-se sintomas da doença da sociedade tradicio- cionai, além do desejo inerente de destruir. Os trabalhos
nal. O autor nutria a esperança de que o futuro dos jovens mais recentes de Gu Dexin incluem uma instalação em
estaria salvo. No final, permitiu que o personagem louco que pedaços de carne são colocados ao lado de fotos
terminasse seu diário com as seguintes palavras: "Será de uma performance na qual, durante 12 dias, o artista
que ainda existem crianças que não comeram gente? esprem ia um pedaço de carne, e uma instalação feita
Salvem as crianças ... " Na tentativa de expor as verda- com 100 qu ilos de miolo de porco. Em suas instalações,
deiras características da sociedade feudal, Lu Xun escre- o artista HuangYong Pingtem feito experiências usando
veu Medicine [Remédio], cujo cenário era a Revolução de animais que devoram outros como metáforas de hege-
1911. O herói revolucionário Xia Yu sacrificou sua vida pela monia, agigantamento e fome de poder. Em seus traba-
causa revolucionária, mas, além de não compreendê-lo, o lhos, apresenta gaiolas nas quais reúne cobras, sapos,
povo chegou a usar seu sangue como remédio 13 . gafan hotos, escorpiões e aran has.
Na China, durante o período da grande fome (1959- Em várias partes da Ásia a antropofagia foi resu Itado
61) resu ltante do Grande Salto para a Frente, camponeses da fome, da guerra e do desejo de vingança. Em 1998,
matavam e comiam seus filhos. Em Gush i, ao sul da pro- registros de canibalismo na Coréia do Norte ainda choca-
víncia de Henan, as autoridades registraram 200 ocor- ram o pú bl ico 15 . Evidências de atos antropófagos ocor-
rências de canibalismo, enquanto em Fengyang, na reram na arte tradicional. Os maravilhosos elementos
província de Anhui, o Partido anunciou 63 casos numa escultóricos nas paredes e muros de Angkor Wat regis-
única comunidade. No auge da Revolução Cultural (1966- tram cenas de violência e vingança, que refletem o dese-
68), na província de Guangxi, ocorreram incidentes em jo canibalístico de devorar inim igos. Cenas de batalha
que vítimas vivas tinham seus fígados e corações extirpa- mostram embates furiosos e desesperados que o Rei
dos. Em seu livro Scarlet memorial [Memorial escarlate], o Suriyavarman II e Vishnu travaram contra inimigos e de-
escritor Zheng Yi pu bl icou dados docu mentais convin- mônios (danavas). Na Batalha de Lanka, o exército de
centes sobre canibalismo. Por serem inimigos da classe Rama e o deus-macaco Hanuman lutam contra soldados
operária, proprietários de terras e diretores de escolas de Ravana, o rei demoníaco de dez cabeças, arrancando
foram mortos, cozidos e comidos. Algumas pessoas gos- e mastigando pedaços de carne. Milhares de imagens
tavam de comer miolo cru, que sugavam com auxílio de representando os atos de morder e roer, feitas em baixo-
um canudo, por meio de orifício no crânio. Testemunhas relevo, mostram lesões corporais e carn ifici na. Esses rele-
oculares relatam uma festa de carne humana, real izada vos refletem a "fome" dos artesãos de "comer" o espaço
em 10 de julho de 1968 na cozinha de uma delegacia, de- com linhas que se entrelaçam por toda parte. Pode-se
pois que Xi Qiye,um membro da minoria Yao, foi morto e ainda relacionar o tema da violência com o massacre e
teve seu coração e fígado extirpados. Uma vez que o tabu o genocídio que aconteceram mais tarde no Camboja.
de comer carne humana foi derrubado gradualmente, a Na índia e no Nepa l, a adoração de ícones de deuses

Ap inan Poshyananda
canibalísticos está arraigada aos rituais cotidianos. Com pauzinhos, cérebro de macaco e de menin0 19 • Na metró-
freqüência, deuses e deusas hindus, tântricos e budistas pole de Bancoc, a máquina pode ser interpretada como
são representados em man ifestações horrorosas e ame- uma forma demoníaca e mais destrutiva de canibaliza-
drontadoras. Hayagriva, Hevajra Heruka, Yamantaka, ção. O fotógrafo Philip Blenkinsop registrou cenas maca-
Samvara são ferozes, flamejantes e terríveis, suas mú 1- bras ocorridas à noite nas ruas da cidade, numa série que
tiplas cabeças e membros ornamentados com objetos chamou The cars that ate Bangkok [Os carros que comeram
feitos de osso e colar em que as "contas" são 51 cabeças Bancoc]2°. Blenkinsop mostra a cidade, que já foi serena,
recém-decepadas. Na suprema tradição ioga, Tantra, agora entu pida por três m iIhões de veícu los devorando
Kalachakra, Guhyasamja, Mahakala surgem como íco- tudo e todos à sua frente. Bancoc é um centro de pro-
nes coléricos, em posição de cópula (yab-yum) com seus dução automotiva sobrecarregado com acidentes auto-
consortes, enquanto dançam. A força feminina (sakti) mobilísticos. Asfixiada pela fumaça tóxica e pela deterio-
evocada na adoração das deusas Durga, Kali, Dakini e ração das condições econômicas, é uma cidade onde
Dakshinakali, e a adoração da genitália feminina (yoni) ambulâncias recolhem os mortos e moribundos dentre
muitas vezes estão relacionadas com a devoração de cabines ensangüentadas de metal retorcido.
carne e fluidos humanos. Em Madras, uma escultura de
pedra mostra um devoto em pé entre as pernas de uma O canibalismo nunca envolve somente o ato de comer.
deusa, bebendo "a sublime essência" (yoni-tattua). No Este ato poderia servisto como uma metáfora da domi-
saktismo, o fluido menstrual é considerado sagrado e, nação e assimilação do poder hostil de um outro grupo.
portanto, venerado; o sangue-alimento pode sertomado Na hipótese freudiana de frustração e agressão, a imagi-
como bebida ritual, ao prestar-se homenagem à yoni, nação não-desenvolvida do canibal faz com que ele coma
tocando-a com os lábios. uma pessoa como reação psicológica a raiva e frustração
Kali, uma das personificações da energia primordial oral. Incidentes de canibalismo psicótico praticado por
mais inebriantes, é representada como feroz e assusta- assassinos seriais foram diagnosticados como uma for-
dora. Porta uma guirlanda de cabeças humanas e uma ma aguda de parafilia relacionada a fixações infantis da
cinta de mãos humanas, seus três olhos vermelhos são fase de desmame. Atividades eróticas tais como mordi-
flamejantes. Entre gargalhadas terríveis, devorou o exér- das sádicas ou estimulação oral dos órgãos genitais mas-
cito demoníaco. Kali é adorada como Mãe Divina e tam- culino e feminino levaram homicidas a praticar atos de
bém como A Senhora da Morte. Assim como Devi, muitas tortu ra, vam pi rismo e necrofil ia. Assassi nos antropófa-
vezes Kali aparece montada em Shiva, em ato de forni- gos tais como Fritz Haarman, Albert Fish, Edward Gein,
cação, enq uanto bebe seu próprio sangue para nutri r uma Ted Bundy, Andrei Chikatilo, e Jeffrey Dahmertornaram-
nova vida gerada pelo sangue-néctar que escorre de seu se conhecidos por sua concupiscência em torturare devo-
pescoço decepad0 16 • Para os ascetas Aghori indianos rar suas vítimas 21 • Em 1981, o estudante japonês Issei
(sadhu) da seita Shiva, ruim é bom, vida é morte, e sujo é Sagawa, que fazia pós-graduação em Paris, matou a tiros,
limpo. Alguns deles comem carne humana em decom- mutilou e comeu pedaços de um jovem colega holandês.
posição e misturam suas próprias excreções corporais O caso de Sagawajá foi discutido num contexto em que a
com água para beber, na crença de ganhos espirituais 1? esquizofrenia japonesa e a atitude "inescrutavelmente
Na mitologia indonésia e tailandesa, o consumo da força oriental" se misturam com a inveja das culturas ociden-
da vida, o Sol e a Lua, estava associado ao desconhecido tais, como parte do complexo de inferioridade causado
e ao maléfico, de tal modo que Kala Rauh, o demônio pelo medo que os ocidentais têm do "perigo amarelo"22.
das trevas, é relacionado com o eclipse 18 • No Japão, o Preso e su bmetido a tratamento, Sagawa tornou-se uma
mito dos guerreiros que caçavam macacos, cuja carne celebridade e um romancista especializado em caniba-
consideravam uma iguaria na terra de Musashi, inspirou lismo. Na Tailândia, tornaram-se lendários os assassi-
Hanawa Kazuichi na criação de sua série de desenhos natos cometidos por See Uui, um psicopata chinês que
Monkey [Macaco], em que mostra a arte de comer, com comeu crus inúmeros corações e fígados de crianças.
Chen Chieh-Jen Rule of law II: 1931-1997 Regra da lei II: 1931-1997 1997 fotografia computadorizada [computerized photograph]208x260cm

154 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Rotei ros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
155 Ásia Apinan Poshyananda
Mais recentemente, a notícia chocante de um estudante fi nancei ros na Ásia provam q ue as fraq uezas econôm icas,
de medicina que matou a tiros sua amante, esquartejou a corrupção e a recessão podem facilmente transformar
e jogou o corpo na privada, reflete um comportamento tigres altivos em dóceis filhotes à medida que Tailândia,
bizarro relacionado ao ciúme passional 23 . Coréia e Indonésia contraíram dívidas colossais junto a
Nos sistemas sociais contemporâneos, a compulsão credores internacionais. Na índia, a miséria transforma
canibalística vem sendo observada como forma elementar o comércio de sangue e a venda de órgãos em negócios
de agressão institucionalizada. Quando forças civiliza- lucrativos. A espoliação cria um processo de armadilha, de
doras cessaram, a satisfação de necessidades agressivas modo que as culturas parasitárias ou predatórias procu-
levou ao genocídio de milhões de pessoas na Alemanha, ram devorare exaurir a riqueza das mais fracas, para cres-
Bósnia-Herzegóvina e Ruanda. A limpeza étnica durante cerem conforto e opulência. Conforme demonstra o livro
o regime de Pol Pot impôs a assimilação das minorias e do fotógrafo tailandês Manit Sriwanichpoom, This blood-
uma carnificina generalizada, que resultou no massacre less war: greed, globalization and the end of independence [Esta
de mais de um milhão de habitantes no Camboja 24 . Em guerra sem sangue: ganância, globalização e o fim da
Karachi, no Paquistão, milhares foram vítimas da violên- independência], o processo de neocolonialismo não se
cia política, étnica e sectária que tornou os cidadãos vul- dá mais pela força, mas sim pela situação de guerra na
neráveis às formas de terrorismo praticadas nas ruas e selva das finanças. O colapso econômico banalizou a
pelo Estado. Ativistas e seitas incluindo o Movimento competitividade e a independência, uma vez que os povos
Muttahida Qaumi, as comunidades Moharjire Pathan, e estão sofrendo de desencanto e angústia.
a polícia do governo contribuíram para a destruição entre Por meio de antenas paraból icas e redes de trans-
os grupos25. A missão norte-americana, cujo objetivo era missão a cabo, as partes do mundo são reunidas hoje
manter a paz mundial e combatero comunismo na Guer- pelo campo de visão rápido, simples e monótono contro-
ra do Vietnã, resultou num desastre de proporções catas- lado pelas empresas emissoras de televisão CNN, MTV e
tróficas, uma vez que o lançamento de 7,85 milhões de ABC. Da Coréia ao Paquistão, a emissora Star TV, de
toneladas de bombas mataram cerca de 3 milhões e feri- Rupert Murdoch, atinge via satélite metade da população
ram 4 milhões de vietnamitas 26 . mundial. O poder de transpor fronteiras dos meios de
O desejo de devorar o Outro/inimigo é mais evi- comunicação vem atingindo padrões de vida, tradição,
dente na atual doutrina mundial de salvação política e ética e linguagem. A colonização Coca-Disney da cultura
econômica. A integração global por meio de empreendi- global domina metrópoles, enquanto nomes conhecidos,
mentos de Iivre comércio ditados por organ izações eco- desde Versace até Sony e Armani produzem uma ilusão de
nômicas mundiais; assim como pelo Banco Mundial, variedade. Campanhas publicitárias agressivas lançadas
Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização pela Philip Morris e Nabisco forçam inúmeros asiáticos a
Mundial do Comércio (OMC), resulta num "capitalismo submeterem-se à influência de narcóticos e estimulantes
turbinado" que solapa a estabilidade democrática e a ocidentais. Os vídeos de música e moda ditam o gosto e
capacidade de funcionamento do Estado. As fusões trans- o estilo que estimulam o narcisismo. Modelos maravi-
nacionais e transferência de controle acionário de empre- Ihosos desfi Iam garbosa e sed utoramente nas passare-
sas, além do colapso das finanças são sintomas do cani- las revelando seus co rpos enquanto as grifes Thierry
balismo institucionalizado. Segundo os autores do best Mugler, Givenchy, John Galiano, Valentin Yudashin,
seller internacional The global trap [A armadilha global], Yoshiki Hishinuma competem agress ivámente para sa-
"O ritmo das mudanças e a redistribuição do poder e tisfazer o apetite de seu público. Para mostrar a moda
da prosperidade estão erodindo as velhas entidades como força devoradora, o artista tailandês Montri Toem-
sociais .. . Os países que até aqui têm desfrutado de pros- somabat criou Fashion performance artfcannibal collection
peridade agora estão consumindo a substância social de [Arte de perfo rmance na moda/coleção canibalJ, em que
sua coesão ainda mais rapidamente do que vêm destru- atores vestidos em peles se comiam, uns aos outros.
indo o meio ambiente" .27 A impress ionante integração Na Ásia, o círculo vicioso da hierarquização do poder
da humanidade por meio da tecnologia e do comércio e do controle dos meios de comunicação resulta ram
poderá levar a um colapso global. Os recentes abalos num impu lso predatório de abso rção de culturas mais

156 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros ."
fracas. Sob a influência hegemônica da China, Hong mente. Araki joga com o voyeu rismo e a cu riosidade sobre
Kong vem sendo comparada à comida chinesa para a diferença dos órgãos alheios. Fragmentada, desmem-
viagem, pronta para ser devorada. As manifestações, por brada e fetich izada, a série Erotos instala-se no rei no das
parte da índia, de uma cultura superior nos campos da fantasias eróticas. Enquanto busca o jogo anárquico com
música, arte, moda, dança e idioma são meios de neo- tabus, Araki escolhe temas tais como morte, escravidão,
colonizar o Paquistão, Nepal e Sri Lanka. Na Tailândia, sadomasoquismo e pêlos pubianos. Para ele, "a foto-
analogamente, os avanços tecnológicos, de propaganda grafia é assassinato", pois a cada vez que aciona o dis-
e meios de comunicação de massa manipulam o gosto e parador, aprisiona a morte e detém o tempo. O fotó-
a cultura no Camboja e no Laos, do mesmo modo que os grafo, porém, não é um predador que caça seus modelos.
vírus que invadem o corpo ou programas de computação Ele explica:" [... ] minhas vítimas caem na armadilha sem
têm o desejo insaciável de dominar e controlar, que se que eu tenha de fazer coisa alguma. Elas vêm a mim e
tornou incurável. Sentimentos de apatia e deslocamento desejam ser mortas ... Não faço mais que assistir no
refletem-se em particular na subcultura jovem. Os jovens cumprimento do destino".30 Em Erotos, órgãos sexuais
buscam canais de fuga. O entretenimento, na forma de femininos são mostrados em dose, prontos para serem
atividades participativas em jogos ou rituais, estimula penetrados. Os atos sexuais tornam-se análogos a ban-
sua participação em fantasias. Os videogames e CD- quetes canibalísticos. Falo, boca, língua, vagina entre-
ROMs promovem missões para destruirdragões e demô- laçam-se, de maneira intensamente erótica; a carne é
nios horripilantes. Estetizada, a morte artificial torna-se assassinato, o corpo é saboroso. A genitália é justaposta
divertida. A moda das tatuagens e dos body piercings entre com peixe cru, caranguejo, caracol, flores , carcaça e ta-
os "novos primitivos" mostra uma forma de engajamento lheres, como se pronta para ser servida como um prato
que transforma o tabu em totem. A iconografia dos pierc- de gourmet. Simultaneamente, a abertura de zonas eró-
ings e tatuagens serve de metáfora da canibalização das genas pode ser associada com o inconsciente feminino
regras e tradições convencionais 28 • como sendo um continente obscuro em que fendas abis-
sais evocam o medo da castração por vaginas dentadas
Os artistas sempre foram fascinados por corpos feridos. (vagina dentata) .
Há aqueles cuja fascinação pela anatomia e pedaços de Para Araki, fotografar seu modelo é um ato sexual. .
órgãos faz com que os observadores se encolham diante Mulheres cativas usando biquínis, quimonos ou unifor-
de imagens vis e macabras. Leonardo da Vinci, Rembrandt mes escolares são amarradas e suspensas no espaço,
van Rinjn, Theodore Gericault, Francisco Goya, Francis como vítimas prontas a serem capturadas no filme. O
Bacon, Pedro Américo, Arthur Barrio, Andres Serrano, erótico e o exótico estão inseparavelmente ligados. As
Joel Peter-Witkin, John Coplans, Annette Messager, Jake mulheres de Araki parecem indefesas e passivas. Ainda
e Dinos Chapman, Richard Sawdon-Smith, Jenny Saville, assim, essas mulheres cativas podem não desempenhar
Glen Luchford e Sue Fox são alguns nomes de artistas um papel submisso. À primeira vista os ambientes pare-
ocidentais que me ocorrem no moment0 29 • cem representar humilhação, mas na realidade não pas-
Nobuyoshi Araki, fotógrafo japonês e fenômeno sam de brincadeiras e encenações cuidadosamente apre-
cult, ficou famoso por seus ensaios pessoais que mostram sentadas. O desejo dessas mulheres de serem amarradas
cenas do cotidiano (shi-shashin). Enquanto absorve a tra- lhes permite ser libertadas e atravessar as fronteiras do
ma da vida em Tóquio, o apetite insaciável de Araki por tabu . Fantasias particulares lhes permitem estar na ribal-
imagens faz com que ele fotografe o tempo todo, como ta por algumas horas, sob o olhar de Araki. Além de não
se a câmera fosse uma extensão de seu corpo, um órgão considerar esses trabal hos como sendo de cu n ho feti-
para consumo. O fotógrafo explica: "Transformo-me nu- chista e pervertido, muitas mulheres japonesas assumi-
ma fotocopiadora. Fotos nada mais sã~ do que cópias da ram o controle de sua sexualidade, em vez de se confor-
realidade, e esta é a única verdade". Ainda assim, suas marem com a imagem feminina tradicional de recato e
fotos vão para além da realidade. Elas excitam, acariciam, humildade. Além disso, o desejo de Araki de capturar
seduzem, provocam, insultam e causam embaraço ao momentaneamente suas "vítimas" pode estar relacio-
observador ao mostrar o com u m e o obsceno si mu Itanea- nado com o luto melancólico ou canibalístico. A angústia

Apinan Poshyananda
provocada pela perda da pessoa amada (a morte de sua nação e sua relação com a vizinha índia. Segundo os
mulher) resulta num desejo de substituição sentimental. Dadi, "os cidadãos não são recipientes passivos dessas
A pulsão canibalística da melancolia permite que o ero- práticas disciplinadoras, mas sim incestuosamente envol-
tismo e a morte partilhem da mesma dimensão. vidos em um jogo de poder festivo e orgíaco, no qual o
Para Christanto, que reside em Jogjakarta, cidade poderdo Estado e a reação das massas são retratados de
javanesa que recentemente foi palco de grandes mani- forma teatral no consumo canibalístico" . Embora tenha
festações, o ato de devoração está implícito na violência constru ído u ma narrativa nacional mítica independente
institucionalizada. Em They'giue euidence [Eles dão prova], da índia, os meios de comunicação paquistaneses são
homens e mulheres nus, em tamanho maior que o natu- criados em grande parte por meio da apropriação e
ral, formam filas como tropas militares prontas para absorção dos poderosos meios de comunicação eletrô-
receber ordens de uma autoridade invisível. São vítimas n icos i nd ianos. O ci nema, a propaganda, a moda e a
de violência, injustiça e ditadura num país onde os mili- música indianos exercem enorme impacto sobre a cultura
tares e as massas vivem em conflito. Os corpos ocos per- paquistanesa. A emissora Star TV, de Rupert Murdoch,
manecem ali em pé, imóveis, implorando pelo fim dos apresenta músicas, novelas e programas de auditório
atos desumanos; sua alma esvaziou-se, consumida pela indianos e norte-americanos, transmitindo as culturas
violência mental. Eles seguram roupas e tegumentos de Hollywood e Bollywood (como é conhecida a indústria
como provas das atrocidades que testemunharam . Como ci nematográfica de Bom bai m) para os telespectadores
fantasmas esfomeados e almas errantes, aguardam paz paquistaneses. O crescimento do livre comércio permite
e alimento espiritual. Com a recente desintegração eco- às empresas multinacionais e de comunicação eletrônica
nômica e intervenção do FMI que resultou em tumultos, global exercer pressão no sentido de comodificartodos os
saques e incêndios criminosos, essas figuras sombrias aspectos da vida cotidiana. Segundo os Dadi, "Trata-se
podem servistas como símbolos do regime conturbado de uma comodificação altamente canibalística, uma vez
do presidente Suharto. Membro de minoria, Christanto, que todas as áreas, incluindo religião, cultura e conheci-
que se converteu do cristianismo ao islamismo, ainda mento tornam-se instantaneamente disponíveis para
carrega o ônus de sua origem chinesa. Suas performances consumo de massa".
concentram-se na violência no contexto de amor e ódio, A instalação criada pelos Dadi cria um simulacrode
adoração e destru ição. Ele lamenta os mortos e em segu i- game shows na TV e de videogames que exploram as idéias
da se transforma em predador q ue destrói as cabeças das capitalistas do "chegar lá", em conjunto com celebra-
vítimas, esmagando-as com uma arma. A angústia da ções e carnavais de sucesso fabricado . Os artistas usam
perda de entes amados transforma-se em agressão e de i ronia para mostrar cabeças destacáveis de bonequi-
destru ição. nhos Pacman, um coração que sangra, o poderdo amor, e
A viàlência hindu-muçulmana, resultante da divisão dançari nos vol u ptuosos junto com armas elétricas e
da índia britânica, em 1947, ainda aflige a índia e o aparelhos de tortura em arranjos sobre tabuleiros de
Paquistão. Os recentes testes nucleares realizados na jogos. Atores e atrizes em ação e fi Imes pornográficos
região provocaram tensões entre os dois países, que já tornam-se símbolos de sedução e sadismo. Sangue e
estiveram três vezes em guerra nos ú Iti mos 50 anos. O nudez são significantes de amor intenso (coração volu-
ministro das relações exteriores paquistanês, Gohar Ayub moso), etnocentrismo, xenofobia e luxúria. Desenhos
Khan, acusa a índia de haver "forçado o Paquistão a vistosos refletem o dilema de amo r e morte, os quais são
entrar numa corrida armamentista". Na tentativa de criar transformados em objetos de amor e ódio, adoração e
no Paquistão um estado-nação pós;.colonial e uma pureza destruição, Eros e Tanatos. Junto à imagem de um papa-
cultural autênticos, foram disseminadas ideologias de gaio, diz a citação profu nda : "Se tentares Ii m par o pró-
formar cidadãos por meio de sistemas educacionais , xi mo, te desgastarás no processo, como sabão" .
homogeneização da cultura nacional, práticas de assimi- Enquanto as indústrias cinematográficas indiana e
lação e de tortura. Iftikhar e Elizabeth Dadi estudaram a paquistanesa florescem, o cinema tailandês chegou a um
fundo a natureza canibalística do Paquistão como estado- ponto sem saída. Ing K. vê os melosos e este reotipados
Iftikhar e Elizabeth Oadi Power of love Poder do amor 1998 imagem digitalizada

158 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros . Rote iros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rotei ro s."
160 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros . Rote iros. Roteiros . Roteiros. Roteiros ."
16. Ajit Mookerjee, Kali: the feminine force, Londres: Thames and Hudson, U-Shock! de reapresentação de seriados na televisão a cabo apresentou Piai
1995, P·3 0 -33, 7 2-77. thang hang khuam kan (O fim da vingança). No filme, o médico psicopata man-
17. Trilok Chandra Majupuria e Rohit Kumar Majupuria, Gods and goddesses: tinha amarrados sua mulher e o amante dela, cujos membros fatiava para
an illustrated account ofhindu, buddhist, tantric, hybrid and tibetan deities, Lashkar: comer todos os dias no jantar.
Lalitput Colony, 1998, P.138-148. 24. Kiernan, idem . O capítulo 1 traz narrativa detalhada do processo de
18. Na mitologia, Kala Rauh tentou beber Tirtha Amertha, a água sagrada, limpeza das cidades, zona rural e fronteiras . Além disso, minha visita ao
mas teve sua cabeça decepada pelo Cakra, um tipo de disco cortante usado Museu Toul Sleng (Presídio de Segurança 21) e ao campo de extermínio de
por Vishnu. Como vingança, a cabeça de Kala Rauh rugiu ameaçadora- Choeng Ek, em Phom Phem, em fevereiro de 1998, confirmou o quão meti-
mente em direção ao Sol e à Lua. Sempre que consegue capturar um deles, culosamente o Khmer Vermelho havia registrado dados de sua barbárie.
a cabeça os devora, provocando um eclipse. Todos os prisioneiros foram fotografados antes e após serem submetidos à
19. Hanawa Kazuichi, Monkey (1987) illustrado na edição de Lawrence Chua, tortura. No período 1975-78 cerca de 17.000 homens, mulheres e crianças,
Muae: collapsing new buildings, Nova York: Kaya Books, 1997, P.203-212. inclusive recém-nascidos, foram levados do Presídio de Segurança 21 para o
20. Philip Blenkinsop, The cars that ate Bangkok, Bancoc: White Lotus, 1996. campo de extermínio de Cheoung Ek, para serem mortos.
21. Brottman, idem, p.26-57, 192-193. Albert Fish, por exemplo, matou 25. Amir Zia, "License to kill?" Newsline (fevereiro 1996), p.20-29; Ghulam
Grace Budd, de 12 anos, cortou o corpo em fatias finas, cozinhou e comeu Hasnain, "M?M : road to nowhere?" Newsline (maio 1997), P.19-34.
ensopado, com repolho e batatas. Os assassinatos bizarros de Edward Gein 26. Trinta anos atrás, em 16 de março de 1968, mais de 500 vietnamitas,
incluíram a dissecção de cadáveres femininos, cuja pele usava sobre seu incluindo mulheres e crianças, foram massacrados por soldados norte-
próprio corpo para dançar. Ted Bundy ficou conhecido por abocanhar e americanos. Após serem retiradas de suas casas, as vítimas foram alinhadas
engolir pedaços de nádegas e coxas de suas vítimas do sexo feminino . A psi- numa vala e mortas a tiros. Fotografias de atrocidades cometidas por ambos
cose assassina de Bundy inspirou a caracterização de dois autores de assas- os lados estão expostas no Museu dos Registros de Guerra, em Ho Chi
sinatos em séries, Buffalo Bill and Hannibal Lecter, nos romances Red Dragon Minh . Algumas imagens mostram vítimas decapitadas, cujos pênis foram
e Silêncio dos inocentes, de Thomas Harris. O pri.meiro assassino tornou-se exti rpados e colocados em suas bocas.
obcecado pela pintura de um Homem-Dragão, de William Blake, enquanto 27. Martin e Schumann, idem, P.14-18.
o outro se inspirou nos estudos de anatomia de Theodore Gericault em The 28. Videoclipes apresentados na MTV, tais como The prodigy and pills, contêm
raft of Medusa. No th riller clássico de Jonathan Demme, O silêncio dos inocentes, violência e agressão. O vídeo estrelado pelo roqueiro David Bowie, The hearts
o psiquiatra psicopata Aníbal "o Canibal" Lecter, representado por Anthony filthy lesson , que faz parte do álbum Outside, mostra atos explícitos de deca-
Hopkins, descreve como mordeu e engoliu a língua de uma de suas vítimas, pitamento, descarnamento, cozimento e devoração humana. Essa música
e comeu o fígado de outra; preparado com feijão de fava e acompanhado também faz parte da trilha do thriller psicológico Seuen [Os sete pecados
por um bom vinho Chianti. Além disso, Lecterdesmembrou o corpo e comeu capitais] . Desejo de sangue e cultura jovem estão em Douglas Rushkoff, Chil-
a carne de um policial, ao som da música de Bach. Brottman descreveu um dren of chaos:suruiuing the end ofthe world as we know it, Londres: Flami ngo , 1997.
retrato de Lecter como sendo uma combinação dos apetites da Idade da 29. Ver Ch ris Townsend, Vile bodies: photography and the crisis of looking, Nova
Pedra e do pensamento mágico do carniceiro selvagem com o gênio do York: Prestel-Verlag, 1998; Royal Academy of Arts , Sensations: young british
artista-cientista. "Arte, mágica e religião se encontram, e o sacrifício da artists from the Saatchi Collection, Londres: Royal Academy of Arts, 1997.
comunhão torna-se carne". 30. Entrevista com Nobuyoshi Araki, em 12 de outubro de 1997 e 27 de maio
22. Brottman, idem, P-45-47. Conhecido como o padrinho do canibalismo, de 1998, Tóquio, Japão. Araki explicou que , nas fotos, seus modelos apare-
Sagawa alcançou fama a ponto de proclamar-se alimento do qual a mídia e o cem semimortos e na exposição tornam-se semivivos. Assassinar é ama r, e
público se servem para saciar seu apetite de transgressão. Sobre o fato de o amor deve ser assassinado.
comer a alemã Renee Hartevelt, ele comentou: "Finalmente eu estava comen- 31. Entrevista com Luo Wei Dong, em 25 de janeiro de 1998, Pequim , China.
do uma linda mulher branca, e pensei que não havia nada mais delicioso!"
23. Bussarawan Teerawich ittchai nan, "Who ki IIed Jenj ira? A lesson to learn",
Bangkok Post (17+1998) , p.8. Após a prisão deste assassino, o programa

Apinan Poshyananda
não se baseia em elementos fetichistas ou voyeuristas. forma de copo. A penugem macia e as pétalas delicadas
Choi joga com a ironia do exotismo e da masculinidade se transformam em presas e dentes. A analogia da flor
ameaçada. A beleza artificial, representada por materiais carnívora e da genitália antropofágica que Choi apresen-
sintéticos, aparece em séries tais como Plastic paradise ta transforma o exotismo misterioso e glamouroso na
[Paraíso de plástico]. Em Encore, encore, encore [Bis, bis, apavorante uagina dentata.
bis], o artista transforma a beleza ideal da divindade
numa obesidade excessivamente corpulenta, de exube- As flores esfomeadas de Choi são metáforas do carnaval
rância grotesca. Ao ridicularizaro padrão de beleza tradi- canibalístico que celebram alegria e assassinato. Atraem
cional, ele faz com que o corpo flácido e dourado inche e nosso lado animal da mesma forma que escolhemos assis-
flutue em sua glória. Em Mother [Mãe], Choi faz uma tir a filmes de horror tais como Anthropophagus, The Beast
justaposição irânica de ícones de feminilidade. A serena [Antropófago, a fera], deJoe D'Amanto, Eaten aliue by the
e mística mãe deusajxamã, sentada na bacia dourada, cannibals [Comido vivo pelos canibais], de Umberto Lenzi,
fita a boneca de borracha, nua, que espera ser servida. e Cannibal holocaust [Holocausto canibal], de Ruggero
Duas mulheres, uma simbolizando a sabedoria e a outra, Deodato. Evidentemente, as plantas de Choi são menos
a devassidão, se comprimem num aposento amarelo. Em sórdidas e sangü inárias. Sua sensualidade e exotismo
contraste com Mother, o artista cria flores robóticas e quase nos instigam a chegar perto desses néctares e sus-
grotescas num espaço aberto, que parecem criar vida. surrarmos ousadamente, "Me coma".
Estas flores si n istras são como plantas carn ívoras tais Api na nPosh ya na nda
como a Dionea muscipula e a Nepenthes, que capturam suas Traduzido do inglês por Izabel Murat Burbridge.
vítimas e as digerem lentamente, num apêndice em

1. Wi lliam Arens , The man-eating myth: anthropology & anthropophagy , Oxford, and the colonial world , Cambridge: Cambridge University Press, 1998; Winin
Nova York: Oxford University Press, 1979, P-44-50. Arens descreveu o termo Pereira e Jeremy Seabrook, Global parasites: fiue hundred years of western culture ,
"antropofágico" usado em relação aos selvagens à margem da civilização, Bombaim: Earthcare Books, 1994; Hans-Peter Marti n, Herald Schumann,
que partilhavam carne humana. Por exemplo, os arauaques descreviam The global trap: globalization and the assault on democracy and prosperity, Lond res,
seus inimigos, os cqribes, com um misto de ódio e medo , como um povo Nova York: Zedd Books, 1996; Zheng Vi, Scarlet memorial : tales of canni-
que "com ia gente e, quando aprisionava um homem , cortava sua cabeça, balism in modern China, trad . para o inglês de T.P. Sym, Oxford : Westview
bebia seu sangue e o castrava" . Press, 1996.
2. O canibalismo gerou uma classificação de acordo com aquele que é devo- 6. I<ey Ray Chong, idem , p. 43-44.
rado. As categorias mais gerais incluem o endocanibalismo ou endofagia, 7. Arens , idem, P·27·
que significa o consumo da carne de um membro do próprio grupo; exo- 8. Paul Shan kman , "Le rôti et le boulli: Lévi-Strauss' theory of cannibalism ",
canibalismo ou exofagia, que indica o consumo da carne de estranhos, não American Anthropologist, vol. 71, n.l , feverei ro de 1969, P.54-69. Lévi-Strauss
pertencentes ao grupo ; e autocanibalismo ou autofagia, que significa a sugere que o cozimento por fervu ra é o modo usual de preparar ai imentos
ingestão de partes do próprio corpo. Outras classificações levam ao can iba- para consumo doméstico, enquanto aos visitantes habitualmente se serviam
lismo "gastronômico", em que a carne humana é consumida por seu sabor assados. Entretanto, Shankman entende que esta lógica é falha, uma vez
e valor alimentar; canibalismo ritual ou mágico, que mostra uma tentativa de que os dados estatísticos não corroboram esta suposição.
absorção da essência espiritual do falecido ; canibalismo de sobrevivência, 9. Gil li an Gillison , "Cannibalism amongwomen in East Highlands ofPapua
que denota o consumo de carne humana em condições críticas. New Guinea", Paula Brown e Donald Tuzin , (ed.) , The ethnography of canni-
3. Arens afirma que a atribuição de canibalismo às vezes é uma projeção balism, Washington D.e.: The Society for Psychological Anthropology, 1983,
de superioridade moral. O autor chegou a sugerir que o canibalismo não P·33-51.
existisse, pois ninguém o havia testemunhado. Suas idéias foram contes- 10. Sanday, "The kwakiutl man eater," idem , P.113 -1 20.
tadas, uma vez que relatos de testemunhas ocula res afirmam o contrário. 11 . Thomas Hay, "The windigo psychosis: psychodynamic, cultural , and social
4. Oswald de Andrade, "Ma nifesto antropófago", in Gilberto Mendonça Telles factors in aberrant behavior", American Anthropo logist, vol. 73, n.l (feverei ro
(org.), Vanguarda européia e modernismo brasileiro, Petrópolis: Vozes, 1972. 1971), p.1-19·
5. Os seguintes livros foram especialmente valiosos para minha pesquisa 12. Key Ray Chong, idem.
de antropofagia: Claude Lévi -Strauss, The raw and the cooked , trad. para o 13. Wang Shiqing, Lu Xun: A biography , Pequim : Foreign Languages Press,
inglês de John and Doreen Weightman, Nova York: Harper and Row, 1969; 1984, P.98-102, 107- 108.
William Arens, The man-eating myth, 1979; Peggy Reeves Sanday, Diuine hunger: 14. Becker, op. cit., p.211-219 e Gittings, op. cit., P.190- 219.
cannibalism as a cultural system, Cambridge, Nova York: Cambridge University 15. "Cannibalism reported in Famine-stricken North Korea," Bangkok Post
Press , 1986; Key Ray Cho ng, Cannibalism in China , New Hampshire: Longwood (12-4-1 998) , P-4. Relatório do Conse lho das Relações Exteriores, rea lizado
Academic, 199o;Jo hn Gittings, Real China :from cannibalism to karaoke, Londres: em Nova York, estima que pe lo menos um milhão de norte-coreanos mor-
Pocket Books, 1996; Jasper Becker, Hungry ghosts: China's secret famine , Londres: reram de fome em 1996-1997. Marce l Roux, diretordo serviço Médicos Sem
John Mu rray, 1997; Ben Ki ernan , The Pol Pot Regime: race, power and genocide Fronteiras, na China, entrevistou refugiados norte-coreanos originários de
in Cambodia under the Khmer Rouge, 1975-79, Ch iang Mai: Silkworms, 1996; Buk Cheng, Zhongjiang, e Tumen, os quais revelaram que pais passaram a
Mikita Brottman, Meat is murder: an illustrated guide to cannibal culture, Londres, comer seus próprios filhos após a suspensão do fornecimento de alimentos,
Nova York: Creation Books International , 1997; Peter Hu me (ed .), Cannibalism há três anos.

162 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros. "
16. Ajit Mookerjee, I<ali: the feminine force, Londres: Thames and Hudson, U-Shock! de reapresentação de seriados na televisão a cabo apresentou Piai
1995, P·3 0 -33, 7 2-77. thang hang khuam kan (O fim da vingança). No filme , o médico psicopata man-
17. Trilok Chandra Majupuria e Rohit Kumar Majupuria, Gods and goddesses: tinha amarrados sua mulher e o amante dela, cujos membros fatiava para
an illustrated account ofhindu, buddhist, tantric, hybrid and tibetan deities, Lashkar: comer todos os dias no jantar.
Lalitput Colony, 1998, P.138-148. 24. Kiernan, idem . O capítulo 1 traz narrativa detalhada do processo de
18. Na mitologia, Kala Rauh tentou beber Tirtha Amertha, a água sagrada, limpeza das cidades, zona rural e fronte iras. Além 9isso, minha visita ao
mas teve sua cabeça decepada pelo Cakra, um tipo de disco cortante usado Museu Toul Sleng (Presídio de Segurança 21) e ao campo de extermínio de
por Vishnu. Como vingança, a cabeça de Kala Rauh rugiu ameaçadora- Choeng Ek, em Phom Phem, em fevereiro de 1998, confirmou o quão meti-
mente em direção ao Sol e à Lua. Sempre que consegue capturar um deles , culosamente o Khmer Vermelho havia registrado dados de sua barbárie.
a cabeça os devora, provocando um eclipse. Todos os prisioneiros foram fotografados antes e após serem submetidos à
19. Hanawa Kazuichi, Monkey (1987) illustrado na edição de Lawrence Chua, tortura. No período 1975-78 cerca de 17.000 homens, mulheres e crianças,
Muae: col/apsing new buildings , Nova York: Kaya Books, 1997, P.203-212. inclusive recém-nascidos, foram levados do Presídio de Segurança 21 para o
20. Philip Blenkinsop, The cars that ate 8angkok, Bancoc: White Lotus, 1996. campo de extermínio de Cheoung Ek, para serem mortos.
21. Brottman , idem, p.26-57, 192-193. Albert Fish, por exemplo, matou 25. AmirZia, "License to l<ill?" Newsline (fevereiro 1996), p.20-29; Ghulam
Grace Budd, de 12 anos, cortou o corpo em fatias finas, cozinhou e comeu Hasnain, "M?M: road to nowhere?" Newsline (maio 1997), P.19-34.
ensopado, com repolho e batatas. Os assassinatos bizarros de Edward Gein 26. Trinta anos atrás, em 16 de março de 1968, mais de 500 vietnamitas,
incluíram a dissecção de cadáveres femininos , cuja pele usava sobre seu incluindo mulheres e crianças, foram massacrados por soldados norte-
próprio corpo para dançar. Ted Bundy ficou conhecido por abocanhar e americanos. Após serem retiradas de suas casas, as vítimas foram alinhadas
engolir pedaços de nádegas e coxas de suas vítimas do sexo feminino. A psi- numa vala e mortas a tiros. Fotografias de atrocidades cometidas por ambos
cose assassina de Bu ndy inspirou a caracterização de dois autores de assas- os lados estão expostas no Museu dos Registros de Guerra, em Ho Chi
sinatos em séries, Buffalo Bill and Hannibal Lecter, nos romances Red Dragon Minh . Algumas imagens mostram vítimas decapitadas, cujos pênis foram
e Silêncio dos inocentes, de Thomas Harris. O pri.mei ro assassi no tornou-se extirpados e colocados em suas bocas.
obcecado pela pintura de um Homem-Dragão, de William Blake, enquanto 27. Martin e Schumann, idem, P.14-18.
o outro se inspirou nos estudos de anatomia de Theodore Gericault em The 28. Videoclipes apresentados na MTV, tais como The prodigy and pil/s, contêm
raft of Medusa. No thriller clássico de Jonathan Demme, O silêncio dos inocentes, violência e agressão. O vídeo estrelado pe lo roqueiro David Bowie, The hearts
o psiquiatra psicopata Aníbal "o Canibal" Lecter, representado por Anthony filthy lesson , que faz parte do álbum Outside, mostra atos explícitos de deca-
Hopkins, descreve como mordeu e engoliu a língua de uma de suas vítimas, pitamento, descarnamento, cozimento e devoração humana. Essa música
e comeu o fígado de outra; preparado com feijão de fava e acompanhado também faz parte da trilha do thriller psicológico Seuen [Os sete pecados
por'um bom vinho Chianti. Além disso , Lecterdesmembrou o corpo e comeu capitais]. Desejo de sangue e cultura jovem estão em Douglas Rushkoff, Chil-
a carne de um policial, ao som da música de Bach. Brottman descreveu um dren ofchaos: suruiuing the end ofthe world as we know it, Londres: Flamingo, 1997.
retrato de Lecter como sendo uma combinação dos apetites da Idade da 29. VerChris Townsend, Vile bodies: photography and the crisis oflooking, Nova
Pedra e do pensamento mágico do carniceiro selvagem com o gênio do York: Prestel-Verlag, 1998; Royal Academy of Arts, Sensations: young british
artista-cientista. "Arte, mágica e religião se encontram , e o sacrifício da artists from the Saatchi Col/ection , Londres: Royal Academy of Arts, 1997.
comunhão torna-se carne". 30. Entrevista com Nobuyoshi Araki, em 12 de outubro de 1997 e 27 de maio
22. Brottman, idem, P-45-47. Conhecido como o padrinho do canibalismo, de 1998, Tóquio, Japão. Araki explicou que, nas fotos, seus modelos apare-
Sagawa alcançou fama a ponto de proclamar-se alimento do qual a mídia e o cem semimortos e na exposição tornam-se semivivos. Assassinar é amar, e
público se servem para saciar seu apetite de transgressão. Sobre o fato de o amor deve ser assassinado.
comer a alemã Renee Hartevelt, ele comentou : "Finalmente eu estava comen- 31. Entrevista com Luo Wei Dong, em 25 de janeiro de 1998, Pequim, China.
do uma linda mulher branca, e pensei que não havia nada mais delicioso!"
23. Bussarawan Teerawichittchainan, "Who killed Jenjira? A lesson to learn",
8angkok Post (1741998), p.8. Após a prisão deste assassino, o programa

Apinan Poshyananda
Ásia curadoria Apinan Poshyananda Eat me ... "~fl flcu ... Ma

Anthropophagy is an immensely complex phenomenon nation and slavery. They took the assumption that by
bearing multiple meanings which may be applied to art, eating the enemies they would own the soul and absorb
mythology, politics, psychoanalysis, cultural history, and their fighting ability.
criticaI theory. Cannibalism meaning the eating by man ln "Anthropophagite manifesto," Oswald de Andrade
of human flesh is derived from the word "cannibal" described anthropophagy as the world's only law and a
through Spanish mispronunciation ofCaribs (ethnic term uniting force. De Andrade called for the Carahiba revolu-
to describe natives from the Caribbean islands) which tion and denounced catechisms, inquisitions, missionar-
became Canibs and eventually cannibals. 1 The Caribs were ies, the Portuguese, and cultured Christianized peoples. 4
believed by European explorers in the sixteenth century ln search for routes to rediscover the raw instinct and
to have been anthropophagites. Long before the discovery indigenousness de Andrade harked back to early resis-
of the New World evidences of cannibalism had been tance against foreign invasion as he demanded for an
wide spread. Notably, the existence of cannibalism beyond anthropophagical vaccine. His desire for the permanent
Western culture has been an accepted notion. References transformation oftaboo into totem challenged conforma-
of man eating man indicate uncivilized features of sav- bility and conventional wisdom introduced by European
ages from distant places. colonizers that paralyzed freedom of thought and imagi-
Anthropologists have categorized various types an- nation. Whether de Andrade's rich and provocative idea
thropophagy as exophagy, endophagy, autophagy, gas- should be followed as alternative routes for a new doctrine
tronomic cannibalism, ritual or magic cannibalism, and or taken with a pinch of salt (or blood) as such manifes-
survival cannibalism. 2 Debates on man-eating myth have tation could also lead to dogmatism is open to interpre-
raised is sues regarding the assumption by one group tation. As for the concept of the Asian section of roteiros
about the cannibalistic nature of others that can be inter- this manifesto has been valuable as a bridge that led to
preted as an aspect of cultural and superior construction. labyrinthine avenues, thresholds, and crossroads. Along
Eating human flesh is seen as the most profane act and with works by Claude Lévi-Strauss, William Arens, Peggy
antisocial behavior imaginable. Seen as barbarians and Reeves Sanday, Mikita Brottman, Lu Xun, Zheng Yi, Key
heathens outside the pale culture those who eat one Ray Chong, John Gittings, Jasper Becker, Ben Kierman,
another are assumed to inhabit in a pre-civilized stage. Hans-Peter Martin, Harald Schumann, Winin Pereira,
Conversely, it has been put forward that man-eating Jeremy Seabrook I was able to draw on theoretical back-
myths in South America, Asia, and New Guinea were dis- ground which became essential tools for my methodol-
seminated by explorers and rriissionaries to provide moral ogy to study artists in Asia whose works extrapolate the
justification for colonizing and cultural missions by Euro- thematic sinews of anthropophagy, man-eating myth, and
pean colonizers as excuse for pacification and conquest. 3 cannibal culture. 5
While those who strongly believe that cannibalism existed
argue that such practice played a central part in the ritual ln order to elucidate my interpretation of anthropophagy
order or dietary regime. Moreover, resistance to foreign which is intertwined with cross-cultural cannibalism
invasion and cannibalism became synonymous as natives among powerful, parasitical, and predatory cultures and
such as the Caribs and Tupinamba fought, killed, and symbolic devouring ofhuman and soul as cultural systems
devoured their enemies to resist complete cultural domi- it is valid to discuss some of the classic and contempo-

164 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. "
c::w o
liah saya . .. nr .§ · · · ~ ~ · · · Me coma
I

rary man eaters. Some stories on cannibalism are plausi- sacrifice and cannibalism. ln the nineteenth century,
ble while others are fictional. The fascination is not why Ta'unga, a native Polynesian converted to Christianity
people eat human flesh but why one group invariably accounted cannibalism on the islands ofNew Caledonia.
assumes that others do. At one time or another the can- The illustration in section "On the Eating ofMen" repre-
nibal epithet has been applied to every human group. sents the son of Pasan asking his father for fat men to
Debate on the Peking Man (Sínanthropus) as head eat. ln Europe, records on survival cannibalism have been
hunters and cannibals occurred when between I926 and recorded while some Scots, Picts, lrish, Russians were
I94I prehistoric skulls excavated near Choukoutien in seen as cannibals. At times, European travelers and mis-
China were found broken at the base probably to provide sionaries were feared by the natives as man-eaters .
access to the brain. Hypothesis suggested early man pre- Judeo-Christian thought ofthe Eucharist as communion
ferred to eat human brain along with perishable parts with the supernatural as bread and wine are symbolic of
raw before carving up the carcass. 6 ln the fifth century Christ's body and blood. lnterpretation ofthe Eucharist-
B.C., Herodotus recorded that the Androphagi who lived flesh and body fluids-has led to the idea of Roman
far beyond civilization resorted to barbaric customs as Catholic cannibal complex and fetishistic thought related
they ate human flesh. ln the sixteenth century, Hans to eating flesh of the Son.
Staden, a German seaman on the Portuguese trading Desire and quest for exotic cultures meant that truth
ship accounted in the book with woodcuts displaying his and fiction often became interwoven. As a result, the
experience with the Tupinamba lndians of southeastern function and meaning of cannibalism became a fascina-
Brazil. According to Staden, he witnessed first hand tion through symbolic rituaIs. Lévi-Strauss's theory of
cannibalistic rituaIs with illustrations revealing naked cannibalism with boiling-roasting methods put forward
females and children gnawing away on human parts as the practice among groups of exo and endocannibalism.
the head is roasting over a fire. The accompanying text The hypotheses bring up questions ofhow people cook
states, "the people and island which have been discov- people and cooking as analogy to language. 8 The canni-
ered by the Christian King ofPortugal . . . are naked, hand- bal trails reveal magico-religious reasons for exophagy
some, brown, well shaped in body ... They also eat each and endophagy among Australian aborigines for sacri-
other even those who are slain, and hang the flesh of fice, revenge, and respect for the dead while the Zulus
them in the smoke."7 Tupinamba cannibalism also led to believed that by eating the forehead and eyebrow of their
the legendary all-female Amazon society of Brazil who enemy they would be brave to face their adversity. ln
expressed amorous and aggressive intentions toward Papua New Guinea, revenge and cycles ofkilling between
males. Christopher Columbus did not encounter canni- enemy groups consisted of stuffing severed genitaIs in
bals but was informed by the Arawaks that the Caribs the enemy's mouth or the Kiwai would make young war-
were man-eaters who ate their captives to absorb their riors swallow the enemy's penis. Endophagy and mortu-
fighting ability. Before colonization, the Aztecs were ary cannibalism among the Gimi were practiced as
believed to participate in mass cannibalistic orgies at rit- female kin ate the entire corpse by steam cooking. The
uaIs. Organs and living heart of prisoners of war were women pronounced "Come to me so you shall not rot in
consumed to symbolize the reinvigorating powers of the ground. Let your body dissolve inside me."9 Canni-
the world. The Spanish conquest put an end to human balism by females of male corpses was thought to release

Ap inan Poshyananda
166 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Rote iros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Rotei ros ."
the men's soul and reestablished maternal androgyny. to pieces, the marrow eaten and flesh sold publicly. ln
The anthropophagic bent of the natives was discussed in Northern Sung dynasty, General WangYen-sheng allowed
context of brain disease, kuru, transmitted by eating his soldiers to devour the prisoners while an officer Chan
insufficiently cooked human flesh. This illness known as Liang-ch'en was forced to eat a chunk ofhis body before
"laughing death" resulted in incidents such as a husband he vomited and died. As delicacy human meat (ts'ai-jen)
copulating with a female corpse while his wife simulta- was cooked for palatable dishes. Methods of cooking
neously butchered the body for roasting fire. ln North ranged from baking, roasting, broiling, smoke-drying,
America, the Kwakiutl lndians performed initiation rite sun-drying to frying, stewing, mincing, and pickling. On
in the Cannibal Dance of the Winter as cannibalistic the taste ofhuman meat (hsiang jou) children's meat had
desires and primaI hunger are tamed and suppressed. the best taste while women's flesh was more delicious
The Cannibal Dancer trembled and gnashed his teeth to than mutton. Human flesh was also used for medical
display irresistible hunger for human flesh. Only the treatment. Filial piety (hsiao-yi) of self-sacrifice resulted
smell of primaI mother satisfied his appetite as a smol- in .endocannibalism where sons and daughters cut off
dering blood-soaked menstrual napkin was pressed to parts of their limbs (arm, liver, thigh) for their parents to
his face. Satisfied by the sacred smoke of primaI food of eat. Records also revealed daughters-in-Iaws and wives
menstrual blood his behavior became like a new-born cutting their flesh for their in-Iaws and husbands to con-
infant.IO Cannibalistic madness which became known sume as cure for sickness. Human "blood bread" (hsueh
as "Windigo psychosis" observed among the Alongkians man-t'ou) was sold to wives whose husbands were impo-
was an aberration characterized by a compulsive desire tento ln contrast, for selfish reasons many eunuchs in the
to eat their loved ones. Oral-aggressive fantasies and Ming dynasty tried to gain sexual potency by eating young
experience of famine conditions have led parents to eat men's brains. ln Fukien province eunuch Lao Ts'ai killed
their children. l l virgin boys and ate their brains in a desperate attempt to
Records of cannibalism in China are varied and nu- reproduce his genitals. 12
merous. Chronicles reveal survival cannibalism caused by ln 1918, Lu Xun the famous Chinese writer published
natural disasters such as flood, drought, and insect infes- A madman's diary (WangJenJih Chi) . Through the fantasies
tation. For instance, in 594 B.C. in Han dynasty starva- of a madman he popularized the term "man-eating" (ch'ih-
tion resulted in "people exchanging one another's chil- jen) society and made the reader aware of the cannibalistic
dren for food" (i tzu erh shih). ln Ch'ing dynasty during aspects of Chinese life. Lu Xun exposed to full view the
the famine Bishop ofShansi, Monsignor Louis Monagatta evils of the clan system that revealed Confucian virtue
reported, " ... now they kill the living to have them for and morality as the man-eating social structure that
food." War and rebellion created crises in food supply. ln became symptoms ofthe traditional society's illness. His
906, Ts'agn-chou in Hopei Province was under siege hope was that the future for the young would be saved.
when food ran out the people ate one another; the bones He let the madman ends his diary with the words: "Per-
of the dead were broken, mixed with clay, and eaten. ln haps there are still children who haven't eaten men? Save
revenge against their enemies heart and liver were eaten the children . .. " ln attempting to expose the true features
raw to cause maximum suffering as they believed life of feudal society Lu Xun wrote Medicine which was set
itself resided in these organs. Children were allowed to against the background ofthe 19II Revolution. The revo-
participate in the human feast. ln 1854 during the Taiping lutionary hero Xia Yu sacrificed his life for revolution-
Rebellion dried and fresh human flesh was on sale; in the ary's cause but the people did not understand him and
household cooking pots had human hands and fingers even used his blood as medicine. 13
boiled for consumption. Brutality used as psychological During the great famine (1959-61) ofthe Great Leap
tactic resulted in expression "1 am going to eat you up" Forward peasants killed and ate their children. ln Gushi,
(yu-shih chi-jou, shih-chih-pu-yen, and yu-jou chih). ln Later southern Henan the authorities recorded 200 cases of
Chin dynasty, the hostile leader Chang Yen-ts'e was cut cannibalism while in Anhui's Fengyang county the Party
Dadang Christanto They give evidence Eles dão prova 1997 fibra de vidro, tijolo, argi la [fiberglass, brick, clay] foto Tetsuro Ishida cortesia Museum of
Contemporary Art, Tóquio

Apinan Poshyananda
Luo Brothers Welcome to the world's most famous brands #37 [Ieft page] #39 [right page] Bem-vindo às marcas mais famosas do mundo
nº 37 [pág ina à esquerda] nº 39 [página à direita] 1997 laca e impressão sobre madeira [Iacquer and print on wood ] 64,7x55,25cm cortesia
Art Beatus Gall ery, Vancouver

168 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros . Roteiros . Rotei ros."
169 Ásia Apinan Poshyananda
reported 63 cases in one commune alone. During the and chewing chunks of flesh. Thousands of images of
height of the Cultural Revolution (1966- 68) in Guangxi biting and gnawing on the bas reliefs show mayhem and
pravince incidents oflivers and hearts being ripped out slaughter. These carvings reflect the artisans' "hunger"
of living victims were recounted. The writer Zheng Yi to "eat up" space with all over interwoven lines. Theme
has published convincing documentary materiaIs on of violence can also be related to massacre and genocide
cannibalism in his book Scarlet memorial. Land owners which later took place in Cambodia. ln lndia and Nepal,
and school principaIs were killed then cooked and eaten worship oficons of cannibalistic gods has been ingrained
because they were class enemies . Some people liked to as part of daily ritual. Hindu-Tantric-Buddhist gods and
eat human brain as they would suck it fram the skull goddesses are often represented in dreadful and terrifying
thraugh a pipe. Among the eye witnesses it was recalled manifestations. Hayagriva, Hevajra Heruka, Yamantaka,
that on 10 July 1968 the human flesh party took place in Samvara are fierce, flaming, and terrible with multiple
the police station kitchen after Xi Qiye, a Yao minority heads and limbs wearing ornaments made ofbone and
was killed with his heart and liver cut out. As the taboo of necklace of fifty-one freshly severed heads. ln supreme
eating human meat was eraded by degrees the blood yoga Tantra, Kalachakra, Guhyasamja, Mahakala appear
craze became in vogue while parts of anatomy were prized as wrathful icons copulating position (yab-yum) with
for their therapeutic value. The point was reached when consort as they dance. Feminine force (sakti) thraugh
human flesh was served at banquets and parties with worship of goddesses Durga, Kali, Dakini, Dakshinakali
wine. 14 ln "Revolt in the Soul & Body, 1900-1999," Tai- and female genital (yoni) worship often relate to devour-
wanese artist Chen Chieh-jen relates his works to these ing human flesh and fluids. Stone carving in Madras
horrific events in China. By fusing his self-images into shows a devotee standing under the legs of a goddess
the historical photographs of violence, Chen redefines drinking the "sublime essence" (yoni-tattva). ln Saktism
national myth, the history of discipline, punishment, vio- the menstrual fluid is regarded as sacred and venerated;
lence, and memories of massacres in China and Taiwan. the blood-food may be taken as a ritual drink as homage
Beijing artist Gu Dexin has been experimenting in meat is paid to the yoni by touching it with one's lips.
and plastic to express combination of violence and erati- Kali, one of the most intoxicating personifications
cismo Flesh and skin signify emotional and visceral vul- of primaI energy, is represented as fierce and frighten-
nerability as well as inherent desire to destray. Gu's recent ing. She wears a garland ofhuman heads and a girdle of
works include squeezing a piece of meat for twelve days human hands; her three red eyes are fiery; laughing ter-
and showing photos of this performance with meat on ribly she devoured the demon army. Kali is worshipped as
the side, and an installation of one hundred kilos of pig's Divine Mother as well as Lady ofDeath. Like Devi, Kali is
brain. lnstallation artist Huang Yong Ping has experi- sometimes represented fornicating Shiva in the mount-
mented with animaIs devouring each other as metaphors ing position as she drinks her own blood to nourish new
ofhegemony, aggrandizement, and power hunger. He has life fram the blood-nectar ofher severed neck. 16 lndian
caged together animaIs including snakes, frags, grass- ascetics (sadhu), Aghori fram Shiva sect consider bad is
hoppers, scorpions, and spiders. good, death is life, and dirty is clean. Some of them eat
ln various parts of Asia cannibalism occurred fram decomposed human flesh and mix their excreta with water
hunger, war, and revenge. ln 1998, reports on cannibal- to drink in belief of spiritual attainment.17 ln lndonesian
ism in North Korea still shocked the public. 15 Evidences and Thai mythology the consumption of life force, the
of anthrapophagous acts occurred in traditional art. The sun and moon, was associated with the unknown and evil
marvelous carvings on the walls at Angkor Wat record as Kala Rauh, the demon of darkness, became related with
scenes ofviolence and vengeance reflecting cannibalistic the eclipse.18 ln Japan the myth of warriors in the land of
desire to devour enemies. Battle scenes show furious and Musashi who hunted monkeys for delicacy has inspired
desperate encounters between King Suriyavarman II and Hanawa Kazuichi's cartoon series Monkey illustrating the
Vishnu against enemies and demons (danavas) . ln the art of eating the brain of monkeys and boys with chop-
Battle ofLanka the army ofRama and the monkey-god, sticks.19 ln the metrapolis ofBangkok, machine can be
Hanuman, fight soldiers often-headed Ravana by tearing interpreted as demonic and most destructive form of

170 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros."
cannibalization. Photographer Philip Blenkinsop reflects lion inhabitants in Cambodia. 24 ln Karachi, Pakistan,
nocturnal macabre scenes on the streets in his series thousands fell prey to politicaI, ethnic, and sectarian vio-
called The cars th,at ate Bangkok.20 Blenkinsop sees the once lence that left the citizens vulnerable to state and street
serene city clogged with three million vehicles devouring terrorismo Activists and sects including the Muttahida
all in their path. Bangkok as car producing center is bur- Qaumi Movement, the Moharjir, the Pathan, and the state
dened with motor accidents. Choked with toxic fumes poli ce contribute to destruction among groupS.25 Amer-
and deteriorating economic conditions the emergency ican mission to keep world peace and fight Communism
vans collect the dead and the dying among sanguinary in the Vietnam War resulted in mayhem; 7,850,000 tons
cabins of twisted metal. ofbombs were dropped killing nearly three million and
injured four million Vietnamese. 26
Cannibalism is never just about eating. The act could be Desire to devour the other/enemy is most evident in
seen as metaphor of domination and assimilation of today's world doctrine of economic and politicaI salva-
another group's hostile power into one's own. ln Freudian tion. Global integration through free trade enterprises
frustration-aggression hypothesis the cannibal's undevel- dictated by international economic organizations, the
oped imagination makes him/her eat a person due to World Bank, the lnternational Monetary Fund (lMF), and
psychological response to anger and oral frustration. the World Trade Organization (WTO) , has resulted in
lncidents of psychotic cannibalism by serial killers diag- "turbo capitalism" which undermine democratic stability
nosed as acute form of paraphilia related to infantile fix- and the state's ability to function. Transnational corpo-
ations of the oral weaning stage. Eratic activities such as rate merging, take over, and collapse of finances are
nipping, fallatio, cunnilingus have led killers to experi- symptoms of institutionalized cannibalism. As authors
ment in torture, vampirism, and necraphilia. Cannibal ofthe international best seller Theglobal trap wrote, "The
killers like Fritz Haarman, Albert Fish, Edward Gein, Ted pace of change and the redistribution of power and pros-
Bundy, Andrei Chikatilo, and Jeffrey Dahmer were noto- perity are eroding the old social entities ... The countries
rious for their lust to torture and eat their victims. 21 lssei that have so far enjoyed prosperity are now eating up the
Sagawa, the Japanese postgraduate student who, in 1981 social substance of their cohesion even faster than they
in Paris, shot, mutilated, and ate pieces of a young Dutch destroy the environment."27 The dramatic fusing together
fellow student. Sagawa's case has been discussed in con- of humanity through technology and trade could also
text ofJapanese schizophrenia and the "inscrutable Ori- lead to a global crack-up. Recent financial earthquakes
ental" combined with the Japanese envy ofwhite cultures in Asia have praved that economic weaknesses, corrup-
as part of an inferiority complex emerging from Western tion, and recession could easily tum "arrogant tigers" into
fears of the "yellow peril". 22 After imprisonment and "tame cubs" as Thailand, Korea, lndonesia face colossal
treatment Sagawa is now a celebrity and novelist special- debt to international money lenders. ln lndia, poverty
izing on cannibalism. ln Thailand, murders by See Dui, a means blood trade and sales of organs are lucrative busi-
Chinese psychopath who ate countless children's heart ness. Exploitative operations create the process of entrap-
and liver raw have become legendary. Recently, the shock- ment so parasitical and predatory cultures sought to
ing news of a medical student who shot and sliced pie ces devour and drain the wealth of feeble ones to grow in
of his lover and flushed down the toilet reflects bizarre comfort and opulence. As evident in Thai photographer
behavior related to jealous amour. 23 Manit Sriwanichpoom's This bloodless war: greed, globaliza-
ln contemporary social systems cannibalistic com- tion and the end of independence the process of neocoloniza-
pulsion has been observed as the elementary form of in- tion is no longer by force but warfare in the finance jun-
stitutionalized aggression. When civilizing forces broke gle. Economic collapse has made competitiveness and
down the satisfaction of aggressive needs led destruction independence futile as people suffer fram disenchant-
of millions of people through genocide in Germany, ment and anguish.
Bosnia-Herzegovina, and Rwanda. Ethnic cleansing in Through satellite dishes and cable networks sectors
the Pol Pot regime enforced assimilation of minorities of the world are united by the fast, simple, monotonous
and widespread carnage resulting death of over one mil- field of vision controlled by CNN, MTV, ABC television.

.. """'l .....:f' ~.- ~_


Apinan Poshyananda

,4<~.;~ ~;~~~{t)~l:'; .
172 XXIV Bienal "Roteiros, Roteiros, Roteiros, Roteiros, Roteiros, Roteiros, Roteiros,"
Fram Korea to Pakistan, Rupert Murdoch's satellite sta- and pie ces of the organ make viewers cringe at vile
tion, Star TV, encompasses half ofthe world's population. and macabre images. Leonardo da Vinci, Rembrandt
The power of media to move acrass borders has pene- van Rinjn, Theodore Gericault, Francisco Goya, Francis
trated standards ofliving, tradition, decorum, and lan- Bacon, Pedra Américo, Arthur Barrio, Andres Serrano,
guage. Disney-Coca-Colonization of global culture Joel Peter-Witkin, John Coplans, Annette Messager, Jake
dominates metrapolises while familiar names fram Ver- and Dinos Chapman, Richard Sawdon-Smith, Jenny
sace thraugh Sony to Armani praduce illusion of variety. Saville, Glen Luchford, and Sue Fax are some Western
Aggressive advertisement campaigns by Philip Morris and artists that come to mind.29
Nabisco force countless Asians to be under the influence Nobuyoshi Araki, the Japanese photographer and
ofWestern narcotics and stimulants. Music video and cult phenomenon is famous for his private photos por-
fashion contraI taste and style that encourage narcissism. traying scenes of daily life (shi-shashin). Absorbing the
Beautiful mannequins prance like seductive creatures on very fabric oflife in Tokyo, Araki's insatiable appetite for
catwalks reveal flesh and brand names ofThierry Mugler, pictures makes him take photographs all the time. As if
Givenchy, John Galiano, Valentin Yudashin, Yoshiki Hishi- the camera is an extension ofhis organ for consumption.
numa compete aggressively to feed the viewers' appetite. Araki explains, "1 turn myself into a copier. Photos are
To reflect fashion as devouring force Thai artist Montri nothing but copies of reality, that's the only truth." Still
Toemsomabat's Fashion petformance artfcannibal collection Araki's photographs shift beyond reality. They arause,
showed performers in hairy costume eating one another. caress, seduce, pravoke, insult, embarrass viewers to
ln Asia, the vicious cyde ofhierarchization of power confrant the ordinary and obscenity in the sarne breath.
and media contraI resulted in predatory urge to absorb Araki plays on voyeurism and curiosity over the differ-
the weaker cultures. Under the hegemonic influence of ence ofthe other's organs. Fragmented, dismembered,
China, Hong Kong has been compared to Chinese take fetishized the series Brotos moves into the realm of eratic
away food ready to be devoured. lndia's displays of supe- fantasies. Pursuing the anarchic game with taboos Araki
rior culture in music, art, fashion, dance, and language chooses subjects of death, bondage, sado-masochism,
are means to neocolonize Pakistan, Nepal, and Sri Lanka. pubic hair. For Araki, "photography is murder" as each
Similarly, Thailand's advance in technology, mass media, time he presses the trigger he doses on death and time is
and advertisements manipulate taste and culture in Cam- stopped. But he is not predator who preys on his models;
bodia and Laos. Like the virus that eat up the body ar he explains, " ... my victims walk into the trap without
computer pragrams desire to dominate and dictate has me doing anything. They come to me and want to be
become incurable. Feelings of apathy and dislocation murdered ... I'm merely an assistant in the fulfillment of
reflect praminently in youth subculture. The young seek destiny."30 ln Brotos female organs are zoomed dose up
their escape channels. Entertainment thraugh participa- ready to be penetrated. Sexual acts become analogous to
tory activities of games and rituaIs encourage their fan- cannibalistic feast. Phallus, mouth, tangue, vagina are
tasy rale-playing. Video games and CD-ROMs pramote intertwined, intensely eratic; meat is murder, flesh is tasty.
missions to destray gruesome dragons and demons. Genitalia are juxtaposed with raw fish, crab, snail, flow-
Artificial death becomes aesthesized and amusing. The ers, carcass, and cutlery as if ready to be served as gourmet
vogue ofbody piercing and tattoo among the ",new prim- dish. Simultaneously, opening eragenous zones can be
itives" shows commitment that transforms taboo into associated with female unconsciousness as the dark con-
totem. The iconography thraugh piercing and tattoo is tinent; gaping holes evoking fear of castration fram
metaphorical of cannibalization of conventional rules teeth-like vagina (vagina dentata).
and traditions. 28 For Araki, photographing his model is an act of sexo
Bondaged women in bikini, kimono ar school uniform
Artists have always been enchanted with the damaged suspended in space are tied up as victims ready to be cap-
body. There are those whose fascination of the anatomy tured on film oThe eratic and the exotic are inseparably
Ing K. My teacher eats biscuits Meu professor come biscoitos 1997 filme e vídeo cortesia do artista

Apinan Poshyananda
linked. Araki's women seem helpless and passive. Yet, wars in the past fifty years. As Pakistan's foreign minis-
these bondaged females may not always play the submis- ter Gohar Ayub Khan condemned lndia saying, "lt has
sive role. On surface the scenarios seem to represent sucked Pakistan into an arms race." ln attempt to create
humiliation but in fact are game-playing and acting care- authentic post-colonial nation-state and cultural purity of
fully staged. The ladies' choice to be tied up offers them Pakistan, ideologies of molding citizens thraugh educa-
a chance to be liberated and cross the boundaries of tional systems, homogeneity of national culture, domes-
taboo. Priva te fantasies allow them to be in the limelight tication and torture practices have been disseminated.
for a few hours under Araki's gaze. lnstead of seeing these lftikhar and Elizabeth Dadi have studied in depth the
works as fetishistic and kinky many Japanese women cannibalistic nature ofPakistan as a nation-state and its
have taken control of their sexuality rather than con- relation to neighboring lndia. As the Dadis state, "citi-
forming to traditional feminine image of modesty and zens are not passive recipients of these disciplinary
humility. Moreover, Araki's desire to momentarily cap- practices but incestuously involyed in carnivalesque
ture his "victims" can be related to melancholic ar canni- power play in which both state power and mass response
balistic mourning. The anguish from losing the loved are theatrically enacted in cannibalistic consumption."
one (death ofhis wife) results in desire for sentimental Despite constructing a mythic national narrative that sep-
substitution. The cannibalist pulsion of the melancholia arated it from lndia, Pakistani media forms are largely
allows eroticism and death to share the sarne dimensiono created thraugh apprapriating and absorbing the power-
For Christanto, who lives in Yogyakarta where mas- fuI lndian electronic media. lndian cinema, advertise-
sive demonstrations recently took place, the act of devour- ment, fashion, and music have an enormous impacto
ing is implied through institutionalized violence. ln They Rupert Murdoch's Star TV airs American and lndian pop
give evidence larger-than-life nude men and women stand songs, soap operas, and game shows prajecting both
in raws like traop files ready to receive orders fram invis- Hollywood and Bollywood (Bombay film industry) cul-
ible authority. They are victims of violence, injustice, and ture to Pakistani audience. lncreasing free trade allows
dictatorship in the country where the military and the multinationals and global electranic media to exert pres-'
masses constantly clash. The hollow bodies stand motion- sure in commodification of all aspects oflife. The Dadis -
less begging to stop inhumane acts; the soul is empty, wrate, "This commodification is highly cannibalistic, in
eaten by violence on the mind. They hold clothes and exu- which all areas including religion, culture, and knowl-
viaes to signify evidence of the atracities they witnessed. edge beco me instantly available for mass consumption~"
Like hungry ghosts and wandering spirits they await peace lnstallation by the Dadis creates a simulacrum of
and spiritual nutrition. With recent economic meltdown TV game shows and video games that explore capitalist
and IMF takeover resulting in riots, looting, and arson ideas of"making it" combined with celebration and car-
these somber figures can be seen as symbolic ofPresident nival of artificial success. With irony the Dadis shaw
Suharto's traubled regime. As a minority Christanto who snapping heads ofPacman, the bleeding heart, power of
has changed religion fram Christianity to Muslim still lave, and voluptuous dancers together with electric
bears burden due to his former religious belief. His per- weapons and torture devices on game board layouts.
formances focus on violence in context oflove/hate, ado- Actors and actresses in action and porn movies become
ration/destruction. He mourns for the dead then trans- symbols of seduction and sadismoBlood and nudity are
forms to be predator who destroys the heads of victims signifiers ofintense lave (bulging heart), ethnocentrism,
by smashing them with weapon. The anguish in losing xenophobia, and lust. Garish designs reflect the dilemma
the loved ones turns into aggression and destruction. oflove and death which are transformed into objects of
Hindu-Muslim violence resulting fram the partition love/hate, adoration/destruction, and eras/thanatos. ln
ofBritish lndia in I947 still exists today in Pakistan and an image with a parrat, the prafound quote reads, "lf you
lndia. Recent nuclear tests in this region sparked ten- try to cleanse others, you will waste away in the pracess
sions between both countries which have fought three like soap."
Choi Jeong Hwa Dangerous relationship (touch me) Re lação perigosa (toque-me) 1998 tecido impermeável , venti lador, motor com engrenagens
[waterproof c loth, ventilator, geared motor] 300x500x500cm

Ap inan Poshyananda
While lndian and Pakistani film industry thrives nessed first hand killing among dissident Party members
Thai cinema has come to a dead end. lng K. looks at corny and eating their flesh during hot pot dinner banquets. 31
stereotypical Thai films with predictable love stories and Although such acts do not appear directly in the Luos'
virtuous heroic scenes from a new slant. As an under- paintings cannibalism as metaphor is evident.
ground filmmaker she has produced sharp and provoca- The use of commercial brand names and logos
tive films criticizing Thai tourism industry on social and combined with Chinese propaganda posters, calendars,
natural environment, drastic effects of golf courses on New Year greeting cards evoke feeling ofbona fide wel-
ecology, and media power to represent exoticism. ln her come, joyous carnival, and amorous revelry. Unlike Chi-
Casíno Cambodía, lng K. looks ironically at Thai hegemon- nese painters whose works are known as PoliticaI Pop
ic power over Cambodia through tourism and how the and Cynical Realism the Luo brothers look at youth cul-
media has presented Cambodian conflict to the outside ture with lifestyle aspired to the spirit of globalization.
world. Cambodia, a war-ravaged country and mysterious Here, Chinese urban youths are celebrated as "the Lucky
land faces dilemma as it tries to avoid economic and cul- Generation". They do not suffer famine or government
tural domination but at the sarne time selling itself as campaigns of repression. lnstead they are brought up and
tropical paradise. lng K.'s My teacher eats bíscuíts is a reli- "fed" with MTV, Ronald McDonald, Sony, Konica, and
gious satire and black comedy set in a New Age Ashram. Oreo. The innocence of children together with garish
The plot is multi-Iayered. A disillusioned monk who wit- decora tive designs in lacquer painting conceal the hid-
nessed necrophilia in a monastery is reborn as a manip- den message of the Luo brothers. lt is fortunate that the
ulative guru worshipping a Thai Dog-God. Devouts with children escape Communist repressive doctrine but they
inspirations from the Orient seek salvation as they behave like the rest of the world becqme prey of starving global
with canine manner until they find out that the Ashram is media and advertisement campaigns that eagerly swal-
a hoax. lng K. bravely challenges dogmatic beliefs as well low up adolescent vulnerability and naivity. Simultane-
as rising cult worship that hungrily gnaw at Thai society. ously, the youth yearn to consume new commodities that
ln China, traditional values and anti-American sen- are in vogue. Luos' contemporary images ofChina can be
timents are being engulfed by rising tide of American- compared with the cannibalistic feudal society of pre-
philia. A bizarre schism results in America's image as a revolution era described in Lu Xun's Madman's díary. The
devil country but at the sarne time an average Chinese children in the series Welcame to the world's famous brands
looks atAmerica with fascination ... Through satellite and by the Luo brothers should take Lu Xun's warning, "Per-
global media China is suffering the sarne dilemma as haps there are still children who haven't eaten men? Save
Pakistan because commodification and mass consump- the children ... "
tion are highly cannibalistic. Shanghai and Beijing are ln Araki's photographs the juxtaposition of female
under siege as the hunger for American fashion, fast food, genitalia with blossoming flowers and food pay homage
cosmetics, music, and skyscrapers undermine tradition to Asian women and beauty with insatiable appetite. ln
and status quo. Overwhelming appetite for Big Macs, contrast, Korean artist Choi Jeong Hwa's perception of
Michael Jordan, Madonna, Marlboro, Nike, and Coca- female sexuality and eroticism is not based on fetishistic
Cola has produced a melange of old/new, local/global, and voyeuristic elements. Choi plays on the irony of exoti-
Chinese/foreign hybridized images. Luo Wei Dong who cism and threatened masculinity. Artificial beauty repre-
was born in a Yao minority family in Guangxi Province sented by synthetic materiaIs appear in series such as
has been collaborating with his brothers Luo Wei Guo and Plastíc paradíse. ln Encare, encare, encare, Choi transforms
Luo Wei Bing in lacquer painting. Although Luo is fasci- ideal beauty of the deity into excessively corpulent obesity
nated by the cannibalistic nature of consumer society in with grotesque luxuriance. ln mocking the idea of con-
Beijing he recalls stories told by his father on cannibal- ventional ideal beauty Choi makes the golden flabby body
ism in Guangxi. ln 1967, in Donglan Luo's father wit- bloat and float in glory. ln Mother, Choi makes ironic
Choi Jeong Hwa
Encare, encare, encare Bis, bis, bis 1997 tecido impermeável , ventilador, motor com engrenagens [water proo! cloth, ventilator, geared motor] 1400 x 200 x 80cm
Mather Mãe 1998 plástico, madeira pintada [plastic, painted wood] dimensões variáveis

176 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
juxtaposition of icons of femininity. The serene mystical turns mysterious and glamorous exoticism into night-
mother goddess/shamaness seated on golden bowl stares marish vagina dentata .
at the naked rubber dolI that awaits for service. Two Choi's hungry flowers are metaphors of cannibal-
females, one symbolizes wisdom the other debauchery istic carnival that celebrate joy and murder. They lure the
are compressed in a yelIow room. ln contrast with Mother animal in us the way we might choose to see horror
Choi creates grotesque robotic flowers in open space movies such as Joe D'Amanto's Anthropophagus, the beast,
that seem to come alive. These sinister flowers are like Umberto Lenzi's Eaten alive by the cannibals, and Ruggero
insect-eating pitcher plants such as Dionea Muscipula Deodato's Cannibal holocausto Clearly, Choi's plants are
and Nepenthes that trap their victims and slowly digest less sordid and bloodthirsty. Their sensuousness and
them in cup-like appendage. The soft hair and delicate exotica almost tempt us to step near the nectars and
petals transform to shapes of fangs and teeth. Choi's daringly whisper, "Bat me." Apinan Poshyananda
analogy of the eating flower and cannibalizing genital

I. William Arens, The man-eating myth: anthropo!ogy & anthropophagy ,Oxford, 9. Gilian Gillison, "Cannibalism among women in East Highlands ofPapua
New York: Oxford University Press, 1979, PP.44-So. Arens described the New Guinea," Paula Brown and Donald Tuzin, (eds.), The ethnography ofcanni-
term "anthropophagist" used for savages on the fringe of civilization who ba!ísm,Washington D.C. : The Society for Psychological Anthropology, 1983,
partook ofhuman flesh . For example, the Arawaks described their enemies PP·33-SI.
the Caribs with hatred and fear as people who "ate men, and thatwhen they 10. Sanday, "The Kwakiutl Man Eater," op. cit, PP.II3-120.
took a man, they cut offhis head and drank his blood and castrated him." II. Thomas Hay, "The Windigo Psychosis : Psychodynamic, Cultural, and
2. Cannibalism has generated a typology according to the status ofthe one Social Factors in Aberrant Behavior," American Anthropologist, vol. 73 , n. I,
consumed. The most general types include endocannibalism or endophagy, February 1971, pp.I-I9 .
which refer to eating a member of one 's own group ; exocannibalism or 12. Key Ray Chong, op. cito
exophagy, indicating the consumption of outsiders ; autocannibalism or 13. Wang Shiqing, Lu Xun: a biography ,Beijing: Foreign Languages Press,
autophagy, signifYing ingesting parts of one's own body. Further classifica- 1984, PP.98-I02, 107-108.
tions indicate gastronomic cannibalism, where human flesh is eaten for its 14. Becker, op. cit., pp.2II-2I9 and Gittings , op. cit., PP.I90-219.
taste and food value; ritual or magicai cannibalism, identifYing an attempt IS. "Cannibalism reported in Famine-stricken North Korea," Bangkok Post,
to absorb the spiritual essence of the deceased ; survival cannibalism, indi- 12 April 1998, P-4. Report from Council on Foreign Relations , New York,
cating consuming human flesh in crisis conditions. estimated that at least one million North Koreans died ofhunger from 1996-
3. Arens asserts that the attribution of cannibalism is sometimes a projection 1997. Marcel Roux, China's chief of Medecins Sans Frontieres interviewed
of moral superiority. He has even suggested that cannibalism did not exist as North Korean refugees from Buk Cheng, Zhongjiang, Tumen revealed that
no one has ever observed cannibalism. His idea has been contested as reli- parents ate their children as food rations stopped three years ago.
able eyewitness reports state otherwise. 16. AjitMookerjee, Kali: Thefeminineforce ,London: Thames and Hudson, 1995,
4. Oswalde de Andrade, "Anthropophagite Manifesto," Revista da Antropofagia, PP·3 0 -33 , 72-77·
São Paulo, n.I, May 1928, pp.312-313 . 17. Trilok Chandra Majupuria and Rohit Kumar Majupuria, Gods and goddesses:
5. For my research on anthropophagy the following books have been most an í!!ustrated account of Hindu, Buddhist, Tantric, hybríd and Tibetan deities,
valuable. Claude Lévi-Strauss, The raw and the cooked, trans. John and Doreen Lashkar: Lalitput Colony, 1998, PP.I38-148.
Weightman, NewYork: Harper and Row, 1969; William Arens, The man-eating 18. ln mythology Kala Rauh tried to swallow the Tirtha Amertha, the holy
myth, 1979; Peggy Reeves Sanday, Divine hunger: cannibalism as a cultura! system , water, but had his head cut offby Vishnu's discus-like Cakra. ln revenge the
Cambridge, New York: Cambridge University Press, 1986; Key Ray Chong, head ofKala Rauh roared frighteningly at the sun and moon. Whenever he
Cannibalism in China, New Hampshire: Longwood Academic, 1990; John catches one or the other he swallows them up, causing an eclipse.
Gittings, Rea! China:from cannibalism to Karaoke ,London: PocketBooks, 1996; 19. Hanawa Kazuichi, Monkey, 1987 illustrated in Lawrence Chua, (ed.), Muae :
Jasper Becker, Hungry ghosts: China's secretfamine ,London: John Murray, 1997; co!!apsing new bui!dings, New York: Kaya Books, 1997, PP.203-212.
Ben Kiernan, The Po! Pot regime: race, power and genocide in Cambodia under the 20. Philip Blekinsop, The cars that ate Bangkok, Bangkok: White Lotus , 1996.
Khmer Rouge, 1975-79, Chiang Mai: Silkworms, 1996; Mikita Brottman, Meat 21. Brottman, p. cit., pp.26-s7, 192-193. For instance, Albert Fish killed a
is murder: an í!!ustrated guide to canniba! culture, London, New York: Creation 12-year-old Grace Budd and cut the body in thin strips, boiled, then ate in a
Books lnternational, 1997; Peter Hume (ed.) , Cannibalism and the colonial wor!d, stew with cabbage and potatoes; Edward Gein's bizarre killings included
Cambridge: Cambridge University Press , 1998; Winin Pereira and Jeremy dissecting female bodies and wear the skin on his body to dance; Ted Bundy
Seabrook, Globa! parasites: five hundred years of Western culture, Bombay: was known to bite and swallow chunks out ofthe buttocks and thighs ofhis
Earthcare Books, 1994; Hans-Peter Martin, Herald Schumann, The global female victims. Bundy's murderous psychosis has inspired the characteriza-
trap: g!oba!ization and the assau!t on democracy and prosperity, London, New tions ofthe two serial killers Buffalo Bill and Hannibal Lecter in Thomas
York: Zedd Books, 1996; Zheng Yi , Scarlet memoria!: tales of canniba!ísm in Harris 's novels Red dragon and The sí!ence of the !ambs. One killer became
modem China , trans. T.P. Sym, Oxford : Westview Press, 1996. obsessed with William Blake's painting of a Man-Dragon while the other
6. Key Ray Chong, op. cit., PP.43-44. thought ofTheodore Gericault's anatomy studies ofThe raft of Medusa . ln
7. Arens, op. cit., P·27· . Jonathan Demme's classic thriller The sí!ence ofthe !ambs "Hannibal the Can-
8. Paul Shankman, "Le roti et le boulli: Lévi-Strauss' Theory ofCannibalism," nibal," (Anthony Hopkins) the psychiatrist-psychopath describes how he bit
American anthropo!ogist, vol. 71, n. I , February 1969, PP.S4-69. Lévi-Strauss and swallowed a victim's tongue or ate another' s liver with fava beans and
suggests that boiling is the usual preparation of food for domestic con- good Chianti wine. Lecter dismembered and ate a policemen's flesh to the
sumption while roasting is more typical for food to be served to guests. music ofBach. As Brottman described the portrayal ofLecter as combina-
However, Shankman finds this logic faulty as statistics are not consistent. tion of the stone-age appetites and magicai thinking of the savage butcher

178 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Rote iros . Rotei ros. Roteiros. Roteiros . Roteiro s."
with the genius ofthe artist-scientist. "Art, magic and religion come together, 26. Thirty years ago on March 16, 1968 more than five hundred Vietnamese
and the sacrifice ofthe communion is made flesh." many ofthem women and children were slaughtered by American G.I.s.
22. Brottman, op. cit., PP-45-47. Known as the godfather of cannibalism They were ordered out of their homes, lined up in a ditch and shot. ln the
Sagawa's fame has reached the point that he said he is food on which the War Remnants Museum in Ho Chi Minh photographs ofatrocities caused by
media and the public are indulging their appetite for transgression. On eating both sides are displayed. ln some images decapitated victims have their penis
the Dutch woman Renee Hartevelt, he commented, "Finally, I was eating a stuffed in the mouth.
beautiful white woman, and thought nothing was so delicious!" 27. Martin and Schumann, op. cito pp.I4-18.
23. Bussarawan Teerawichittchainan, "Who Killed Jenjira? A Lesson to Learn," 28. Music videos seen on MTV such as The prodigy and pills contain violence
Bangkok Post (17 April 1998), p.8. After the arrest ofthis killer the re-run of and aggression. Rock star David Bowie's music video "The Hearts Filthy
series on cable TV called U-Shock! presented PIai thang hang khuam kan [The Lesson" fram the album Outside shows explicit acts related to decapitation ,
end of vengeanceJ . The doctor who suffered psychosis tied up his wife and stripping flesh, cooking and devouring humano This song also features in
lover then each day sliced pieces oftheir limbs and fed them for dinner. the psycho thriller Seven. For blood lust and youth culture see Douglas
24. Kiernan, op. cito Chapter I gives detail account of process of cleansing Rushkoff, Chi[dren ofchaos: surviving the end ofthe wor[d as we know it ,London:
the cities, countryside, and frontiers. ln addition in February 1998 my visit Flamingo, 1997.
to Toul Sleng Museum (Security Prison 21) and the killing fields ofChoeng 29. See Chris Townsend, Vj[e bodies: photography and the crisis of[ooking ,New
Ek in Phon Penh confirmed how meticulous the Khmer Rouge were in keep- York: Prestel-Verlag, 1998; Royal Academy of Arts, Sensations : young British
ing records of their barbarismo Ali prisoners were photographed before artistsfrom the Saatchi co[[ection, London: Royal Academy of Arts , 1997.
or after torture. During 1975-78 about 17,000 men, women, children, and 30. Interview with Nobuyoshi Araki, 12 October 1997 and 27 May 1998, Tol<yo,
infants were transported from Security Prison 21 to the extermination camp Japan . Araki explained that in the photos his mo deIs are half dead while in
ofCheoung Ek to be slaughtered. the exhibition they become half alive. Murder is to love and love must be
25. Amir Zia, "License to Kill?" News[ine ,February 1996, pp.20-29; Ghulam murdered.
Hasnain, "M?M: Road to nowhere?" News[jne ,May 1997, PP.19-34. 31. lnterviewwith Luo Wei Dong, 25 January 1998, Beijing, China.

Apinan Poshyananda
Oeborah Root

Devorando o canibal: um conto


de precaução da apropriação
cultural

Enquanto esperamos pelo fim do século, nós herdamos histórias complexas do colo-
nialismo, da estética modernista e dos protocolos do mundo da arte internacional.
Herdamos o que é, cada vez mais, uma cultura global, e as estruturas de autoridade e
valor subjacentes a ela. Os códigos e as convenções estéticos de culturas anteriormente
fora da tradição artística ocidental continuam a ser apropriados e transformados, às
vezes, de forma que negam o significado original do trabalho. Tentativas de renegociar
relações entre leste e oeste, norte e sul ocorrem em todos os níveis e afetam o modo
como as imagens e as pessoas que as criam são compreendidas. Não podemos escapar
totalmente de nossa posição na história, mas aqueles de nós que vivem em centros de
autoridade discursiva - o que atualmente pode significarqualquergrande cidade-
podemos abrir nossas categorias de análise para questionar e começar a prestar atenção
em outras vozes. Ao fazê-lo várias questões surgem.
Se a história colonial registra como nos vemos uns aos outros e, de fato, como
determinamos valores estéticos, então faz sentido escavar essa história. Recentemente,
o termo "apropriação cultural" tem sido o tema de debate sobre até que ponto a apro-
priação traz com ela um legado do colonialismo. Os artistas canadenses não-brancos e
outros ativistas culturais têm relacionado a apropriação a sérios desequilíbrios de
podere a histórias de racismo e colonialismo. Reconheceu-se que retirarobjetos de seu
contexto cultural e denominá-los como "arte" funciona como um tipo de violência que
impede o diálogo aberto e intercâmbio de idéias entre culturas. Isso levou a repensar
como museus adq u iri ram suas coleções de arte "etnográfica" e, por extensão, como
tais trabalhos acabaram na esfera de ação do modernismo europeu. Como uma alter-
nativa à apropriação, as pessoas começaram a falarem termos de "diálogo" ou "hibri-
dismo", pois eles sugerem que todos aqueles envolvidos decidem questões de valor.
Apropriação, por outro lado, sugere um fluxo unidirecional de idéias e imagens.
Para ilustrar algumas das questões que surgem quando se sujeita a cultura à apro-
priação, ofereço um conto de precaução sobre como os aparatos cerimoniais da costa
noroeste da América do Norte, especificamente os de kwakiutl, foram apropriados por
colecionadores ocidentais e inseridos em um discurso modernista sobre a arte. Espero
que esta história demonstre alguns dos perigos da apropriação e porque o hibridismo
como uma atividade é preferível à apropriação.

180 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros ."
Às vezes um monstro canibal percorre a terra. O monstro desce urrando do extremo
norte do mundo para possuir homens jovens e fazê-los desejar carne humana. Ele vem
acompanhados de pássaros monstruosos aterrorizantes, com enormes bicos estalando
e narinas distendidas, para melhorfarejara carne humana. Quando isso acontece,
algumas comunidades kwakiutl realizam uma cerimônia de quatro dias, denominada
hamatsa, que confronta o espírito canibal voraz e busca exorcizar do iniciado possuído a
fome por carne humana, e trazê-lo de volta à cultura, de volta à comunidade em que o
desejo individual é contido. Como foi explicado a mim, a cerimônia reduz a ganância e
o desejo de possuirdaqueles que participam dela, o que torna o monstro pequeno. A
cerimônia utiliza como aparatos grandes máscaras de madeira de pássaros com partes
móveis, biombos pintados e outros adereços, alguns extremamente realistas. As danças
da hamatsa podem ser parte de uma ocasião religiosa e social maior conhecida como
potlatch 1 , que descreve uma série de eventos em que os anfitriões oferecem mercadorias
aos convidados, incluindo investiduras, memoriais e outras cerimônias.
Quando a Colúmbia Britânica foi colonizada no século XIX, os missionários britâ-
nicos e outras autoridades coloniais alarmaram-se com a riqueza e o vigor das nações
encontradas na costa. Assim como em outras localidades, esses colonizadores trouxeram
consigo u ma retórica pecu Iiar sobre o progresso, q ue se tornou uma justificativa para
suprimir as religiões nativas: as danças atrapalhavam o trabalho; a potlach não demons-
trava respeito suficiente pela propriedade privada; as cerimônias não eram cristãs.
Mais ainda, os primeiros colonizadores acreditavam que as cerimônias hamatsa eram
"reais", que o que de fato se tratava de uma representação teatral de canibalismo fosse
um hediondo ritual em que as pessoas eram realmente devoradas. Entre 1884 e 1951, a
potlatch-e mesmo qualquer outra dança-foi banida por lei. Algumas pessoas foram
aprisionadas. A polícia supervisionou o confisco e a venda de máscaras e de outros
aparatos cerimoniais, alguns dos quais acabaram em museus canadenses e outros no
mercado internacional de arte, onde chamariam a atenção de surrealistas europeus.
Algumas vezes, cerimônias inteiras foram colecionadas, mais notadamente as
máscaras e outros aparatos que faziam parte da cerimônia canibal hamatsa. Em 1895,
o Smithsonian Institution construiu um diorama hamatsa, em que figuras de gesso
Franz Boas demonstrando a posição apropriada do iniciado [Franz Boas demonstrating the proper position of the initiate]

181 Devorando o canibal Oeborah Root


pareciam celebrar a cerimônia canibal, contida aqui com segurança no museu. Em uma
fotografia vemos o famoso antropólogo Franz Boas demonstrando a posição apropriada
do iniciado, e enquanto contemplamos tais dioramas, o que nos chama a atenção é o
sentido do espírito capturado e neutralizado. A arte tem sido sempre um dos espólios
de guerra, mas durante o período colonial, o confisco e a coleção caminhavam de mãos
dadas com um discurso científico que buscava neutralizar a base espiritual do trabalho.
Ao ler as crônicas da época, torna-se evidente a mescla de horror e deleite aos
supostos rituais terríveis, aliados à premissa de que os canadenses não-nativos
absorveriam totalmente as culturas nativas. Aqui a apropriação descreve as autoridad'
coloniais que adquirem objetos espirituais, tais como máscaras, e renomeia-as "arte"
numa tentativa de legitimarsua captura e exposição e de incorporá-Ias numa narrativa
ocidental. Da mesma forma, muitos antropólogos e amantes da arte não-nativos justifi-
caram a coleção maciça de hamatsa e de outros aparatos como um ti po de "salvamento",
o que significa que há trabalhos muito mais antigos em museus, freqüentemente em
cidades estrangeiras, que nas comunidades em que hamatsa e outras são realmente
encenadas. Parece evidente que a acusação de canibal ismo é uma projeção por parte
dos colonizadores, e, quando imaginamos o acúmulo de máscaras e outros objetos em
museus urbanos, a pergunta óbvia é quem ou o que consumia quem-em outras
palavras, quem era o canibal? Mas há algo mais sobre o mal-entendido colonialista da
cerimônia hamatsa - um profundo mal-estar em relação ao poder espiritual.
O confisco de aparatos hamatsa e potlatch realça um paradoxo bizarro, a meu ver, o
principal perigo da apropriação. As autoridades coloniais e, por extensão, os museus e
outros colecionadores desejavam possuir certos objetos, mas não as pessoas ou cerimô-
nias dos quais faziam parte. Sim, os colecionadores achavam que as pessoas estavam
condenadas de qualquer forma, mas a desagradável história da coleção que os museus
fazem ultrapassa a idéia do salvamento e, freqüentemente, envolvia vários tipos de
coação-afinal, quem entrega voluntariamente seus objetos religiosos mais preciosos? O
enfoque sobre objetos, à custa da sobrevivência cultural, continua até hoje, com muitos
colecionadores ávidos em acumularobjetos, porém indiferentes às pessoas que os criam.
Apesarda proibição, as cerimônias e danças de inverno nunca desapareceram. As
religiões nativas mantiveram-se secretamente, e as máscaras continuaram sendo feitas
em segredo, ou algumas vezes sob a supervisão dos museus. Atualmente, a potlach e
cerimônias como a hamatsa continuam vivas, e tanto aparatos quanto trabalhos não-
religiosos ainda são executados pelos kwakiutl e outros artistas das Primeiras Nações 2 •
Muitos entalhadores contemporâneos que trabalham dentro da tradicional estética
kwakiutl optaram portransformarconvenções mais antigas em algo novo. Embora
exista um mercado para "objetos espirituais autênticos", alguns artistas tomam o
cuidado de fazer uma distinção entre imagens que venham a ser habitadas por uma
entidade espiritual em uma cerimônia, e uma máscara ou outro objeto qualquer que
possam parece r muito semelhantes, mas que na realidade não são objetos cerimoniais.
Dessa forma, o artista substitui a autenticidade espiritual ou antropológica, exigida
pelos colecionadores, por um conceito de integridade visual. Aceita-se que o colecio-
nador possua a imagem, porém é necessário que ele respeite o espírito.
Muitas das atitudes que deram referência ao colonialismo continuam a estruturar
as percepções sobre as máscaras cerimoniais e outros aparatos não apenas em termos
das cond ições de coleção mas tam bém em termos de como estrangei ros abordam

182 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros ."
e entendem o trabalho. O mais importante é a idéia de que objetos rituais são coisas
mortas, que aparatos são, de fato, algo chamado "arte", como a entendemos no capi-
talismo, em oposição à idéia de que aparatos estão vivos, imbuídos com os espíritos ou
conceitos que representam. Isso se remete à noção individualista de que qualquer
pessoa tem o direito de usar aparatos como lhe aprouver, independentemente de como
os criadores do trabalho possam se sentir sobre isso. Sob uma perspectiva meramente
visual, o trabalho é espetacular. Mas aparatos cerimoniais não são arte.
Acredito que devemos perguntar: os espíritos habitam ou não as máscaras? Ou, em
outras palavras, é possível aprender a respeitar outro sistema de significado? O respeito
pode exigir uma forma muito diferente de se ver a arte cerimonial. Por exemplo, em
meu entendimento, uma máscara descreve como um determinado espírito poderia se
parecer caso tivesse um corpo, em outras palavras, se pudesse ser representado; um
dançarino torna-se o espírito ao usar a máscara que representa o espírito. É nesse sentido
que a máscara está viva, imbuída do espírito. Pessoas envolvidas com as cerimônias
disseram-me que as máscaras se sentem sós quando confinadàs em um museu. Se
estamos dispostos a reconhecer que o trabalho espiritual, de uma forma profunda, está
vivo, então a apropriação de tal trabalho poderia ter sérias repercussões em nível ético-
político-espiritual: pois as imagens são reais, têm um efeito real no mundo. Se os traba-
lhos são meramente objetos mortos, então nada disso realmente importa e podemos
sertão cínicos quanto desejarmos.
A arte da costa noroeste tem sido valorizada dentro de certas correntes do moder-
nismo, mais notadamente pelos surrealistas, que foram instrumentais em colocar a
arte kwakiutl em um discurso de arte modernista. Muitos dos artistas e escritores que
sejuntaram ao movimento surrealista se interessavam em encontrara verdade nas
chamadas estruturas "irracionais" do inconsciente, que eles acreditavam ser acessíveis
por meio de máscaras e outras imagens não-ocidentais. Mas muitos que buscavam
novas idéias na arte da costa noroeste e de outras formas de arte tam bém foram i nca-
pazes de se comprometer com este trabalho em seus próprios termos, ou entenderos
conceitos que fundamentam a arte cerimonial. A ânsia de se apropriar dessas imagens
como uma espécie de matéria-prima psíquica significava que os surrealistas não tinham
consciência de níveis inteiros de significado que o trabalho continha, significados
entendidos pelos artistas e pelas comunidades da costa.
Acredito que um grande número das preconcepções estruturou as percepções
modernistas da arte kwakiutl. O piorfoi englobartoda a arte não-ocidental em uma
única categoria de "o irracional"; em outras palavras, manter uma visão universalista
em que aparatos cerimoniais eram tratados como objetos sujeitos aos sistemas de
classificação ocidentais. É significativo que a maioria não pensasse ser necessário
realmente estabelecer um contato com os artistas kwakiutl, portanto era incapaz de
entender que tal trabalho afirma a existência de múltiplos planos de realidade, em vez
de uma noção freudiana de uma divisão entre o racional e o irracional. Os surrealistas,
e outros, desejavam localizar uma saída às restrições da cultura ocidental, mas sua
pressa em apropriar imagens exóticas tornava difícil a visão do que se encontrava ali.
De fato, os conceitos coloniais das culturas não-ocidentais não foram desafiados,
apenas valorizados de forma diferente.
A cerimônia hamatsa tornou-se um espelho das ansiedades dos colonizadores em
relação a seus próprios níveis excessivos de consumo: de florestas, corpos humanos,

183 Devorando o canibal Deborah Root


espaço; ansiedades que se tornaram tão insustentáveis que culminaram na extinção de
cerimônias e no aprisionamento da arte do espírito. As danças canibais envolvem um
reconhecimento do perigo de acumulação, com base no entendimento de que formas
de poder bizarras e doentias acompanham o consumo excessivo. É irônico que o
fascínio por uma cerimônia que trata da ganância e do consumo levasse a um consumo
maciço de objetos hamatsa.
Se a apropriação de outras cu Itu ras-q ue pode variar de pu ro rou bo a pressão
econômica em utilizar imagens que não são destinadas ao consumo público-é um
problema, então qual é a alternativa? Uma relação mais equilibrada sefaz claramente
necessária e vem ocorrendo espontaneamente à medida que as pessoas percorrem
lugares e trocam idéias e imagens. O hibridismo cultural é inevitável, mas também é
algo bom porque, quando os códigos e as convenções de diferentes culturas se reúnem,
os vocabulários estéticos se tornam cada vez mais diversificados. Parte da arte contem-
porânea mais interessante incorpora vários tipos de fertilização cruzada, em vez de
uma simples linha em que a arte "deles" vem até "aqui" ou vice-versa. Uma ampla
gama de estilos da arte contemporânea vem sendo explorada atualmente por artistas
das Primeiras Nações, alguns dos quais envolvidos com tradições da costa noroeste.
Charlie G. Walkus concentra-se nos elementos de desenho tradicionais em sua máscara
hamatsa de um pássaro monstruoso hokhokw (1971). Outros artistas da costa noroeste
utilizam elementos explicitamente híbridos, por exemplo, em Red man watches white men
trying to [Ix hole in the sky [Homem vermelho observa homens brancos tentando consertar
buraco no céu] (1990), Lawrence Paul joga com o fascínio dos surrealistas pelo desenho
da costa noroeste como uma forma de simultaneamente complicare subverter as
presunções da ciência ocidental. Em outro exemplo, David Neel entalha máscaras que
abordam questões políticas e culturais contemporâneas, como a relação entre os povos
das Primeiras Nações e o sistema judiciário do Canadá. Da mesma forma que a "nossa"
arte, a "deles" não está presa a um passado mítico e estático, mas está em constante
transformação.
Se aqueles de nós que são outsiders, estão à margem das tradições dos espíritos,
em que alguns trabalhos não-ocidentais se baseiam, podem aprender a vertais obras sob
seus próprios termos, é possível ampliar conceitos de cultura visual de forma a desafiar
concepções convencionais do real e do imaginário. Para que isso ocorra, precisamos
questionar as premissas universalistas que continuam a sustentaro entendimento da
estética e respeitar as qualidades espirituais do trabalho ceremonial.
Deborah Root. Traduzido do inglês por Sandra Cowie.
1. o termo potlatch tem origem no verbo "dar", em ch i nook.
2. O termo "Primeiras Nações" [First Nations] é utilizado para descrever os povos indígenas do Canadá e é preferível
porque têm menos associações colonialistas do que, por exemplo, "índio" ou "nativo" (ainda que estes termos
continuem também a ser usados) . Como os povos indígenas continuam a lutar pelos direitos à terra, o termo
"Primeiras Nações" implica uma soberania herdada. Ao mesmo tempo, o "Indian Act" ainda continua legal . Esta
foi a entidade que proibiu a dança até 1951.

184 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Rote iros."
Oeborah Root

Eating the cannibal: a


cautionary tale of cultural
appropriation

As we wait for the century to end, we inherit complex histories of colonialism, of mod·
ernist aesthetics, of the protocols of the international art world. We inherit what is
increasinglya global culture, and the structures of authority and value that underlie this.
The aesthetic codes and conventions of cultures formerly outside ofthe Western art
tradition continue to be appropriated and transformed, at times in ways that negate the
original meaning of the worl<. Attempts to renegotiate relationships between east and
west, north and south occur at alI leveIs, and affect how images and the people who
make them are understood. We can never completely escape our position in history, but
those of us living in centers of discursive authority-which today can mean any large
city-can open our categories of analysis to question and begin to pay attention to other
voices. ln so doing a number of is sues arise.
If colonial history informs how we see one another, and indeed how we determine
aesthetic value, then it makes sense to excavate that history. ln recent years the term
"cultural appropriation" has been the subject of debate that centers around the extent to
which appropriation carries with it a legacy of colonialismo Canadian artists of color
and other cultural activists have linked appropriation to serious power imbalances and
to histories ofracism and colonialismo There was a recognition that removing objects
from their cultural contexts and re·naming them "art" operates as kind of violence that
precludes open dialogue and exchange ofideas across cultures. This led to a rethinking
ofhow museums acquired their colIections of"ethnographic" art and, byextension,
how such work carne under the purview ofEuropean modernismo As an alternative to
appropriation, people began to speak in terms of"dialogue" or "hybridity", because
these suggest that everyone involved decides questions of vaI ue. Appropriation, on the
other hand, suggests a unidirectional flow ofideas and images.
To illustrate some ofthe issues that arise when culture is subject to appropriation,
I offer a cautionary tale ofhow North American NorthwestCoast, specificalIy Kwakiutl,
ceremonial regalia were appropriated by Western colIectors and brought into a modernist
art discourse. Iam hoping that this story will demonstrate some of the dangers of appro·
priation and why hybridity as an acitivity is preferable to appropriation.

185 Devorando o canibal Oeborah Root


Sometimes a cannibal monster walks the earth. The monster comes screaming down
from the north end ofthe world to possess young men and make them desire human
flesh, and is accompanied by terrifYing bird monsters with enormous snapping beaks
and distended nostrils, alI the better to scent human flesh . When this happens some
Kwakiutl communities perform a four day ceremony calIed hamatsa that confronts the
ravenous cannibal spirit and seeks to wean the possessed initiate from his hunger for
human flesh and bring him back into culture, back into a community in which individual
desire is held in check. As I've had it explained to me, the ceremony diminishes greed
and the desire to possess by those who take part in it, which makes the monster smal!.
The ceremony utilizes regalia that include large wooden bird masks with moveable
parts, painted screens and other props, some.ofwhich are extremely realistic.
The hamatsa dances can be part ofthe larger social and religious occasion known as
"potlatch"1, which describes a range of events at which goods are given from hosts to
guests, including investitures, memoriaIs, and other ceremonies.
When British Columbia was colonized in the I9th century, British missionaries
and other colonial officials were alarmed by the wealth and vigor of the nations they
encountered on the coast. As elsewhere, these colonists brought with them a particular
rhetoric ofprogress, which became a rationale for suppressing Native religións: the
dances got in the way of work; potlatching showed insufficient respect for private
property; the ceremonies were not Christian. Moreover, the early colonists thought the
hamatsa ceremonies were "real," that what was in fact a theatrical representation of can-
nibalism was a hideous ritual in which people were actualIy eaten. Between I884 and
I95I, potlatching-and indeed any dancing at alI-was banned by law. Some people
went to jai!. The police oversaw the confiscation and sale of masks and other ceremonial
regalia, some of which ended up in Canadian museums and others on the international
art market, where they would come to the attention ofEuropean Surrealists.
Sometimes entire ceremonies were colIected, most notably, the masks and other
regalia that were part ofthe hamatsa cannibal ceremony. ln I895, the Smithsonian lnsti-
tution constructed a hamatsa dia rama, in which plaster figures pretend to enact the
cannibal ceremony, here safely contained in the museum. ln a photograph we see the
famous anthropologist Franz Boas demonstrating the proper position of the initiate,
and as we contemplate such dioramas what is striking is the sense of spirit captured and
neutralized. Art has always been one of the spoils of war, but during the colonial period,
confiscation and colIecting went hand in hand with a scientific discourse that sought
to neutralize the spiritual basis of the work.
lf we read the accounts of the day, what is conspicuous is the mingled horror and
delight at the supposed unspeakable rituaIs, accompanied by the assumption that non-
Native Canada would wholIy absorb Native cultures. Here, appropriation describes the
colonial powers acquiring spiritual objects such as masks and renaming them "art", in
an attempt to legitimize their capture and display and to incorporate them into a West-
ern narrative. As welI, many non-Natives anthropologists and art lovers justified the
massive colIecting ofhamatsa and other regalia as a kind of"salvaging", which means
there is vastly more older work located in museums, often in foreign cities, than in the
communities in which hamatsa and other ceremonies are actualIy performed. lt seems
evident that the accusation of cannibalism is a projection on the part ofthe colonists,
and when we imagine the accumulation of masks and other objects in urban museums

186 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
the obvious question is who or what was consuming whom-in other words, who was
the real cannibal? But something else is at work in the colonists' misapprehension ofthe
hamatsa ceremony-a profound unease with spiritual power.
The confiscation ofhamatsa and potlatch regalia underlines a bizarre paradox, in
my view the chief danger of appropriation. The colonial authorities, and by extension
museums and other collectors, wanted possession of certain objects but not the people
or ceremonies that went along with them. Yes, collectors thought the people were
doomed anyway, but the unsavory history of museum collecting goes well beyond the
idea of salvaging and often involved various kinds of force - after all, who willingly
gives up their most precious religious objects? The focus on objects at the expense of
cultural survival continues to the present day, with many collectors eager to accumulate
objects but indifferent to the people who create them.
Despite the banning ofthe ceremonies and winter dances, these never died out.
Native religions went underground, and maskmaking was done in secret, or sometimes
under the purview of museums. Today potlatching and ceremonies such as hamatsa are
very much alive, and both regalia and non-religious work are being made by Kwakiutl
and other First Nations 2 artists. Many contemporary carvers who work within traditional
Kwakiutl aesthetics choose to transform older conventions into something new.
Although a market continues to exist for "authentic spiritual objects", some artists are
careful to make a distinction between images that come to be inhabited bya spiritual
entity in ceremony and a mask or other object that might look very similar, but is not an
actual ceremonial objecto ln this way the artist substitutes a notion of visual integrity for
the spiritual or anthropological authenticity demanded by collectors. The collector is
welcome to possess the image but is requested to respect the spirit.
Many of the attitudes that informed colonialism continue to structure perceptions
of ceremonial masks and other regalia, not just in terms of the conditions of collecting,
but also in terms ofhow outsiders approach and understand the work. Most important
is the idea that ritual objects are dead things, that regalia are in fact something called
Charl ie G. Walkus Hokhokw 1971 máscara hamatsa [hamatsa mask)

187 Devorando o canibal Oeborah Roo!


"art" as we understand it in capitalism, as opposed to the idea that regalia are alive,
imbued with the spirits ar concepts they represento This is linked to the individualist
notion that anyone is entitled to use regalia in any way they like, regardless ofhow the
creators of the work might feel about this. Fram a purely visual perspective the work is
spectacular. But ceremonial regalia are not art.
I think we have to ask: do spirits reside in the masks ar not? Or, to put this another
way, is it possible to learn to respect another system of meaning? Respect can require a
vastly different way oflooking at ceremonial art. For instance, as I understand it a mask
describes what a particular spirit might look like ifit had a body, in other words, ifit
could be represented; a dancer becomes the spirit by wearing the mask that represents
the spirit. It is in this sense the mask is alive, imbued with spirit. I've been told by peo-
pIe involved in the ceremonies that masks get lonely when they're held in a museum.
If we are willing to recognize that spiritual work is in some prafound way alive, then it
follows that apprapriating such work could have serious repercussions at the ethical-
political-spirituallevel: because the images are real, they have real effects in the world.
Ifthe works are merely dead objects, then nane ofthis really matters and we can all be
as cynical as we please.
Nortwest coast art fram North America has been valorized within certain streams
of modernism, most notably by the Surrealists, who were instrumental in bringing
Kwakiutl art into a modernist art discourse. Many artists and writers who allied them-
selves with the Surrealist movement were interested in locating truth in the so-called
"irrational" structures ofthe unconscious, which they believed could be accessed
thraugh masks and other non-Western images. But many who looked for new insights
in Northwest coast and other art were also unable to engage with such work on its own
terms, ar to grasp the concepts underlying ceremonial art. The eagerness to apprapriate
these images as a kind of psychic raw material meant that the Surrealists were unaware
of entire leveIs of meaning at play in the work, meaningsunderstood by the artists and
communities on the coast.
I believe that a range of preconceptions structured modernist perceptions of
Kwakiutl art, not least of which was to collapse all non-Western art into a single category
of"the irrational" ; in other words, to maintain a universalist view in which ceremonial
regalia were treated as objects subject to Western systems of classification. Signifi-
cantly, most didn't think it was necessary to actually engage with Kwakiutl artists, so
they were unable to understand that such work affirms the existence of multi pie
planes of reality rather than a Freudian notion of a split between the rational and irra-
tional. Surrealists and others wanted to locate an outside to the constraints ofWestern
culture, but their haste to apprapriate exotic images made it difficult for them to see
what was there. ln effect, colonial notions of non-Western cultures were not challenged,
just differently valorized.
The hamatsa ceremony became a mirrar of colonists ' anxieties about their own
excessive leveIs of consumption: of forests, ofhuman bodies, of space, anxieties that
became so unbearable that they culminated in the suppression of ceremonies and
imprisonment of spirit art. The cannibal dances involve a recognition of the danger of
accumulation, based on the understanding that with excessive consumption comes
bizarre, unhealthy forms of power. It is iranic that the fascination with a ceremony that
addresses greed and consumption led to massive consumption ofhamatsa objects.

188 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros ."
If apprapriation fram other cultures-which can range fram out and out theft to
economic pressure to using images not designed for public consumption-is a prablem,
then what is the alternative? A more balanced relationship is clearly in order, and is
occurring spontaneously as people move fram place to place and exchange ideas and
images. Cultural hybridity is inevitable, but it is also a good thing, because when the
codes and conventions of different cultures come together, aesthetic vocabularies
become increasingly diverse. Some of the most interesting contemporary art embodies
various kinds of crass-fertilization, rather than a simple line in which "their" art comes
"here" or vice versa. A braad range of contemporary art styles is currently being
explored by First Nations artists, some ofwhom engage with Northwest coast tradi-
tions. Charlie G. Walkus focuses on traditional design elements in his 1971 hamatsa
mask of a hokhokw monster bird. Other Northwest coast artists employ explicitly hybrid
elements, for instance, in "Red man watches white men trying to fix hole in the sky"
(1990), Lawrence Paul plays with the Surrealist fascination with Northwest coast design
as a way of simultaneously complicating and subverting the conceits ofWestern science.
ln another example, David Neel carves masks that address contemporary politicaI and
cultural issues, such as the relation between FirstNations people and the judicial system
in Canada. Like "our" art, "their" art is not trapped in some static, mythical past, but
constantly transforms itsel(
If those of us who are outsiders to the spirit traditions on which some non-Western
work is based can learn to look at such work on its own terms, it is possible to extend
concepts of visual culture in a way that challenges conventional conceptions of the
real and the imaginary. For this to occur, we need to question the universalist assump-
tions that continue to underpin understandings of aesthetics, and to respect the spiritual
qualities of ceremonial work. Deborah Root
I. The term "potlatch" comes fram the Chinookverb "to give."
2. The term "First Nations" is used to describe indigenous people in Canada, and is preferable because it carries
fewer colonial associations than, for instance, "Indian" or "Native" (although these terms continue to be used as well).
As indigenous people continue to fight for land rights, the term "First Nations" implies an inherent sovereignty. At
the sarne time, the "Indian Act" is still in place legally. This was the entity that banned dancing until 195I.

189 Devorando o canibal Oeborah Root


Georges Didi-Hubel man

Disparates sobre a voracidade


o homem que comia para melhor matar substância divina junto com a substância material".2 Nada
Minha primeira história se passa em uma floresta virgem aqui- apesarda luxuriante cor local-, nada se resolve
espantosa. Lá reina um pequeno falcão de bico vermelho- "naturalmente". Mas a recensão de Frazer não deixa de tocar
um caçador prodigioso, na verdade. Tem olho tão penetrante em um problema crucial da antropologia, ou mesmo da esté-
que pode, de altura considerável, distinguir um verme que tica: o da arte de incorporar, quando a incorporação tende a
se insinua entre duas folhas a apodrecerem no solo; então, abrirou a fazer florescer a força-talvez a essência-mágica
mergulha em direção a ele e leva-o para o céu com fulmi- do ato de assemelhar-se. Há nesse problema, é claro, o enun-
nante celeridade e precisão. ciado do mais antigo adágio pelo qual funciona a med icina:
Na floresta de que falo, essas qualidades fazem da similia similibus curantur, coisas semelhantes somente podem
peq uena ave de rapi na algo ou alguém como um deus. curar-se por meio de coisas semelhantes .3 Ou então chame-
O homem que ali sobrevive quase esquece de caçar para si mos a isso um imperativo imaginário que, literalmente,
mesmo: não pára de 01 har o pássaro soberbo, fica horas, obrigaria o homem a comer aquilo a que ele quer se assemelhar,
rosto perturbado, olhos secos e ardentes, contemplando a em suma, a comer aquilo que ele quer ser.
cal ma h i pnótica e soberana do vôo planado e concêntrico, O índio kobeua espreme, pois, o olho que ele queria ser,
na hora em que o falcão espreita ou escolhe a presa; depois, o do falcão, sobre o próprio olho: reil pour reil 4 -no sentido
a flecha vermel ha de seu bico a fender o céu como se da preposição pour [para] que "serve para assinalar a relação
fosse o próprio sinal-sinal afiado, já ensangüentado- entre uma coisa que afeta e a pessoa afetada". 5 Igualmente
de sua mágica ação predadora. no sentido de que o processo simbólico e a operação de
O homem, é claro, inveja o pássaro. Gosta dele e o venera, substituição aqui se realizam em um ato de absorção, uma
respeita-lhe infinitamente a capacidade de ver- de vertão intimidade que imaginamos perturbadora. Estritamente
bem e de caçar tão bem. Sente ciúme, também, e portanto falando, o índio comia para enxergar. Pois isso já era mais uma
ódio desse poder animal da visão e da virtuosidade na arte forma de comer-ou antes, neste caso, de beber-que de
de matar. Finalmente, como quase sempre fazem os homens espremero humor vítreo do pássaro entre os lábios de suas
em casos semelhantes, há de matá-lo, aproveitando um pálpebras. Em outras florestas, outros índios comem as
instante em que o pequeno falcão já comia com os olhos pupilas dos mochos a fim de enxergar à noite 6 • Em outros
uma marmota desgarrada. Após longa corrida através da lugares ainda, os homens devoram seus pássaros augurais-
confusão de árvores, o homem encontrará estirado o corpo corvos ou falcões-a fim de vero porvir?
do belo pássaro. Então, ele o pegará com ambas as mãos, Comer tornar-se-ia então o exercício por excelência de
ergue-Io-á acima do rosto perturbado, cravar-Ihe-á os olhos. um rito de passagem, seria uma iniciação ao poder-em
E fará escorrer o humor vítreo nos próprios 01 hos, como um particu lar ao poder de matar. Quando a jovem mamãe
colírio. Depois voltará a caçar, certo daí em diante de que estende ao seu anjinho uma colherada de sopa, usando o
nada lhe conseguirá escapar. argumento facecioso do Come, não sabes quem te há de comer,
Frazer, de quem empresto esse feito amazônico, chama ela não ignora que é preciso comer para não mo rre r, na
a isso "mágica homeopática"1 . Ele simplifica, sem dúvida verdade para não ser morto. Mas talvez ignore q ue pelo
alguma, ao afirmar com auto-suficiência que "nosso ingê- mundo afora, em toda parte, também é preciso comer para
nuo selvagem naturalmente espera absorver uma parte da melhor matar, na verdade comerquem queremos matar,

190 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
isto é, aquele que já matamos, de uma maneira ou de outra. força. Entre os quimbundos do oeste da África, quando
A esse título, o alentado inventário reunido por Frazer não passa a reinar um novo rei, mata-se um prisioneiro de
cessa de nos sacudir-entre a angústia e o acesso de riso-, guerra corajoso, para que o rei e os nobres comam-lhe
como sacode em todos os sentidos a palavra "omnívoro", que a carne e assim lhe adquiram a força e a coragem. O
atribuímos (fato bem conhecido) a um grande número de famoso chefe zulu Matuana bebeu a bílis de trinta
pássaros, aos porcos, aos ratos e evidentemente aos homens, chefes, cujos cadáveres havia destruído, na crença de
omnívoros até o delírio (isto é, até o sistema), omnívoros até que aquilo o tornaria forte. Os zulus imaginam que,
a homovoracidade. Essa é a voracidade própria aos rituais, ao comer o centro da testa e as sobrancel has de um
~a voracidade própria a toda crença. Uma página, e apenas inimigo, adquirem a faculdade de encararde frente um
uma, que, porém, já parece interminável, entre as cerca de adversário. Em Tud, ou Ilha do Guerreiro, no estreito
duas ou três mil a que monta a obra de Frazer, bastará para de Torres, os homens bebiam o suor de guerreiros reno-
nos reabrir os olhos: mados e comiam as sujidades manchadas de sangue
humano coagulado extraídas das unhas das mãos
"Os guerreiros das tribos theddora e ngarigo (sudeste da deles. Agia-se assim 'para ficar forte como a pedra e
Austrália) tinham o costume de comer pés e mãos dos não conhecero medo'. Em Nagir, outra ilha do estreito
inimigos que haviam matado; acreditavam assim de Torres, para infundir coragem aos meninos, o guer-
adquirir certas qualidades e coragem dos mortos. reiro pegava o olho e a língua de um homem que
Na tribo dieri da Austrália Central, quando um conde- matara e, depois de havê-los picado, misturava-os com
nado tivesse sido morto por executores oficialmente a própria urina; depois, administrava a mistura ao
designados, lavavam-se em pequeno recipiente de menino, que a recebia de olhos fechados e boca aberta,
madeira as armas que tinham servido para a execução, sentado entre as pernas do guerrei roo Antes de cada
e a mistura sanguinolenta era administrada a todos expedição de guerra, os habitantes de Minahassa
os carrascos de acordo com a manei ra prescrita: eles se (Célebes) pegavam mechas de cabelo de um inimigo
deitavam de costas e os anciãos lhes versavam o líquido morto e as mergulhavam em água fervente para extrai r-
na boca. Acreditava-se que esse procedimento lhes lhes a coragem; os guerreiros então bebiam essa
desse dupla força, dupla coragem e muita energia para infusão de bravura."8
seus empreendimentos seguintes. Os kilimarois da Nova
Gales do Sul comiam o fígado assim como o coração Et coetera. Como se vê, o homem não é unicamente o
de um homem corajoso, para adquirir-lhe a coragem. lobo do homem: pode também ser, de modo mais refinado
Em Tonquim, igualmente, é superstição popularque o (quero dizer cruel), o chá do homem, ou antes seu melhor
fígado de um homem bravo torna bravo quem quer que prato reconstituinte, a sopa de bravura que permitirá melhor
o coma. Também, quando um missionário católico foi matar. Dá-me o centro de tua testa, para eu comer a fim de
decapitado em Tonquim, em 1837, o carrasco arrancou poder encarar-te de frente e regertua morte, logo a minha.
o coração da vítima e comeu uma parte, enquanto um Para gozar ideal mente do poder de matar-te e de ser bravo
soldado tentava devorar cru um outro pedaço. Com também quando me comeres.
intenção análoga, os chineses engolem a bílis de ban- Ora, dentro da própria lógica do relato de Frazer, é
didos famosos executados. Os daiaques de Sarawak bom ser um deus que, afinal de contas, pudesse esticar essa
comiam as palmas das mãos e a carne dos joelhos voracidade ritual. Talvez o sonho último fosse, bem crua-
daqueles que tinham matado, a fim de ter mão mais mente, comer o céu. É um pouco o que se passa em outras
fi rme e joel hos mais robustos. Para tornarem-se florestas, onde um dia um homem resolve comer só o que
bravos, os tolalaques, famosos caçadores de cabeças vem do céu. Devora os pássaros, sacia a sede na chuva.
do centro das Célebes, bebem o sangue e comem o Mas, sobretudo, espreita tudo que foi tocado pelo raio:
cérebro das vítimas. Os italones das Filipinas bebem o os restos das combustões celestes-animais fulminados,
sangue dos inimigos que mataram e comem-lhes uma árvores calcinadas, meteoros-, restos dos quais faz
parte do occipício e das entranhas, tudo cru, para refeições, mas também ungüentos que ele incorpora à
adquirir-lhes a coragem. Pela mesma razão, os efuagos, própria pele, por escarificação, como se fosse para abri r
outra tribo das Filipinas, sugam os miolos dos inimi- cem bocas. Então, o céu entra nele. Pouco a pouco, ele se
gos. Do mesmo modo, os kais da Nova Guiné comem o tornará o céu, ou seu guardião na terra, seu representante
cérebro dos inimigos que matam para adquirir-lhes a como ele mesmo o diz:

191 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman


"Efetivamente, quando o céu está a ponto de escurecer, simplesmente- , uma cabeça obesa, quase malévola,
antes mesmo de aparecerem as nuvens ou de ribombar manda-lhe seguircaminho. O Baal Shem Tovfica estupefato:
o trovão, o coração do guardião celeste sente a tempes- que judeu recusa a hospitalidade numa noite de sabá?
tade chegar: ele referve e a cólera o excita. Quando o céu Insiste: "Não tenho onde dormiresta noite ... Eu te pago ... "
começa a entristecer-se, o homem também se entristece; O mastodonte abre a porta a contragosto e-vergonha!
quando troveja, ele franze as sobrancelhas para que o pecado! - embolsa o dinheiro. Em tudo o que se segue, o
rosto se tolde de ira tal como a face irritada do céu."9 Baal Shem Tov irá de surpresas a sustos e de decepções a
reais angústias. O homem é somente uma espécie de voraci-
Imagino também que ele chore quando chove e ponha dade em ato. Nada há em sua morada além de víveres amon-
os bofes pela boca quando venta. Imagino que esse exercício toados em desordem, já malcheirosos. Sequer um livro.
voraz da semelhança o ajude a não se sentir morrer demais Sequer um castiçal. O homem come, come o tempo todo,
sob o sol. come tudo. Nada de vela para acender, nada de alegria, nada
de oração, nada de lugar para o forasteiro. Só uma vontade
o homem que comia para melhor morrer obtusa, misteriosa e solitária de engolir.
Minha segunda história, vou contá-Ia apenas de memória, Qual poderia ser a santidade desse homem? O Baal
tendo com certeza a sensação de esquecer muito e, sem dúvi- Shem Tov começa a perguntar a si mesmo se seu sonho não
da, de modificar um pouco. É uma história que nos chega teria um duplo sentido que lhe escapa ou se esse sonho não
da bela tradição hassídica: relata um episódio da vida do era em si mesmo apenas uma sinistra manobra demoníaca.
Baal Shem Tov, o grão-rabino miraculoso. Uma noite, o rabi Vários dias seguidos o rabi se interroga sem compreendere
teve um sonho premonitório: ele se vê morto, no céu; até vê luta contra o fastio. Ainda paga seu detestável hospedeiro
exatamente o lugar que ocupa entre os eleitos ao redor do para observá-lo um pouco mais longamente às escondidas,
Messias. Pois muito bem, constata ele com admiração a figura dizendo a si mesmo que tudo isso talvez seja apenas uma
de um gordo personagem sentado a seu lado- a seu lado, dissimulação, um fingimento, um disfarce de santo homem
mas ligeiramente mais perto que ele do Messias em pessoa ... que deseja esconder sua santidade. Então, à noite, espia-
Haveria pois alguém mais santo que o santo rabi Baal Shem lhe o sono: roncos grossos e grosseiros. De manhã, espia-lhe
Tov? Sim, pois sempre há alguém mais santo que alguém. o despertar: grunhidos grossos e grosseiros (mas nada de
Tal é o sentido ou a moral desse son ho. filactérios na testa, nunca a menor oração). Depois, censura
Ao despertar, o rabi não se contenta nem com o sentido o consumo infernal e contínuo.
nem com a moral do sonho. Resolve irver in loco- incógnito, No fim, desgostoso, o Baal Shem Tov pede autorização
é claro- esse Justo que o ultrapassa em santidade e será seu do personagem para ir em bora e se prepara para voltar triste-
futuro vizinho no paraíso. Pois o Baal Shem Tov se disfarça mente à sua aldeia. À soleira da porta, faz escorregar um
de mendigo, como de hábito (o que, aliás, pouco lhe muda rublo a mais naquela mão disforme e pergunta, como último
a aparência)-e parte numa dessas longuíssimas viagens em recurso: "Todos esses últimos dias, não dissemos grande
que o legendário judaico é tão generoso. Muitas semanas coisa um ao outro, já que quase não paraste de comer. Mas,
mais tarde, após marchas estafantes, o velho homem se acha antes de deixar-te, tenho uma pergunta a fazer, se tanto:
diante da casa, bem miserável, daquele a quem quervervivo por que é que comes tudo aquilo? Até onde isso vai chegar?" E o
ao menos uma vez antes de com ele tagarelar para sempre homem responde bruscamente: "Certo, a ti posso dizer.
no além. É inverno, o vento sopra forte, estamos na Rússia e Quando eu era criança, meu pai foi apanhado pelos cossacos.
a noite vem caindo. Mas, sobretudo, essa noite é uma noite Disseram-lhe para beijar um crucifixo-e ele, um judeu
de sabá, o momento em que todos os judeus se reencontram piedoso, ele recusou, naturalmente. Então, bateram nele, mas
para festejar o repouso sagrado do sétimo dia. Em cada casa ele continuou a recusar. Então, cobriram-no de petróleo e
judia, essa noite é a alegria da refeição partilhada, da vela puseram fogo . Vi, com os próprios olhos, meu pai queimar-
que se acende, do pão que se consagra. Essa noite, tristeza mas pouquíssimo tempo. Compreende: meu pai era muito
rima com pecado. Essa noite, toda mesa reserva um lugar magro, ti n ha só pele sobre ossos. Apagou bem depressa
para o viajante de passagem . mesmo, compreendes? Quanto a mim, jurei a mim mesmo
O Baal Shem Tov bate então à porta, fe liz de antemão queimar muito tempo, muitíssimo tempo, e ser uma tocha tão
pelo momento de santidade que vai partilhar calorosamente gorda que os próprios cossacos hão de achar meu fogo belo
com santo mais que ele. É bem pesado o passo que então res- e generoso". O Baal Shem Tov lhe disse: "Compreendo, agora,
soa e, quando a porta se entreabre-porque ela se entreabre e te agradeço ... Mas tornaremos a falar disso mais tarde" .

192 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros ."
Em sua bela obra sobre o messianismo judaico, Gershom de mim". Maneira de anunciarque aquilo que se come, sua
Scholem assinala um comentário hassídico ao Salmo CVII, "carne", já constitui um ensaio (palavra a tomar em todos os
versículo quinto ("Tinham fome e sede e suas almas se agasa- sentidos, de antecipação e teatral, ou anamnésico e ritual),
lhavam"), sem dúvida compilado por volta de 1760 pelo pre- uma mnemotécnica de sua morte a vir. Porfim, Cristo per-
gadorMandel De Bar, amigo e discípulo do Baal Shem Tov-, turba in extremis o sentido lúgubre de toda essa cerimônia,
mas tradicionalmente atribuído ao próprio grão-rabino: ao prometer a todos os seus convivas reencontrá-los um dia
para um Banquete Eterno ondejamais cessarão de comere
"Eis um grande mistério: porque Deus criou o alimento beber juntos à mesa do Pai13. Compreende-se então que a
e a bebida de que o homem necessita? A razão é estarem refeição eucarística era também concebida com vistas a dar
repletos das centelhas do primeiro homem, Adão. Após matéria para se esperar o melhor (quer dizer, o impossível). O ato
sua queda, este as agasalhou e escondeu nos quatro de comer, bem se vê, terá servido ao mesmo tempo a tudo o
reinos da natureza, os minerais, os vegetais, os animais que estava em jogo.
e os homens. Agora, elas aspiram a voltare a se unirao Mais estranho ainda é o deslocamento que percorre
reino da santidade. Assim, aquilo que o homem come esse texto, ou antes esse conjunto de textos. De início, Cristo
e bebe ergue-se de suas próprias centelhas, que ele deseja comer, "comer antes de padecer", como ele mesmo diz.
tem a obrigação de restaurar. A isso é que o salmista Depois, ele dá de comer: dá e reparte o pão, à imagem de sua
fazia alusão quando escrevia: Tinham fome e sede e suas palavra, desse ensinamento que ele acaba aqui de prodiga-
almas se agasalhavam-elas se agasalhavam naquilo de lizar a seus discípulos. E para terminar o ensinamento, rema-
que tinham fome e sede, o que significa que suas almas tar completamente o valor de salvação desse ensinamento,
estavam no exílio dentro de formas e vestes alheias. ele se dá de comer, enquanto corpo, sob as espécies palpáveis
Sabei, pois, que todas as coisas de que o homem e misteriosas do pão e do vinho.
tem necessidade para comer constituem-lhe de modo Antes do episódio da instituição eucarística, aliás, Jesus
disfarçado os próprios filhos lançados ao exílio e ao Cristo já apresentava essa particularidade insigne, julgada
cativeiro."10 abracadabrante por alguns dos próprios discípulos: a de
tomar-se pelo pão. Porque desejava ardentemente fazer-se
o homem que comia para melhor ressuscitar amarou fazer-se comer como bom pão. Seu discurso na
A terceira história é a de um homem que sabe chegada sua sinagoga de Cafarnaum-que sobrevém, não por acaso,
hora. O que faz? Organiza uma grande refeição, que abre com justamente após o milagre da multiplicação dos pães-traz
esta palavraexatamente: "Desejei ardentemente comer con- os estigmas de uma espécie de certeza delirante: "Eu sou o
vosco antes de padecer... " Ele toma o pão, parte-o, reparte-o pão ... o pão da vida ... Eu sou o pão vivo, descido do céu.
e diz: "Tomai e comei, isto é o meu corpo dado por vós. Fazei Quem comer deste pão viverá para sempre. Eo próprio pão
isto em memória de mim". Ele toma o vinho, distribui-o e que eu darei, ele é a minha carne, para a vida do mundo ...
diz: "Este é o meu sangue, o sangue da Aliança, derramado Em verdade, em verdade, eu vos digo, se não comerdes a
em prol da multidão [... ]"11 carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não
O que significa o ato de comer nessas frases célebres tereis a vida em vós. Aquele que come a minha carne e bebe o
da instituição eucarística? Aquém dos problemas abissais da meu sangue tem vida eterna [... ] Aquele que come a minha
transubstanciação, as palavras são enfim muito claras: ao carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele".14
darde comer, Cristo quer primeiro dizer que dá matéria para Frases abissais-sexualmente abissais. Frases de amor
antecipara piar-"meu sangue derramado". É mesmo um místico, isto é, portadoras de uma voracidade total: ama a
pior que provém do âmago da refeição em questão, já que mim, vem a mim, fica em mim-come a mim. Etu gozarás
o homem por meio do qual o pior chega-a saber, Judas- eternamente.
está justamente lá, comendo entre os demais. "Um de vós No episódio evangélico desse extraordinário discurso
me vai entregar, um que come comigo", diz a versão de sobre o pão, são João não se furta a relatar a reação escanda-
Marcos. E a de Mateus: "O que pôs comigo a mão no prato, lizada dos ouvintes: "Essa palavra é dura! Quem pode escutá-
este é que me vai entregar" .12 Mas o pior, esse sangue que lo?" Quem pode, com efeito, suportaros estilhaços desse
vai serde uma vez portodas derramado, dá lugar na eucaris- cristal de gozo? Jesus haverá por bem esclarecer, ao fim do
tia à instituição de um rito sacramental destinado a lhe caminho, que fala "em espírito", não em corpo-"Isto vos
repetir indefinidamente a memória. Ao dar de comer, Cristo escandaliza?" [... ] As palavras que eu vos disse são espí-
dá, pois, matéria para ser lembrada-"fazei isto em memória rito!"-, mas o mal já está feito, quer dizer que a carne já

193 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman


desempenhara seu ofício de terror no superego dos especta- Mas o que é, então, que se come exatamente nessas
dores. E são João, o de constatar repenti namente o efeito de poucas migalhas, nessas poucas gotas que, como se consi-
repulsa irremediável que esse apelo voraz de Cristo acaba por dera, sustentam e reproduzem o corpo de um deus e de
suscitar: "A partir desse momento, muitos dos seus discípulos todos os outros corpos que, em espécie, o incorporam? O
se reti raram e deixaram de andar com ele". 15 O fantasma que vós comeis-explica em substância são Tomás-é
do deus que se dá de comer pela vida dos súditos-de acordo algo que, constantemente, transita entre massa e represen-
com uma linha contínua que vai do sacrifício ao sacra- tação. E ele explica: em primeiro lugar, vós comeis espécies
ment0 16 -bem constitui, todavia, a fortaleza de toda a crença (ex speciebus in quibus traditur hoc sacramentum); é uma massa,
e de toda a liturgia cristã. Outro não era o entendimento de uma massa de vinho produto de todos os frutos da videira,
são Tomás de Aquino, que intitulou com a palavra sumptio uma massa de pão produto de todos os grãos de trigo. Em
(manducação) os doze artigos da octogésima questão, na seguida, vós comeis uma modalidade (ex modo quo traditur
terceira parte de sua Suma teológica 17 • hoc sacramentum) : uma massa de matéria que vos converte
Sumptio, o ato de comer, é aí descrito quase nos mesmos espiritualmente porque ela vale uma graça espiritual.
termos com os quais um pai se veria obrigado a explicar ao Em terceiro lugar, vós comeis um conteúdo (ex eo quod in
filho por que é preciso comer (e não esqueçamos que a Suma hoc sacramentum continetur [... ]): e esse é o próprio Cristo
destina-se em primeiro lugar aos noviços, às crianças): tu ([. .. ] quod estChristus), em sua "presença real". E, porfim,
comes, meu filho, para crescer. Teu corpo é ainda muito comeis uma representação (ex eo quod per hoc sacramentum
pequenino e sem força ainda. Tu comes para dar acabamento repraesentatur [... ]): e essa é, diz Tomás de Aquino, a Paixão
à vida em ti. São Tomás bem falará, portanto, da nutrição de Cristo ([ . .. ] quod est passio Christi)-sua provação sacrifi-
eucarística em termos de alimentum: do mesmo modo que o cial, seu rito mortal e mortífero de passagem para a vossa
batismo faz "nascer" espiritualmente o corpo cristão, desse memória 25 . Para fazer inchar a vida em ti, meu filho, será
mesmo modo o exercício eucarístico (usus seu sumptio)18 lhe preciso que comas a morte e incorpores o padecimento de
permitirá alimentar-se e crescer 19 . Crescer até que ponto?- teu deus.
poderia perguntar a criança. Efetivamente, a questão é bem Há aí uma lei muito estranha. Seu paradoxo não lhe
essa. Perceber-se-á depressa que o ato de comer o deus sob advém somente de a morte vir nutrir a vida. Advém também
as espécies consagradas do pão e do vinho-sua "presença de uma topologia fantasmática segundo a qual aquele que
real" que se pode sentir na boca-, que esse ato visa a algo come fica incorporado naquilo que come, a saber, no corpo do
como um inchaço infinito do corpo que o absorve. deus. Cristo, lembremo-nos disso, pronunciara esta frase
E não se trata somente de um inchaço temporal, produ- chocante: "Aquele que come a minha carne e bebe o
torde graça e de perpétuo renascimento: "Aquele que come meu sangue permanece em mim e eu nele" .26 O liturgista
a mi n ha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna". 20 É da Idade Média irá ainda mais longe, nestes termos: "Aquele
também, mais diretamente, uma espécie de inchaço local q ue come e é i ncorporado tem o sacramento e o real (res,
que dilatará o corpo cristão, gradualmente, para enchê-lo até coisa) do sacramento. Aquele que come mas não é incorpo-
a enormidade e a multidão. Pois, na liturgia eucarística, rado tem o sacramento, mas não tem o real do sacramen-
"muitos são um em Cristo" (multi sunt unum in Christo), e cada to".27 Aí está um sentido extremo para a palavra communio:
um se torna muitos 21 . Como se a absorção, portodos os ao receber a-eucaristia, cada um magicamente sente-se
corpos separados, de um só corpo de Cristo-ele próprio "passar no corpo de Cristo".28 O que permite, afinal de
indefinidamente disseminado em todas as migalhas de hóstia contas-e de acordo com o princípio selvagem de uma
e em todas as gotas de vinho consagrado-tivesse por efeito verdadeira autofagia mística-, pensar o corpo que come como
juntare unirtodos os corpos uns aos outros até a incomensu- algo que se torne aquilo mesmo que ele come, a saber, uma subs-
rabilidade de um corpo-mundo. A eucaristia, o dito sacramen- tância de graça divina 29 . Comei-vos uns aos outros, vós que
tum conjunctionis 22 , foi pensada desde são Pau lo e os Pais da sois membros desse grande corpo do deus a que vos deveis
Igreja como um "mistério da unidade" dos corpos (mysterium i ncorporar em sacramento. Tal seria o en u nciado imperativo
unitatis), esse mistério pelo qual um corpo, um só e gigantesco dessa forma de amore dessa aliança voraz com o deus-
corpo chamado "místico", terá sido considerado produzir-se, um amor, uma aliança de carne comida e de sangue bebido.
formar-se a partirde todos aqueles que absorvem o mesmo Mas, diante do imperativo universal desse fantasma
deus; é então a unitas corporis 23 da Igreja inteira que se coagula dos corpos, cada um, é claro, reage de um modo. Há os
no evento da missa, antes de realizar-se para sempre no sábios de Deus e há os loucos de Deus, cada um a modular
grande festim eternamente nupcial do fim dos tempos24. a lei geral de voracidade com mais ou menos voracidade

194 XXIV Bienal "Rote iros. Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. "
particular. Há os desmedidos, os que vão direto ao essencial. rítmico de uma operação prodigiosa que a preenchia no
Esses tudo farão para comer Cristo do mesmo modo como próprio momento em que ela se sentia afogar-se em si.
ele entregou a alma: comerão o pão de vida mergulhando em
um vinho de morte. Portanto comerão o coração. Hão de O homem que comia para melhor apodrecer
querer incorporar a Paixão de Cristo (quod per hoc sacramentum Para terminar, contarei uma história mais curta, aparente-
repraesentatur) par san ca~ur ou par creu r 30 e a estranha topologia mente menos grave. Éa história de um homem muito doce,
da inclusão recíproca os levará finalmente a entrar nesse que gostava só de mel. Toda a vida ele passava a prodigalizar
coração, a habitá-lo e a ser comidos por ele: doçura e a comer mel. Ao fim de alguns anos, seus próprios
excrementos haviam-se tornado mel. Mais tarde, após sua
"A mesma diferença que há entre quem se exercita na morte e de acordo com seu voto de eterna doçura, puseram-
meditação das dores íntimas de Cristo e quem se detém no em um ataúde de pedra, completamente mergulhado no
naquelas de sua simples humanidade-há entre o mel mel. Cem anos passaram, durante os quais seu corpo acabou
ou o bálsamo contido dentro do vaso e as poucas goti- porfundir-se no mel. Então, reabriram o ataúde e distribuí-
nhas que umedecem o vaso do lado de fora. Aquele, ram essa substância aos enfermos, porque ela curava todos
pois, que deseja saborear a Paixão de Cristo não deve se os tipos de doença.
contentar com passear a língua sobre a borda externa A história encontra-se em uma obra chinesa intitulada
do vaso, quer dizer, as chagas e o sangue que aderem Tcho-keng lou, datada de 1366. Precisa o autor não ser ela
a esse vaso sagrado da humanidade de Cristo ... Que autóctone: "Em chinês vulgar, dizemos homem de mel; a pala-
entre dentro do próprio vaso, quero dizer o coração do vra estrangeira é mou-nai-yi". Ora, esse último termo designa
Cristo bendito, e ali será saciado até mesmo além de a múmia. Sem dúvida alguma, o "mel" da história é uma má
seus desejos."31 tradução (ou muito boa) do árabe e do persa mumía, mumiâl,
palavras que designam o betume ou o asfalto utilizado no
Essas poucas frases, devidas à Bem-Aventurada Camila Oriente Médio para untaras cadáveres a mumificar 35 .
Batista de Varano (1458-1524), essas poucas frases intensas O mel mágico de nossa história poderia então derivar
que declinam o ato de comer como o de entrar naquilo que sua origem do comércio bem peculiarque naqueles tempos
se come para se fazer digerir, são seguramente herdeiras de ligava o Oriente Médio a toda a Europa, °mas também enxa-
toda uma tradição que conheceu o apogeu no final da Idade meava até o Japão, até a China: era uma farmacopéia
Média 32. Dela são inumeráveis os exemplos, uns tão assom- obtida a partir das múmias egípcias, um pó de múmia ao qual
brosos quanto outros. Reflitamos sobre as "fomes eucarís- Ambroise Paré consagrou-como caçoada, certamente-
ticas" (esuries) de santa Catarina de Siena, que provocava o uma verdadeira pequena monografia. Nela ele explica o modo
vômito com o auxílio de uma varinha para isso previamente como os antigos utilizavam o betume ou o asfalto "para fazer
disposta, a fim de melhor gozar do festim único de carne e geléia de seus corpos", antes de fazer desses corpos os méis
de sangue divino que ela se oferecia com paixão unilateral; ou geléias de-bem-estar para os corpos dos vivos 36 .
a ponto de um dia haver mordido com tanta força o cálice
que lhe estendiam que a marca dos dentes ficou gravada Por q ue então comemos tão vorazmente? Por todas as
no metal e o padre teve muita dificuldade para lhe tirá-lo da razões boas e portadas as más. Razões de vida, razões de
boca. Reflitamos também sobre Dorotéia de Montau (1347- morte. Razões disparatadas, e mesmo contraditórias, que
1394), cujo processo de canonização assinala que a absorção contudo não podemos dispor em classes seja lá como for.
das espécies eucarísticas "agitava-a como água fervente"; Comer ajuda-nos a melhor matar (era este o sentido de
que, "se a ela fosse permitido, teria de boa vontade arran- minha primeira história). Comer ajuda-nos a melhor morrer
cado a hóstia das mãos do padre para levá-Ia à boca"; que (era este o sentido de minha segunda história). Comer
depois de receber o sacramento tinha ela a nítida sensação ajuda-nos a melhor ressuscitar (é este o próprio sentido
de trazer um feto dentro de si-o feto desse esposo divino, do sacramento eucarístico). A última história nos ensina
desse sponsus cuja presença a invadia ao lhe espalhar através que comer pode servirtambém para melhor apodrecer,
de todo o corpo algo como uma consolatio, ou uma suauitas, para mel hor prover os outros dos meios de não morrer.
ou uma delectatio ... algo a que ela mesma acabou por atribuir Como se o ato de comerse sustentasse de algo como uma
as palavras copula intima peracta 33 , isto é, um orgasm0 34 . heurística da morte.
Tal como a Virgem da Anunciação, sem dúvida, Dorotéia de Georges Didi-Huberman
Montau provou a presença de Cristo segundo o batimento Traduzido do francês por Claudio Frederico da Silua Ramos.

195 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman


1. J.G.Frazer [1854-1941], le rameau d'or, 11/. Esprits des blés etdes bois, Paris: laffont, 19. Mais precisamente: "Do mesmo modo que a vida espiritual necessitou do
1912, trad . P. Sayn, 1983, p.280. batismo, que é geração (generatio) espiritual, e da confirmação, que é crescimento
2. Ibid., p.281. (augmentum) espiritual, desse mesmo modo necessitou do sacramento da euca-
3. Cf. Hipócrates, Des lieux dans I'homme, XLII, 2, Paris: Belles Lettres, 1978, ristia, que é nutrição (alimentum) espiritual". Ibid ., IIla, 73,1.
ed . e trad . R. Joly, P.72. 20. João, VI, 52, comentado porTomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 79,2.
4. O autor joga com a lei de Tal ião-ai ho por 01 ho ... ; neste caso, entretanto, 21. Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 82, 2.
o significado pretendido é olho para olho [N . do T.]. 22. Sacramento da conjunção [N . do T.] .
5. É. Littré, Dictionnaire de la langue française (1866), Monte-Carla: Éditions du Cap, 23. Unidade do corpo [N . do T.].
1966, vaI. III, P.4897. 24. Ibid ., IIla, 79, 7. Mateus, XXII, 1-14. Cf. H. de Lubac, Corpus mysticum, op. cit.,
6. J. G. Frazer, le rameau d'or, op. cit., P.284. P·27·
7. Ibid., PP.283-284. Começa a ficar evidente que, a contrario, comer carne de 25. Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 79, 1.
frango faz alguém ficar med rosa-ou comer carne de tartaruga o im pede de 26. João, VI, 56.
correr(ibid ., p.282). 27. Hugues de Saint-Victor, De Sacra mentis, II, 8, P.L., CLXXVI , coI. 465C.
8. Ibid., p.288. Extraiu-se essa página do mesmo capítulo, intitulado "La magie 28. Sicut enim nos de uno pane et de uno calice percipientes, participes et consortes sumus
homéopathique du régime carnivore" (pp.280-297), o que uma vez mais nos corporis Domini. Raban Maur, citado e comentado por H. de Lubac, Corpus mysticum,
indica estarmos para além do bem e do mal e funcionarem nesses rituais op. cit., p. 32. Cf. igualmente PP.54-55.
guerreiros (destruidores) todos os dispositivos que na arte de curar são comuns 29. Ibid., P.52: "O corpo de Cristo-composto de todos os fiéis como de outros
(reparadores). Géza Roheim assinala grande número de fatos similares no capí- tantos membros-devia nutrir-se da carne de Cristo: Ut simus in eius corpore,
tulo sobre "l'homme-médecine et I'art de guérir", em sua obra l'Animisme, la sub ipso capite, in membris eius, edentes carnem eius [Comemos a carne dele, a fi m de
magie et le roi divin (1930), Paris: Payot, 1988, trad. L. e M. M. Jospin e A. Stronck, estarmos no corpo dele, sob a cabeça dele próprio, nas partes dele]. Assim falava
pp.12 3- 144· santo Agostinho, cuja linguagem Beda e Alcuíno contribuíram para vulgarizar.
9. J. G. Frazer, le rameau d'or,op. cit., P.293. Extensão maravilhosa da Encarnação [... ]".
10. G. Scholem, le Messianismejuif Essais sur la spiritualité dujuda',sme (1971), Paris: 30. Par son [pelo seu coração], par c!:eur [de cor] [N . do T.].
Calmann-Lévy, trad. B. Dupuy, 1974, P.285. 31. Acta Sanctorum, maio, VII , P492.
11. Lucas, XXII , 14-15 e 19. Mateus, XXVI, 26. Marcos, XIV, 24. 32. É abundante a literatura crítica, em meio à qual podem-se lerdois estudos
12. Marcos, XIV, 18. Mateus, XXVI, 23. Quanto a Lucas, XXII, 21 : "Mas eis que a magníficos: André Vauchez, "Dévotion eucharistique et union mystique chez
mão daquele que me entrega está a servir-se comigo nesta mesa". les saintes de la fin du Moyen Âge" , Atti dei Simposio internazionale cateriniano-
13. Mateus, XXVI , 29. Marcos, XIV, 25. Lucas, XXII, 16-18. bernardiniano, Siena: Accademia senese degli Intronati, 1982, PP.295-300.
14. João, VI , 48-56. C.W.Bynum, Holy feast and holy fast. The religious significance offood to medieval
15.João, VI, 60-66. women, Berkeley: UniversityofCalifornia Press, 1987.
16. Linha que a teologia moderna tenta em vão-e anacronicamente-destruir. 33. União íntima consumada [N. do T.].
No caso, o que se deve reter é ajusta lição de Henri de Lubac: "Aqui convirá 34. Citado por André Vauchez, "Dévotion eucharistique et union mystique", art.
sobretudo esquecer, por mais cômoda e mais fundamentada que por outro lado cit., P.296-298. Poderíamos comparar essa passagem com a questão-julgada
seja, a separação posta por tantos tratados modernos entre 'a Eucaristia como suficientemente importante porTomás de Aquino para dar origem a um artigo
sacrifício' e 'a Eucaristia como sacramento'. Pois que não se compreende o sacra- inteiro da Suma Teológica-de saber se a polução noturna impede ou não de comer
mento sem o sacrifício durante o qual ele se realiza e em relação ao qual, em sua o sacramento eucarístico (utrum nocturna pollutio impediat aliquem a sumptione corporis
permanência, mantém referência forçada : ln sacramento corpo ris Christi mors eius Christi). A resposta (positiva, decerto) se apóia em uma prescrição do Levítico, XV,
annuntiatur [No sacramento do corpo de Cristo, anuncia-se a morte dele]; e, de sua 16: "Quando um homem tiver uma efusão seminal, estará imundo até a tarde" .
parte, o próprio sacrifício é um sacramento [... ]" . H. de Lubac, Corpus mysticum. Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 80, 7.
l'eucharistie et I'église au Moyen Âge, Paris: Aubier, 1949 (edição revista), P.70. 35. Cf. H. Franke, "Das chinesische Wort für Mumie", Oriens, X, 1957, P.253-257.
17. Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 80: De usu seu sumptione huius sacra menti 36. A. Paré, "Discours de la mumie [sic]" (1582), CEuvres Completes, Genebra:
in communi. Slatkine Reprints, ed . J.-F. Malgaigne, 1970, III, P.476. Cf. também R. Pécout,
18. Uso ou manducação [N.doT.]. les mangeurs de momie. Des tombeaux d'Égypte aux sorciers d'Europe, Paris: Belfond, 1981 .

196 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Georges Didi-Huberman

Disparate thoughts on voracity


The man who ate so as to kill better pology, indeed of aesthetics: the problem ofthe art ofincorpora-
My first story takes place in the forbidding virgin forest. tion, when incorporation tends toward opening Up or bringing
There, as mas ter, lives a falcon with a red beak-a prodigious forth the magic power-perhaps the essence-ofthe act of
hunter, in truth. He has such piercing gaze that, from a con- resemblance. Certainly this problem articulates the most ancient
siderable height, he can distinguish a worm sliding between adage of medicine: simílía simílíbus curantur, similar things can
two leaves rotting on the ground. He plunges toward it and only be cured by similar things. 3 Let's call it an imaginary
carries it to the sky with lightning speed and precision. imperative that, literally, would confine man to eating what he
ln the forest of which l speak, these qualities transform wants to resemble, that is, to eating what he wants to be.
the little bird of prey into something of a godo The man who The Kobeua lndian thus presses the eye he wants to be,
lives here almost forgets to hunt: he does not tire of gazing that of the falcon, on his own: an eye for an eye. Here, the
at this superb bird; he remains for hours, his face turned up, prepositionfor is used in the sense of what "serves to mark the
his eyes dry and burning, contemplating the hypnotic and relation between a thing that affects and the person affected,"4
sovereign caIm ofthe falcon's concentric, soaring flight and in the sense of a symbolic procedure and an operation
when it espies or chooses its pray. Then, the red mark ofhis of substitution realized in an act of absorption, an intimacy
beak splits the sky like the very sign-the sharpened, already that one imagines would be deeply transformative.
bloody sign-ofhis magic predation. Strictly speaking, the lndian ate to see. Because to press the
The man, of course, envies the bird. He loves it and vitreous secretion of the bird between his lips and eyelids
venerat~s it; he has infinite respect for its capacity to see-to was alreadya kind of eating-or rather drinking. ln other
see so well and to hunt so well. He is jealous, too, then and forests, other lndians [Northern lndians] ate the pupils
thus he hates the animal power of this gaze and of this skill of owls in order to see the night. 5 And elsewhere, men
in the art of execution. Finally, as almost all men do in similar devoured birds of omen-crows or falcons-in order to
cases, he will kill it, taking advantage of the moment when the see the future. 6
little falcon is already devouring a stray marmot with his eyes. Eating would thus beco me the exercise par excellence
After a long journey in the jumble of trees, the man will find of a rite of passage: an initiation to power, particularly to the
the recumbent body of the beautiful bird. Then he will take it power ofkilling. When a young mother holds out a spoon
in both his hands and raise it above his tilted face, and put of soup to her cherub, using the facetious argument, Bat, you
out its eyes. And he will make the vitreous secretion flow into do not know who wílI eat you, she is aware that one must eat so
his own likean eye lotion. Then he will go back to hunting, as not to die, indeed so as not to be killed. But perhaps she
certain now that nothing will escape him. does not know that everywhere in the world, one must also
Frazer, from whom l borrow this Amazonian tale, eat in order to kill better. lndeed, one must eat what one
calls this "homeopathic magic."l No doubt he simplifies in wants to kill-that is, what one has already killed-in one
affirming self-importantly that "our naive savage naturally way or another. Thus, the overwhelming inventory gathered
expects to absorb a portion of the divine substance along by Frazer continually shakes us up-placing us somewhere
with the material substance." 2 Here, nothing-despite the between anguish and mad laughter-as it shakes up in every
luxurious local color-is decided "naturally." But Frazer's sense the word "omnivore," which, as is well known, is attrib-
account nonetheless touches on a crucial problem in anthro- uted to a vast number ofbirds, pigs, rats, and obviously to

197 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman


men, who are omnivorous to the point of delirium (that is, to eyebrow of an enemy they acquire the power oflooking
the point of a system), omnivores to the point ofhomovoraci- steadfastly at a foe. ln Tud ar Warrior Island, Torres
ty. A voracity proper to rituaIs, a voracity proper to all belief. Straits, men would drink the sweat of renowned warriors,
One and only one page, but one that already seems endless, and eat the scrapings from their finger-nails which
ofFrazer's two-to-three-thousand-page work, will suffice to had become coated and sodden with human blood.
reopen our eyes: ln Nagir, another island ofTorres Straits, in arder to
infuse courages into boys a warrior used to take the
Warriors ofthe Theddora and Ngarigo tribes (South- eye and tangue of a man whom he had killed and after
eastern Australia) used to eat the hands and feet of their mincing them and mixing them with his urine he
slain enemies, believing that in this way they acquired administered the compound to the boy, who received
some of the qualities and courage of the dead. ln the it with shut eyes and open mouth seated between the
Dieri tribe ofCentral Australia, when a man had been warrior's legs. Before every warlike expedition the
condemned and killed bya properly constituted party people ofMinahassa in Celebes used to take the locks
of executioners, the weapons with which the deed was ofhair of a slain foe and dabble them in boiling water
dane were washed in a small wooden vessel, and the to extract the courage; this infusion ofbravery was
bloody mixture was administered to all the slayers in a then drunk by the warriors. 7
prescribed manner, while they lay down on their backs
and the elders poured it into their mouths. This was Et caetera. As you can see, for man man is not only a
believed to give them double strength, courage, and wolf: he can be, in the most refined (that is, cruel) fashion a
great nerve for any future enterprise. The Kilimarois of tea ar a most restorative dish, a soup ofbravery that will
New South Wales ate the liver as well as the heart of a allow him to kill better. Give me the middle of your forehead
brave man to get his courage. ln Tonquin also there is that I may look you in the face and mas ter your death, and
a popular superstition that the liver of a brave man thus my own death. To enjoy ideally the power to kill you
makes brave anywho partake ofit. Hence when a and to be brave, as well, when you eat me.
catholic missionarywas beheaded in Tonquin in r837, So, in the very logic ofFrazer's narrative, it is toward
the executioner cut out the liver ofhis victim and ate part being a god that, in the end, this ritual voracity tends. The
ofit, while a soldier attempted to devour another ultimate dream would be, perhaps, crudely put, to eat the sky.
part ofit raw. With a like intent the Chinese swallow This is, in part, what occurs in other forests where man
the bile of notorious bandits who have been executed. decides one day to eat only what comes from the sky. He
The Dyaks ofSarawak used to eat the palms ofthe hands devours birds, he quenches his thirst with rain. But, above all,
and the flesh of the knees of the slain in arder to steady he watches for everything that has been touched by lightning:
their own hands and strengthen their own knees. The the remains of celestial fires-animals struck by lightning,
Tolalaki, notorious head-hunters ofCentral Celebes, trees burnt to a crisp, meteors-and he makes mealsof
drink the blood and eat the brains of their victims that them, but also of ointments that he incorporates in his
they may become brave. The Italones ofthe Philippine body, through scarification, as if to cut himself a hundred
Islands drink the blood of their slain enemies, and eat mouths. Thus, the sky enters him. Little by little, he will
part of the back of their heads and of their entrails raw beco me the sky, ar its guardian on earth, its representative as
to acquire their courage. For the sarne reason the he himself says:
Efuagos, another tribe ofthe Philippines suck the brains
oftheir foes. ln like manner, the Kai ofGerman New For when the heaven is about to be darkened, and
Guinea eat the brains of the enemies they kill in arder before the clouds appear ar the thunder mutters, the
to acquire their strength. Among the Kimbunda ofWest- heart ofthe heaven-herd feels it coming, for it is hot
ern Africa, when a new king succeeds to the throne, a within him and he is excited byanger. When the sky
brave prisoner of war is killed in arder that the king and begins to be overcast, he too grows dark like it; when
nobles may eat his flesh, and so acquire his strength it thunders, he frowns, that his face may be as black
and courage. The notorious Zulu chief Matuana drank as the scowl of the angry heaven. 8
the gall of thirty chiefs, whose corpses he had destroyed,
in the belief that it would make him strong. It is a Zulu I also imagine that he cries when it rains, and that he
fancy that by eating the centre of the forehead and the fills his lungs when it's windy. I imagine that this voracious

198 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Rotei ros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
exercise in resemblance helps him not to feel too deeply his stick. The man eats; he eats alI the time, he eats everything.
dying under the sun. Not a single candle to light, no joy, no prayer, no raom for the
stranger. Just an obtuse, mysterious, solitary will to swallow.
The man who ate so as to die better Where in could the holiness of this man lie? Baal Shem
My second story, 1 will recount fram memory, certainly with Tov begins to ask himselfifhis dream might not have a double
the feeling ofhaving forgotten much and no doubt changing meaning that eludes him, ar if this dream is not the work
things a little. lt is a story that comes to us fram the beautiful of the devil in himself. For many days, the rabbi questions
Hassidic tradition. It relates an episode in the life ofBaal himself without understanding and fights against disillu-
Shem Tov, the great, miraculous rabbi. One night, then, the sionment. He pays his detestable host again, in arder to
rabbi has a praphetic dream. He sees himself dead, in the observe him a little longer in secret, telling himselfthat all
sky, he even sees his exact place among those elected for the this is a feint, perhaps, a pretense, the disguise of a holy man
Messiah's entourage. Now, he notes with astonishment the who wishes to conceal his holiness. So, at night, he spies
face ofthe large person seated next to him-next to him but on him sleeping: disgusting, loud snores. ln the morning,
slíghtly claser than hím to the Messiah himself... Could there he spies on him awakening: disgusting, loud grunts (but no
then be someone holier than the sainted rabbi Baal Shem phylacteries on his forehead, still not the smalIest prayer).
Tov? Yes, because there is always someone holier than uso Then he returns to his infernal, continuous absorption.
Such is the meaning ar moral of this dream. ln the end, disgusted, Baal Shem Tov takes leave of this
When he awakens, the rabbi is not happy with either the man and prepares to return sadly to his village. On the
meaning ar the moral ofhis dream. He decides to go see for doorstep, he slides another ruble into the deformed hand and
himself-incognito of course-this Just who surpasses him asks, in a last ditch effort: "ln alI these last days, we said little
in holiness and who will be his future neighbor in paradise. to each other, because you almost never stopped eating. But,
So Baal Shem Tov dresses up as a beggar, as usual Cin any before leaving you, 1 have a question to ask you nonetheless:
case, he needs to change very little in his customaryattire)- "Why is ít that yall eat all that? Where will it go?" And the man
and he departs on one of those long journeys so common to answers brusquely, "Of course. You, 1 can telI. When 1 was a
the legendary Jew. Many weeks later, after wearying walks, the child, my father was taken by the cossacks. They told him to
old man finds himselfin front of the rather poor house kiss a crucifix-and he, a pious Jew, naturally refused. So,
of the man whom he wishes to see alive just once before he they beat him, but he continued to refuse. So, they poured
chats with him for eternity in the beyond. It is winter. The gasoline on him and set him on fire. 1 saw my father burn
wind blows hard. We are in Russia, and night is about to falI. with my own eyes. But he burned for a very short time,
But, above all, this evening is Shabbat, when all Jews gather you understand: my father was very skinny, he had only skin
to celebrate the sacred rest of the seventh day. ln each Jewish on his banes. He went out too quickly, you understand?
household that evening reigns the joy of the shared meal, of 1, 1 vowed to myself to burn a long time, a very long time,
the lighted candle, of the consecrated breado That evening, and to be such a thick torch that even the cossacks would
sadness rhymes with sino That evening, every table reserves a find my fire beautiful and generaus." Baal Shem Tov told
place for the trave ler. him: "Now 1 understand, and 1 thankyou ... Butwe will
Thus Baal Shem Tov knocks on the doar, happily talk about it again."
anticipating the holy moment that he will warmly share with ln his beautiful work on Jewish Messianism, Gershom
the one who is holier than he. A very heavy step resonates Scholem cites a Hassidic commentary on Psalm CVII, fifth
when the doar opens part way-because it only opens part verse ("Hungry and thirsty, their souls fainted within them"),
way-an obese, almost mean head asks that he go on his way. which was undoubtedly compiled araund q60 by the predictor
Baal Shem Tov is stupefied: What Jew would refuse hospitality MandeI De Bar, a friend and disciple ofBaal Shem Tov, but
on a night ofShabbat? He insists, "1 have nowhere to sleep which is traditionally attributed to the great rabbi himself:
this evening ... 1 will pay you ... "
The colossus unwillingly opens his doar and-shame! Here is a great mystery: Why did God create food and
sin!-pockets the money. ln everything that follows, Baal drink ofwhich man has need? Because they are filled
Shem Tov will go fram surprise to alarm, fram disillusion to with the sparks of the first man, Adam. After his fall,
real anguish. The man is nothing but a kind ofliving voracity. he wrapped them and hid them in the four domains of
There is nothing in his house but food-in disordered, nature: mineral, vegetable, animal, and humano They
already stinking piles. Not a single book. Not a single candle- now aspire to return and to attach themselves to the

199 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman


domain ofholiness. Thus, what man eats and drinks Christ wants to eat, to "eat before I suffer," as he himself says.
comes from his own sparks, which he is obliged to Then he providesfood: he divides and shares the bread, in the
restore. It is to this that the psalmist alluded when he image ofhis words, ofthe teachingwith which here he ceas-
wrote: They were hungry and thirsty and their soulsfainted es to shower his disciples. And to end the teaching, to perfect
within them-they swathed themselves in what they its redemptive value, he olfers himself up to eat, as a body, in
were hungry and thirsty for, which means that their the guise of the mysterious and palpable species that are
souls were in exile in strange forms and clothing. bread and wine.
Know then that all things man needs to eat constitute Besides, before the episode ofthe eucharist, Jesus Christ
in a hidden way his own children thrown into exile already showed signs ofthis signal particularity, judged fan-
and into captivity. 9 tastic by some ofhis own disciples: that is, he took himself
for breado Because he ardently desired to make himselfloved
The man who ate the better to be resurrected or eaten as good bread is. His speech in the synagogue of
The third story is of a man who knows his hour has come. Capernaum-that comes, not accidentally, after the miracle of
What does he do? He organizes a banquet, which he opens the multiplication ofloaves-bears the stigmata of a kind
with these exact words, "I have earnestly desired to eat this of delirious certainty: "I am the bread oflife ... I am the liv-
passover with you before I suffer... " He takes bread, he breaks ing bread which carne down from heavenj if any one eats of
it, he gives it to them and he says, "This is my body which is this bread, he willlive foreverj and the bread which I shall
given for you. Do this in remembrance of me." He takes a give for the life of the world is in my flesh ... Truly, truly, I say
cup of wine, he gives it to them, and he says, "This is my to you, unless you eat the flesh of the Son of man and drink
blood of the covenant, which is poured out for many.. ."10 his blood, you have no life in yOUj he who eats my flesh and
What does the act of eating signifY in these famous drinks my blood has eternallife [... ] He who eats my flesh
phrases of the eucharist? Apart from the unfathomable and drinks my blood abides in me, and I in him." 13 Unfath-
problems oftranssubstantiation, the words are in themselves omable-sexually unfathomable-phrases. Phrases of mys-
fairly clear: in providing food, Christ signifies first of all that ticallove, which carry a total truth: love me, come in me,
he is giving matter with which to anticipate the worst-"my blood live in me-eat me. And you will find eternal bliss.
that will be poured." It is even a worst at the very heart of the ln the Evangelical episode of this extraordinary speech
meal in question, because the man through whom the worst on bread, St. John does not forget to recount the scandalized
arrives-Judas-is there, eating among the others. "Qne of reaction of the audience: "This is a hard saying, who can listen
you will betray me, one who is eating with me," says Mark's to it?" Who can, in fact, hold the brilliance of this crystal of
version. And that ofMatthew: "He who has dipped his hand enjoyment? Jesus will in vain make clear, at the end ofthe
in the dish with me, will betray me."11 But the worst, the journey, that he speaks "in spirit" and not in body- "Do you
blood that will be spilled once and for all, gives rise in the take offense at this ... the words that I have spoken to you
eucharist to a sacramental rite destined to repeat the memory are spirit"-the harm is already done, that is, the flesh has
ofthis spilt blood indefinitely. ln providing others with food, already served its terrorizing role on the superego ofthe
Christ thus gives matter with which to remember-"do this in spectators. And St. John attests abruptly to the repulsive
remembrance of me." A way of announcing that what is effect of no return to which Christ's voracious appeal has just
being eaten, his "flesh," already constitutes a rehearsal given rise: "After this many ofhis disciples drew back and no
(a word to be understood in all its meanings, as anticipatory longer went about with him."14 The phantasm ofthe god
and theatrical, or anamnestic and ritual), a mnemotechnique who gives himselfto be eaten for the life ofhis subjects-a
ofhis death to come. ln the end, Christ reverses in extremis the continuous line from sacrifice to sacrament 15 -constitutes,
lugubrious meaning of this whole ceremony by promising to nonetheless, the cornerstone of all Christian belief and liturgy.
all his guests that he will meet them again one day for an St. Thomas of Aquinas understood it thus, he who entitled
eternal Banquet where they will never stop eating and drink- the twelve articles ofhis 80 th question, in the third part
ing at the Father's table. 12 Thus the feast ofthe eucharist was Summa Theologiae, sumptio (Eucharist).16
also conceived with the view of giving matter with which to Sumptio, the act of eating, is described there in the sarne
hopefor the best (that is, for the impossible). The act of eating, terms, more or less, that a father would use to explain to his
you see, will have served all these interests at once. son why one must eat (and let us not forget that the Summa
Stranger still is the displacement that runs through is adressed first of all to novices and children): you eat, my
this text, or rather this group oftexts. At the beginning, son, to grow. Your body is still very little, and still without

200 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros ."
strength. You eat to complete life in you. St. Thomas will life swell in you, my child, you must eat death and incorpo-
speak, then, of the food of the Eucharist as alímentum: just as rate the suffering of your godo
baptism gives "birth to the spiritual Christian body, so the Therein lies a strange law. His paradox does not come
eucharistic exercise (usus seu sumptio) will enable it to be fed solely fram death nourishing life. It comes also from a
and graw. 17 To graw to what point?-the child might ask. phantasmatic topology according to which the one who eats
That, in fact, is the questiono It is readily apparent that the is incorporated in what he eats, that is in the body of the godo
act of eating god in the form of the consecrated species that Recall that Christ spoke these shocking words, "He who
are bread and wine (his "real presence" can be grasped in eats my flesh and drinks my blood abides in me, and I in
the mouth) aims for something like an infinite swelling of the him."22 The liturgist ofthe Middle Ages will go one step fur-
body that absorbs them. ther: "He who eats and is incorporated has the sacrament
And it is not just a swelling of time, that producer of and the real (res, the thing) of the sacramento He who eats
grace and perpetuaI renaissance: "He who eats my flesh and but is not incorporated has the sacrament, but not the real
drinks my blood has eternallife."18 It is also, more directly a of the sacrament."23 That is an extreme meaning for the
sort oflocal swelling that will extend the Christian body fram word communio: in receiving the eucharist, each magically
kin to kin, will fill it to the point of enormity and multitude. feels himself"pass into the body ofChrist."24 Which in the
Because in the liturgy of the eucharist, "manyare one in end allows-according to the savage principIe of a true,
Christ" (multi sunt unum in Chrísto), and "each becomes mystical autophagy-for us to think of the body that eats as
many."19 As if absorption, byall separate bodies, of a single becoming the one it eats: a substance of divine grace. 25 Eat
Christ-like body-himselfindefinitely dispersed in all the each other, you who are the members of the great body of
crumbs of the host and all the draps of consecrated wine- god which you must incorporate in the sacramento Such
had the effect of adding and uniting all the bodies, one to the would be the imperative statement ofthis form oflove and
other, to the immoderation of a body-world. The eucharist, ofthis voracious alliance with god-a love, an alliance of
or sacramentum conjunctionis, has been regarded since St. Paul flesh eaten and blood drunk.
and the Fathers of the Church, as a "mystery of the unity" of But, in the face ofthe universal imperative ofthis
bodies (mysterium unitatís). A mystery thraugh which a body, phantasm ofbodies, each, of course, reacts in his own way.
a single and gigantic body called "mystical," would have There are the wise men of God and the fools of God, each
been forced to praduce itself, to form itself according to modulating the generallaw of voracity with a more or less
those that absorb the sarne godo It is thus the unitas corporís singularvoracity. There are the excessive ones, those who go
ofthe Church as a whole that coagulates in the performance of straight to the heart of the matter. Those who will put every-
the mass, before being realized for ever in the grand, thing to work in order to eat Christ through the very thing
eternally nuptial feast ofthe end oftime. 20 through which he gave the soul: they will eat the bread of
But what is it exactly that one eats in these few crumbs, life while plunging into the wine of death. Thus they will eat
in these few draps that are supposed to sustain and repraduce the heart. They will want to incorporate the Passion of
the body of agod and of all the other bodies, which incorpo- Christ (quod per hoc sacramentum repraesentatur) through his
rate it in species? Whatyou eat-St. Thomas explains in heart or by heart, and the strange topology of reciprocaI
substance-is something that constantly shifts fram matter inclusion willlead them finally to enter the heart, to inhabit
to representation. And, he explains, first you eat species it and to be eaten by it:
(ex spedebus in quibus traditur hoc sacramentum: a quantity, a
quantity of wine that comes fram all the grains of the raisin, The sarne difference exists between he who exerts him-
a quantity ofbread that comes fram all the grains of wheat. self meditating on the intimate pains of Christ and he
Then, you eat a modality (ex modo quo traditur hoc sacramentum): who stops at those ofhumanity as between the honey or
a quantity of matter that converts you spiritually because it the balm in the vessel and the few draplets that moisten
equals a spiritual grace. Thirdly, you eat a content (ex eo quod its exterior. He who wishes to taste the Passion of Christ,
in hoc sacramentum continetur [... ] ); and it is Christ himself then, must not content himself with passing his tongue
( [... ] quod est Christus) , in his "real presence." And, finally, along the outside of the vessel, that is, the wounds and
you eat a representation (ex eo quod per hoc sacramentum reprae- the blood that adhere to the sacred vessel of the humanity
sentatur [... ] ); and it is, says Thomas Aquinas, the Passion of ofChrist. .. Ifhe enters into the vessel itself, I mean thus
Christ ( [... ] quod est passio Christí)-his sacrificial trial, his into the heart ofblessed Christ, he will be satisfied, even
mortal and deadly rite of passage to your memory.21 To make beyond his own desires. 26

201 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman


Thanks to the Blessed Camilla Battista da Varano (1458- completely submerged in honey. One hundred years passed,
1524), these few sentences-intense sentences that decline during which his body ended Up dissolving in the honey.
the act of eating as one of entering into what one eats in The coffin was opened and this substance was distributed to
order to be digested by it-owe much, certainly, to a whole the sick, because it cured all sorts of afflictions.
tradition that reached its apogee at the end of the Middle The story can be found in aChinese work entitled
Ages. 27 There are innumerable examples, each as stupefYing Tcho-keng lou, dating from 1366. The author specifies that the
as the next. Think ofthe eucharistic famines (esuriences) of story is not native: "ln everyday Chinese, we say man ofhone1J;
Saint Catherine ofSienna. She made herselfthrow up with the foreign is mou-nai-yí." Now, this last term designates a
the aid of a stick designed for this purpose in order to take mummy. The "honey" ofthe story is doubtless a bad (or too
greater pleasure in the unique feast of divine flesh and blood accurate) translation ofthe Arab or Persian, múmia, múmiâi,
of which she partook with a unilateral passion. One dayshe words that designate the bitumen or asphalt used in the Mid-
bit the chalice held out to her with such force that the mark dle East to anoint cadavers who were to be mummified. 29
ofher teeth was imprinted on the metal, and the priest had The magic honey of our story could thus originate from
great difficulty in extracting it from her mouth. Think also the singular commerce that linked the Middle East to all of
ofDorothy ofMontau (1347-1394), whose cannonization Europe at that time, but which also spread to Japan and
process indicates that the absorption of eucharistic species China: a pharmacopeia obtained from Egyptian mummies,
"agitated her like boiling water," that, "had she been allowed, a mummy powder to which-in order to make fun ofit,
she would willingly have torn the host from the priest's hands of course-Ambroise Paré devoted a small monograph. There
to bring it to her mouth". After receiving the sacrament she he explains how the ancients used bitumen or asphalt "for
had the distinct sensation of carrying a fetus-the fetus of the preservation of their bodies," before making honey or
this divine spouse, of this sponsus who permeated her with his preserves ofthese bodies for the well-being ofliving bodies. 30
presence while distilling through her whole body something
like a consolatio, or a suavitas, or a delectatio . .. something that Why then do we eat so voraciously? For good and bad rea-
she ended up calling copula intima percata, that is, an sons. For reasons oflife, for reasons of death. For disparate,
orgasm. 28 Like the Virgin of the Annunciation, Dorothy of indeed contradictory, reasons, which nonetheless are not
Mantua doubtless experienced the Christ-like presence without reason. Eating helps us to kill better (that was
through the rhythmic beating of a prodigious operation that the meaning of my first story). Eating helps us to die better
filled her at the very moment she thought she was drowning. (that was the meaning of my second story). Eating helps
us to resurrect better (that is the very meaning ofthe
The man who ate so as to rot better eucharist). The last story teaches us that eating can be a means
ln conclusion, I will recount a shorter, seemingly less serious of rotting better, of furnishing others with the means not to
story. It is the story of a very gentle man who only liked honey. die. As if the act of eating were sustained by something like a
His whole life was spent promoting sweetness ànd eating heuristics of death.
honey. After a few years, his excrement itself seemed to have Georges Didi-Huberman
become honey. Later, after his death and according to his Translatedfrom the French by Sheíla Faria Glaser.
wish for eternal sweetness, he was placed in a stone coffin

1. J. G. Frazer, Thegolden bough: spíríts ofthe com and ofthe wíld, London: Macmillan Géza Róheim points to a large number of similar facts in his chapter on "The
and Co, 1951, voI. V, parts I and II. medicine man and the art ofhealing," Anímísm, magíc and the dívíne kíng, London:
2. Ibid, voI. V, part II PP.I38-39. Kegan Paul, Trench, Trubner & Co., Ltd., 1930.
3. Cf. Hippocrates, Des lieux dans l'homme, voI. XLII, Paris: Les Belles Lettres, I978, 8. Frazer, voI. V, part II, p.I60.
P.72, 2, ed. and trans. R. Joly. 9. J.G. Scholem, Le Messíanísmejuíf Essaís sur la spírítualité dujudaí"sme, (I97I) , Paris:
4. E. Littré, Díctíonnaíre de la languefrançaíse (1866), Monte-Carlo: Editions du Cap, Calmann-Lévy, 1974, P.285, trans . B. Dupuy [English translation mine-TRANS.]
1966, voI. III, P-4897. IO. Luke, XXII, 14-15 and 19. Matthew, XXVI, 26. Mark, XIV, 24.

5. J. G. Frazer, Thegolden bough, PP.I44-I45 . II. Mark, XIV, 18. Matthew, XXVI, 23. As for Luke, XXII, 2I: "But behold the hand
6. Ibid, PP.I43. It begins to go without saying that eating, a contratío, the flesh of a ofhim who betrays me is with me on the table."
chicken makes one cowardly-or that eating the flesh of a turtle keeps one fram I2. Matthew, XXVI, 29. Mark, XIV, 25. Luke, XXII, 16-18.
running (ibid, PP.I39-I40). 13· John, VI, 48-57.
7. Ibid, voI. V, part II PP.I5I-I53. This page is taken fram the sarne chapter, entitled 14. John VI, 60-66.
"The homeopathic magic of a flesh diet," which points once again to the fact that IS. Aline that contemporary theology tries vainly-and anachranistically-to
we are beyond good and evil, and that in the rites of war (which are destructive) sever. Here, the true lesson ofHernri de Lubac: "Here especially it would be wise
operate all the mechanisms common to the art ofhealing (which are curative). to forget the separation, no matter how comfortable and raoted it may be other-

202 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros ."
wise, that is placed by so many modern treatises between "The Eucharist as sacri- members-will nourish itself on the flesh ofChrist: Ut símus ín eíus corpore, sub
fice" and "The Eucharist as sacrament." Because the sacrament cannot be under- ípso capíte, ín membrís eíus, edentes carnem eíus. Thus spoke St. Augustine, whose
stood without the sacrifice in the course of which it is realized and to which, in its language Bede and Alcuin contributed to vulgarizing. The marvelous prolonga-
permanence, it retains a necessary reference: ln sacramento corporís Chrístí mors eíus tion ofIncarnation [... ] "
annuntíatur; and for its part sacrifice is itself a sacrament [... ] " H. de Lubac, Cor- 26. Acta Sanctorum, May, VII, P.492.
pus mystícum. L'eucharístíe et I'églíse au Moyen Age, Paris: Aubier, 1949, éd. revue, P.70. 27. Ofthe abundant literary criticism, one could read two magnificent studies:
16. Thomas Aquinas, Summa theologíae, IIIa, 80: De usu seu sumptíone huísíus scaramen- André Vauchez, "Dévotíon eucharístíque et uníon mystíque chez les saíntes de lafín du
tí ín communí (Ofthe use ar receiving ofthis sacrament in general). [All English Moyen Âge" [Eucharistic devotion and mystic union], Attí dei Símposío ínter-
translations ofThomas Aquinas' text cited in this essay are taked from the transla- nazíonale catríníano-bernardíníano, Sienna: Accdemia senese degli Intronati, 1982,
tion by the Fathers ofthe English Dominican Province, vols. 4 and 5, Westminster, PP.295-300. C. W. Bynum, Holyfeast and holyfast: the relígíous sígnlfícance offood to
MD: Christian Classics, 1981,-TRANS]. medíeval women, Berkeley: University ofCalifornia Press, 1987.
17. More precisely, "Just as for the spirituallife there had to be Baptism, which is 28. Cited by André Vauchez, "Dévotíon eucharístíque et uníon mystíque chez les saíntes de
spiritual generation (generatío),and confirmation which is spiritual growth (augmen- la fín du Moyen Âge," art. cito PP.296-298. One could compare this passage with
tum), so there needed to be the sacrament ofthe Eucharist, which is spiritual.food question-judged important enough by Thomas Aquinas to give rise to a whole
(alímentum)." Ibid., I1Ia, 73, 1. article in Summa theologíae-Does nocturnal pollution hinder one from receiving
18. John, VI, 54, commented on by Thomas Aquinus, Summa theologíae, I1Ia, 79, 2. the sacrament? (utrum nocturna pollutío ímpedíat alíquem a sumptíone corporís Chrístí).
19. Thomas Aquinas, Summa theologíae, I1Ia, 82, 2. The response (affirmative, of course) is based on a prescription in Leviticus, XV,
20. Ibid, I1Ia, 79, 7. Matthew, XXII, 1-14. Cf. H. de Lubac, Corpus mystícum, 16: "And if a man has an emission of semen, he shall bathe his whole body in
op cit., P.27. water, and be unclean until the evening." Thomas Aquinas, Summa theologíae, I1Ia,
21. Thomas Aquinas, Summa theologíae, I1Ia, 79, 1. 80,7·
22. John, VI, 56. 29. Cf. H. Franke, "Das chinesische Wort für Mumie," Oríens, X. 1957, P.253-257.
23. Hugues de Saint-victor, De Sacramentís, II, 8, P.L., CLXXVI, coI. 465C. 30. A. Paré, "Díscours de la mumíe[sic]" [Discourse on the mummy], 1582, CEuvres
24. Sícut ením nos de uno pane et de uno calíce percípíentes, apartícípes et consortes sumus Completes, Geneve: Slatkine Reprints, 1970, voI. III, P.476, ed. J-F. Malgaigne. Cf.
corporís Domíní. Raban Maur, cited in and commented on by H. de Lubac, aIs a R. Pécaut, Les mangeurs de momíe. Des tombeaux d'Egypte aux sorcíers d'Europe, Paris:
Corpus mystícum, op. cit., P.32. Cf. also, PP.54-55. Belfand, 1981.
25. Ibid., P.52: "The body ofChrist-comprising all the faithful as so many

203 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman


África curadoria Lorna Ferguson com assistência de Awa Meite
texto Thomas Mulcaire e Lorna Ferguson

A tempestade segundo William Shakespeare e Aimé Césaire

Nomes dos Delegados à Conferência


ALONSO diretorde uma fundação americana filantrópica para o estilo na arte
SEBASTIAN editorde uma revista sobre arte africana contemporânea
PROSPERO diretor bem assimilado de uma galeria nacional, em um país

africano não identificado


ANTON 10 irmão de Prospero, curador independente, conhecido por atribuir

indevidamente a si mesmo todas as teorias sobre a África


FERDINAND um curador estagiário

GONZALO um velho essencialista, pomposo, mas honesto

ADRIAN e FRANCISCO colecionadores

CALlBAN um modernista africano selvagem, mas em forma

TRINCULO o editor da Flash Art

STEPHANO um crítico marxista bêbado


o CAPITÃO DO NAVIO NEGREIRO

UM FUNCIONÁRIO DO SETOR DE EDUCAÇÃO DO MUSEU um habitante local


MARIN H EI Ros/EQUI PE DE ASSISTENTES DO MUSEU

MIRANDA filha de Prospero, aluna de Robert Hewison


ARIEL um escritor-filósofo, aprisionado no corpo de um engenheiro

A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR

O FANTASMA DE OSWALD DE AN DRADE

O FANTASMA DE ROLAN O BARTH ES

O FANTASMA DE PICASSO
O FANTASMA DE AN DRÉ MALRAUX

O FANTASMA DE FRANTZ FANON

OXUM
ORIXÁS DO CANDOMBLÉ

GARÇONS DE BAR
CAFETÕES e PROSTITUTAS

Touhami Ennadre Baby screaming Bebê gritando fotografia 160x 130cm

205 África Lorna Ferguson e Awa Meite


Cenário: Dacar, Senegal. Um navio negreiro ancorado, metade submerso, ao largo da Ilha de Gorée. Não fica muito claro
se é uma peça de museu ou um navio que ainda funciona.

Prólogo
Deve ser cantado ao som de No woman no cry, de Bob Mar/ ey l.
o CAPITÃO DO NAVIO NEGREIRO: Com o passardo tempo, o fato de Caliban ter recuperado sua ilha
provou ser um triunfo em termos, já que a autonomia de sua nação emergente ficou muito mais
comprometida do que havia sido imaginado por uma geração de nacionalistas mais otimistas-
tanto políticos quanto escritores- que presenciaram a chegada da independência. Os terceiro-
mundistas têm achado difícil extrair da peça analogias com essas novas circunstâncias, nas quais
Prospero, tendo renunciado oficialmente à sua autoridade sobre a ilha, continua, com tanta freqüên-
cia, a manobrá-Ia à distância. A pertinência em declínio da peça em relação à África contemporânea
e ao Caribe tem sido exacerbada pela dificuldade de se arrancar dela qualquer papel para a rebeldia
ou a liderança da mulher, num período em que o protesto, cada vez mais, vem daquelas bandas 2 •

Ato 6, cena 1 3
Em um navio no mar: ouve-se o barulho tempestuoso de turistas afro-americanos e dos delegados à conferência que se
escondem.
Entram o Capitão do Navio Negreiro e o Funcionário do Setor de Educação do Museu.
CAPITÃO: Funcionário da Educação!

FUNCIONÁRIO: Aqui estou, capitão. O que há?

CAPITÃO: Temos convidados. Dirija-se imediatamente aos guias. Diga-lhes que falem algo politica-

mente correto ou o museu será coisa do passado.


Sai o Funcionário da Educação. Ouve-se retórica nos bastidores.
Entra a Equipe de Assistentes do museu, em trajes de marinheiro.
Ouve-se uma gravação de uma comunicação lida em Bruxelas por WI LLY BAL: Vejo todos estes homens despojados
de sua humanidade e depois registrados e considerados apenas como "peças de ébano". Ouço Sua
Majestade Cristianíssima lançando seus navios ao mar, numa conquista "das almas e das especia-
rias". O arcabouço carnal, que encerra as almas, pode ser esvaziado pelo escorbuto e pela disen-
teria, porque, aconteça o que acontecer, a alma será salva pela graça do batismo. As especiarias, no
entanto, precisam chegar a salvo ao porto, com ,seu sabor intacto e prontas para desencalhar o
tesouro real. Ilha de Gorée: pôr-do-sol em um mar encapelado, contemplado entre as barras da cela ,
do cativeiro. O confinamento encarando a infinidade de um horizonte livre. Quem jamais revelará
o desespero secreto ou gritante daqueles corações de madeira de ébano?4
Entram o Funcionário da Educação, Alonso, Sebastian, Antonio, Ferdinand, Gonzalo e outros.
ALONSO: Você aí. Onde está o capitão? Diga alguma coisa.

FUNCIONÁRIO: Rogo-lhes que voltem para a sua conferência.

ANTON 10: Onde está a teoria?

FUNCIONÁRIO: Não a ouvem? Os senhores prejudicam nosso trabalho: Não digam nada, os senhores

assistem à tempestade.
GONZALO: Sabe com quem está falando?

FUNCIONÁRIO: Quando o mar está como está, o que importam estas ondulações, em nome do rei?

Para a conferência e em silêncio! Não nos perturbem!


GONZALO: Está bem, mas lembre-se de quem patrocina este navio.

FUNCIONÁRIO: Claro, aquele que paga minha viagem, mas para que os senhores estariam me

pagando se não fosse para cond uzi r? O sen hor é um mem bro enfadon ho, ordene a estes delegados

206 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
que fiquem em silêncio. Em seus quartos no hotel, preparem-se para o
infortúnio do que está por vir, para o fim da hegemonia ocidental, e
agradeçam por seus dogmas terem durado tanto tempo. Saiam de nosso
caminho.
Sai o Funcionário da Educação perseguido por um grauador.
ALONSO: Este sujeito me reconforta: acho que não traz marcas de afoga-

mento; seu aspecto é perfeito para a execução. Não precisamos tomar


mais nen h u ma atitude, a não ser presenciar seu enforcamento: fazer da
corda de seu destino nosso cabo submarino. Se ele não nasceu para ser enforcado, então nosso
orçamento foi desperdiçado.
Volta o Funcionário da Educação.
FUNCIONÁRIO DA EDUCAÇÃO: Mantenham o novo curso. Uma praga nesta embarcação! Eles fazem
mais zorra do que o vento ou do que qualquerfuncionário de nosso escritório.
ANTON 10: Ele ainda será enforcado, ainda que cada gota d'água jure o contrário. E escancarem a

boca ao máximo para degluti-lo.


Um barulho confuso no interior do nauio: Tenham piedade de nós!-Nos separamos, nos separamos!-
Adeus, minha irmã!-Adeus, irmão!-Nos separamos, nos separamos, nos separamos!
SARAT MAHARAJ: O Congo está inundando a Acrópoles.

ANTON 10: Afu ndemos todos com o rei.

FERDINAND: Vamos nos despedir dele.

Saem Ferdinand e os demais.


SEBASTIAN: Daria eu mil palavras em troca de um acre [quatro mil metros quadrados] de pintura.

Prefiro uma morte seca. Garçom!


Saem.

Ato 6, Cena 2
Sala de conferências. Uma mesa e, sobre ela, dois copos com água.
Entram Prospero e Miranda, trazendo tratados sobre a genealogia do status quo. Caliban e centenas de outrosjá estão
sentados, com aparelhos de tradução simultânea nos ouuidos. Um microfone passa de mão em mão.
PROSPERO (pigarreando ruidosamente): A guardiã da verdadeira arte contemporânea é a tradição.

CALlBAN: Tradição de quem?

PROSPERO: Minha querida menina ... a tradição da vanguarda, tal como improvisada em exposições,

igual àquela em que você tem a sorte de estar exposta atualmente!


Bom ... como dizia Ad Reinhardt em 1953, antes que você me interrompesse: "Os Seis Cânones
Gerais ou os Seis Nãos que devem ser memorizados são: (1) Não ao realismo ou ao existencialismo.
"Quando o vulgare o lugar-comum predominam, o espírito se abate." (2) Não ao impressionismo.
"O artista deve livrar-se para sempre da servidão da aparência." "O olho é uma ameaça à visão
clara." (3) Não ao expressionismo ou ao surrealismo. "O desnudamento de si próprio", autobiogra-
ficamente ou socialmente, "é obsceno". (4) Não ao fauvismo, ao primitivismo ou à art bruto "A arte
principia pelo ato de nos livrarmos da natureza." (5) Não ao construtivismo, ao plasticismo escultó-
rico ou às artes gráficas. Não à colagem, à massa, ao papel, à areia ou ao cordão. "A escu Itu ra é um
exercício muito mecânico, que provoca muita transpiração, a qual, misturando-se com areia grossa,
transforma-se em lama." (6) Não ao "trompe-I'oeil", à decoração de interiores ou à arq uitetu ra.
As qualidades costumeiras e as sensibilidades comuns dessas atividades situam-se fora da arte
livre e intelectual 6 •
The tempest A tempestade 1998 delegados de conferência [conference delegates] foto Abrie Fourie

207 África Lorna Ferguson e Awa Meite


208 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
CALlBAN: Esta forma me pertence: trata-se de um curioso hábito europeu, de negare se apropriar,
em diferentes épocas, por razões de conveniência ou de oportunidade. Você me ensinou a língua e
o que lucrei com isso é que agora sei como amaldiçoar.
ALONSO: Mas se a arte deve exercer algum efeito prático sobre como as pessoas conduzem suas

vidas, ela deve ser capaz de funcionar de modo completamente diferente. A revolução na arte tem
de ser alcançada por meio da destruição do conceito burguês e convencional da arte?
CALI BAN : A denúncia abstrata de todo e qualquer aspecto da sociedade burguesa como algo terminal-

mente contaminado ... é, em si mesma, um sintoma do ódio burguês a si mesm0 8 •


MIRANDA: A tentativa de revolução fracassou completamente: 'a partir do momento em que o

mictório público ou de jardim, de Duchamp, assinado pelo fictício R. Mutt, passou a fazer parte da
coleção permanente de u ma galeria de arte, acabou abri ncadei ra .. . [Ao] pôr abaixo as institu ições
de arte, a vanguarda tornou-se sua própria instituição e, assim, nega seu próprio objetivo ... Isso
não significou o fimda arte como uma atividade que se refere a si própria, mas quer dizer que a
vanguarda, tal como foi compreendida na primeira metade do século XX, realmente te rminou . Em
seu lugar sobrevive uma nova vanguarda, incorporada a uma versão oficial da produção cultural,
que reserva um lugar especial para o novo e o experimental: o abrigo protegido, conhecido como
museu de arte moderna 9 •
CALlBAN : Isso para não falar das bienais.

ADRIAN PI PER : É tão divertido observar como os argumentos de que já não existem mais margens

sempre parecem virdaqueles que estão no centro. Assim como é divertido notarcomo os argumentos
de que já não existe mais vanguarda sempre parecem virdaqueles que obtiveram a maiorquilome-
tragem econômica devido ao fato de fazerem parte dela 10 .
MIRANDA: Com o modernismo incorporado à cultura oficial do governo e das instituições, o pape l

de oposição que a vanguarda poderia terdesempenhado outrora foi absorvido pela visão de mundo
à qual essa mesma vanguarda se opunha 11 .
CALlBAN: A era pós-colonial e pós-moderna é simplesmente uma era de "imperialismo sem colô-

nias" 12. Não se abdicou da autoridade sobre um território; o que existe é simplesmente um controle
remoto contínuo.
MI RAN DA: É um si nal da confusão cu Itu ral do fi nal do sécu lo XX, o fato de não haver uma defi nição

única do pós-moderno. O termo começou a ser usado na América na década de '960 ... 13
CALlBAN: Está se referindo aos Estados Unidos da América?

MI RAN DA: . . . por um lado, o termo foi empregado positivamente, para descrever a ruptura com o alto

modernismo elitista por parte dos artistas pop e da contracultura; e por outro lado, negativamente,
para descrever a queda dos princípios do modernismo, que essas formas e atitudes representavam 14 .
STEWART HOM E: OS "ismos" são categorizações emocionais e um exame mais detido reve la com

freqüência que eles são intelectualmente incoerentes 15.


MI RAN DA: De qualquer modo, isso foi encarado tanto pelos artistas quanto pelos críticos de arte

como uma ruptura definitiva com o moderno. Na década de '970 ... a ruptura com o modernismo
parecia oferecer novas possibilidades, na medida em que já não mais existiam quaisquer regras a
ser aplicadas a um livre mercado de estilos. Mas onde o modernismo na arte e na arquitetura impl i-
cou em renovação, o pós-modernismo significou unicamente a reciclagem de estilos ... 16
CALlBAN : Inclu indo os do próprio modernism0 1?

MI RAN DA: Inevitavelmente, nu m período que percebe a si mesmo em termos de algo que chegou ao

fim, o pós-modernismo é definido em termos daquilo que ele não é, a começar pela ausência de
qualquer definição sobre si mesmo. Na condição pós-moderna, não mais existe a crença em qualquer
Ahmed Makki Kante registro fotográfico da pun ição de um ladrão de te levisão [photographic record of a television robber] Mauritânia, 1988

209 África Lorna Ferguson e Awa Meite


sistema grandioso que abarcará e resolverá todos os problemas do mundo por meio de uma única
explicação. Nenhuma "narrativa grandiosa", tal como a oferecida pelo marxismo, é possível, pois
já não existem mais explicações abrangentes para justificar um sistema tão totalizante-e,
portanto, totalitário. Já não existem mais utopias, embora as distopias sejam abundantes, do
Gulag ao Cam boja, passando pelos guetos da América 18 •
CALlBAN: Está se referindo aos Estados Unidos?

MIRANDA: As teorias filosóficas que ofereceram explicações sobre o mundo, após a década de 1960-
o estruturalismo e o pós-estruturalismo-são profundamente pessimistas, pois parecem negar a
possibilidade de se agir sobre aquilo que tais explicações oferecem, ao negarem, em essência, que
a vontade individual existe. Somos ou prisioneiros da linguagem ou náufragos em um oceano
de ideologia, e em nenhum desses casos exercemos qualquer controle. A linguagem nos fala, a
ideologia nos molda, ao perseguir seus próprios fins 19 •
CALI BAN: Este é um texto secu ndário. Mas se relevarmos o fato de você apresentar sob u ma nova
forma dilemas pós-modernistas bem conhecidos, e se superarmosas ansiedades em relação ao fato
de quão esco rregadio é o pós~modernismo quando se trata de defini-lo, acho que podemos chegar
à questão mais interessante, de como a definição pós-moderna da subjetividade (isto é, de que o
tema se torna virtualmente não existente) afeta a possibilidade de se efetuar uma mudança (política
ou em outros planos). Na África, estamos começando a definir uma subjetividade que não cai nas
velhas definições humanistas do tema, mas que se reporta à subjetividade volitiva de um modo que
possibilita a ação política. Com base nisso, estamos perfeitamente cientes de que o pós-modernismo
e o pós-colonialismo muito freqüentemente são encarados como sinônimos, o que não é absoluta-
mente o caso. O pós-colonialismo não pode e não deve aceitar que o tema fique completa e absolu-
tamente sujeito a forças externas, não se é para serefetivada uma mudança política. A outra área que
necessita ser problematizada é a intersecção, por demais cômoda, de gênero e raça, dUas outras
categorias freqüentemente separadas apenas por vírgulas, tal como ocorre em "raça, gênero e
classe", quando, na verdade, o relacionamento entre elas não é assim tão simples 2o •
o FANTASMA DE ROLAND BARTHES: Até agora só existe uma única escolha possível, e ela somente
pode se reportar a dois métodos igualmente extremos: ou postular uma realidade inteiramente
permeável à história e ideologizar, ou, ao contrário, postular uma realidade que, em última
análise, é impenetrável, irredutível e, neste caso, poetizar. Em uma palavra, ainda não vislumbro
uma síntese entre a ideologia e a poesia 21 •
AYI KWEI ARMAH: Aqueles Que São Belos Ainda Não Nasceram 22 , ainda.
PROSPERO : Conforme Ad estava dizendo, as Doze Regras Técnicas (ou Como Alcançar as Doze
Coisas a Serem Evitadas) são: (1) Não à textura. A textura é natural ista ou mecânica e é uma quali-
dade vulgar, sobretudo a text ura de pigmento ou empasto. Riscar a palheta com faca, esfaquear a
tela, esbater a tinta e outras técnicas de ação são desprovidas de inteligência e devem ser evitadas.
Não aos acidentes e ao automatismo. (2) Não às pinceladas e à caligrafia. Escreve r à mão, trabalhar
com a mão e arremessar com a mão são atos pessoais ede mau gosto. Nãoà assinatura e à marca
registrada. "A pincelada deve se r invisível." "Jamais se deve permitirque a influência de demônios
d iabólicos exerçam controle sobre o pincel."
Ouve-se o bate-boca de Adrian e Francisco nos bastidores, tornando inaudível a colocação número 3.
PROSPERO : (4) Não às formas . "Aquilo que existe de melhor não tem forma ." Não à figura ou ao
primeiro-plano ou cenário. Não ao volume ou à massa, não ao cilindro, à esfera ou ao cone , ou
cubo ou boogie woogie. Não ao empu rrarou puxar. Não à forma ou substância." (5) Não ao desenho.
William Kentridge II ritorno d'Ulisse [The return of Ulysses] fragmentos de desenhos para a animação [fragments of drawings for the
animation] 1998 giz branco sobre gouache preto sobre papel [white chalk on black gouache on pape r] 88x120cm

210 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros .. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Malick Sidibé
Un Yéyé en position Um Yéyé em posição 1963 fotografia C.AAC. The Pigozzi Collection, Genebra
Pique-nique à la chaussée Piquenique na calçada [Picnic on the sidewalk] 1976 fotografia CAA.C. The Pigozzi Collection, Genebra

212 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
213 África Lorna Ferguson e Awa Meite
"O desenho está em toda parte."(6) Não às cores. "A corcega." As cores são um aspecto da aparên-
cia e, assim, apenas da superfície. "As cores são selvagens, instáveis, sugerem vida", "não podem
sercompletamente controladas" e "deveriam ser encobertas". As cores são uma "distração ... "23
CALlBAN: Onde você vai pararde me dizerque eu falo pelos cotovelos, como um irracionaL .. ?
STEFANO: Não quero causar problemas
Só que não darei aquele passo de doze fases
Prefiro um whiskey sour
A me embebedar a seco com meu Higher Power... 24
CALI BAN: Embora boa parte da arte que se seguiu ao eclipse do modernismo tenha sido caracterizada
por uma heterogeneidade da mídia, a pintura recusou-se a morrer. E onde a pintura é realizada, a
estética jamais fica muito atrás. É bem verdade que a questão do meio per se já se retraiu da linha
de frente das preocupações, mas o quê da pintura faz, e sempre fará, parte de nossa apreensão por
meio do como da feitura. Com efeito, a pintura mostrou-se notavelmente flexível no período que se
seguiu à exaustão de seu paradigma moderno mais significativ0 25 •
ROBERT MORRIS: O modo tornou-se antig0 26 •
VICTOR BURGIN: O revestimento de tecidos com lama colorida 27 •
CALlBAN: Aquele que precisa fazer
algo inteiramente novo
deixe-o engolir sua própria cabeça 28 •
KENDELL GEERS: As sombrias realidades da experiência africana impediram a visão e a prática
modernistas de se enraizarem efetivamente em sua forma mais pura. Tanto na África tradicional
como na moderna, a obra de arte permanece inevitável e intrincadamente conectada à vida e à
cultura do artista, traduzindo-se em um "Princípio da Realidade" que interrompe e interfere com
a "suspensão da realidade", necessária para se manter o esteticismo essencialmente escapista
do alto modernism0 29 •
CALlBAN: Não obstante, certas formas de pintura, que freqüentemente envolvem um hibridismo de
técnicas e uma mistura com outros meios, sobreviveram à morte do modernismo canônico e aju-
daram a mantervivo o conceito indefinível, porém fundamental, daquilo de que algo necessita para
ser interessante enquanto arte. Com isso não se querdizerque a questão da estética não seja uma
das mais férteis da arte contemporânea ... o conceito da estética representou uma tentativa de
mediação entre o racionalismo unilateral e o fluxo da sensação. Ela se baseia na dupla crença de que,
por assim dizer, o sentimento pertence à mente tanto quanto o pensamento é incorporad0 30 •
A SOM BRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: A razão é helênica e a emoção é negra 31 •
o FANTASMA DE OSWALD DE ANDRADE: Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós 32 •
A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: Os jovens intelectuais africanos, que leram Marx sem prestar muita
atenção e que ainda não estão completamente curados do complexo de inferioridade neles incultido
pelos colonizadores, criticam-me porter reduzido o modo africano de conhecimento à pura emoção,
por ter negado que existissem uma "racionalidade" africana e uma tecnologia africana. Devem ter
lido o que escrevi com a mesma desatenção com que leram os socialistas científicos. Éfato que existe
uma civilização européia branca e uma civilização africana negra. Aquestão consiste em explicar suas
diferenças e as razões dessas diferenças, algo que aqueles que me contestam ainda não fizeram 33 •
TSENAY SEREQUEBERHAN: Os marxistas-Ieninistas, sem dúvida, responderam esta questão à sua
própria maneira. Para eles não se trata de uma civilização "branca" ou "negra", caracterizada-no
nível básico da descrição ontológica-por uma diferença qualitativa quanto às espécies da existência
humana. Para os marxistas-Ieninistas, é mais uma questão do desdobramento seqüencial, singular
e quantitativamente uniforme, da simbiose dialética, historicamente universal, entre homem e

214 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
natureza. O que Sénghorvê como uma diferença qualitativa em espé-
cies de "civilização" entre difererites grupos humanos - indo-europeus,
por um lado, e arabo-bérberes e negro-africanos, por outro- o marxista-
leninista explica como uma regressão ou progressão quantitativa,
um subdesenvolvimento ou desenvolvimento, na evolução da relação
seqüencial e ontologicamente distintiva do homem com a natureza.
Esta relação - o controle técnico da natureza-é ordenada de acordo
com determinadas injunções da dialética histórica e da transformação
estrutural. O controle técnico da natureza ou sua ausência é, portanto, para o marxistaleninista, o
padrão "verdadeiro" e único, pelo qual a progressão ou regressão dos grupos humanos e da
humanidade como um todo são historicamente aferidas e tabuladas. Mas será que "coisas" tais
como a progressão ou a regressão de grupos humanos podem ser medidas sem que se faça um
pré-julgamento das evidências, no próprio ato de se proceder à tabulação?34
A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: ••• é impossível negar a arte negra por muito tempo, sobretudo
porque os europeus foram os primeiros a descobri-Ia e a defini-Ia; os negros africanos preferiram
vivenciá-Ia. Ela tem sido defendida por destacados artistas e escritores europeus, de Pablo Picasso
a André Malraux, cuja presença aqui saúdo como uma prova convincente 35 .
o FANTASMA DE OSWALD DE ANDRADE: Só me interessa o que não é meu 36 .
A SOM BRA DE LÉOPOLD SÉNG HOR: E isso para não falar dos escritores e artistas negros da África e dos
Estados Unidos que, nos anos do entre-guerra e após '945, obtiveram reconhecimento em um mundo
muitíssimo fragmentado e que, portanto, procuráva a unidade e a autenticidade. Assim, porque as
pessoas não tinham como negar a arte negra, elas quiseram minimizar sua originalidade, sob o
pretexto de que essaarte não detinha o monopólio sobre a emoção ou sobre as imagens analógicas
e até mesmo sobre o ritmo. E é inegável que todo verdadeiro artista é dotado de todos esses dons,
qualquer que seja seu continente, raça ou naçã0 37 .
J I M M I E DU RHAM: Quero voltar à colocação de meu am igo sobre a arte como i nvenção eu ropéia. No
geral, não discordo dele. Só que não tenho certeza quanto a três termos de sua declaração: "arte",
"européia" e "invenção."38
DOUGLAS CRIMP: Uma das primeiras aplicações do termo "pós-modernismo" às artes visuais ocorre

em "Other criteria", de Leo Steinberg, durante uma discussão sobre a transformação, efetuada por
Robert Rauschenberg, da superfície do quadro, resultando naquilo que Steinberg denomina uma
"~Qtbed", referindo-se, significativamente, a uma prensa tipográfica. Este plano de pintura ~Qtbed é
um tipo inteiramente novo de superfície de pintura que, de acordo com Steinberg, efetua "a mais
radical mudança no tema da arte, a mudança da natureza para a cultura". Isso querdizerque a ~Qtbed
é uma superfície que pode receber um vasto e heterogêneo conjunto de imagens e artefatos culturais,
que não eram compatíveis com o campo pictórico, tanto da pintura pré-modernista quanto moder-
nista. Uma pintura modernista, na opinião de Steinberg, retém uma orientação "natural" para a
visão do espectador, que o quadro pós-modernista abandona 39 .
KEN DELL GEERS: Tem sido sempre uma estratégia de sobrevivência africana reciclaros objetos, ima-

gens e ideologias estrangeiras. Em arte, precisamos criar, imbuídos desse espírito, uma arte povera
política, que toma de assalto e seqüestra as linguagens e códigos internacionais (historicamente
definidos), que os tortura e interroga até que revelem sua verdadeira natureza e identidade. Então, de
acordo com a estratégia que melhor conhecemos, a do Combatente pela Liberdade ou do Terrorista,
colocar bombas em pontos estratégicos para que explodam com o máximo de impacto lingüístico
e semântic0 4o .
Discourse Dacar,1998 foto Abrie Fourie

215 África Lorna Ferguson e Awa Meite


PROSPERO, exibindo o dom político inestimável de ser capaz de dormir com os olhos abertos-e a beleza disso
tudo-só um pouquinho apertados. Como os olhos de uma pessoa atenta, prestando uma atenção receptiva e
benevolentemente crítica ao que quer que esteja acontecendo, grita: Vive la Sécheresse!41
A sessão plenária se encerra na maior balbúrdia. Caliban assume o controle da conferência e instala Mudimbe e Ngugi
na mesa dos conferencistas.
CALlBAN: Em relação ao Continente Negro, começa-se a entenderque o verdadeiro poder deles não
estava absolutamente nos canhões da primeira manhã, mas naquilo que se seguiu aos canhões.
Assim, por detrás dos canhões estava a nova escola. A nova escola possuía a natureza tanto do
canhão quanto do ímã. Do canhão, ela extraiu a eficiência de uma arma de guerra. Mas, melhor
do que o canhão, ela tornou a conquista permanente. O canhão força o corpo e a escola fascina
a alma 42 .
NGUGI WA TH ING'O: O verdadeiro objetivo do colonialismo era controlar a riqueza do povo: o que
produzia, como produzia e como isso era distribuído; controlar, em outras palavras, toda a esfera
da linguagem da verdadeira vida. O colonialismo impôs seu controle sobre a produção social da
riqueza por meio da conquista militar e da subseqüente ditadura política. Sua área de dominação
mais importante foi, porém, o universo mental do colonizado, o controle, pela cultura, de como as
pessoas se viam e como viam sua relação com o mundo. O controle econômico e político jamais
poderá ser completo ou eficaz sem o controle mental. Controlar a cultura de um povo é controlar
seus instrumentos de autodefinição em relação aos outros. Para o colonialismo, isso envolvia dois
aspectos do mesmo processo: destruirou subestimar propositalmente a cultura de um povo, sua
arte, danças, religião, história, geografia, educação, oratória e literatura, e exaltar conscientemente
a língua do colonizador. O domínio da língua de um povo pelas línguas das nações colonizadoras
foi fundamental para o domínio do universo mental do colonizad0 43 .
A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: Nós nos exprimimos em francês, pois o francês tem uma vocação

universal e nossa mensagem também se dirige ao povo francês e a outros povos. Em nossas línguas,
a aura que rodeia as palavras é, por natureza, meramente constituída de seiva e sangue; as palavras
francesas irradiam milhares de raios, como diamantes 44 .
FRANTZ FANON: Não percamos tempo com litanias estéreis 45 .
V.Y.MUDIMBE: Sugiro considerarmos as obras de arte africanas do mesmo modo como consideramos

os textos literários, isto é, como um fenômeno (narrativo) lingüístico, assim como circuitos discur-
sivos 46 • ••• Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber quem pode ou deve falarvalidamente
sobre a África e a partirde qual ponto de vista. Em segundo lugar, existe a questão de se promover
"discursos" sobre os outros, agora que aprendemos uma lição essencial com a crítica ao discurso
missionário e antropológico: os "selvagens" sabem falar, não apenas quando sua própria existência
e suas tradições estão em jogo, mas também quando se trata de avaliar procedimentos e técnicas
que dizem respeito à descrição de sua existência, de suas tradições e crenças47 .
CALI BAN: Sim, não se fica parado num lugar para se observar uma pantomima48 .
v. Y. MUDIMBE: Para o artista formado nas oficinas e escolas de arte da era colonial, o currículo ali
adotado prescreveu reflexos e reações vigorosas. Até mesmo nas instituições mais conservadoras, a
educação significava uma conversão, ou pelo menos uma abertura, para outra tradição cultural.
Para todos esses artistas, a realidade orgânica de uma modernidade se incorporava ao discurso,
aos valores, à estética e à economia de troca do colonialismo. Em conseqüência, poderíamos ser
seduzidos pelo sistema geral de Edmund Leach, de oposições entre as duas tradições, e poderíamos
formular uma hipótese sobre uma cautelosa competição entre elas: quanto mais tradicional a
inspiração para uma obra de arte, menos sua configuração geral e seu estilo possibilitariam uma
Candice Breitz Rainbow series #5 Série arco-íris nº5 edição de 3+PA [edition of 3+AP] 1996 cibacromo 152x102cm

217 África Lorna Ferguson e Awa Meite


clara avaliação das qualidades de suas formas, de seu conteúdo e das habilidades técnicas de seu
criador; inversamente, quanto mais ocidentalizada uma obra, mais facilmente um observador
poderia estabelecerdistinções entre esses elementos constitutivos. A sugestão de Leach é brilhante,
mas infelizmente ela não se reporta à difícil questão dos estilos, das "propriedades formais de uma
obra de arte", que constitui a especificidade essencial de uma tradição artística49 .
AIMÉ CÉSAIRE: A Europa é incapaz de se justificar, seja diante do tribunal da "razão", seja diante do
tribunal da "consciência"; e ... cada vez mais ela se refugia numa hipocrisia tanto mais odiosa por
que se mostra cada vez menos capaz de iludir50 .
NGUGI WA THING'O: Em resumo, o objetivo consiste em nos orientarmos para colocar... a África no
centro. Tudo o mais deve ser considerado em relação à sua relevância para nossa situação e quanto
à sua contribuição para que nos compreendamos a nós mesmos ... Ao fazermos esta sugestão, não
estamos rejeitando outras correntes, sobretudo a corrente ocidental. Desejamos [simplesmente]
firmar a centralidade da África ... Isso é justificável porvários motivos, sendo o mais importante deles
o fato de que a educação é um meio de conhecimento em relação a nós mesmos. Portanto, após nos
examinarmos, irradiamos para fora e descobrimos poyos e mundos em torno de nós. Com a África
no centro das coisas, não existindo como um apêndice ou um satélite de outr~s países e literaturas,
as coisas precisam servistas a partirda perspectiva africana 51 .
A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: Não é simplesmente uma questão de defendera arte negra do pas-
sado ... é mais o caso de comemorá-Ia, demonstrando que ela é... uma fonte torrencial, inexaurível,
um componente essencial da Civilização Universal, que está adquirindo forma diante de nossos
próprios olhos, por meio de nós e para nós, por meio de cada um de nós e para todos nós 52 .
KENDELL GEERS: Vai levar muito tempo até que os Sex Pistols sejam realmente compreendidos no
"Continente Negro"53.
DICK H EBDIG E: O discurso sobre o pós-modernismo é fatal e fatalista; a cada momento a palavra
"morte" surge para nos engolir: "morte do tema", "morte da arte", "morte da razão", "fim da
história"54.
ARIEL: ... existe uma identificação com a morte no próprio fundamento das mais significativas
ideologias africanas. "Negritude", "personalidade africana", "pan-africanismo". Refiro-me à iden-
tificação-devido a razões boas, sagradas e altamente respeitáveis-com os milhões de vítimas do
tráfico de escravos e também à identificação com aqueles que resistiram ao processo de colonização
e foram mortos. Esta identificação se faz acompanhar por formas de introjeção e incorporação, que
apresentam sinais explícitos e conflitantes de um desejo e de uma recusa em morrer. No entanto,
essas ideologias africanas de auto-afirmação também são assombradas pelo espectro da morte
cultural, queelas associam, porexemplo, às políticas francesas de assimilação. Finalmente, temos
de levar em consideração a representação simbólica da morte, o silêncio do conquistado que, no
divã do psicanalista, representa outro silêncio, o vergonhoso e sólido silêncio de homens que se
descobrem incapazes de explicar a seus filhos o que aconteceu. Aqueles que se submeteram agora
se confrontam com dúvidas a respeito de si mesmos, querem saber o que está errado com eles e
encaram uma terrível pergunta: será possível que o outro, o "conquistador" ou o "colonizador"
tenha uma resposta para a constrangedora situação em que se encontram? Ele tem uma resposta,
sim. Notemos, porém, algo mais. Outro silêncio, esse assustador, subsiste na economia geral das
novas palavras, línguas e teorias africanas, comentando a catástrofe e articulando, de um novo
modo, outros objetos de desejo: as mulheres africanas, ao que parece, não falam. Em todo caso,
sua presença, até muito recentemente, tem sido marcada pelo silênci0 55 .
Georges Adéagbo Le siege de location A sede de locação [The location head quarters] 1998 instalação de objetos encontrados e
documentação [installation of found objects and documentation] 2000x300cm

218 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
A experiência da civilização nas encantadas florestas culturais
CALI BAN:

do modernismo e do pós-modernismo europeus não foi escolha minha.


Meu silêncio, feito de contemplação, iniciação, aceitação e ação, embala
os homens de minha raça e os povos colonizadores na ilusão de que eu
não tenho voz, sentimentos ou expressão criativa. Entenda que minha
derradeira evasão está em um acasalamento forçado, que produz novas
vozes e modos de expressão. Eu crio interminavelmente, falando de um
modo que você não se digna a reconhecer. Em voz alta, repetidamente,
monotonamente, meus empenhados esforços são declarados invisíveis ou depreciados como algo
derivativo, ultrapassado, comercial e de pouca importância; são efusões ingênuas e primitivas, que
servem aos gostos mal formados dos turistas culturais. No entanto, minhas obras são contem-
porâneas de minhas necessidades e de minha situação. As opiniões dos conquistadores levam-me
a ser ativo e não reativo. Escolho propositalmente minha clareira nas florestas. No entanto, quando
você, meu conquistador, visita minha cela para tocar, cheirar e possuir ilicitamente as formas
que você ama e detesta, pensa que minha silenciosa fortitude é aquiescência e avilta o corpo
de meu conhecimento. Apresente suas armas da circuncisão criativa, mas saiba o seguinte: o
silêncio de nossas mulheres não é uma catástrofe, é simplesmente a prolongada e ativa modorra
da liberdade 56 •
FRANTZ FANON: No mundo pelo qual viajo, crio-me incessantemente ... E é por ultrapassar a

hipótese histórica e instrumental que iniciarei o ciclo de minha liberdadeS?

Epílogo
Ouve-se música. Entram Oxum e os orixás do candomblé, gingando e dançando com gestos de saudação, convidando
todos os delegados da conferência a participar.
Cantam ao som de Baayo, de Baaba Maal s8 •
CALI BAN : A África apresentada pelo Outro

É uma lenda em que quase chegamos a acreditar.


A tradição africana, conforme surge à luz do presente
Também pode ser uma lenda-
Mas a lenda em que a inteligência africana acredita.
É nosso legítimo direito declarar
Autênticos, corretos e verdadeiros
Aqueles componentes de nosso passado que acreditamos ser assim.
Saem de cena.

Thomas Mulcaire e Lorna Fergusson. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

Exhibition-Soly Cissé Exposição-Soly Cissé Dacar,1998 foto Abrie Fourie

220 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
1. Bob Marley, V. Ford, No woman no cry, Bob Marley and the Wailers, 30. Paul Wood, op. cito
Live, Island Records, 1975. 31. Citado em V. Y. Mibimbe, The invention of Africa:gnosis, philosophy
2. Rob Nixon, "Caribbean and african appropriations ofThe and the order of I<nowledge, James Carrey, Bloomington: Indiana
Tempest", Criticai inquiry, vo1.13, n.3, (primavera de 1987), P.577. University Press, 1988, P.94.
3. O valor de The tempest [A tempestade] para os intelectuais 32. Oswald de Andrade, "Manifesto antropófago", in Gilberto
africanos e caribenhos foi desaparecendo aos poucos, à medida Mendonça Telles (org.), Vanguarda européia e modernismo brasileiro,
que o enredo se consumou. Falta à peça um sexto ato, que pode- Petrópolis: Vozes, 1972.
ria ter tido a função de representar as relações entre Caliban, 33. Léopold Sénghor, Prose and poetry, trad. John Reed e Clive
Ariel e Prospero, quando eles ingressaram numa era pós-colo- Wa i<e , Londres: Heinemann, 1976, P.33.
nial. Rob Nixon, op. cit., P.576. 34. Tsenay Serequeberhan, The hermeneutics of African philosophy:
4. Willy Bal, "Confidences d'un wallon 'wallonant' et'tiers- Routledge, 1994, P-43·
mondialiste"', Bulletin de l'Academie Royale de Langue et Littérature 35. Léopold Sénghor, The role and significance ofthe premier Festival
Françaises, n.68 (junho 1990), P.105-115. Mondial des Arts Negres, Dai<ar, 1966; Seven stories about modern art in
5. SaratMaharaj, "TheCongo isfloodingtheAcropolis", Interro- Africa, Londres: Whitechapel, 1995, P.225.
gating identity, New Yori<: Grey Art Gallery, New Yori< University, 36. Oswald de Andrade, op. cito
1991- 199 2, P·13-4 2. 37. Léopold Sénghor, op. cito
6. Ad Reinhardt, "Twelve rules for a new academy", 1953, Art news 38.Jimmie Durham, "A friend ofmine said that art is a european
56, n·3 (maio 1957), P·37-3 8 . invention", Global visions, Londres: I<ala Press, 1994, p.116-118.
7. Adaptado de Robert Hewison, Future tense: a new art for the 39. Douglas Crimp, "On the museum's ruins", Postmodern cul-
nineties, Londres: Methuen, 1990, P-48. ture, ed. Hal Foster, Gifford: Cromwell Press, 1985, P.44.
8. Bob Blaci<, Beneath the underground, Portland: Bob Blaci< and 40. I<endel Geers, op. cito
Feral House, 1994, P.171. 41. Adaptado de Ayi I<wei Armah, "HalfWay to nirvana", Voices
9. Robert Hewison, op.cit. from twentieth-century Africa: griots and towncriers, ed. Chinweizu,
10. Adrian Piper, nota de rodapé em "The triple negotiation Londres: Faber, 1988, P.38.
of colored women artists", Next generation: south blacl< aesthetic, 42. Cheii<h Hamidou I<ane, "Ambigous adventure", trad. Bachiar
Winston-Salem: SECCA, 1990, p.21. Diagne, Decolonising the mind, James Currey, Oxford, 1986, P.9.
11. Robert Hewison, op. cit., P.37. 43. Ngugi wa Thing'o, op. cit., P.14.
12. Harry Magdoff, "Imperialism without colonies", Studies in the 44. Léopold Sénghor, "Introduction to Ethiopiques", citado em
theory ofimperialism, Nova Yori<: Owen & Sutcliffe, 1972. Ngugi wa Thing'o, op. cito (setembro 1954), P.19.
13. Robert Hewison, op. cito 45. Frantz Fanon, The wretched of the earth, Londres: Penguin,
14- Ibid. 1963, P·251.
15. Stewart Home, The assault on culture: utopian currentes from let- 46. V. Y. Mudimbe, The idea of Africa, Bloomington: Indiana Uni-
trisme to class war, Sti rli ng: A. 1<. Press, 1991, p.106-1 07. versity Press, 1994, P.156.
16. Robert Hewison, op. cit., P.37. 47. V. Y. Mudimbe, The invention of Africa, op. cit., p.64.
17· lbid . 48. Ditado igbo.
18.lbid. 49. V. Y. Mudimbe, The idea of Africa, op. cit., p.161.
19· Ibid., P.37-3 8 . 50. Aimé Césaire, "Discourse on colonialism", citado em Tsenay
20. Anon., crítica a um rascunho, maio de 1998. Serequeberhan, op. cit., P.57.
21. Roland Barthes, Mythologies, trad. Annette Lavers, Nova Yori<: 51. Ngugi wa Thiong'o, op. cit., P.94.
Hill and Wang, 1972, P.158. 52. Léopold Sénghor, The role and significance ofthe Premier Festival
22. Ayi I<wei Armah, The beautiful ones are notyet born, Oxford: Mondial des Arts Negres, op. cit., p.225.
Heinemann, 1968. 53· I<endell Geers, op. cito
23. Ad Reinhardt, op. cito 54. Adaptado de Robert Hewison, op. cit., P.38.
24. The 12-step shuffle, Alcoholics Anonymos [the "Big Bool<"], 3a ed. 55. V. Y. Mudimbe, The idea of Africa, op. cit., P.184.
Nova Yori<: Alcoholics Anonymous World Services, Inc., 1976. 56. Watijii<u Nyachae, Correspondência particular, junho 1998.
25. Paul Wood, "Refusing to die", Art-Language, New Series, n.2 57. Frantz Fanon, Blacl< sl<in, white masl<s, trad. Charles Lam
(junho 1997), P·27· Mari<ham, Londres: Pluto Press, p.229-231.
26. Citado em Paul Wood, Ibid. 58. Baaba Mal, Baayo, Mango/Island, 1991.
27· lbid .
28. Ch inweizu, "Origi nal ity?", Voices from twentieth-century Africa:
griots and towncriers, ed. Chinweizu, Londres: Faber, 1988, P.238.
29. I<endell Geers, "The perversity ofmy birth: the birth ofmy
perversity", em http://www.icon.co.za/ffii<endell/home.htm .•
(setembro de 1995).

221 África Lorna Ferguson e Awa Meite


África curadoria Lorna Ferguson com assistência de Awa Meite
texto Thomas Mulcaire and Lorna Ferguson

The tem pest following William Shakespeare and Aimé Césaire

Names of the conference delegates


ALONSO the director of an American Foundation for philanthropy in the style of art
SEBASTIAN the editor of a journal of contemporary African art
PROSPERO a well-assimilated director of a National Gallery in an unnamed
African s tate
ANTONIO his brother, an independent curator renowned for arrogating all theory
on Africa to himself
FERDINAND a trainee curator
GONZALO a turgid but honest old essentialist fart
ADRIAN & FRANCISCO collectors
CALIBAN a savaged but in-form African modernist
TRINCULO the publisher ofFlash Art
STEPHANO a drunken Marxist critic
THE MASTER OF THE SLAVER
A MUSEUM EDUCATION OFFÍCER a local
MARINERS/MUSEUM STAFF
MIRANDA Prospero's daughter, a student ofRobert Hewison
ARIEL a writer-philosopher trapped in the body of an engineer
THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR
THE GHOST OF OSWALD DE ANDRADE
THE GHOST OF ROLAND BARTHES
THE GHOST OF PICASSO
THE GHOST OF ANDRÉ MALRAUX
THE GHOST OF FRANTZ FANON
OSUN
MACUMBA SPIRITS
BARTENDERS
PIMPS & HOOKERS

Touhami Ennadre Mains du monde Mãos do mundo [Hands of the world] fotografia 160x130cm

222 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
The scene: Dakar, Senegal. There is a slaver moored, half-sunken olfGorée Island. It is not clear whether it is a museum
piece or afunctioning ship.

Prologue
To be sung to the tune ofBob Marley's No Woman No Cry.l
THE MASTER OF THE SLAVER: Over time Caliban's recovery ofhis island has proved a qualified
triumph, with the autonomy ofhis emergent nation far more compromised than was imagined by
the generation ofmore optimisticnationalists-politicians and writer's alike-who saw the arrival
of independence. Third Worlders have found it difficult to coax from the play analogies with these
new circumstarices wherein Prospero, having officiaUy relinquished authority over the island, so
often continues to manage it from afar.... The play's declining pertinence to contemporary Africa and
the Caribbean has been exacerbated by the difficulty of wresting from it any role for female defiance
or leadership in a period when protest is coming increasingly from that quarter. 2

Act 6, Scene 13
On a ship at sea: the tempestuous noise ofAfrícan-Amerícan tourists and absconding conference deIegates is heard.
Enter the Master ofthe Slaver and an Education Olficer.
MASTER: Education Officer!
EDUCATION OFFICER: ln here, master: what's up?
MASTER: We have guests. Speak to the guides. lmmediately. TeU them to say something politicaUy
correct or the museum is history.
Exit Education Olficer. Rhetoríc is heard olf stage.
Enter Museum Stalf dressed as Mariners.
A tape recording plays a paper read in BrusseIs by WILLY BAL: l see aU of these men stripped of their humanity,
then recorded and accounted for only as "pieces of ebony." l hear the Very Christian King launching
his ships on a conquest "of souls and of spices." The fleshly covering of souls can be emptied by scurvy
and by dysentery, for in any case, the soul is saved by the grace ofbaptism. The spices, however, must
arrive guaranteed in flavor, safe and sound in port, ready to refloat the royal treasury. Ile de Gorée:
sunset on a choppy sea, contemplated between the bars of captivity. Confinement facing the infinity
of a free horizon. Who will ever teU the secret or screaming despair of those hearts of ebony WOOd?4
Enter Education Olficer, Alonso, Sebastian, Antonio, Ferdinand, Gonzalo, and others.
ALONSO: You there. Where's the master? Say something.
EDUCATION OFFICER: l pray now, go back to your conference.
ANTONIO: Where is the theory?
EDUCATION OFFICER: Do you not hear it? You mar our labour: don't say anything, you do assist
the storm.
GONZALO: Do you know who you're addressing.
EDUCATION OFFICER: When the sea is like it is, what care these sweUs for the name ofking? To the
conference in silence! Trouble us noto
GONZALO: Good, yet remember who funds this ship.
EDUCATION OFFICER: Sure, the one who pays my way but what are you paying me for ifit is not to
steer. You're a bored·member, command these delegates to silence. Ready yourselves in your hotel
rooms for the mischance of the hour, for the end of the occidental hegemony, and give thanks that
your dogmas have lived so longo Out of our way, I say.
Moshekwa Langa True confessions; my life as a Disco Queen Confissões verdadeiras; minha vida como "rainha" Disco 1998 impressão
de polaroid computadorizada montada em alumínio [computerized polaroid print mounted on aluminum] 143x120cm

225 África Lorna Ferguson e Awa Meite


Exít Educatíon Olfícer pursued by a tape recorder.
ALONSO: I take great comfort from this fellow: I think he has no drowning mark on him; his
complexion is perfect for the gallows. We need do nothing but go to his hanging: make the rope of
his destiny our cable. Ifhe was not born to be hanged, our budget is wasted.
Re-enter Educatíon Olfícer.
EDUCATION OFFICER: Stay the new course. A plague on this waffle! They pass louder wind than
the weather or any in our office.
ANTONIO: He'll be hang'd yet, though every drop of water swear against it. And gape at widest
to glut him.
A confused noíse wíthín: Mercy on us!-We split, we split!-
Farewell, my sister!-Farewell, brother!-We split, we split, we split!
SARAT MAHARAJ: The Congo is flooding the Acropolis. 5
ANTONIO: Let's all sink with the king.
FERDINAND: Let's take leave ofhim.
Exeunt Perdínand and others.
SEBASTIAN: Nowwould I give a thousand words for an acre ofpainting. Iwould sooner a dry death.
Bartender!
Exeunt.

Act 6, Scene 2
The conference room. A table, wíth two glasses ofwater.
Enter Prospero and Míranda, carryíng papers on the genealogíes ofthe status quo. Calíban and hundreds of others are
already seated wíth simultaneous translating devíces on their heads. A mícrophone roves.
PROSPERO (clearíng hís throatgru.ffly): The guardian oftrue contemporary art is tradition.
CALIBAN: Whose tradition?
PROSPERO: My dear girl. .. the tradition ofthe avant-garde as extemporised in exhibitions such as
the one on which you find yourself so fortunate to be currently exposed!
SOo .. as Ad Reinhardt was saying in I953 before you interrupted, "the Six General Canons or the Six
Noes to be memorised are: (I) No realism or existentialism. 'When the vulgar and commonplace
dominate, the spirit subsides.' (2) No impressionismo 'The artist should once and forever emancipate
himselffrom the bondage of appearance.' 'The eye is a menace to clear sight.' (3) No expressionism
ar surrealismo 'The laying bare of oneself,' autobiographically or socially, 'is obscene.' (4) No fauvism,
primitivism or brute art. 'Art begins with the getting rid of nature.' (5) No constructivism, sculpture
plasticism or graphic arts. No collage, paste, paper, sand or string. 'Sculpture is a very mechanical
exercise causing much perspiration, which, mingling with grit turns into mud.' (6) No 'trompe-l'oeil,'
interior decoration, or architecture. The ordinary qualities and common sensitivities ofthese activities
lie outside free and intellectual art."6
CALIBAN: This form's mine: it is a curious European habit to deny and own at different times for
convenience or expedience. You taught me language and my profit on it is I know how to curse.
ALONSO: But if art is to have any practical effect on how people lead their lives it has to be able to
function in a completely different way. The revolution in art has to be achieved by destroying the
conventional, bourgeois notion of art. 7
CALIBAN: Abstract denunciation of any and every aspect ofbourgeois society as terminally tainted ...
is itself a symptom ofbourgeois selfhatred. 8
Fernando Alvim Minefield map of Cuito Cuanavale Mapa de campo minado de Cuito Cuanavale abril 1997 fotografia e caneta
esferográfica [photograph and biro] 15x15,5cm

226 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
PROJECT CONCEPT BY FERNANDO ALVIM (ANGOLA) - To install a dialogue
between the towns of Cuito Cuanavale , Havana and Johannesburg .

Roteiros of Amnes i a : in co ll aboration with Carlos Garaicoa (Cuba) and


Thomas Barry (South Africa)
Video images by Fernando Alvim , taken of land by remote control car in
Cuito Cuanavale (Ango l a) - Apr i l 1997
Video images by Carlos Garaicoa taken of ex-Cuban soldiers of the Angolan
war in Havana and i mages of himself digging ho l es i n Cu i to Cuanava l e -
April 1997
Video images by Thomas Barry recuperated and transformed from foota g e of
the South African Defence Force in the Angolan War

227 África Lorna Ferguson e Awa Meite


, , ., "' , " .. " ... .. -0. ...• 711 .,.", O.," ,_ .... , . . .g,,~

, ,
i

228 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros ."
MIRANDA: The attempted revolution has failed completely: fram the moment Duchamp's common-
or-garden urinaI, signed by the fictitious R.Mutt, entered the permanent collection of an art gallery,
the game was up. [... ln] overthrawing the institutions of art, the avant-garde has become its own
institution, and so negates its own purpose [... ] This has not meant the end of art as a self-referring
activity, but it means that the avant-garde, as understood in the first half of the twentieth-century is
indeed over. ln its place a neo-avant-garde lives on, incorporated into an official version of cultural
praduction that reserves a special place for the new and experimental: the sheltered accommodation
known as the museum of modern art. 9
CALIBAN: Not to mention biennials.
ADRIAN PIPER: lt's so amusing how the arguments that there are no more margins always seem to
come fram those in the centre. Just as it's amusing how the arguments that there is no more avant-
garde always seem to come fram those who have gotten the greatest economic mileage fram being
part of it. 10
MIRANDA: With Modernism incorporated into the official culture of governments and institutions,
the oppositional rale that an avant-garde might once have played has been absorbed into the world
view to which it was opposed. 11
CALIBAN: The post-colonial, post-modern era is simplyan era of"imperialism without colonies."12
There has been no relinquishing of authority over territory, onlya continued remote contraI.
MIRANDA: It is a sign ofthe cultural confusion ofthe late twentieth century that there is no one
definition ofthe post-Modern. lt began to be used in America in the 1960s ... 13
CALIBAN: Do you mean the United States of America?
MIRANDA: ... on the one hand positively to describe the breakwith elitist High Modernism by Pop
artists and the counter-culture, and on the other hand negatively, to describe the fall fram the princi-
pIes ofModernism that these forms and attitudes represented. 14
STEWART HOME: "lsms" are emotional categorisations and close examination often reveals them
to be intellectually incoherent. 15
MIRANDA: Either way, itwas seen by artists and critics alike as a definite breakwith the Modern. ln
the 1970s ... the break with Modernism appeared to offer new possibilities, in that there were no
longer any rules to apply in a free market of styles. But where Modernism in art and architecture had
implied renewal, post-Modernism has meant only the recycling of styles ... 16
CALIBAN: lncluding those ofModernism itself. 17
MIRANDA: lnevitably, in a period that perceives itself in terms of something that is over, post-
Modernism is defined in terms of that which it is not, beginning with the absence of any single
definition of ii:self. ln the post-modern condition there is no longer beliefin any grand system that
will embrace and resolve all the prablems ofthe world in a single account. No such "grand narrative,"
such as that offered by Marxism, is possible, for there are no more large explanations to justifY such
a totalising-and thus totalitarian-system. There are no more utopias, though dystopias abound,
fram the Gulag to Cambodia to the American ghettos. 18
CALIBAN: Do you mean the United States?
MIRANDA: The philosophical theories that have offered explanations ofthe world following the
1960s-Structuralism and post-Structuralism-are deeply pessimistic, for they seem to deny that it
is possible to act upon what these explanations offer, by denying, in essence, that the individual will
exists. We are either prisoners in a system oflanguage or castaways on a sea ofideology and in neither
case do we have any contraI. Language speaks us; ideology shapes us in pursuit ofits own ends. 19
80ly Cissé Chiffre Cifra [Figures] 1997 guache e fita sobre cartão [gouache and tape on board] 40x30cm foto Abrie Fourie coleção
Hans Bogatzke

229 África Lorna Ferguson e Awa Meite


CALIBAN: This is a secondary texto But ifwe excuse your rehashing ofwell-known post-modernist
dilemmas, and get over anxieties about how slippery post-modernism is to define, I think we can get
to the more interesting issue ofhow the post-modern definition of subjectivity (Le. that the subject is
rendered virtually non-existent) affects the possibility of effecting change (politicaI or otherwise). ln
Africa, we are starting to define a subjectivity that does not fall into the old humanist definitions of
the subject, but holds onto volitional subjectivity in a way which makes politicaI action a possibility.
On this ground, we are acutely aware that post-modernism and post-colonialism are too often taken
to be synonymous, which they are not at alI. Post-colonialism cannot and should not accept that the
subject is completely and utterly subject to external forces, not if politicaI change is to be effected.
The other are a which needs to be problematised is the all too easy intersection of gender and race-
two other categories often separated only by commas as in "race, gender and class" when the rela-
tionship between these is not quite so simple. 20
THE GHOST OF ROLAND BARTHES: There is as yet only one possible choice, and this choice can
bear only on two equally extreme methods: either to posit a reality which is entirely permeable to
history, and ideologise; or conversely, to posit a reality which is ultimately impenetrable, irreducible,
and in this case, poeticise. ln a word, I do not yet see a synthesis between ideology and poetry.21
AYI KWEI ARMAH: The Beautiful Ones Are Not Yet Born, 22 stilI.
PROSPERO: As Ad was saying, the Twelve Technical Rules (or How to Achieve the Twelve Thingsto
Avoid) to be followed are: (1) No texture. Texture is naturalistic or mechanical and is a vulgar quality,
especially pigment texture or impasto. Palette knifing, canvas-stabbing, paint scumbling and other
action techniques are unintelligent and to be avoided. No accidents or automatismo (2) No brushwork
or calligraphy. Handwriting, hand-working and hand-jerking are personal and in poor taste. No sig-
nature or trademarking. "Brushwork should be invisible." "One should never let the influence of evil
demons gain control of the brush."
Adrian & Francisco are heard bíckering o1fstage makíng poínt 3 ínaudíble.
PROSPERO (4) No forms. "The finest has no shape." No figure or fore- or background. No volume
or mass, no cylinder, sphere or cone, or cube or boogie woogie. No push or pulI. No shape or sub-
stance." (5) No designo "Design is everywhere." (6) No colors. "Color blinds." Colors are an aspect
of appearance and so only of the surface. "Colors are barbaric, unstable, suggest life," "cannot be
completely controlled, "and "should be concealed." Colors are a "distracting ... "23
CALIBAN: Where do you get offtelling me that I gabble like a thing most brutish ... ?
STEPHANO: I don't want to cause no trouble
Just won't do the 12-Step Shuffle,
Rather have me a Whiskey Sour
Than get dry-drunk on my Higher Power ... 24
CALIBAN: Although much ofthe art thatfollowed the eclipse ofmodernism has been characterised
bya heterogeneity of media, painting has refused to die. And where painting gets done, the aesthetic
is never far behind. It is true that the question of the medium per se has retreated from the front line
of concern, but the what ofpainting still, and always, comes to our apprehension through the how of
facture. ln fact painting has proved remarkably flexible in the period after the exhaustion ofits most
significant modern paradigm. 25
ROBERT MORRIS: The mo de has become antique. 26
VICTOR BURGIN: The daubing offabrics with coloured mud. 27
CALIBAN: He who must do
Something altogethernew
Let him swallow his own head. 28

230 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
KENDELL GEERS: The harsh realities ofthe African experience have prevented the Modernistvision
and practices from effectively taking root in their purest formo ln both traditional and modern Africa
the work of art remains unavoidably and intricately connected to the life and culture of the artist,
translating into a "Reality PrincipIe" that interrupts and interferes with the "suspension of reality"
required to maintain the essentialist escapist aestheticism ofhigh modernism. 29
CALIBAN: Nonetheless, certain forms ofpainting, often involving an hybridity oftechnique and a
mixing with other media, have survived the death of canonical modernism and helped keep alive the
elusive but crucial sense of what it is for something to be interesting as art. This is not to say the
question of the aesthetic is other than one of the most fraught in contemporary art. .. the notion of
the aesthetic represented an attempt to mediate between a one-sided rationalism and the flux of
sensation. It rests on the twin belief that, so to speak, feeling is of the mind no less than thought
is embodied. 30
THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: Reason is Hellenic and emotion is Negro. 31
THE GHOST OF OSWALD DE ANDRADE: We never let the concept oflogic invade our midst. 32
THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: Young African intellectuals who have read Marx carelessly
and who are still not altogether cured ofthe inferiority complex given them by the colonisers, criticise
me for having reduced the African mode ofknowledge to pure emotion, for having denied that there
was an African "rationality" and an African technology. They must have read what I have written as
carelesslyas they had read the scientific socialists. It is a fact that there is a white European civilisa-
tion and a black African civilisation. The question is to explain their differences and the reasons for
these differences, which my opponents have not yet done. 33
TSENAY SEREQUEBERHAN: To be sure, the Marxist-Leninists have, in their own way, answered this
questiono For them it is not a question of a "white" or a "black" civilisation marked-on the founda-
tionallevel of ontological description-by a qualitative difference in kinds of human existence.
Rather, for the Marxists-Leninists it is a question of the singular and quantitatively uniform, sequen-
tial unfolding ofthe world-historical dialectical symbiosis of man and nature. What Sénghor sees as
a qualitative difference in kinds of"civilisation" between differing human groups-Indo-European,
on the one hand, and Arab-Berber and Negro-African, on the other-the Marxist-Leninist explicates
as a quantitative regression or progression, an underdevelopment or development, in the evolution
ofthe sequential and ontologically proper relation ofman to nature. This relation-the technical
control of nature-is ordered according to the singular dictates of the historical dialectic and of
structural transformation. The technical control of nature, or the lack thereof, is therefore, for the
Marxist-Leninist, the singular and "true" yardstick bywhich the progression or regression ofhuman
groups and humanity as a whole is historically gauged and tabulated. But can such "things" as the
progression or regression ofhuman groups be measured without prejudging the evidence in the very
act oftabulating it?34
THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: .. .it is impossible to deny Negro art for long, particularly
as it was Europeans who were the first to discover and define it; black Africans preferred to experi-
ence it. It has been championed by leading European artists and writers from Pablo Picasso to André
Malraux, whose attendance here I welcome as convincing evidence. 35
THE GHOST OF OSWALD DE ANDRADE: The only things that interest me are those that are not
mine. 36
THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: And this is not to mention the black writers and artists
from Africa and America who in the interwar years of and after 1945, compelled recognition in a
world which was badly fragmented and therefore searching for unity, for authenticity. So because
people were unable to deny Negro art, they wanted to minimise its originality under the pretext that it

231 África Lorna Ferguson e Awa Meite


did not have a monopoly on emotion, or analogical images or even rhythm. And it is undeniable that
any true artist is endowed with all these gifts, whatever their continent, race ar nation. 37
JIMMIE DURHAM: I want to return to my friend's statement about art as a European invention. ln
the main I do not disagree with him. lt is only that I am not sure about three of the words in the
statement: "Art," "European," and "lnvention."38
DOUGLAS CRIMP: One ofthe first applications ofthe term "postmodernism" to the visual arts
occurs in Leo Steinberg's "Other Criteria" in the course of a discussion ofRobert Raushenberg's
transformation of the picture surface into what Steinberg calls a "flatbed," referring, significantly
to a printing press. This flatbed picture plane is an altogether new kind of picture surface, one that
effects, according to Steinberg, "the most radical shift in the subject matter of art, the shift fram
Nature to culture." That is to say, the flatbed is a surface which can receive a vast and heterageneous
array of cultural images and artifacts that had not been compatible with the pictorial field of either
premodernist or modernist painting. A modernist painting, in Steinberg's view, retains a "natural"
orientation to the spectator's vision, which the postmodernist picture abandons."39
KENDELL GEERS: It has always been an African survival strategy to recycle foreign objects, images
and ideologies. ln art we must create in this spirit a politicaI Art Povera that hijacks and kidnaps
the international (historically defined) languages and codes, tortures and interrogates them until
they reveal their true nature and identity. Then according to the strategy that we know best, that of
the Freedom Fighter or Terrarist, to plant bombs at strategic points set to explode with maximum
linguistic and semantic impact. 40
PROSPERO, dispIaying the príceIess polítical gift ofbeíng abIe to sleep wíth hís eyes open-the beauty ofít-
just a shade narrowed. Líke the eyes of an aIert person payíng receptíve, benevolently crítícal attentíon to whatever
is going on, shouts: Vive la Sécheresse!41
PIenary sessíon doses ín dísarray. Calíban takes control ofthe coriference and installs Mudímbe and Ngugí on the pIaiform.
CALIBAN: On the Black Continent, one began to understand that their real power resided not at all
in the cannons ofthe first marning but in what followed the cannons. Therefare behind the cannons
was the new school. The new school had the nature ofboth the cannon and the magneto Fram the
cannon it took the efficiency of a fighting weapon. But better than the cannon it made the conquest
permanent. The cannon forces the body and the school fascinates the soul. 42
NGUGI WA THIONG'O: The realaim of colonialism was to contraI the people's wealth: what they
produced, how they produced it, and how it was distributed; to contraI, in other words, the entire
realm ofthe language of reallife. Colonialism imposed its control ofthe social praduction ofwealth
thraugh military conquest and subsequent politicaI dictatorship. But its most important area of
domination was the mental universe of the colonised, the contraI, thraugh culture, ofhow people
perceived themselves and their relationship to the world. Economic and politicaI contraI can never
be complete or effective without mental contraI. To contraI a people's culture is to contraI their
tools of self-definition in relationship to others. For colonialism this involved two aspects of the
sarne pracess: the destruction or the deliberate undervaluing of a people's culture, their art, dances,
religions, history, geography, education, orature and literature, and the conscious elevation ofthe
language ofthe coloniser. The domination of a people's language by the languages ofthe colonising
nations was crucial to the domination ofthe mental universe ofthe colonised. 43
THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: We express ourselves in French since French has a universal
vocation and since our message is also addressed to French people and others. ln our languages the
halo that surrounds the woi'ds is by nature merely that of sap and blood; French words send out
thousands ofrays like diamonds. 44
Seydou Ke'ita Sem título [Untitled] 1958 fotografia CAA.C. The PigozziCollection, Genebra

232 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
233 África Lorna Ferguson e Awa Meite
234 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roleiros. Roteiros. Roteiros."
FRANTZ FANON: Let us waste no time in sterile litanies ... 45
V. Y. MUDIMBE: I suggest that we consider African artworks as we do literary texts, that is as
linguistic (narrative) phenomena as well as discursive circuits. 46 ... First there is the question of
knowing who can ar should speak validly about Africa and from which viewpoint. Second, there is
the issue of promoting "discourses" on others now that we have learned an essentiallesson from the
criticism of anthropological and missionary discourse: "Savages" can speak, not only when their
very being and their traditions are at stake, but also in arder to evaluate procedures and techniques
that pertain to the description oftheir being, traditions and beliefs. 47
CALIBAN: Yes, you do not stand in one place to watch a masquerade. 48
v. Y. MUDIMBE: For the artist trained in colonial-era workshops and art schools, the curriculum
there has prescribed powerful reflexes and responses. Even in the most conservative institutions,
education meant a conversion, ar at least an opening, to another cultural tradition. For all these
artists, the organic reality of a modernity was embodied by the discourse, values, aesthetics, and
exchange economy of colonialismo One might, in consequence, be tempted by Edmund Leach's
general system of oppositions between the two traditions, and might hypothesise a discreet com-
petition between them: the more traditional the inspiration for a work of art, the less its general
configuration and style could allow a clear assessment of the qualities of its forms, its content,
and the maker's technical skills; conversely, the more Westernised an oeuvre, the more easily an
observer can make distinctions among these constituent elements. Leach's suggestion is brilliant,
but unfortunately it does not address the difficult issue of styles, of"the formal properties of a work
of art," which constitute the core specificity of an artistic tradition. 49
AIMÉ CÉSAIRE: Europe is unable to justifY itself either before the bar of"reason" ar before the bar
of"conscience"; and ... increasingly it takes refuge in a hypocrisy which is all the more odious
because it is less and less likely to deceive. 50
NGUGI WA THIONG'O: The aim, in short, should be to orientate ourselves towards placing ... Africa
in the centre. All other things are to be considered in their relevance to our situation and their contri-
bution towards understanding ourselves ... ln suggesting this we are not rejecting other streams,
especially the Western stream, we [simply]want to establish the centrality of Africa .... This is justi-
fiable on various grounds, the most important being that education is a means ofknowledge about
ourselves. Therefore, after we have examined ourselves, we radiate outwards and discover peoples
and worlds around us. With Africa at the centre ofthings, not existing as anappendix ar a satellite
of other countries and literatures, things must be seen from the African perspective. 51
THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: It is not simply a matter of defending the Negro art ofthe
past... it is more a case of celebrating it, by demonstrating that it is ... a torrential and inexhaustible
source, an essential component ofthe Universal Civilisation which is taking shape before our very
eyes, through us and for us, through everyone and for everyone. 52
KENDELL GEERS: It is going to be a very long time before the Sex Pistols are really understood on
"The Dark Continent." 53
DICK HEBDIGE: The discourse on post-modernism is fatal and fatalistic; at every turn the word
"death" opens up to engulfus: "death ofthe subject," "death ofart," "death ofreason," "end of
history."54
ARIEL: ... there is an identification with death at the very basis of the most significant African
ideologies: "Négritude," "African personality," "Pan-Africanism." I refer to the identification-for
good, sacred, and highly respectable reasons-with the millions ofvictims of the slave trade and the
identification with those who resisted the process of colonisation and were killed. This identification
Seydou Ke'ita Sem título [Untitled] 1956-57 fotografia C.A.A.C. The Pigozzi Collection, Genebra

235 África Lorna Ferguson e Awa Meite


is accompanied by forms of introjection and incorporation, which present explicit and conflicting
signs ofboth a wish and a refusal to die. But these African ideologies of self-affirmation are also
haunted by the spectre of cultural death, which theyassociate, for example, with the French policies
of assimilation. So we have finally to consider the symbolic representation of death, the silence of
the conquered, who, on the psychoanalyst's couch, represent another silence, the massive and
shameful silence of men who discover themselves incapable of explaining to their children what
happened. Those who have submitted now confront doubts about themselves, want to know what
is wrong with them, and face an awful question: could it be that the other, the "conquistador" or the
"coloniser," has a response to their predicament? Indeed he has one. But let's note something else.
Another silence, a frightening one, lingers within the general economy of new African words, lan-
guages, theories commenting on the catastrophe and articulating in new ways other objects of
desire: African women do not seem to speal<. ln any case, their presence ... has been, until very
recently, marked by silence. 55
CALIBAN: The experience of"civilisation" in the bewitched cultural woods ofEuropean modernism
and post-modernism was not of my choosing. My silence of contemplation, initiation, acceptance
and action lulls men of my race and colonising people into an illusion that I have no voice, feelings
or creative expression. Understand that my ultimate escape lies in an enforced mating, producing
new voices and modes of expression. I create endlessly, vocalising in ways you do not deign to recog-
nise. Loudly, repeatedly, monotonously my earnest efforts are declared invisible or decried as deriv-
ative, passé, commercial and most belittling, na'ive and primitive outpourings pandering to the
ill-developed tastes of cultural tourists. Yet, my works are contemporary to my needs and my situa-
tion. The opinions of my conquerors cause me to be active, rather than reactive. I purposefully
choose my clearing in the woods. Yet when you, my conquerer, repeatedly visit my cell to touch and
sniff and illicitly possess the forms you love and detest, you think my silent fortitude is quiescence
and demean the body of my knowledge. Bring out your weapons of creative circumcision but know
this, the silence of the womenfolk is no catastrophe, merelya long and active slumber of freedom. 56
FRANTZ FANON : ln the world through which I travel, Iam endlessly creating myself... And
it is by going beyond the historical, instrumental hypothesis that I will initiate the cycle of my
freedom. 57

Epilogue
Musíc is heard. Enter Osun and Macumba spíríts, swayíng and dandng wíth actíons ofsalutatíons, ínvítíng alI con-
ference deIegates to joín.
Sung to the tune ofBaaba Maal's Baay0 58
CALIBAN:The Africa presented by the Other
Is a legend in which we almost carne to believe.
The African tradition as it appears in the light of now
May also be a legend-
But it is the legend in which African intelligence believes.
It is our perfect right to declare
Authentic, correct and true
Those components of our past which we believe to be soo
Exeuent.

Thomas Mulcaíre and Lorna Ferguson

236 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
I. Bob Marley, V. Ford, No woman no cry, Bob Marley and the 29. Kendell Geers, The perversity ofmy birth: the birth ofmy perver-
Wailers, Live, Island Records, 1975. sity, on http://www.icon.co.za/ffikendell/home.htm .• Septem-
2. Rob Nixon, "Caribbean and African appropriations ofThe ber 1995.
tempest," in CriticaI inquiry, Spring 1987, VoI. 13, no. 3, P.577. 30. Paul Wood, op. cito
3. The tempest's value for African and Caribbean intellectuals 3I. Cited in V. Y. Mubimbe, The invention of Africa: gnosis, phíloso-
faded once the plot ran out. The play lacks a sixth act which phy and the order ofknowledge, James Currey, Bloomington: Indi-
might have been enlisted for representing relations among ana University Press, 1988, P.94.
Caliban, Ariel, and Prospero once they entered a postcolonial 32. Oswald de Andrade, "Anthropophagite manifesto," in Revista
era. Rob Nixon, op. cit., P.576. de Antropofagia, São Paulo, no. I, May, 1928.
4. Willy Bal, "Confidences d'un Wallon 'wallonnant' et 'tiers- 33. Léopold Sénghor, Prose and poetry, trans. John Reed and Clive
mondialiste,'" in Bulletin de l'Académie Royal de Langue et Littérature Wake, London: Heinemann, 1976, P.33.
Françaises 68, June 1990, P.I05-lI5. 34. Tsenay Serequeberhan, The hermeneutics ofAfrican phílosophy,
5. SaratMaharaj, "The Congo is flooding the Acropolis" in Inter- New York: Routledge, 1994, P.43.
rogating identity, New York: Grey Art Gallery, New York Univer- 35. Léopold Sénghor, "The role and significance ofthe Premier
sity, 1991-92, PP.I3-42. Festival Mondial des Arts Négres," Dakar 1966, in Seven stories
6. Ad Reinhardt, "Twelve rules for a new academy," 1953, in Art about modern art in Africa, London: Whitechapel, 1995, P.225.
news 56 no. 3, May 1957, P.37-3 8 . 36. Oswald de Andrade, op. cito
7. Adapted from Robert Hewison, Future tense: a new artfor the 37. Léopold Sénghor, op. cito
nineties, London: Methuen, 1990, P.48. 38. Jimmie Durham, "A friend of mine said that art is a European
8. Bob Black, Beneath the underground, Portland: Bob Black and invention" in Global visions, London: Kala Press, 1994, p.lI6-8.
Feral House, 1994, P.I7I. 39. Douglas Crimp, "On the museum's ruins," in Postmodern cul-
9. Robert Hewison, op. cito ture, Hal Foster, ed., Gifford: Cromwell Press, 1985, P-44.
10. Adrian Piper, footnote fram The triple negation ofColored Women 40. Kendell Geers, op. cito
Artists, in Next generation: south black aesthetic, Winston-Salem: 4I. Adapted fram Ayi Kwei Armah, "Halfway to Nirvana," in Voices
SECCA, 1990, p.2I. from twentieth-century Africa: griots and towncriers, Ced.) Chinweizu,
II. Robert Hewison, op. cit., P.37. London: Faber, 1988, P.238.
12. Harry Magdoff, "Imperialism without colonies" in Studies in 42. Cheikh Hamidou Kane, "Ambiguous adventure" trans.
the theory ofimperíalism, eds. Owen & Sutcliffe, New York, 1972. Ngugi wa Thiongo by Bachir Diagne in Decolonising the mind,
13. Robert Hewison, op. cito James Currey, Oxford, 1986, P.9.
14. Ibid. 43. Ngugi wa Thiong'o, ibid., p.14.
IS. Stewart Home, The assault on culture: utopian currentsfrom let- 44. Léopold Sénghor, Introduction to Ethiopiques, September 1954,
trisme to class war, Stirling: A.K. Press, 1991, p.I06-7. quoted in Ngugi wa Thiong'o, ibid., P.19.
16. Robert Hewison, op. cit., P.37. 45. Frantz Fanon, The wretched ofthe earth, London: Penguin, 1963,
17. Ibid. P·25I.
18. Ibid. 46. V. Y. Mudimbe, The idea ofAfrica, Bloomington: Indiana Uni-
19. Ibid., pp. 37-8. versity Press, 1994, P.I56.
20. Anon. critique of draft text, May, 1998. 47. V. Y. Mudimbe, The invention ofAfrica, op. cit., p.64.
2I. Roland Barthes, Mythologies, trans. Annette Lavers, New York: 48. An Igbo saying.
Hill and Wang, 1972, P.I58. 49. V. Y. Mudimbe, The idea of Africa op. cit., p.I6I.
22. Ayi Kwei Armah, The beaut!1.ful ones are not yet born, Oxford: 50. Aimé Césaire, "Discourse on colonialism" quoted in Tsenay
Heinemann, 1968. Serequeberhan, The hermeneutics of African phílosophy, New York:
23. Ad Reinhardt, op. cito Routledge, 1994, P·57·
24. The 12-step shujj1e, Alcoholics Anonymous [the "Big book"], SI. Ngugi wa Thiong'o, op. cit., P.94.
third edition, NewYork: Alcoholics Anonymous World Services, 52. Léopold Sénghor, The role and significance ofthe premier Festival
Inc., 1976. Mondial des Arts Négres, op. cit., P.225.
25. Paul Wood, "Refusing to die," in Art-Language, New Series, 53. Kendell Geers, op. cito
no. 2, June 1997, P·27. 54. Adapted from Robert Hewison, op cit., P.38.
26. Quoted in Paul Wood, ibid. 55. V.Y. Mudimbe, The idea ofAfrica, op. cit., P.I84.
27. Ibid. 56. Wanjiku Nyachae, Private correspondence, June 1998.
28. Chinweizu, "Originality?" ln Voices from twentieth-century 57. Frantz Fanon, Black skin, white masks, trans. Charles Lam
Afríca: griots and towncriers, Ed. Chinweizu, London: Faber, 1988, Markham, London: Pluto Press, p.229-23I.
P·23 8 . 58. Baaba Maal, Baayo, Mango/Island, I99I.

237 África Lorna Ferguson e Awa Meite


"Que o nativo não goste de um turista não é difícil de explicar. Porque todo nativo é um
turista em potencial, e todo turista é um nativo. Todo nativo em todos os lugares vive uma
vida assoberbante e arrasadora de banalidade e tédio e desespero e depressão, e toda
realização boa ou má é um esforço para esquecer disso. Todo nativo gostaria de encontrar
uma saída, todo nativo gostaria de um descanso, todo nativo gostaria de uma viagem.
Mas alguns nativos-a maioria dos nativos do mundo-não podem ira lugar nenhum.
São pobres demais. São pobres demais para ir a qualquer lugar. São pobres demais para
escaparda realidade de sua vida, e são pobres demais para viver de forma adequada no
lugaronde vivem, que é o exato lugar a que você, o turista, quer ir-portanto, quando os
nativos do lugarvêem você, o turista, eles o invejam, invejam-no pela habilidade de sair
da própria banalidade e tédio, invejam-no pela habilidade de transformar a sua própria
banalidade e tédio em fonte de prazer para você mesmo."

Extraído de Jamaica Kincaid, [Um pequeno lugar], traduzido do inglês por Lilia Astiz.

238 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
"That the native does not Iike the tourist is not hard to expIain. For every native of every
pIace is a potential tourist, and every tourist is a native of somewhere. Every native
everywhere Iives a Iife of overwhelming and crushing banaIity and boredom and despera-
tion and depression, and every deed, good and bad, is an attempt to forget this. Every
native would like to find a way out, every native would Iike a rest, every native would Iike
a touro But some natives-most natives in the world-cannot go anywhere. Theyare too
poor. Theyare too poor to go anywhere. Theyare too poor to escape the reality of their
Iives; and theyare too poor to Iive properly in the pIace where they live, which is the very
pIace you, the tourist, want to go-so when the natives see you, the tourist, theyenvy
you, they envy your ability to Ieave your own banaIity and boredom, they envy your ability
to turn their own banaIity and boredom into a source of pIeasure for yourself."

Extracted from Jamaica Kincaid, A small place, Victoria: Penguin Books AustraIia Ltd.,
1988, pp.18-19·

239 Fragmento
"DIAWARA: Tomei um avião, fui para a África, visitei quatro países diferentes com minha
máquina fotográfica, entrevistando pessoas para um filme. De certa maneira, era uma
espécie de turista branco, porque todas as portas me foram abertas para que eu pudesse ver
alguns dos mais importantes líderes africanos dos anos 40 e 50.
KOLBOWSKI: Porque você era um turista branco, e não um turista negro?

DIAWARA: Bem, em primeiro lugar não há muitos turistas negros na África! Criei uma condi-

ção de minha própria transtextualidade. Isso me possibilita certos prazeres e privilégios


disponíveis aos turistas brancos, como fazer uma refeição na Brasserie Lipp, além de estar
com Jacques Toubon (ministro da Cultura francês, ex-ministro daJustiça), Jean Tiberi,
prefeito de Paris, e assim por diante. Ninguém me crava os olhos, as mulheres deixam suas
bolsas perto de mim, sem se preocuparem com a possibilidade de que eu possa roubá-Ias.
Dessa maneira, neste sentido também estabeleço um tipo de transtextualidade, porque de
certa forma já me tornei um americano negro.
KOLBOWSKI: O que lhe confere transtextualidade na Brasserie Lipp?

DIAWARA: Na África, tem a ver com o poder-dinheiro, na América está associado ao título

de professor de uma universidade americana, o que permite que as pessoas ignorem acorde
minha pele. Em Paris, muitos fatores compõem a minha condição de transtextualidade. Por
exemplo, quando estou em Paris, uma mulher branca entra num café onde estou sentado,
deixa sua bolsa, vai ao toalete e não me dirige um olhar. Isso me assusta! Tudo porque já me
acostumei a estar sempre sob suspeita como um homem negro nos Estados Unidos. Na
América, quando estou num restaurante e chego até uma mesa que foi ocupada por um
casal branco que deixou uma gorjeta, o casal se certificará de que o garçom venha e recolha
a gorjeta antes de se retirarem. Como já vivenciei as duas situações em Paris e na América
com relação à negritude, posso ocupar uma posição transtextual de negro americano/negro
africano pós-colon ial em Paris."

Manthia Diawara entrevistado por Silvia I<olbowski. Traduzido do inglês por Lilia Astiz.

Moshekwa Langa Skins Peles 1995 papel, creosoto, xarope, óleo [paper, cresote, syrup, oil)
coleção South African National Gallery, África do Sul

240 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
"D IAWARA: l took a plane, l went to Africa, l visited four different countries with my camera,
interviewing people for a filmo ln a sense, l was like a white tourist, because all doors were
open to me to see some of the most important African leaders from the forties and fifties.
KOLBOWSKI: Whywere you a white touristj whyweren'tyou a black tourist?
DIAWARA: Well, first of all, there aren't that many black tourists in Africa! l created a condi-
tion of my own transtextuality. It makes available to me the kinds of pleasures or privileges
that are open to white tourists, or to eat at the Brasserie Lipp, and there are Jacques Toubon
(French Minister ofCulture, former Minister ofJustice), Jean Tiberi, the Mayor ofParis, and
so on. Nobody stares at me, women leave their purses near me, they don't worry that I'm
going to steal them. So l form a kind of transtextuality in that way too, because in a sense l
have already beco me an American black.
KOLBOWSKI: So what accords you transtextuality at the Brasserie Lipp?
DIAWARA: ln Africa, it has to do with power-money, the association with America, the title
of professor in an American university, which allows people to disregard my skin coloro ln
Paris, many things enter into my condition oftranstextuality. For example, when I'm in Paris,
a white woman comes into a cafe where I'm sitting, leaves, her bag and goes to the bathroom
and never looks at me. l get scared! Because I've become used to being under suspicion as a
black man in the D.S. When I'm in America, and I'm in a restaurant and come to a table that
a white couple has occupied and left a tip at, the couple will make sure that a waiter comes
and takes the tip before they leave. But bécause I've experienced both the Parisian and the
American situations with regard to blackness, l can occupy a transtextual position as an
American blackl postcolonial African black in Paris."

Manthia Diawara interviewed by Silvia Kolbowski, "Homeboy cosmopolitan," October 83,


winter I998, MlT Press, P.59.

241 Fragmento
Oriente Médio curadoria Ami Steinitz e Vasif Kortun

Des/aparecimento: O corte
entre distâncias
Deixar de lado sua própria vivência em relação ao estado de espírito, que se manifesta
coletivamente no Oriente Médio, e ligar·se a outros estimula as ondas emocionais e
instintivas da experiência. Densas camadas e linhas socioculturais compõem a região.
Elas forçam a realização de atos singulares e impõem interpretações comuns a todos.
Estas tensões, ligadas à peculiarescrita e obliteração do "Eu/Nós", forjam encontros
físicos. Tais realidades constróem níveis de significados regionais e indefinidos.
Poderes contraditórios marcam as realidades sociais da região. Ali a violência e
a cultura se misturam. A fusão de grandes tensões políticas, diferenças étnicas e con·
flitos religiosos, onde floresceram antigas civilizações, constitui um cenário humano
único. A situação é mais complicada na medida em que o Oriente Médio, tanto no
plano cultural quanto no geográfico, situa·se em regiões da Ásia, África e Europa.
As tensões entre a vida privada e o espaço social, as modernas forças do Estado
(quanto à organização), as alianças tradicionais, comunitárias e religiosas e a singu·
laridade do eu são fortes demais. O social contamina tudo, cada momento e cada
parte do corpo de uma pessoa. O singularestá ligado ao plural, mas também carrega
o plural dentro de si, como um órgão interno.
Latitudes que se abrem para os artistas, em outras partes do mundo, não são
vivenciadas em muitas partes da região. O distanciamento cultural e a aparente
imutabilidade da perspectiva religiosa, a negação efetiva do indivíduo e os sistemas
de controle reduzem o papel da arte ao status de placebo. Essas realidades refreiam
os artistas, que se prendem a padrões conhecidos de alienação e ortodoxia, e têm
como pano de fundo a constante decadência das culturas tradicionais, a espoliação
de ambientes únicos e a difusão de um urbanismo degenerante.
Bases sociais frágeis determinam uma posição peculiar para a presença artística
crítica. O espaço público é compartilhado entre a volatilidade do verdadeiro e do
falso, o religioso, o secular, o nacional, o étnico, o patrimonial, o econômico, entre o
mercado global e os sistemas e poderes da comunicação. Qualquer atividade artística
Bulent ç;angar Photograph 1997-98

243 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


singular significa uma ruptura com formas sociais comuns de negociação e sugere
outras probabilidades de escrita.
Nesta região frágil, os movimentos em direção a processos de arte críticos e
autênticos são politizados, frustrados e,em certas ocasiões, considerados como algo
q ue vem de fora do "Nós". A capacidade de esclarecer as percepções e idéias preconce-
bidas da região depende de improváveis pontos de vista, interlocais e comunitários.
É uma espécie de singularidade inatingível que sustenta uma perspectiva inter-
comunitária, desvenda situações obscuras, cria uma diferença e tem legibilidade
global. Esta singularidade é uma diáspora regional interior, uma reclusão e uma
alternativa que não ocorrem no exílio, uma leitura cultural rizomática. Este estado de
espírito, este des/aparecimento, presente na diáspora, apresenta uma forma pessoal
de experiência e uma sutil expressão crítica.
Ao ultrapassarem as fronteiras, abandona-se a própria alma e invade-se uma
alma diferente. Devorar-se a si mesmo e ao outro. A proximidade é definida por uma
experiência de possíveis impossibilidades, por se estar encerrado entre paredes. A
viagem regional segue o rumo dos becos do isolamento. Ajornada ao longo dos muros
estreitos, e obscuros, é uma longa caminhada através de distâncias confinadas.
A noção de distância é obtida quando se atravessam territórios, ao se sair da
sombra, ao se alcançar a realidade fulgurante daquilo que é fortuito e casual no
eu/outro.
Roteiros do Oriente Médio traça um itinerário dentro das distâncias: afastando-
se da própria situação, de um comprometimento com o outro e de uma experiência
agressiva de realidade. O corte do "des/aparecimento" implica um movimento entre
distâncias impossíveis: o movimento entre uma singularidade regional, imaginada e
poderosa, e a realidade de uma mutualidade estilhaçada.
Ami Steinitz e Vasif Kortun. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

244 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Dis/appearance:
the slash between distances
Leaving one's own Middle East collective state of mind and linking with others stim-
ulates emotional and instinctual waves of experience. Dense socio-culturallayers and
lines devise the region. They force singular acts, and compel communal readings.
These distinct Middle East "I/We" writing and erasure tensions forge physical
encounters. These realities construct undefined regional depths of meaning.
Contradicting powers outline the region's social realities. Violence and culture
blend all across the region. The fusion ofburning and boiling politicaI tensions, cu r-
rent ethnic and religious collisions in the sites of ancient civilizations establish a
unique human setting. The situation is all the more complicated as the Middle East is
culturallyand geographically in and part of Asia, Africa and Europe.
The tensions between the private life and social space; the modern Cby organiza-
tion) forces ofthe state, and the traditional, communal and religious alliances and the
singularity of the self are blatantly strong. The social infests everything, every moment
and every part of one's body. The singular is liable to the plural, but it also carries the
plural within it like an internal organ.
Latitudes open to artists in other parts of the world are not experienced in many
parts ofthe region. Cultural remoteness, seeming immutability ofthe religious per-
spective, the effective negation of the individual and control systems, redu ce the role
of art to a status of placebo. These realities hold artists back in familiar patterns of
alienation and orthodoxy; against a background ofthe steady decay oftraditional cul-
tures, spoliation of unique environments, and the spread of degenerating urbanismo
Delicate social grounds set a peculiar position for criticaI artistic presence. The
public space is shared between true/false volatile, religious, secular, national, ethnic,
patrimonial, economic, global market and communication systems and powers. Any
singular artistic activity signifies a rift with common social forms of negotiation and
suggests other writing probabilities.

245 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


ln this fragile region, the move towards genuine criticaI art processes are politicized
and thwarted, and at times regarded to be coming from the outside of the "We." The
ability to unfold the region's perceptions and preconceptions depend upon the improb-
able interlocal and communal points ofview.
lt is a manner of unattainable singularity that sustains an intercommunal outlook,
reads obscure situations, creates a difference and has globallegibility. This singularity
is an inward regional Diaspora, a nonexilic seclusion and alternative, a rhizomatic cul-
tural reading. This Diaspora disl appearance state of mind has a personal form of expe-
rience and a subtle criticaI expression.
ln wandering across lines, one abandons one's soul and invades a different one.
Devouring oneself and the other. Proximity is defined by an experience of possible
impossibilities, by being within walls. The regional voyage trails in alleys ofwith-
drawal. The journey along the narrow shadowed walls is a long walk in confined
distances.
The sense of a distance is achieved by crossing territories, by stepping out ofthe
shadow, and by getting into the glaring reality of self70ther randomness.
The MiddleEast Roteiros writes a route within distances: Walking away from
one's situation, the engagement with the other, and the blatant experience of reality.
The slash of"disl appearance" implies a motion between impossible distances: the
movement between an imagined and forceful regional singularity and the actualness
of a splintered mutuality. Ami Steinitz and VasifKortun
Bulent $angar Sem título [Untitled] detalhe 1997 conjunto [set] de 90 fotografias 234x400cm

246 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
247 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun
Bufão, espião, artista
O "artista", tal como o conheço, é um eterno imigrante, um exilado em seu ambi-
ente natural, aquele que é incapaz de fincar raízes na ordem social existente. Um
refugiado, cujo "torrão natal" recua para longe, para bem longe, por mais que ele
tente alcançá-lo.
Nesta condição emocional não existem paradas intermediárias ou lugares onde
alguém se possa abrigar: a "ausência" é o motivo, o álibi, o motor que consegue ir
mais longe.
Esta condição coloca o artista na posição de crítico e observador social, alguém
que discute e entra em disputa com aquilo que o rodeia ...
O ponto de vista do artista é um conflito para o qual não existe solução ou
escapatória. A "ausência" é uma entidade com identidade própria ou separada; a
necessidade de procurar um público o força a camuflar, embaçar e dissimular esta
identidade separada.
A identidade adotada pode ser a de um lunático, de um garoto rebelde, de um
palhaço, de um animador de auditório, de um revolucionário, de um empresário da
mídia, de um homem misterioso.
A essência do conflito está entre a identidade de u ma pessoa q ue é basicamente
"não-identificável" e sua própria compulsão ou necessidade de "colaborar" com
alguém cuja mera presença define a alteridade do artista.
Estes e outros conflitos semelhantes moldam não só o caráter do artista mas
também o caráter do "espião". Ele é um caráter adequado para trabalhar no serviço
secreto como agente, duplo espião e provocador. É um carátercuja identificação pos-
sibilita um envolvimento simultâneo e um distanciamento do círculo em torno dele,
alguém que se ocupa alternativamente em criar e apagar os traços de sua indepen-
dência, enquanto vaga perpetuamente entre a realidade e o universo alternativo de
sua criação.
A condição israelense leva o papel do artista ao extremo, criando um paradoxo.
O próprio ato de crítica social, na condição político-social existente, ajuda-o a firmar
a permanência dessa crítica. Até mesmo pelas suas ações mais subversivas, o artista
pode ser construído como um colaborador e servir como um biombo. Ele reforça a
ordem social existente ajudando a criar um quadro de pretensa normalidade, no qual
há espaço para idéias e críticas Ce que está se tornando um canal de drenagem regu-
lado e supervisionado e uma câmara de compensação para a agressão).
Shuka Glotman, 8 de maio de 1998, traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

248 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Jester, spy, artist
The "artist" as I know him is an eternal immigrant, an exile in his natural surroundings,
one who is unable to put down roots in the existing social order. A refugee, whose
"homeland" recedes farther and farther away, the harder he tries to reach it.
ln this emotional condition there are no intermediary stops, no cities of shelter;
"absence" is the motive, the alibi and the engine that can go the farthest.
This condition puts the artist in the position of social observer and critic, one
who is in argument and contention with his surroundings ...
The artist's angle is a conflict for which there is no solution or escape. The
"absence" is an entity with a separate or separated identity; the need to search for an
audience forces him to camouflage, blur and veil this separate identity.
The adopted identity may be that of the lunatic, wild boy, clown, entertainer,
revolutionary, media entrepreneur, mystery mano
The essence of the conflict lies between the identity of someone who is basically
"unidentifiable" and his own compulsion or need to "collaborate" with one whose
mere presence defines the artist's otherness.
These and similar conflicts shape not only the character of the artist, but also the
character ofthe "spy." He is a character suited for work in an intelligence organization
as a secret agent, a double agent and provocateur. A character whose identification
enables simultaneous involvement in and distancing from the circle around him, one
who is busy alternatively creating and erasing his independence, while perpetually
wandering between reality and the alternative world ofhis creation.
The Israeli condition takes the artist's role to the extreme, creating a paradoxo
The very act of social criticism in the existing politicaI-social condition helps establish
its permanence. Through even his most subversive actions, the artist can be construed
as a collaborator and serve as a fig leaf. He reinforces the existing social order by help-
ing create a picture of alleged normalcy in which there is room for opposing ideas and
criticism (and which is turning into a regulated and supervised drainage channel and
clearing house for aggression). Shuka Glotman, 8 May 1998.

249 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


Nasci em 1902
Não voltei à minha cidade natal
Não gosto de voltar
Aos três anos eu era o neto do paxá em Aleppo
aos dezenove, um universitário comunista em Moscou
aos quarenta e nove, um convidado do Partido Comunista
Sou poeta desde os catorze
Algumas pessoas entendem de plantas e algumas, de peixes
eu entendo de partidas
algumas pessoas conseguem recitar de cor os nomes das estrelas no céu
eu sei recitar saudades

Estive em prisões, mas também em hotéis de luxo


~uase morri à míngua, em greves de fome, e não existe nenhuma iguaria que eu não tenha provado

aos trinta anos quiseram me enforcar


aos quarenta e oito quiseram me dar o Prêmio da Paz
e deram

aos trinta e seis, levei seis meses para percorrer um espaço de quatro metros quadrados
aos cinqUenta e nove, percorri o percurso entre Praga e Havana em dezoito horas de v60

Não conheci Lenin, mas fiquei de guarda em seu túmulo em 924.


Seu Mausoléu, que visitei em 961, está nos livros

~uiseram me tirar de meu partido


não conseguiram

Mas não fui esmagado pelos ícones que desmoronaram


em 951 encarei corajosamente a morte com um jovem amigo
em 52 fiquei de cama durante quatro meses com problemas no coração

Eu cobiçava loucamente as mulheres a quem amava


Trabalhei para me sustentar e sou grato por isso
Senti vergonha pelos outros e menti
Menti para não tornar os outros infelizes
e menti por nenhum motivo

Andei de carro, de avião, de trem


A maioria não consegue
Assisti a óperas
A maioria sequer sabe o que é uma Ópera
e desde os vinte e um não freqUentei os lugares que a maioria freqUenta
a mesquita, a igreja, a sinagoga e o templo
porém leram minha sorte

meus poemas são publicados em trinta e quatro línguas


mas não em turco na minha Turquia

Não fiquei com Câncer


não é mesmo necessário
também não senti desejo de ser primeiro-ministro
não me interessou
e não fui para a guerra
não me refugiei em abrigos no meio da noite
não corri para as ruas
quando aviões de combate planavam no céu
mas me apaixonei com quase sessenta anos
portanto em resumo camaradas
embora eu me sinta desesperadamente triste em Berlim
posso dizer que vivi uma vida humana
e quanto tempo ainda me resta
e o que vejo daqui por diante
quem sabe

Nazim Hikmet, c.1960. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

250 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
I was born in 1902
Did not go back to the town of my birth
I don't like to go back
I was the Pasha's grand son at three in Aleppo
a communist university student at nineteen in Moscow
and at forty-nine a guest of the communist party
I have been a poet since fourteen
Some people know the kinds of plants and some know the kinds of fish
I know of departures
some people can recite by heart the names of the stars in the sky
I can recite longings

I was in prisons but also in grand hotels


I was starving on hunger strikes and there is almost not a single dish that I have not tasted

they wanted me hung at thirty


and wanted to give me the peace prize at forty eight
and they did

at thirty-six it took six months to walk through a four meter square


at fifty-nine I flew in eighteen hours from prague to Havana

I did not meet Lenin but stood guard at this grave in 924.
His Mausoleum that I visited in 961 is on the books

They wanted to tear me apart from my Party


to no avail

But I was not crushed under the icons that came down
in 951 I faced up to death with a young friend
in 52 I laid in bed for four months with a bad heart

I was mad with envy for the women I loved


I worked for a living and I am grateful for that
I was ashamed for others and I lied
I lied not to make others unhappy
and I lied for no reason at all

I rode cars, took planes and trains


Majority cannot
I went to the opera
Majority doesn't even know what the Opera is
and since twenty-one I have not been to where the majority go to
the mosque, the church, the synagogue and the temple
but I did have my fortune read

my poems are printed in thirty forty languages


not in Turkish in my Turkey

I did not fall to Cancer


not necessary anyhow
no desire to be a prime minister either
not interested
and I did not go to war
I did not go to shelters in the middle of the night
I did not run on the roads
with fighter planes hovering above
but I fell in love at almost sixty
so in short comrades
even though I am desperately sad in Berlin
I can say I lived a human life
and how long I've got
and what do I see from today on
who knows.

Nazim Hikmet? c.1960.

251 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


Khalil Rabah phi-lis-tine\'fiI-sten\n. often cap {philistine, inhabitant of ancient Philistia {Palestine}): a materialistic person; esp: one who is smugly
insensitive or indifferent to intellectual or artistic values. fi-lis-teu (filisteu , habitante da antiga Fil istéia {Palestina}):uma pessoa materialista; esp . alguém
que é condescendentemente insensível ou indiferente aos valores intelectuais ou artísticos 1997 dicionário, pregos [dictionary, nails] 3,5x23x17,5cm

252 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. "
253 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun
"Na rua. Sete horas da noite. O horizonte um ovo enorme feito de aço. A quem
ofertarei meu silêncio inocente? A rua tornou-se mais larga. Caminho lentamente.
Lentamente caminho. Ando tão devagarque é impossível que um avião ajato não me
atinja. O vazio escancara suas mandíbulas, mas não me engole. Caminho desnorteado,
como se estivesse conhecendo estas ruas pela primeira vez e como se as percorresse
pela última vez. Uma despedida unilateral. Sou aquele que caminha num enterro,
sou aquele cujo enterro acompanho."

"Caminho por uma rua onde ninguém está caminhando. Lembro-me de que, certa
vez, caminhei por uma rua por onde ninguém havia caminhado. E lembro-me de que
alguém que não estava comigo disse:
-Pare com este diálogo e uenha comigo.
-Para onde?
-Para uer este homem.
-o que este homem está fazendo?
-Indo para casa.
-Mas ele está andando para frente e, em seguida, para trás.
-É ojeito de ele andar.
-Ele não está andando. °Está gingando. Está dançando.
-Preste bem atenção nele. Conte seus passos: um, dois, quatro, sete, noue para frente. Um, dois,
três, sete, oito para trás.
-o que quer dizer isto?
-Ele está andando. É o único jeito que ele conhece de chegar em casa: dez passos para frente e
noue para trás. Isto quer dizer que ele auança um passo a cada uez.
-E se ele se distraísse e errasse a contagem?
-Neste caso ele não chegaria em casa.
-Está querendo dizer alguma coisa com isto?
-Não. Nada."

Extraído de Mahmoud Derwish,[Memória para o esquecimento, Agosto, Beirute, 1982],


traduzido do inglês porCarlos Eugênio Marcondesde Moura.

254 XXIV Bienal "Roteiroso Roteiroso Roteiroso Roteiroso Roteiroso Roteiroso Roteiroso"
"The street. Seven o'clocl<. The horizon a huge egg made of steel. To whom shall I
offer my innocent silence? The street has become wider. I walk slowly. Slowly, I wall<.
I walk slowly that a jet fighter may not miss me. The void opens its jaws, but it doesn't
swallow me. I move aimlessly, as if getting to know these streets for the first time and
walking on them for the last time. A one-sided farewell. I'm the one walking in the
funeral, and the one whose funeral it is."

"I walk a street where no one is walking. I remember that before, I had walked a street
no one had walked. And I remember that someone who was not with me had said:
-Stop this dialogue, and come with me.
-Whereto?
-To see this mano
-What's this man doing?
-Going home.
-But he's movingforward, then backward.
-That's his way ofwalking.
-He's not walking. He's swinging. He's dancíng.
-Watch him closely. Count his steps: one, twofour, seven, nineforward. One two three, seven,
eight backward.
-What does this mean?
-He's walking. This is the only way he knows how to get home: ten stepsforward and nine back-
ward. That is, he advances by one step.
-What lfhis mind wandered, and he made a mistake in the count?
-ln that case he wouldn't get home.
-Do you mean anything by this?
-No. Nothing."

Extracted from Mahmoud Derwish, Memoryforforgeifulness, August, Beirut, 1982, trans.


1brahim Muhawi, Berkeley and Los Angeles, California: University ofCalifornia Press,
1995, P·47 and PP·54-55·

255 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


Trigo sagrado
O limo te deixa repleto de anseios de repousar num templo bem arrumado, decorado
com rosas
As pontas de teus dedos vertem cera que não queimou.
A virgindade passa a teu lado e amaldiçoa-te.
Ó tolo, arregaça as mangas e mata-te na escuridão final, mata-te até as tâmaras e o
pão, mata-te até a água ilusória
que habita em ti.
O tu, que és restringido pelo conhecimento, o cigano dançou com os tornozelos
cingidos por guizos, até o âmago do fogo se extinguir, o palestino brada, até se
afundar no marulhar das águas.
Ó ser humano, liberta-te! deixa que tudo se desmorone em tua taça!
Ó ser humano, morre e deixa o Tempo vaguear portua tristeza!
Ó tolo, alegra-te, no tempo que te resta de vida, uma Eternidade morta em frangalhos,
pois aquele que não conheçe nem a tristeza nem a alegria perde a vida e a morte.

[... ] Eu, Osíris, o desejável, rei da mesa verde, rei da mesa negra.
Sou o irracional. Morro sozinho, morro como se fora a multidão, prossigo nas noites
. jubilosas, apertando a pobre ferida.
Sou aquele que vem da floresta da terra, de sua encruzilhada, da fortaleza de seu
lombo, da colheita para alistar-se no exército do Amore no exército da Guerra e
no exército de Deus.
Em minha mão há espigas de trigo e o espectro que comanda Reviver e Morrer.
Sou o manto do embalsamamento.
Sou o corpo que foi deixado para ser revivido após a Morte.
Sou aquele que se dissolve na fé.
Sou dispersado e revivido a cada vez, até ser exterminado. Senhor daqueles que morrem
em todos os cantos da terra fiz de meu poder um corpo de vida.
Nida Khury,Jerusalém 15 de setembro de 1997.
Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

256 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Sacred wheat
Moss fills you up with longing for rest in a tidy temple decorated by roses.
Your fingertips ooze unburnt wax.
Virginity passes you by, casting a curse upon you.
O fool, outstretch your sleeves and kill yourselfin the final darkness, kill yourself up to
the dates and bread, kill yourself up to the deceitful water that dwells inside you.
O you who are restricted by knowledge, the gypsy has danced with his anldets till the
heart of the fire went out, the Palestinian calls out in his bones till he digs into
the heart of the water.
O human being, break freeI let the place fall apart in your cup!
O human being, die and let Time wander in your sadness!
O fool, rejoice in your lifespan torn off a dead Eternity, for he who knows neither
sadness nor joy lo ses both life and death.

[... ] I, Osiris the desirable, king of the green table, king of the black table.
I am the irrational one. I die by meself, I die as a crowd, I proceed in the joyful
evenings pressing the poor wound.
Iam the one who comes from the forest ofthe earth, from its cross, from the fortresses
ofits loins, from gathering to join the army ofLove and the army ofWar and the
armyofGod.
ln my hand there's a pile ofwheat and the spectre commanding Revival and Death.
I am the shroud of embalment.
I am the body left to be revived after Death.
I am the one who melts in the faith.
Iam dispersed and revived each time till I'm wiped out. Master ofthose who die in all
the world of the earth I have made my power a body oflife.
Nída Khury,]erusalem 15 September 1997.
Translated by Hannah Amít-Kochaví.

257 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


"Este processo é visível na troca de olhares entre o nativo e o colonizador, o qual
estrutura a relação psíquica deles numa fantasia paranóica de possessão ilimitada e
na sua linguagem familiar de inversão: 'Quando seus olhares se cruzam ele (o colo-
nizador) afirma com amargura, sempre na defensiva: 'Eles querem pegar nosso
lugar'. É verdade que não existe um nativo que não sonhe pelo menos uma vez por
dia em ocuparo lugardo colonizador'."

"This process is visible in the exchange of looks between native and the settler that
structures their psychic relation in the paranoid fantasy of boundless possession
and its familiar language of reversal: 'When their glances meet he [the settler] ascer-
tains bitterly, always on the defensive, 'They want to take our place.' It is true for
there is no native who does not dream at least once a day of setting himself up in the
settler's place.'"

Extraído de [extracted from] Franz Fanon, The wretched of the earth, Harmondsworth:
Penguin, 1969, P.30, traduzido do inglês por [translated from the English by] Carlos
Eugênio Marcondes de Moura.

"Não é possível ver como o poder funciona produtivamente enquanto incitamento e


interdição. Nem isso seria possível, sem os atributos da ambivalência nas relações
entre poder/con heci mento, calcu lar o i m pacto trau matizante do retorno do opri m i-
do, os estereótipos aterrorizantes da selvageria, do canibalismo, da luxúria e da anar-
quia, pontos que assinalam a identificação e a alienação, cenários de temore desejo,
nos textos coloniais."

"It is not possible to see how power functions productively as incitement and inter-
diction. Norwould it be possible, without the attributions to ambivalence to relations
of power/knowledge, to calculate the traumatic impact ofthe return ofthe oppressed-
those terrifying stereotypes of savagery, cannibalism, lust and anarchy which are the
signal points of identification and alienation, scenes of fear and desire, in colonial
texts."

Extraído de [extracted from] Homi Bhabha, The location of culture [A localização da


cu Itu ra], Lond res e Nova York: Routledge, 1994, P.72, trad uzido do inglês por Carlos
Eugênio Marcondes de Moura.
Shuka Glotman Beginner's photo-guide Guia de foto para iniciantes 1992 xerox

258 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
259 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun
260 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
"O Estado. Um homem e uma mulher juntos já formam um Estado. Tudo existe entre
eles: um princípio de autoridade, um governo, leis de comportamento, embaixada e
representação, diplomacia, armamentos, período de guerra e paz.
Eles também constituem duas espécies diferentes, o que torna as coisas mais
difíceis do que são para os assuntos de Estado. Algumas vezes se ignoram, quando se
encontram. Algumas vezes trepam um em cima do outro, como um casal de macacos.
Outras vezes uma corrente de ar fresco passa de um para o outro: existe amor. E há
ocasiões em que, ao se contatarem, acontece um curto-circuito, eles se queimam
mutuamente e, em seu rastro, não deixam nada além de uma mancha no Sol.
Youssef ell<hal disse certo dia que eu era poeta. Sim. Sou a poeta no âmago da
cidade. Uma pequena mancha. Sou a poeta aqui e agora.
Mas, sendo mulher, sou invisível. Tenho de disfarçar minha obsessão porformi-
gas. Elas me perseguem. Se uma mulher fosse ao mercado e gritasse po r socorro
porq ue as form igas estavam su bi ndo por suas pernas, algu ns homens se enfiariam
entre suas coxas e catariam brutalmente aqueles bichinhos minúsculos, a fim de
aliviá-Ia do medo e também para machucá-Ia. Ela, porém, seria detida e a jogariam
num sanatório até que ela tivesse alucinações, vendo a água que sai do torneira
transformar-se numa corrente medonha de form igas negras. Nesse caso, eu me envol-
veria em meu cobertor de moscas e dormiria."

"The State. A man and a woman, together, already form a state. There is everything
between them: a principIe of authority, a government, laws ofbehavior, embassy and
representation, diplomacy, weapons, period of peace and war.
They also constitute, to make things harder than for matters of state, two differ-
ent species. When they meet, they sometime ignore each other. Sometimes they climb
on each other like a pair of monkeys. At other times, a current of cool air passes fram
one to the other: there is love. And then, there are times when, at their contact, a short
circuit happens, and they burn each other and leave nothing behind them but a spot
on the Sun.
Yousssef el Khal said one day that I was a poeto Yes . Iam the poet in the heart of
the city. A dot. I am the poet here and now.
But, being a woman, Iam invisible. I have to hide my obsession for ants. They
pursue me. If a woman went to the market place and cried for help because ants were
climbing up between her legs, some men would thraw themselves between her
thighs, and search wildly for the tiny beasts in order to relieve her fram her fear, and
hurt her too. But she would be arrested and thrawn into an insane asylum until she
hallucinated 'that the water which fell fram the faucet became a sick stream ofblack
ants. ln that case, I would pull up my blanket of flies and sleep."

Extraído de [extracted fmm] Etel Adnan, "ln the heart ofthe heart of anothercountry",
Mundus atrium, V.10, n. 1, P.24-25, traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes
de Moura.
Hali l Altindere Dancing with taboos Dançando com tabus 1997 impressão dig italizada [digital print] 240x170cm
6 painéis [bi llboards]

261 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


"A escolha de Marrocos e do Árabe/Islâmico por Bowles não é por acaso. Não porque
simplesmente o emocionalismo, a violência e a sexualidade desviada, que Bowles
associa ao Árabe/Islâmico, desempenham um papel importante em sua obra. A
questão é que a compreensão de Bowles em relação ao Árabe/Islâmico presta-se à
descrição de uma ruptura, quanto à coerência, que constitui uma das principais aspi-
rações de sua arte. Isto é verdade porque Bowles parece acreditar que uma falta de
coerência seja a essência da civilização árabe/islâmica. Na Casa da aranha, Stenham,
que, sob muitos aspectos, é o próprio Bowles, diz à sua namorada americana, numa
fala que é o eco da descrição que Bowles faz de Mustafá e seus amigos: 'Você tem de
lembrar sempre que esta é mais uma cultura do "e então" e não uma cultura do
"porque", como a nossa. O que eu quero dizer é que, no modo como eles pensam,
uma coisa não provém de outra coisa. Nada é o resultado de nada ... Até mesmo a lín-
gua que eles falam é estruturada em torno disso. Cada fato é separado e um jamais
depende do outro ... ' "

"Abdallah Laroui situa Bowles no contexto de um 'folclore' revivido, gerado num sis-
tema imperial mundial. De acordo com Laroui, a cultura burguesa marroquina rea-
nima e enriquece o significado do folclore como um produto de seu confronto com o
Ocidente e, como resultado, cada arte assume um nível folclórico. 'Todo folclore
implica um centro e uma periferia', ele escreve. Paul Bowles faz um marroquino
(Muhammad Mr'abet, cujos contos Bowles traduz de um dialeto marroquino) falar
durante horas e horas para um gravador e acredita estar registrando o modo de vida
mais autêntico que um marroquino leva, mas o que ele está registrando não é nada
além de sua própria fantasia. O tempo vazio, o grau zero de existência que ele imagina
detectarem seus temas é algo que, na realidade, diz respeito a ele. Ao mesmo tempo
Bowles tenta descrever o incrível e absoluto silêncio do deserto (em Their heads aregreen),
mas se esquece de que este silêncio existe apenas para o velho moradorde Nova York
ou Londres. O deserto não é nem silencioso, nem ruidoso por natureza. Na verdade,
nem os marroquinos nem os habitantes do deserto seriam capazes de se reconhecer
nesta falsa imagem, já que eles estão reduzidos a seu nível folclórico, isto é, à sua
posição com respeito a um centro que eles não conhecem. Bowles jamais abandona
e jamais abandonará sua cultura burguesa e somente ela confere valor e sentido a
esta velha humanidade que ele se empenha em salvardo esquecimento."

Extraído de Ralph M. Coury, [O encontro Twain: os críticos árabes e ocidentais de


Paul Bowles], traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

262 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
"Bowles's choice ofMorocco and the Arab/lslamic is not incidental: lt is not simply
that emotionalism, violence and deviant sexuality, which Bowles associates with the
Arab/lslamic, play an important role in his work. The fact is that Bowles's under-
standing ofthe Arab/lslamic lends itselfto the depiction of a breakdown of coherence
thatis one ofthe principal aspirations ofhis art. This is true because Bowles seems to
believe that a lack of coherence is of the essence of the Arab/Islamic civilization. ln The
spíder's house, Stenham, who is many ways Bowles himself, teUs his American girl-
friend, in an echo ofBowles's description ofMustapha and friends, 'You must always
remember that this is a culture of"and then" rather than of"because" like ours. What
l mean is that in their minds one thing doesn't come from another thing. Nothing is
the result of anything... Even the language they speak is constructed around that.
Each fact is separate and one never depends on the other... '"

"AbdaUah Laroui places Bowles within the context of a revived 'folklore' generated
within a world imperial system. According to Laroui, Moroccan bourgeois culture
reanimates and enriches the significance of folklore as a product ofits confrontation
with the West, and as a result each art takes on a folkloric leveI. 'AU folklore entails a
center and periphery,' he writes. Paul Bowles makes a Moroccan (Muhammad Mr'abet
whose tales Bowles translates from Moroccan dialect) speak for long hours into a
tape recorder and believes that he is capturing a most authentic way of life that a
Moroccan leads but what he is capturing is nothing but his own fantasy. The empty
time, the zero degree of existence that he imagines he detects in his subjects is in real-
ity his own. At that sarne time he attempts to describe the incredible, the absolute
silence of the desert (in Theír heads are green) he forgets that this silence only exists for
the old inhabitant ofNew York or London: the desert is neither silent nor noisy by
nature. ln fact, neither the Moroccan nor the inhabitants of the desert would be able
to recognize themselves in this false image, since they are reduced to their folkloric
leveI, i.e., to their position in respect to a center they do not know. Bowles never
leaves, and will never leave, his bourgeois culture which alone gives value and sense
to this old humanity that he strives to save from oblivion."

Extracted from Ral ph M. COU 1), "The Twai n Met: Pau I Bowles's western and Arab
critics", Public 16: entangled territories: imagining tne Orient, 1997, P.125 e PP.130-131.

263 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


"Quando o Ocidente, o mundo cristão da Idade Média, achou·se rodeado, na máxima
extensão possível, pelo mundo islâmico, isto é, quando ele se viu diante da ameaça
de eliminação pelo poderde nações islâmicas em três diferentes frentes (do leste, do
sul e do sudoeste) e foi obrigado a disporde seus recursos bem ali, naqueles poucos
estados do norte do Mediterrâneo, o despertar foi brutal e este Ocidente se viu levado a
empreender uma campanha agressiva contra a ameaça islâmica, como um gato apri·
sionado numa sala. Quando isso aconteceu? Em fins do século VI da Hégira (século XII
d.C.), quando a Universidade de Córdoba se situava num dos confins do mundo
islâmico, na Andaluzia, a escola de Balkh e Bokhara no outro lado e Jerusalém
inteira, o litoral oriental, meridional e ocidental do Mediterrâneo e até mesmo a ilha
da Sicília estavam sob controle muçulmano. Foi imediatamente após este fato que os
cristãos, amantes da paz, que até então ridicularizavam a guerra santa islâmica,
transformaram·se em cruzados engajados na sua guerra santa. Durante as prolon·
gadas cruzadas, recorreram às artes e à sabedoria do Islã e estabeleceram as bases de
uma transformação do mundo cristão. Após cinco ou seis séculos passaram a ser os
senhores do capital, das artes e do conhecimento e, após sete ou oito séculos, os se·
nhores das indústrias, das máquinas e da tecnologia. Se o Ocidente cristão despertou
subitamente, por recear a derrocada e o desaparecimento diante do perigo islâmico,
se ele se fortaleceu, prosseguiu na ofensiva e salvou·se inevitavelmente, não chegou
para nós o momento de sentirmos o perigo e a ameaça da eliminação diante do poder
ocidental e nos insurgirmos, nos fortalecermos e continuarmos na ofensiva?"

Jalal AI·e Ahmad (originalmente publicado no Irã em 1962), traduzido do inglês por
Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

264 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
"The West-the Christian world of the Middle Ages-when it found itself encircled
to the maximum extent possible by the Islamic world, that is, when it was faced with
the threat of obliteration by the power of the Islamic nations from two or three direc-
tions (from the East, the South, and the Southwest) and was obliged to marshal its
resources right there in those few Northern Mediterranean states, it had a rude awak-
ening and was pushed into a hopeless aggressive campaign against the Islamic threat,
like a cat trapped in a room. When did this happen? Toward the end of the 6th Century
A.H. (Twelfth Century A.D.)-when the University ofCordoba was at one end ofthe
Islamic world in Andalucia, the Balkh and Bokhara school was at the other end and all
oOerusalem, the eastern, southern, and the western shores ofthe Mediterranean and
even the island ofSicilywere under Muslim controI. Itwas immediately after this that
the peace-Ioving Christians, who had been derisive ofthe Islamic holywarwere trans-
formed into holy-war-waging crusaders and laid down a foundation during the long
crusades borrowed from Islamic arts and knowledge which transformed the Christian
world after five or six centuries into the lords capital, the arts and knowledge and after
seven or eight centuries into the lords of industry, machines and te~hnology. If the
Christian West suddenly awoke with the fear of obliteration and overthrow in the face
ofIslamic danger, fortified itself, went on the offensive, and inevitably saved itself,
hasn't the time come now for us to sense danger and obliteration in the face ofWestern
power and rise up, fortifY ourselves and go on the offensive?"

Jalal AI-e Ahmad, Gharbzadegi [Westruckness], Costa Mesa, California: Mazda Pub-
lishers, 1997 (originally published in 1962 in Iran).

265 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


Nervoso
Eu estou meio exausto, abalado, amassado, oprimido, baleado com muitos furos. Uma paçoca socada no pilão.
Estou meio caindo aos pedaços, meio consumido-é, sim. Estou afundando e secando um pouco. Estou um tanto
escaldado e chamuscado-é, sim. É isso o que acaba acontecendo com a gente. A vida é isso. Não estou velho,
nem um pouquinho, decerto não tenho oitenta, de jeito nenhum, mas também já não tenho dezesseis. Éclaro que
estou um tanto velho e gasto. É isso o que acaba acontecendo com a gente. Estou meio que me consumindo, meio
que caindo aos pedaços e perdendo a casca. A vida é isso. Será que estou no comecinho da descida da ladeira? Hum!
Pode ser. Mas isso não querdizerque eu tenha oitenta, nem de longe. Sou muito duro, isso eu posso garantir. Já
não sou moço, mas ainda não estou velho, não mesmo. Estou meio que envelhecendo, murchando, mas não tem
importância; ainda não estou completamente velho, embora esteja provavelmente meio nervoso e no começo da
descida da ladeira. É natural que alguém meio que caia aos pedaços com o passardo tempo, mas não tem
importância. Não estou muito nervoso, com certeza; só que resmungo um pouco. Às vezes sou um tanto esquisitão
e resmungão, mas isso não significa que esteja completamente perdido. Espero. Não me proponho a esperar que
esteja perdido, pois, repito, sou extraordinariamente duro e resistente. Vou-me agarrando e agüentando. Sou
razoavelmente destemido. Mas nervoso eu estou, um pouco, sem dúvida alguma estou, muito provavelmente
estou, possivelmente estou meio nervoso. Espero estar meio nervoso. Não, esperar é que não, essas coisas não são
para se ter esperança, mas para recear; sim, receio estar nervoso. Neste caso, recearvem mais a propósito que
esperar, quanto a isso não há dúvida alguma. Mas decerto não estou morrendo de medo de talvez estar nervoso, é
claro que não. Resmungo lá um pouco, mas não tenho medo de resmungar. Isso não me inspira medo nenhum.
"Você está nervoso", alguém poderia dizer-me, e eu responderia com sangue-frio: "Meu caro senhor, sei disso
muito bem, sei que estou meio exausto e nervoso". E, muito nobre e friamente, eu sorriria ao dizer isso, o que talvez
aborrecesse um pouco a outra pessoa. Uma pessoa que se abstém de ficar aborrecida ainda não está perdida.
Se não me aborreço porcausa de meus nervos, então sem dúvida alguma eu ainda tenho nervos bons, isto é claro
como o dia, e muito ilustrativo. Começo a ver que resmungo, que estou meio nervoso, mas começo a ver na
mesma medida que tenho sangue-frio, o que me alegra extraordinariamente, além de que tenho jovialidade de
espírito, embora esteja envelhecendo um pouco, caindo aos pedaços e murchando,'que é uma coisa muito natural
e, por isso mesmo, eu compreendo muito bem. "Você está nervoso", alguém poderia chegar para mim e dizer.
"É, estou extraordinariamente nervoso", seria minha resposta e, silenciosamente, eu riria dessa grande mentira.
"Estamos todos um pouco nervosos", eu talvez dissesse e risse dessa grande verdade. Se uma pessoa consegue
rir, ainda não está completamente nervosa; se uma pessoa consegue admitir uma verdade, ainda não está comple-
tamente nervosa; quem quer que consiga manter a calma, quando ouvirfalarde alguma desgraça, ainda não está
completamente nervoso. Ou, se alguém chegasse para mim e dissesse: "Oh, você está totalmente nervoso!", eu
então responderia muito simplesmente, com toda a educação: "Oh, estou totalmente nervoso, sei que estou!" E o
assunto estaria encerrado. Resmungar, resmungaré coisa necessária, e é necessário que a gente tenha a coragem
de conviver com isso. É essa a maneira mais agradável de viver. Ninguém deveria recear aquele seu tantinho de
esquisitice. Recear é completamente bobo. "Você está muito nervoso!"
"É, venha cá por favor e me fale disso com calma! Obrigado!" Isto, ou algo parecido, é o que eu diria, divertin-
do-me um pouco, cortês e suavemente. Que a pessoa seja cortês, calorosa e gentil; e, se alguém disserque ela está
totalmente nervosa, ainda assim não haverá necessidade alguma de acreditar nisso.

Extraído de Robert Walser, [A caminhada], traduzido do inglês porCarlos Frederico da Silva Ramos.
Markus Raetz Ceci-cela 1992-93 4 esculturas, latão, 1 espelho [4 sculptures, brass, 1 mirror] foto Peter Lauri

266 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
267 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri
Markus Raetz Metamorphose II 1991-92 ferro fundido , suporte de madeira [cast iron, wood base] foto Thomas Wey, Berna
Franz West Passtück 1995 foto Bettina Leetz

268 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. "
.....

269 Europa Bar! De Baere e Maaretta Jaukkuri


Nervous
I am a little worn out, raddled, squashed, downtradden, shot full ofholes. Mortars have mortared me to bits. I am a
little crumbly, decaying, yes, yes. Iam sinking and drying up a little. I am a bit scalded and scorched, yes, yes. That's
what it does to you. That's life. Iam not old, not in the least, certainly Iam not eighty, by no means, but I am not six-
teen any more either. Quite definitely I am a bit old and used up. That's what it does to you. Iam decaying a little,
and I am crumbling, peeling a little. That's life. Am I a little bit over the hill? Hmm! Maybe. But that doesn't make
me eighty, not by a long way. Iam very tough, I can vouch for that. I am no longer young, but I am not old yet, defi-
nitely not. Iam aging, fading a little, but that doesn't matter; Iam not yet altogether old, though I am prabably a lit-
tle nervous and over the hilI. It's natural that one should crumble a bit with the passage of time, but that doesn't
matter. Iam not very nervous, to be sure, I just have a few grouches. Sometimes I am a bit weird and grauchy, but
that doesn't mean I am altogether lost, I hope. I don't prapose to hope that I am lost, for I repeat, Iam uncommonly
hard and tough. Iam holding out and holding on. Iam fairly fearless. But nervous I am, a little, undoubtedly Iam,
very prabably Iam, possibly I am a little nervous. I hope that I am a little nervous. No, I don't hope so, one doesn't
hope for such things, but Iam afraid so, yes, afraid soo Fear is more apprapriate here than hope, no doubt about
it. But I certainly am not fear-stricken, that I might be nervous, quite definitely not. I have grauches, but Iam not
afraid ofthe grauches. They inspire me with no fear at alI. "You are nervous," someone might tell me, and I would
reply cold-bloodedly, "My dear sir, I know that quite well, I know that I am a little worn out and nervous." And I
would smile, very nobly and coolly, while saying this, which would perhaps annoy the other person a little. A person·
who refrains fram getting annoyed is not yet lost. lfI do not get annoyed about my nerves, then undoubtedly I still
have good nerves, it's clear as daylight, and illuminating. lt dawns on me that I have grouches, that I am a little
nervous, but it dawns on me in equal measure that Iam cold-blooded, which makes me uncommonly glad, and that
I am blithe in spirit, although I am aging a little, crumbling and fading, which is quite natural and something I
therefore understand verywelI. "You are nervous," someone might come up to me and say. "Yes, I am uncommonly
nervous," would be my reply, and secretly I would laugh at the big lie. "We are all a little nervous," I would perhaps
say, and laugh at the big truth. lf a person can stilllaugh, he is notyet entirely nervous; if a person can accept a
truth, he is not yet entirely nervous; anyone who can keep caIm when he hears of some distress is not yet entirely
nervous. Or if someone carne up to me and said: "Oh, you are totally nervous," then quite simply I would reply in
nice palite terms: "Oh, Iam totally nervous, I know Iam." And the matter would be closed. Grauches, grauches,
one must have them, and one must have the courage to live with them. That's the nicest way to live. Nobody should
be afraid ofhis little bit ofweirdness. Fear is altogether foolish. "You are very nervous!"
"Yes, come by all means and calmly tell me sol Thankyou!" That, ar something like it, is whatI'd say, having
my gentle and courteous bit of fun. Let man be courteous, warm, and kind, and if someone tellshim he' s totally
nervous, still there's no need at all for him to believe it.

Extracted fram Robert Walser, The walk, New York: Ferrar Straus & Giraux, I982, translated fram the German by
Christopher Middleton and others.
Franz West Liége Divã [Divan] 1989 Sigmund Freud Museum, Wien IX, Berggasse 19 foto Gerald Zugmann

271 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


Europa curadoria Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri

A-Antropofagia
"Era noite. Os coelhos viram uma luz brilhante. Perplexos diante dela, perderam
a flexibilidade de sua 'coelhice', e fitaram-na. Eles nunca haviam visto luz elétrica
.tão esplêndida na escuridão."

Antropofagia como uma 'a-zona'


Nosso embate não se dá com a antropofagia em si, mas com o campo cultural que a utiliza
como imagem. Nessa busca pela compreensão experimentamos abordagens diversas e chegamos
à conclusão de que talvez o prefixo "a" denote algo neutro-nem uma coisa nem outra, clara-
mente, enquanto denota consciência de ambos os lados.
A antropofagia como abordagem cultural foi transposta no papel num manifesto na década
de 20. No Brasil ela parece ter-se tornado um modo de identificação com essências diferentes e
conflitantes, inclusive a possibilidade de ingerir continuamente novas energias e tornar-se
também uma delas'. No confronto com esse conceito, experimentamos uma sensação de falta
de algo essencial, do qual necessitamos para compreendê-lo; uma sensação de incapacidade de
apreender todo um espectro de nuances contido na palavra portuguesa "antropofagia". Nesta
confrontação com o conceito se tem a distinta sensação de poder acompanhá-lo apenas até
'certo ponto', além do qual há uma imensidão com que a cultura brasileira parece ter intimidade,
mas que para nós, europeus, é alienígena, ou é uma dimensão da qual somos alienados.
Vivenciamos esse mesmo sentimento, às vezes, ao contemplarmos a arte contemporânea
brasileira. Há muitas coisas que podemos facilmente reconhecer enquanto outras parecem saídas
para a vastidão da natureza e campos desconhecidos de referências culturais. Aqui também sen-
timos que a arte que melhor pode se comunicar entre culturas parece conter traduções e interpre-
tações transculturais. Entretanto, todo o tempo estamos conscientes do fato de que poderemos
passar despercebidamente por alguns dos paradigmas, modalidades e tons subjacentes, e nossa
leitura remete à nossa própria cultura. Resta-nos saber, é claro, se o mesmo se aplica a todas as
comunicações visuais interculturais. Será que perdemos as essências, vocês aí e nós aqui?
Talvez aqui seja necessário compreendermos que adentramos um "a", uma zona onde nossO
senso de segurança é ameaçado e na qual podemos continuar seguindo apenas a orientação

272 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
dupla de crer em nossas próprias estórias e histórias, enquanto ousamos também contemplar
outras imagens e experienciar novas presenças. Este poderá sero momento tanto de presentear
como de ousar receber um presente.
Ao contrário do fluxo de energias que, imaginamos, a visão antropofágica da cultura ofere-
ce, a Europa tem tradicionalmente preferido o distanciamento e as definições claras de alteridade.
Até aqui, tais escolhas parecem ter-se recrudescido e instrumentalizado a ponto de determinarem
ações conscientes. Elas permitem a construção de identidades com as quais certos atores ganham
proximidade, enquanto outros são exorcizados por meio do enclausuramento em si mesmos, do
distanciamento, da visibilidade que conseguem apenas como imagens e símbolos. Às vezes, a
antropofagia parece ter sido apagada da consciência européia, freqüentemente até mesmo no
nível simbólico. Na época em que optamos, por exemplo, pela instalação de Milica Tomic sobre
o primeiro grande massacre em Kosovo, em 1989, a situação desta província ainda não havia
sido divulgada publicamente senão como um problema marginal.
Éóbvio que este sistema de definições e contradefinições tem sua própria dinâmica e possi-
bilidades de precisão. Parece que, hoje, um dos principais meios de operação na Europa implica
uma problematização incessante, em todos os níveis. O constructo é submetido a readaptações
contínuas. Todas as vezes que seus limites se tornam visíveis, ele é renovado, redirecionado e
reconstruído. As definições resultantes e atividades conseqüentes adquirem complexidade a
partirda percepção de seus próprios limites, no hiato entre a definição da situação e a maneira
de se lidarcom ela.
A Europa escolheu o distanciamento não apenas como sua perspectiva mas também como
maneira de cultivar a observação. O indivíduo que observa é o mesmo que reflete e problema-
tiza. Muitas vezes o distanciamento, o distanciamento mental, é considerado uma virtude em si
mesma. Aqueles que são capazes de julgarvêem as coisas em sua perspectiva própria, e ambos
os lados da situação ao mesmo tempo.
É um continente densamente povoado onde as formas dominantes de cultura poderiam
ser defi n idas como sendo de segu ndo grau ou urbanas. Essa densidade popu lacional parece
)Uchan Kinoshita Passant

273 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


levar a dois tipos de sensibilidade relacionados com a coexistência. O primeiro é o desejo de se
manter uma distância suficiente, na realidade cultivar o distanciamento, para otimizá-Io no
âmbito da consciência das limitações. O outro lado da moeda é a necessidade de desenvolver
modos de coexistência para lidarcom a inevitável proximidade: a corporeidade é vista como um
problema transformado num fato consumado, com o qual se tem que conviver. Na Europa dos
centros econômicos e culturais, é preciso aceitar uma vida com essa proximidade. O indivíduo
deve criar um espaço próprio e ao mesmo tem po estar preparado para deixar um espaço físico e
mental para os outros. Talvez a dinâmica da criação desse espaço conjunto seja o momento da
antropofagia européia, conforme ela se manifesta na realidade de hoje.
'A' não significa ausência, mas sim uma transposição no mundo da comunicação simbólica.
Ali, as proibições da vida real podem ser transgredidas. Entretanto, os símbolos começaram a
viver sua própria vida, produzindo mudanças constantes nos significados, repetições, antípodas,
novas contextualizações, histórias e interpretações, até que sintam ter-se exaurido, tornando-se
circuitos de significado sem contato com o mundo e, porsua vez, começando a operar como seu
próprio mundo. Aqui, o ato simbólico mais básico de liberação da arte com relação ao mundo
(Georges Bataille) alcança a sua conclusão.
Parece que uma maneira possível de superar tal ociosidade no mundo dos símbolos se
manifesta nos momentos em que o ato duchampiano de se trazer um porta-garrafas para o con-
texto da arte é invertido, trazendo-se o objeto, com sua nova definição como objeto de arte, para
o mundo onde sua presença cria novas visibilidades existentes em outros campos da comuni-
cação, outros sistemas simbólicos; jogar luz naquilo que até aqui se tornou invisível, dentro e
fora do território da arte. Essa inversão parece implicar a ativação do ícone como instrumento de
novos significadosnas áreas circundantes, e não naquelas que contém. Aqui a questão é o ato,
a transferência intencional e posta em prática no espaço entre a "caverna" de Bataille e o mundo,
bem como o envolvimento na natureza dessas transposições, transgressões, novas distâncias e
proximidades. O mundo vivenciado como um verbo exige visuais vérbicos para s'eus momentos
miméticos. Essa arte pode servista como uma espécie de signo de indexação invertido, que deixa
um vestígio de arte na vida e na realidade física. Se uma pegada na areia serve como exemplo
de um índice tradicional, agora nos confrontamos com uma arte que se situa especificamente
naqueles momentos em que a pegada é impressa, ou que o fogo é aceso no forno, cuja fumaça
em breve estará saindo pela chaminé.
Simultaneamente, há mudanças estruturais e até mesmo paradigmáticas que levam a uma
maior proximidade entre as práticas na paisagem artística européia e as possibilidades que,
imaginamos, sejam inerentes à atitude brasileira, conforme indica a referência ao canibalismo,
ou seja, o fluxo intenso no qual se pode atingir momentos de identificação. Entretanto, não dese-
jamos chamar de antropofágicas essas modulações na paisagem artística européia. Mas podemos
falar em amostragem, como a apropriação sem parâmetros.
Sendo as coisas tal como são, não podemos ir além da costa alcançada pelo bispo cujo
nome, aliás, era "Sardinha". Esta primeira experiência européia frente ao canibalismosul-ameri-
cano e o primeiro homem branco a entrar para a História porter sido devorado porcanibais ainda
parecem estabelecer até onde a Eu ropa pode chegar. O bispo alcançou a praia não para ser devo-
rado, mas para continuar vivo e ser ele mesmo. Ao chegar em terra, trazia consigo aquilo que

274 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
considerava uma oferenda. E adentrou a terra incógnita. Ele havia sido lançado à praia em
conseqüência de um naufrágio, e não porque tencionava promover ali a sua versão transcen-
dental de canibalismo. Não logrou êxito além de suas próprias expectativas; pelo contrário, a
experiência não passou de mero acidente. Isto torna sua imagem tristemente cômica: o alívio
de chegar à linha entre a água e a terra, seus passos trôpegos na praia, depois disso, o medo do
desconhecido ao ingressar na vegetação exuberante.

Tradições e contextos
Há artistas trabalhando hoje na Europa cujo trabalho, pode-se dizer, é caracterizado por uma
evasão de estilos e formas instruídas de retórica, extraindo do passado aquilo que é necessário
no presente e recorrendo conscientemente às suas tradições, ambivalências e ambigüidades
com o propósito de compartilharexperiências ao mesmo tempo que se abstêm de expressara si
próprios e abrem espaço para o mundo do observador. Tal reivindicação poderia ser justificada
pelo uso das formas, cores e paradigmas visuais à guisa de linguagem. Eventualmente esta fase
poderia ser considerada uma síntese dessa tradição.
O papel do prosaísmo na literatura, dirigido para a linguagem cotidiana como um revitali-
zadorda própria linguagem tem um paralelo no intenso ponto de convergência da arte contem-
. porânea-incluindo pintura, escultura, fotografia, instalação, novos meios artísticos e projetos
com a comunidade-na força revivificante do contexto e não nos códigos e signos subsistentes
. (Mikhail Bakhtin). É nessa área que ocorrem as oscilações nos papéis de ícone e índice, tendo o
contexto (e a realidade) como playground. Este parece ser o foco da presente fase do projeto
formalista, em andamento.
Como parte do mesmo cenário podemos considerar os artistas que não pedem para ser
reconhecidos como autores. Esses artistas preferem lidarcom situações ou fragmentos de cultura
material, e deixarque eles se tornem possíveis imagens da realidade. A interpretação de muitas
dessas práticas envolve a mesma espécie de dificuldades com as quais nos deparamos ao tentar
compreender a vida que nos cerca-igualmente experienciada em fragmentos de tempo e espaço,
encontros fortuitos, camadas múltiplas de significados, diferentes sistemas de simbolismo, dese-
\
jos e intensidades.
Um exemplo disso é o interesse nos chamados contextos caóticos. Esses contextos não
oferecem apenas um indício, mas sim um tipo de definições situacionais que reconhecemos a
partir de fotografias documentais. Na análise de Walter Benjamin, a câmera mostra infor-
mações que são tão radicais em suas revelações do mundo quanto a psicanálise na sua tentativa
de sutilmente extrair informações do subconsciente.

A construção de um novo cenário


Dois artistas forneceram a base, um ponto inicial de referência para essa discussão: Markus
Raetz e Franz West.
Markus Raetz pode servisto como um artista que dá continuidade à tradição da arte euro-
péia, pelo modo como usa seus componentes formais e pontos de observação. Ele redireciona
essa tradição para uma possibilidade de atenção acentuada e sensível. Somos convidados a par-
tilhar com ele os segredos da observação, em vez de sermos apresentados a eles. Sentimos a

275 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


conscientização crescente das possibilidades de descobrirmos novos significados como um
momento de liberação, pois esta revela novas entradas para o mundo à nossa volta, o qual
acreditávamos dominar com o olhar. O fulcro poético do trabalho de Raetz está na articulação
consciente de proximidades e distâncias, pontos de observação e movimentos, com as imagens
resultantes da transformação cinemática e seus significados.
A arte de Markus Ra:etz e o escopo que o artista oferece para o espectador utilizar em sua
própria vida inspiraram nossa crença na possibilidade de um acesso direto à arte, sem necessi-
dade de expl icações. O cam po de referência dessa arte se estende para a experiência do visitante,
seu mundo-vida (Lebenswelt) e a experiência do conhecimento imediato e sem mediação, de
estar no fluxo do mundo.
Pode-se dizer que Raetz torna a cor e a forma transparentes. Ele deixa que suas imagens
residam na realidade e lhes permite tomar todas as tonalidades necessárias para integrá-Ia.
Essas delicadas inscrições na realidade são verdadeiramente acrômicas.
Franz West apresenta uma contradinâmica desse mapeamento elegíaco das tradições
visuais. West pode ser considerado a incorporação da cultura européia da problematização.
O ponto de partida dessa discussão foi a observação de um divã que Franz West criou
para o museu Freud, de Viena. O divã, com sua relação significantemente di reta com o corpo
e referência di reta à tradição psicanalítica, parecia capaz de transporo oceano entre a Europa
e a América do Sul.
Pode-se até mesmo traçar paralelos entre a obra de Franz West e a de Hélio Oiticica. Ambos
vêm de sólidas tradições artísticas que continuam a cultivar. Baseiam-se em sensibilidades
formais tradicionais, embora estas dificilmente sejam reconhecidas devido ao radicalismo da
proposta. Para os dois artistas a coré um elemento essencial. Ambos produzem trabalhos rela-
cionados diretamente ao corpo e a uma experiência holística.
Entretanto, os parangolés de Oiticica apenas se transformam em obras de arte enquanto
usados para dança, quando brotam para a vida. Seus espaços experimentais são espaços de
alegria corporal. Por outro lado, os Passtücke de Franz West não se ajustam. Ao tentar caber
neles, o corpo se arqueia formando uma corcunda ou outra forma de percepção de sua própria
fragilidade e de suas limitações. A percepção aqui é de uma escala que não domina a terra, mas
nos faz lembrarde uma humildade necessária. Os divãs são feitos de metal soldado ou recobertos
com tapeçarias orientais, e o piso, elevado ao nível da experiência.
Franz West parece produzirobras sem atrativos. Parece. A beleza de seus trabalhos não é
revelada à primeira vista, é uma vibração na pele. A decisão de validá-los e aproveitá-los é
tomada nesse micronível. O primeiro passo está em aceitar que, se olharmos com atenção, a
superfície aparentemente surrada poderá se mostrar tão válida quanto qualquer uma das super-
fícies cuidadosamente projetadas e polidas, nas quais a nossa sociedade se especializou. Para
além desse ponto, poderemos descobrir que as superfícies levam em conta matizes intrincada-
mente precisos, tons intermediários, cores, cores intermediárias, épocas e exotismos inter-
mediários, nuances de passagens que são como as inflexões nas quais um clima temperado
fundamenta e molda a realidade.
Jimmie Durham Portable fountain in case your roof leaks Fonte portátil caso seu teto tenha goteiras 1997 vidro, água, madeira,
plástico, aço inoxidável [glass, water, wood, plaster, stainless steel] 99x43,3cm

276 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
XYZ U ngelost I Não-sol ucionado
Da Europa, o que escolhemos oferecer? Ou melhor, o que vimos ou sentimos que vimos?
O adjetivo que preferimos usar num dado momento da discussão foi 'a-pretensioso'.
Decidimos optar por artistas a-pretensiosos.
Esses artistas vêm de tradições que há muito deixaram de apontardiretamente para fora
de suas esferas culturais específicas. A tradição deles não é a primeira e principal tradição da
"grande pintura", que ainda ecoa em Guernica de Picasso, aquela presença simbólica dos primei-
ros anos da Bienal. Esses artistas se recusam a falarem nome de terceiros, sejam eles grupos
sociais, étnicos, sejam quaisquer outros. Falam como indivíduos como nós, e tomam por base
suas próprias vozes.
Há momentos em que esta arte busca possibilidades contidas nas imperfeições, ou articula-
se como uma imperfeição. Em outros momentos, ela pode se limitar a possibilidades espaciais,
esboçando mundos possíveis, lá e naquele momento, aqui e agora. Ela existe numa percepção
da impossibilidade de se multiplicar, e daí retira energia. Consegue a liberdade para se desen-
volver porq ue prefere se manter à margem da econom ia, na qual atos devem tomar o máxi mo de
espaço possível, e repetir-se taritas vezes quanto possível. Ela toma esta singularidade como um
possível espaço no qual se concentrar, ou se transformar num fragmento que pode ser isolado,
mas acaba por não sê-lo. Nesse processo, torna-se possível um vislumbre da sensação compar-
tilhada do aqui e agora, imediatamente seguido de um incômodo questionamento das vastas
expansões ocupadas por redes de automatismos culturais. Esta arte oferece possibilidades de
reflexão por meio de seu desajuste.
A obra optou por não ser um espelho do mundo, mas por construir mundos paralelos
que não detêm nem reivindicam o direito de enquadrar-se. Sua existência fica à mercê dos
transeuntes que se dispõem a concatenar a proposta e o mundo real em que vivem.
A presença de Maurice O'Connell na exposição Manifesta, em Roterdã, pode ter passado
completamente despercebida para muitos visitantes, ainda que a maior preocu pação dele fosse
estabelecer uma relação com o público. Esse interesse-vem direcionando muitos projetos, nos
quais seu principal envolvimento tem sido com o aprendizado de práticas e modos de funciona-
mento, utilizados nas instituições que o convidam. Esta postura foi claramente evidenciada no
projeto que o artista desenvolveu para o Irish Museum of Modern Art de Dublin, em que
durante um mês esteve fechado numa sala de onde podia ouvir os visitantes, enquanto ele
próprio podia apenas servisto. Para o projeto apresentado na Manifesta, O'Connell começou por
conduzir uma pesquisa no museu Boymans Van Beuningen . Os resultados de seus estudos
investigativos foram mostrados na forma de conselhos que ele achou importante oferecer à
instituição, escritos em pequenos pedaços de papel. Esses papéis foram espalhados pelo
museu -onde provavelmente alguns ainda se encontram-e depois reunidos num manual que
o artista deixou na gaveta da mesa do novo diretordo museu.
Tais ações são interessantes não como soluções, provas de inocência ou atos heróicos de
transgressão. Caso elas sejam transgressoras, isso não decorre de uma ação tática que poderá
fortalecer sua posição nas fronteiras das artes visuais, mas porque há uma necessidade. Para o
fruidor, é fascinante vivenciaro momento em que a percepção de uma mensagem, sinal, ou ato
assume vida própria em sua cabeça, e parece formar cristalizações mentais por meio de pequenas

277 Europa Bart De Saere e Maaretta Jaukkuri


alterações ou rupturas em sua imagem do mundo, que também contém sua imagem da arte.
Hoje muitos artistas parecem situar-se em pontos de onde podem extrair dados de muitas
fontes culturais divergentes. Por esse motivo, embora possam parecer sem-lugar, na realidade
seus trabalhos demonstram um profundo senso de localização. Os artistas escolhem suas estru-
turas de referência-sua história-e deixam que a obra defina seu próprio espaço, um local
intimamente relacionado ao momento que marca o roteiro dos artistas.
A qualidade desses artistas é quiasmática e simultaneamente instruída por essências dife-
rentes. É por aceitar seu rotei ro como u ma jornada q ue parecem capazes de emanar um senso
de presença em qualquer lugar, onde quer que seja e da maneira que desejarem agir. Cons-
troem suas obras com base nas qualidades inusitadas da ação, e não em questões materiais e
conceituais.
Como ilustração, podemos tomar a obra que Roza EI Hassan (artista húngara, descendente
de sírios, há muitos anos residente na Alemanha) expôs na primeira edição da Manifesta. A artista
decidiu formularsua presença nesta mostra de maneira a apresentar-se como si própria, em vez
de tentar otimizar sua representação, trazendo-a para um plano médio, adequadamente comu-
nicativo. Ela trouxe para Roterdã uma série de fotos em preto-e-branco, sobre as quais desenhou
pontos como que para relembrar momentos, recriar uma percepção de presença. O espírito que
desejava suscitar era o espírito do "agora". Para tanto ela usou a palavra húngara-mos(-na
exposição. O espírito foi invocado ainda, e literalmente, numa série de pares de fones de ouvido
suspensos acima do desenho que ela criou no espaço de exposições Witte de With, em Roterdã.
Os fones de ouvido transm·itiam a palavra "most", "most", "most", contínua e repetidamente.

Realidades de vida e arte


Seguir até o fim o caminho escolhido muitas vezes leva a expectativas contraditórias com relação
à obra. Tanto Esko Mãnnikkõ quanto Rineke Dijkstra rejeitaram a imagem que lhes havia sido
conferida e invalidaram os limites dentro dos quais sua mágica se originara. Agiram dessa forma
porque o caminho a seguirera inerente ao trabalho de ambos.
Esko Mãnnikkõ tornou-se conhecido como o fotógrafo do Norte Nórdico; de indivíduos foto-
grafados em suas pequenas casas em locais remotos da vasta natureza, numa luz que reconhece
a escuridão, impregnados por uma rica escala de tons cuja beleza mostra este cenário de vida,
confortante e confortável.
Rineke Dijkstra também tinha uma luz própria e palheta de cores reconhecidamente suas.
Suas figuras centrais eram pessoas na praia, sob uma luz ensolarada porém com um tom de
frieza e distanciamento que imitam a atividade fotográfica.
Ambos são reconhecidos como referências seguras no território do formato e de imagens
insólitas, com acabamento profissional, precisas e voltadas para a escala, que encontraram seu
próprio nicho na arte visual.
. Rineke Dijkstra provou por meio de vídeos recentes que "sua mágica" não depende do
formato reconhecível das imagens, mas da firme atenção ao relacionamento entre observadore
observado, fazendo com que o sentimento desta relação permeie em todos os aspectos da criação
da imagem, tanto técnicos como psicológicos. As poses e os gestos dos indivíduos retratados se
despedaçam diante de nossos olhos; fazem com que a indiferença do olho da câmara tropece ao

278 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
reagir. A problematização diz respeito à relação que existe nos momentos do retrato, e não à
fotografia em si.
Os panoramas fotográficos que Mãnnikkõ mostra em São Paulo também marcam o aban-
dono de seus retratos anteriores, nos quais "utiliza molduras velhas", tanto no sentido literal
como no simbólico da expressão. Mãnnikkõ não apresenta suas fotos, mas dá continuidade ao
programa documental, reduzindo o ritmo que no passado era visto como seu trunfo particular.
O artista divide a cena com as pessoas que fotografa, tanto física como mentalmente, enquanto
faz com que sua habilidade e conhecimento sirvam a dignidade desses indivíduos.
Mãnnikkõ fotografou panoramas em diversas partes do mundo. As primeiras fotos foram
tiradas na Finlândia, sua terra natal, e hoje constituem um tema paralelo aos seus retratos. A prin-
cípio, continuou esta série com trabalhos feitos no Texas. Logo ficou evidente que sua arte não
era sobre as particularidades do fundo e sua familiaridade com ele. Pelo contrário, diz respeito
a um modo de vero mundo, prestar atenção nele e reconhecero potencial de novas visibilidades.
Os panoramas apresentam similaridades e proximidades assombrosas, a despeito das distân-
cias geográficas e dificuldades culturais que os envolvem. Talvez possamos falarde supressão
de áreas da consciência coletiva referentes ao meio ambiente.
Numa entrevista recente ele afirmou que, hoje em dia, é estranho como as pessoas pare-
cem se conscientizarde algo-ainda que seja no quintal de suas casas-apenas após terem visto
uma foto disso. As fotos de Mãnnikkõ também tratam da beleza. O artista tomou as cores do
Texas e deixou-as ressoar em seu próprio modo satu rado. Em suas fotos da Fi nlând ia, ele torna
o observador consciente do jogo su premo de Iuz e escu ridão no norte da Eu ropa. Por sua vez,
Dijkstra transformou o brilho frio e incomum de suas paisagens de praia em seu contraponto
artificial-dança de discoteca.
Mesmo vindo acrescida de uma declaração, a obra de Milica Tomic não se propõe a declarar
coisa alguma. Ainda que, desde a seleção do trabalho, esta declaração tenha se tornado uma
realidade cada vez mais alarmante, não é este o tema. A obra concentra-se na capacidade que um
indivíduo tem de experimentar seus próprios limites, na possibilidade de se conectar com o
mundo através dela, e na inserção desta experiência numa estrutura de conscientização. Isso pode
levar a uma crítica da decrescente importância que é conferida, na Europa, ao envolvimento
pessoal e à transferência de responsabilidade às soluções sistêmicas. O trabalho em si não
introduz esta polêmica. Ela reside na consciência do indivíduo.
Milica Tomic retoma a experiência de guerra no ato mais básico e banalmente íntimo de
abotoare desabotoar um parde calças de lã vermelha e um paletó de uma corverde um tanto em
desuso. Ela se concentra na memorização, não como um ato de egocentrismo narcisista, mas
como uma possibilidade de abertura e como uma aceitação das limitações existenciais. Ela trata
da amnésia inevitável; o fato de que esse não foi um evento abstrato para ser lembrado, mas que
pessoas reais foram, sim, baleadas, e a memória só consegue manterviva uma parte dessas reali-
dades. A artista se recusa a incorporarem sua obra quaisquer dos poderosos signos iconográficos
disponíveis no evento inicial. Em vez disso, ela os substitui por imagens de seu próprio fracasso.
Retomar sensibilidades e experiências pessoais não leva necessariamente à expressão da
individualidade. Pode ser ainda um caminho para além do se/f, que se torna uma possibilidade de
maior abertura. Bjarne Melgaard equilibra seus desejos com violenta negatividade. Provavel-

279 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


mente, o fulcro desse impulso é representado mais claramente em seus desenhos. Ainda assim,
estes são continuamente diminuídos, integrados e desintegrados, virando de cabeça para baixo
a importância dos gestos, desfrutando os pequenos detalhes de uma estrutura, criando histó-
rias que aparentam sustentaro conteúdo, arremedando soluções artísticas diversas e somando
tudo no final. Acrescendo, propondo, renunciando. A meta é criar um campo que seja como um
evento, durante o qual uma profusão de intensidades desgarradas possam flutuar livremente.
Estas são baseadas na particularidade do olhar ou da frase, na linha de um ombro, na ressonân-
cia do azul de que ele tanto gosta, assim como os tons transparentes de verde e roxo. Melgaard
torna seu trabalho potencialmente insignificante ao apresentá-lo como uma erupção profusa.
Em suas propostas as possibilidades deixam-se ficar, escondidas, como se não quisessem
permanecer a postos e esperar uma avaliação.
Da mesma forma, Honoré 0'0 parece estarfugindo de seu próprio fantasma, ainda que tente
nos fazer acreditar que o está mostrando. Ele ostenta o ridículo. Certa vez, escreveu num catá-
logo: 'hophophop, let's duracell' [hophophop, vamos duracel1]1. Há uma insustentável leveza e
um intolerável desembaraço nos jogos que o artista propõe. Podemos ser levados a escolher uma
bola de gude e soprar para fazê-Ia mover-se num circuito de conduítes de plástico. O circuito
poderá começar Ce acabar) num vaso sanitário, ou sobre um cinzeiro no bardo andar inferior no
espaço de exposições, ou numa sala de aula contígua àquela que também está ligada pela rede
de conduítes. As regras são estabelecidas de forma que o transeunte tem apenas duas possibi-
lidades: aceitar ser engolido por elas ou rejeitá-Ias completamente. Ambas causam uma sen-
sação de perda do papel tradicional que supostamente é desempenhado pelo visitante numa
exposição de arte: o de fruirde maneira desprendida, apreciar a partirdo ponto mais longínquo
do espaço oceân ico.
Seus gestos estão sempre no limite entre uma lacuna intensamente profunda e a atmos-
fera de vazio, tout court. Eles não tratam de confiabilidade. Ao pretender "consertar" o campo e
permitirque o espectador se torne um "seguidor" do artista, na realidade os gestos negam esta
possibilidade em qualquer nível substancial. Por fim, levam nossos pensamentos para outros
atos e cenários mais significativos para o observador do que aqueles apresentados pelo artista.
O verdadeiro confronto dá-se com tudo aquilo que não está ali.
De maneira análoga, a obra de Markus Raetz é tão precisa que, no exato momento em que
a plenitude visual, inicialmente escondida, é revelada no transcorrerde uma experiência de obser-
vação, torna-se uma ferramenta à espera de ser utilizada em outras situações na vida.
Honoré 0'0 flerta com a natureza eventual da situação da mostra para permitir que se
inverta, enquanto Markus Raetz recusa toda e qualquer orientação, exceto que devemos contar
com nossa própria presença corporal com seu aguçado senso de mundo-vida.

A solução
A qualidade de a-pretensioso, que pode servista como um denominador comum a direcionar
nossa seleção desses artistas, apresenta uma espécie de ângulo de visão diferente daqueles
reconhecidos por destacar a individualidade da escolha, em que "obsessões" e "fascinações"
têm permissão para reinar. A abordagem que qualificamos como "a-pretensiosa" não tem a
espécie de intensidade que caracteriza uma abordagem antiga. Ao mesmo tempo, ela tem a

280 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
proximidade do insight que pode estar contido num sentido de recusa consciente de nos deixarmos
levar pela renúncia ou por sua versão romântica de desespero. Foi Franz West que, certa vez,
sentado a uma mesa reunindo doze artistas, fez um de seus típicos comentários lapidares suge-
rindo que já não havia mais esperança para todos que ali estavam. E esse foi um comentário
positivo que poderia se aplicara cada um dos artistas convidados para este evento. Eles têm pro-
fundo conhecimento dos limites dentro dos quais existem como artistas, mas essa consciência
não leva a uma paralisação. Todos apresentam maneiras possíveis de continuar-cada um a seu
próprio modo.
O q ue esperamos dos artistas convidados? Eles parecem oferecer u ma escala de abordagens
possíveis para suas próprias abordagens, que incluem até mesmo a possibilidade de ignorá-Ias.
Afinal, o convite é para partilhar.
A possibilidade de substância existe, porém apenas na aceitação da falta de um quadro
que atribua poderes. Ou seja, do quadro como uma imagem que busca um novo contexto. Nesse
processo, a obra recusa o poder potencial contido no olhar ratificante do observador, devol-
vendo um olhar inquisidor para ser exercitado em outro lugar, em outras experiências, similares
àquelas que originaram e causaram a própria arte.

Ser como os querubins e os serafins: apenas um olho


São Bessário, moribundo
Se o indivíduo é apenas olho, então olho e corpo se confundem.

Aquele que deseja serapenas olho, se imagina como espaço de transição entre os dois lados do
mundo. O olho não quer apreender nem cultivaros labirintos das conceitualizações que o susten-
tam. Pelo contrário, ele tenta se aproximar do perpetuum mobile da lente. Uma lente não é uni-
direcional, ainda que seja usada desta forma em câmeras, microscópios e binóculos. O olho
pode ser um momento de conexão, um intermediário atrás das lentes no mundo, à procura de
validação para o mundo à sua frente.
O momento antropofágico transforma-se numa situação de intensidades partilhadas,
porém não é esquecido. A atribuição de poderes não funciona apenas em uma direção. Tampouco
tem começo ou fim. Na realidade, é um contínuo de oscilações nas quais séries complexas de
equilíbrios, em permanente mutação, geram a dinâmica de fluxo e criam um senso de liberdade.
Trata-sede uma situação delicada, facilmente despedaçada por qualquertentativa de se impor
a mais diminuta forma de domínio.
Bart De Baere e MaarettaJaukkuri. Traduzido do inglês por Izabel Murat Burbridge.
Referência às baterias Du racell , cuja campanha publicitária na Europa inclui anúncios espirituosos, apresentando brinquedos
1.
mecânicos que se movem em cadência tique-taque [N. daT.].

281 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


Bjarne Melgaard Sem título [Untitled] 1998 desenhos [drawings]

282 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros."
EUROPEAN
BIENNIAL
OF
<MfI".)~ART

LUXEMB~
28 JUNE-ll OCTOBER \~8

l'Vc- IrS

Info a Executive Office


Mailbox
Casino Luxembourg • Forum d'art contemporain
Manifesta 2 41, rue Notre-Dame L-2240 luxembourg
Agence luxembourgeoise B.P.345 Tê!. (+352) 22 5045 Fax (+352) 22 95 95
d'Action culturelle a.s.b.!. l-2013 luxembourg E-mail : manifesta2@ci.culture.lu

283 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


Roza EI Hassan
Stretched object Objeto alongado 1995 copo, arame, pregos [drinking glass, wire, nails]
Sem título [Untitled] pedra basáltica, alfinetes coloridos [basalt stone, colored pins] 120cm diâmetro
Sem título [Untitled] detalhe

284 XXW Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
\

285 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


Milica Tomic xy ungelôst-reconstruction of a crime xy ungelóst-reconstrução de um crime 1998
vídeo-instalação [video installation)
Rineke Dijkstra
The Buzzclub o Clube da Moda 3 de março de 1995,4 de março de 1995 e 11 de março de 1995 Liverpool , Inglaterra 3 fotografias
Mys~eryworld Mundomistério 1996-97 Zaandam , Holanda

288 XXIV Bienal "Roteiros, Roteiros, Roteiros , Roteiros, Roteiros, Roteiros, Roteiros ,"
289 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri
este spread e o seguinte [thi s spread and the following onel Esko Mannikkó New Vork 1997 panorama fotográfico

290 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros . Roteiros. Rote iros. Roteiros . Roteiros . Roteiros."
291 Europa Sart De Saere e Maaretta Jaukkuri
292 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
293 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri
Europa curadoria Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri

A-Anthropophagy
"It was night. The rabbits sawa shining light. They were perplexed by it, and lost the
flexibility oftheir rabbit-ness, and stared at it. Never had they seen such a magnif-
icent electric light in the night."

Anthropophagy as an "a-zone"
We have not been wrestling with anthropophagy itself, but rather with the cultural field that uses
it as an image. ln this search for understanding we tried out different approaches and carne to
think that perhaps the prefix "a" says something like it- not clearly this ar that, while being
aware ofboth sides.
Anthropophagy as a cultural approach was put on paper in a manifesto in the twenties, and
in Brazil s'eems to have become a way of identifYing with different and conflicting essences ,
including the possibility of continuously swallowing new energies, and becoming them, too.
When confronted with this concept, we experience a sense of lacking something essential that
we need to be able to understand it; ofbeing unable to grasp a whole spectrum of nuances entailed
in the Portuguese word "antropofagia". When confronted with it, there is a distinct feeling of
being able to go along with it only "so far" , after which there is an immensity that Brazilian
culture seems to be intimate with, but which we are alien to, ar alienated from .
This is also a feeling we sometimes get when viewing contemporary Brazilian art. There are
many things that we can easily recognize while others seem like exits into the vastness of nature
and into unknown fields of cultural references . Here we also experience that the art that is best
able to communicate between cultures seems to contain within itself cross-cultural interpreta-
tions and translations. All the while, however, we are aware ofthe fact that some ofthe underlying
paradigms, modalities and tones may be passed by unrecognized, and our reading bounces back
to our own culture. We wonder, of course, whether the sarne applies to all inter-cultural visual
communication? Do we miss the essences : you there and we here?
What may be needed here is the understanding that we have entered an "a" ; a zone where
our sense of security is threatened, and we can only proceed through the dual orientation ofboth

294 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Rote iros."
trusting our own stories and historíes, while alsodaríng to look at other images and to experience
new presences. This may be the moment of giving a gift but also of daríng to receive one.
As opposed to the flow of energies that we imagine the anthropophagic vision of culture to
offer, Europe has traditionalIy chosen distance, and clear definitions of otherness. These choices
seem by now to have hardened and become instrumentalised to the point where they determine
conscious actions. They alIow for the construction ofidentities in which certain actors are granted
proximity, while others are exorcised by enclosing them within themselves, by distancing them, by
renderíng them visible only as images and symbols. Sometimes it seems that anthropophagy,
often even on the symbolic leveI, has been obliterated from European consciousness. An example
of this is that, at the point when we opted for Milica Tomic's instalIation about the first mass
killing in Kosovo in 1989, the situation there had not yet publicly emerged as anything but a
fringe problem.
This system of definitions and counter-definitions obviously has its own dynamics and
possibilities of precision. A major operational mo de in Europe seems to be an incessant problem-
atization on alI leveIs. The construct is made to undergo continuous re-adaptations; whenever
its limits become visible, it is re-vamped, re-directed, and re-built. The resulting definitions and
the consequent activities achieve a complexity by tackling the awareness oftheir own limits, in
the gap between what the situation is and how it can be dealt with.
Europe has chosen distance not only as its perspective but also in its manner of cultivating
observation. The one who observes is the one who reflects and problematizes. Distance, mental
distance, is often considered a virtue in its own ríght. Those who are able to judge see things in
their proper perspective, and both sides of the situation at the sarne time.
Europe is a densely populated continent where the dominant forms of culture could be
defined as second-degree or urbano This density of population seems to lead to two kinds of sen-
sibilities as regards co-existence. One is the desire to keep sufficient distance, to actualIy cultivate
oêlle Tuerl inckx aa 1995 duas letras 'a' minúsculas escritas sobre duas paredes, prego, fio [two letters 'a' lower case written on
'VO walls,nail , thread]

295 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


distance, in order to optimize it within an awareness oflimitations. The reverse side of the coin
is the need to develop modes of co-existence to deal with the unavoidable proximity: physicality
is seen as a problem that is turned into a contained fact that one has to live with. ln the Europe
of centers, one has to accept a life with this closeness. One has to create a space for oneself, while
also being prepared to leave both physical and mental space for others. The dynamics of this
mutual space creatiori are perhaps the momentof European anthropophagy as manifested in
today' s reality.
"A" is not absent; it is only transposed into the realm of symbolic communication. There the
prohibitions of reallife can be transgressed. But the symbols have started to live a life of their own
producing constant changes of meanings, repetitions, antipodes, new contextualizations, histo-
ries, interpretations until they are felt to have exhausted themselves, turning into circuits of mean-
ing devoid of contact with the world, and instead starting to operate as a world of their own. Here
art's basic symbolic act ofliberation from the world (Georges Bataille) has reached its completion.
One possible way of going beyond this idling in the realm of symbols seems to be mani-
fested in the moments when the Duchampian act ofbringing a bottle rack into an art context is
reversed by bringing the object with its new definition as art object back to the world, where its
presence creates new visibilities which exist within other fields of communication, other symbolic
systems; to throw light on what by now has become invisible both in or outside the domain of
art. This reversal seems to imply the activation of the icon into being a tool for new meanings in
the areas surrounding it rather than contained in it. The is sue here is the act, the intended trans-
ferraI carried out in the space between Bataille's "cave" and the world, as well as the involvement
in the nature of these transpositions, transgressions, new distances and proximities. The world
experienced as a verb requires verbic visuaIs as its mimetic moments. This art can be seen as a
kind of inverse indexical sign, which leaves behind a trace of art in life and physical reality. If a
footprint in the sand is an example of a traditional index, we are now confronted with art that is
specifically situating itselfwithin those moments when the footprints are imprinted orwhen the
fire is lit in the oven, the smoke of which will soon be seen from the chimney.
Simultaneously, there are structural, even paradigmatic changes that lead to a greater prox-
imity between practices in the European artistic landscape and the possibilities we imagine to be
inherent in the Brazilian attitude, as covered by the reference to cannibalism, i.e. the intense flow
within which moments ofidentification can be achieved. We do notwish to call these shifting
accents in the European artistic landscape anthropophagic, though. But we may speak of sam-
pling, as appropriation gone wild.
Things being the way they are, we cannot go beyond the shore reached by the bishop whose
name, by the way, was "Sardinias". This earliest European experience ofSouth American canni-
balism and the first historically commemorated white man to be eaten, still seems to mark the
limit that'Europe can reach. The bishop went ashore, not to be eaten but to remain alive and him-
self. He landed with what he considered to be an offer. He entered a terra incognita. He had been
cast ashore there because of a shipwreck, not because he had planned to promote his transcen-
dentalversion of cannibalism there. He didn't succeed beyond his own expectations, on the con-
trary, the whole experience was merely an accident. This makes the image ofhim sadly comic:

296 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros, Roteiros. Roteiros. Roteiros."
the relief of reaching the line between water and land, his happy stumbling onto the beach, after
that, the fear of the unknown upon entering the lush vegetation.

Traditions and contexts


There are artists working in Europe today about whom we can say that their work is character-
ized byan evasion of styles and of authoritative forms of rhetoric, ·distilling from the past what
is needed for the present and using its traditions, ambivalences and ambiguities knowingly, with
the aim of sharing experience while refraining from self-expression and leaving space for the
viewer's own world. This claim could be justified by the language-like use offorms, colors and
visual paradigms. It might be possible to call this a synthetic phase of this tradition.
The role of prosaics in literature with its focus on everyday speech as a revitaliser oflanguage
has its parallel in contemporary art's-including painting, sculpture, photography, installation,
new media and community projects-intense focus on the life-giving force of context rather than
the life-resisting codes and signs (Mikhail Bakhtin). It is in this area that the oscillations in the
roles of icon and index, with context (and reality) as their common playground, are taking place.
This seems to be the focal point of the present stage of the ongoing formalistic projecto
As part of the sarne setting we may consider artists who don't ask to be recognized as
authors. These are artists who would rather deal with situations or fragments of material culture
and let these become possible images of reality. Interpretation of many of these practices involves
the sarne kind of difficulties we encounter in trying to understand life around us-likewise
experienced in fragments oftime and space, chance encounters, multiple layers ofmeanings,
different symbolic systems, desires and intensities.
One example of this is the interest in so-called chaotic contexts. These contexts do not
provide a single clue but rather the kind of situational definitions that we recognize from docu-
mentary photographs. ln Walter Benjamin's analysis the cam era shows information that is as
radical in its revelations of the world as psychoanalysis in its project of trying to coax out infor-
mation from the subconscious.

Constructing a scene
There are two artists who have provided the ground, an initial point of reference in this discussion:
Markus Raetz and Franz West.
Markus Raetz may be seen as an artist who continues the European art tradition in his way
of usingits formal components and viewing positions. He redirects this tradition into a possibility
of sensitive and heightened attention. We are invited to share with him the secrets of seeing
rather than being shown them. The growing awareness ofi:he possibilities of discovering new
meanings feels like a moment ofliberation, disclosing new entrances into the world around us
which we already thought to be able to master through our gaze. Raetz's conscious articulation
of proximities and distances, viewing positions and movements, with the resulting filmicly
changing images and their significations, constitutes the poetic kernel ofhis work.
)811e Tuerlinckx a 1993 letra 'a' minúscula escrita com giz branco, redoma de vidro [Ietter 'a' lower case written with white chalk,
ass dome] modelo único de uma série infinita [unique model of an endless series] 40x19cm diâmetro

297 Europa Sart De Saere e Maaretta Jaukkuri


Markus Raetz's art, with the scope he leaves for the spectator to use it in his /her own life,
inspired us to believe in the possibility of direct access to art without the need for explanations.
The reference field of this art reaches into the experience of the visitor, his /her own life-world
(Lebenswelt) and the experience ofimmediate, unmediated knowledge ofbeing in the flow of
the world.
We could say that he makes color and form transparento He lets his images reside in reality
and allows them to take all the shades required to be part ofit. These gentle inscriptions in reality
are true achromes.
Franz West presents a counterdynamics to this elegiac mapping ofvisual traditions. West can
be seen as the embodiment of the European culture of problematization.
The starting point for this discussion was an encounter with a couch by Franz West for the
Freud museum in Vienna. The couch, with its pregnantly direct relationship to the body and direct
reference to the psycho-analytical tradition, seemed able to bridge the oceans between Europe
and South America.
We might even see parallels between Franz West's work and that ofHélio Oiticica. Both come
from solid artistic traditions and continue to cultivate them. They rely on traditional formal sensi-
bilities, although these will hardly be recognized due to the radicality ofthe proposaI. For both,
color is an essential elemento Both make work that relates directly to the body and to a holistic
experience.
The Parangolés of Oiticica, however, only become works of art when danced in, when flow-
ing out into life. His experiential spaces are spaces ofbodily joy. The Passtücke ofFranz West, on
the other hand, do not fit. ln trying to fit into them the body is twisted into a hunchback or some
other form of awareness ofits own fragility and limitations. The awareness here is that of a scale
that does not flow over the earth but reminds us of a necessary humility. The sofas are welded
out ofhard metal or covered with oriental tapestries, the floor elevated to the leveI of experience.
Franz West seems to produce unattractive works. He seems to. Their beauty is not disclosed
to the quick glance; it is a vibration in the skin. The decision to validateand enjoy them is taken
on this micro-leveI. The first step is to accept that, if attention is paid to the apparently shabby
surface, it may prove to be as valid as any of the carefully designed andpolished surfaces that our
society has specialized in. From that point on, we may discover that these surfaces allow for
intricately precise shades, in-between shades, colors, in-between colors, in-between epochs and
exoticisms, shades of passages that are like the inflections in which a temperate climate informs
and shapes reality.

XVZ Ungelõst/unsolved
What did we choose to offer from Europe? Or rather, what did we see or feel we saw?
The adjective that we preferred to use at a certain moment in the course ofthe discussion
was "a-proud". We decided to opt for a-proud artists.
Boris Michaelov Sem título [Untitled] 1997

298 XXIV Bienal "Roteiros. Rote iros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
These artists come from traditions which for a long time have detached themselves from
directly aiming outside of their specific cultural spheres. Theirs is not first and foremost the
tradition of"grande peinture" as it is still echoed in the Guernica ofPicasso; that symbolic presence
from the early years of the Biennial. These artists refuse to speak in the nameof others, be it a
social, ethnic or other group. They speak as one of us and rely on their own voices .
There are moments when this art searches for possibilities contained in flaws or articulates
itself as a flaw. ln other instances, it can limit itselfto spatial possibilities, sketching out possible
worlds, there and then, here and now. lt exists in an awareness ofthe impossibility ofmultiply-
ing itself, and draws energy from that. lt acquires the freedom to develop because it chooses to
stay out of the economy in which acts have to take as much space as possible and be repeated
as many times as possible. lt takes this uniqueness as a possible spa ce to focus or to become a
fragment that might be isolated but ultimately is noto ln doing so, a flash ofthe shared feeling
ofbeing here and now is made possible, followed instantly by an uneasy questioning of the vast
expanses of networks of cultural automatisms. This art offers possibilities for reflections through
its not-fitting.
It has chosen not to be a mirror of the world but to build parallel worlds, which do not pos-
sess or even claim a right to fit in. Their existence is at the mercy of those passers-by willing to
link the proposal back to their real world.
The presence of Maurice O'Connell at the Manifesta exhibition in Rotterdam may have
remained altogether unnoticed by many visitors, even ifhis central concern is in establishing a
relationship with the audience. This interest has guided projects in which his main involvement
has been to get to know the practices and ways of functioning used in the institutions that invite
him. This was clearly manifested in the project he carried out at the lrish Museum of Modern
Art in Dublin, where he stayed in a closed room for a month, able to hear the visitors while he
himselfwas only visible. For the Manifesta project he started to conduct research on the Boymans
Van Beuningen museum. The results ofhis investigative studies were seen in the form of advice
written on small pieces of paper that he felt to be important to give this institution. They were
spread around the museum, where probably some ofthem still are today, and brought together
in a manual which he left in the newly-appointed director's desk drawer.
These actions are interesting not so much as solutions or as proofs ofinnocence or heroic
acts oftransgression. lfthey happen to be transgressive, it is not as a tactical act which might
strengthen their position on the borders of the visual arts, it is because there is a necessity.
For the spectator it is fascinating to experience the moment when the perception of a message,
signal, or act starts to lead its own life in his/her head, and seems to open up mental crystal-
lizations by small shifts or ruptures in his/her image ofthe world, which also contains his/her
image of art.
Many artists today seem to situate themselves at points where they may be able to draw from
very divergent cultural sources. Because of this, they might seem place-less, but actually their
work shows a profound sense of place. They choose their frames of reference-their history-

299 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


and let the work define its own space; a location which is intimately linked to the moment
it marks on their route.
The quality ofthese artists is chiasmatic and simultaneously informed by different essences.
It is because they accept their route as a journey, that they seem to be able to emanate a sense of
being present in any place and wherever they go and in whichever way they choose to acto They
build their art on the unique qualities of the action rather than on material or conceptual concerns.
An image ofthis may be the work by Roza EI Hassan (Hungarian, ofSyrian descent, having
lived a large part ofher life in Germany) which she showed in the first Manifesta exhibition. Roza
EI Hassan chose toformulate her presence in the Manifesta exhibition in a way that remained itself
rather than trying to optimize a representation and to bring it towards the fittingly communica-
tive middle-ground. She approached Rotterdam by taking a series ofblack-and-white photos, on
which she drew dots, as if to recalI moments, to re-create an awareness of presence. The spirit she
wished to calI forth was the spirit ofthe "now". She used the Hungarian word for this-most-
in the exhibition. It was also calIed upon, li te ralIy, in a series of pairs of earphones hanging
above the fIoor drawing she made in the Witte de With exhibition space in Rotterdam. On the
earphones we heard the word "most", "most", "most", over and over again.

Realities of life and art


Going alI the way along the chosen path often leads to contradictions in the expectations attached
to the work. Both Esko Mannikkõ and Rineke Dijkstra rejected the image that had been applied
to them, and invalidated the limits within which their magic originated. They did so because the
path onward was inherent in their work.
Esko Mannikkõ became known as the photographer ofthe Nordic North; ofthe isolated
men, in their smalI houses amid a vast nature, photographed in a light that is aware of darkness,
while being imbued with a rich scale oftones that posses ses a beauty that shows this life-setting
as both comforting and comfortable.
Rineke Dijkstra also had her own light and palette of colors which were recognized as hers.
Her core images were people on the beach, in a light that is sunny but with a hue of coldness and
distance that echoes the photographic activity.
Both are considered secure references in the domain of format and of scale-conscious, pre-
cise, professionalIy finished singular images, which have found their own niche in visual art.
Rineke Dijkstra has proven through her recent videos how "her magic" does not depend on
the recognisable format ofthe images but on resolute attention to the relationship between the
viewer and the viewed, causing the feeling of this relation to penetrate alI aspects óf image-
making, the technical as welI as the psychological. The poses and gestures of the portrayed
people shatter in front of our eyes, they make the aloofness ofthe eye ofthe camera stumble by
re-acting. It is the relationship that exists in moments of portraiture that is problematized, and
not photography as such.
The photographic panoramas which Mannikkõ is showing in São Paulo also mark a depar-
ture from his earlier portraits, in which "he uses old frames", both in the literal and symbolic
sense of the phrase. Mannikkõ does not stage his photographs but continues the documentary

300 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
programme by slowing down the speed that once was considered to be its specific asseto
Mannikkõ shares the scene with the persons he photographs, both physically and mentally, and
lets his skills and knowledge serve the dignity of these people.
Mannikkõ has photographed panoramas in different parts of the world. The earliest ones
have been taken in his native Finland and have formed a parallel theme to his portraits. He first
continued this series with photographs taken in Texas. It became explicit that his art was not
about the particularity of the background and his familiarity with it. Rather, this is about a way
oflooking at the world, paying attention to it and becoming aware of the potential for new visi-
bilities. The panoramas possess haunting similarities and proximities irrespective of the geo-
graphic distances and the cultural differences that surround them. Perhaps we could speak
about the suppressed areas in our milieu consciousness.
ln arecent interview he stated that it is strange that nowadays people seem to become
conscious of something-even when it is in their backyards-only after seeing a picture of it.
Mannikkõ's photographs are also about beauty: He took the colors ofTexas and let them res-
onate in their own saturated way, and in his pictures ofFinland he makes the viewer aware of the
extreme play oflight and darkness in North Europe. Dijkstra, for her part, turned the uncanny,
cold brightness ofher beach scenes into their artificial counterpoint~disco dancing.
Even if she has added a statement, Milica Tomic's work is not about stating something.
Even if, since the selection of the work, this statement has become a more and more alarming
actuality-this is not the issue. Instead, it focuses on an individual's capacity to experience
his/her own limits, but also the possibilityoflinking to the world through it and the ins~rtion
of this into a framework of awareness. This may lead to a critique of the diminishing impor-
tance attached in Europe to personal engagement and to the transference of responsibility to
systemic solutions. The work itself doesn't polemicize this. It resides in the consciousness of
the individual.
Milica Tomic turns the experience ofwar back to the most basic, banally intimate act ofbut-
toning and unbuttoning, a pair of red woolen trousers, a coat in a somewhat outdated shade of
green. She concentrates on the act of memorizing; not as an act of narcissistic egocentricity, but
as a possibility of openness and as an acceptance of existentiallimitations. She touches upon the
unavoidable amnesiai the fact that this was not an abstract event to be remembered, but that real
people were shot, and that memory can only keep so much of these tealities alive. She refuses to
incorporate any of thepowerful iconographic signs available in the initial event in her work, and
instead replaces them with images ofher own failure.
Falling back upon personal experiences and sensibilities does not necessarily lead to express-
ing individuality. It may also be a way beyond the self, to let it become a possibility for increasing
openness. Bjarne Melgaard balances his desires with violent negativity. The core of this drive is
probably most clearly enacted in his drawings. Yet, they are continuouslyplayed down, integrated,
and disintegrated, turning the importance of gestures upside down, enjoying the small details
of a set-up, creating stories that pretend to uphold the corttent, mimicking diverse artistic solu-
tions and adding everything UPi adding, proposing, disclaiming. Thegoal is to create a field that
::>ris Michaelov Sem título [Untitled] 1997

301 Europa Bart De Baere e Maaretta ·Jaukkuri


is like an event during which a multitude of drifting intensities are allowed to float around. They
are based on the particularity of the look or of the phrase, the line of a shoulder, the resonance
of the blue he likes so much, as well as those transparent hues of green ar purple. Melgaard makes
his work potentially negligible by presenting it as a lavish eruption. Within his proposals, the
possibilities linger, hidden, as if not wanting to stand still and wait to be evaluated.
Honoré 6'0, too, seems to be fleeing his own ghóst, even ifhe makes us believe that he is
showing it to uso His is a bravura ofthe ridiculous. ln a catalogue he once stated: "hophophop,
let's duracell". There is an unbearable lightness and an intolerable directness in the games he
proposes. We can be made to choose a glass marble and blow it through a circuit of plastic electric
tubes. It may start (and end) in a toilet, or above an ashtray in the bar below the exhibition space,
or in a classroom next to the one which is also connected to the netwark oftubes. The rules are laid
out in such a way that the passer-by has only two possibilities: to accept being swallowed by
them or to altogether reject them. Both of the choices cause a sense ofloss of the traditional role
that a visitor to an art exhibition is expected to play: to enjoy in a detached way, to appreciate
from the far side of the oceanic space.
His gestures are always on the border between an intensely deep void and the atmosphere
of emptiness, tout court. They are not about trustworthiness. While pretending to "fix" the field
and to let the spectator become a "follower" of the artist, they in fact deny this possibility on any
substantiallevel: in the end they lead our thoughts away, to other acts and settings more mean-
ingful to the observer than the ones presented by the artist. The real confrontation is with all that
isnot there.
ln an analogous way, the wark ofMarkus Raetz is so precise that the very moment that the
initially concealed visual plenitude is revealed, in the course of the viewing experience, becomes
a tool that waits to be applied to other situations in life.
Honoré 6'0 flirts with the event-ness ofthe presentation situation in order to let it turn into
its reverse, while Markus Raetz refuses all guidance other than that we should rely on our own
bodily presence with its heightened sense oflife-world.

The way out


The quality of a-pride, which may be seen as a common denominator guiding our selection
of these artists, presents a different kind of viewing-angle than those recognized as and high-
lighting the individuality ofthe choice in which "obsessions" or "fascinations" are allowed to
reign. The approach we named "a-pride" does not have the kind ofintensity that characterizes
the former approach. At the sarne time, it has a proximity to the insight that may be contained in
a sense of consciously refusing to be carried away by resignation or by its romantic version
of desperation. It was Franz West who, at a table with a dozen artists present, once made one
of those, for him, typicallapidary remarks, that he felt everybody at the table was beyond hope.
This was a positive remark. It might apply to each of the artists invited here too: they are pro-
foundly aware of the limits within which they exist as artists, but this awareness does not lead to
a standstill. They are all showing possible ways to continue-each in their different ways.

302 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros."
What do we expect fromthe invited artists? They seem to offer a scale of possible approaches
to their own approaches. These even include the possibility of passing them by. ln the end, the
invitation is to share.
There is a possibility of substance but only in the acceptance of a lack of an empowering
frame. Or rather; the frame is an image in search of a new contexto ln this, it refuses the potential
power contained in the affirming gaze of the viewer. lnstead, it sends a questioning gaze back
to be carried on elsewhere and in other experiences, not unlike those which were the origin and
cause of the art itself.

Be like the cherubins and the seraphins, onlyan eye


abba Bessarion, dying
lf one is only eye; the eye and the body overlap.

Anyone who wishes to be only an eye, envisages him or herself as a space of transition
between the two sides of the world. The eye neither wants to be able to grasp nor to cultivate the
labyrinths ofthe conceptualizations supporting it. lt rather tries to approach the perpetuum
mobile of the lens. A lens is not unidirectional even ifit is used like this in cameras, microscopes
and binoculars. The eye may be a moment of connection, a go-between that searches for validation
in the world behind the lens for the world in front ofit.
The anthropophagic momentis turned into a situation of shared intensities but it is not
forgotten. Empowering no longer works in just one direction. Neither does it have a beginning
or an end. It is rather a continuum of oscillations in which ever-changing complex series of
balances generate the dynamics of flow and create a sense of freedom. lt is a delicate situation
easily shattered by any attempts at the minutest form of dominance.
Bart De Baere and Maaretta Jaukkurí

303 Europa Bar! De Baere e Maaretta Jaukkuri


Pedro Cabri ta Rei s
Ci dades Cegas # 1 (BI i nd Ci ti es #1 )
Proj ect( 3.D computer i mage ) for
a
24 Bi enal I nternaci onal de São Paulo, 1998
Li sboa, 22.04.98
'I
ROT&l/(OS .. , ~
Pedro Cabrita Reis Gates #1, 2, 3 and 4, Lisbon Portões nQs 1, 2, 3 e 4, Lisboa 1997 esmalte sobre vidro, batentes de portas
[enamel on glass, door frames] foto Attil io Maranzano coleção Museum Moderner Kunst, Stiftung Ludwig, Viena

305 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


OK, let's do three sorts of "carrousel". Let's choose three times, three times for you wi thout
explosivos, armas, munições, artigos de fogo, ... , continuing the intense curatorial process,
adding transhistorical music as a process of elimination and addition, sweeping the fields of
culture, comma down comma up "boy, I wish you a goo d cata l ogue!". They eat the artist, - who? - ,
the artist eats the visitor, the visitor eats the art, life hardly digests cultivation. Let's
talk as soon as possib l e about the eternal problem of the re-installation. René Magritte in
Brussels, Picasso in Rome, for export we say yes, through the "horizontes de memória" from 8 am
to 8 amo Use your right to fly with Petit Euroticket, com grandes intervenções
africanos/indianos/americanos. But how to avoid this musea l or ga l eristic re-creation made for
satisfying comfort? The slides are o l d, "carrousel" never turned out in expo, spinning merely 10
guests. To create is to bring into being, to recreate is being laz y and forlorn. The argument for
activity is constructed in the theory of accidenta l ism and reconstructed in " Mozart in Egypt",
and soon in "Ronaldo in Finale". For few or for mass? Persona l question, di-stressed answer.
As usual my catalogue material is over the dead l ine. But living joy forever big as 4
Brazilian
pena lt ies together. 08/07/98 is a real date; l et's predict fast future; Caco Laco is too fast
Coca Cola, and let's print "Brazilian futebo l champion 1998" on the qualified catalogue paper:
truth for more than 120 years. Mr. Wittness France Dehors . Predicting art can fail to conditions
of contrast, but esta semana jackpot, a g lori a da reconstrução; real pub lic isn't macho, rea l
pub lic is time. Remember Mail-E-mail-Fema l e. For clearer visitors it's clear: they're inseparável
dos me lhores momentos. We need the publico Art needs, arts need partnerssssssss, o mistério: the
price needs pub l ico Roteiros, roteiros, roteiros; carousel, carousel, carousel, carousel, you
yes you. Não?: yes, ja, oui, roteirousel. How can art survive without visual structures for
involvement ? Best Direct, Our persona l p lural mora l ity asks for this image of a shape of the
tingtingtingtingtingting. Very social formo 7 x ver o viver: the objects are obstacles, actual
information is on the move because copyright won't fit into history. A cataprotocologue is a
typical contraproduto. I'm trying a tarifa reduzida with bom preço for a long lista de clientes.

Honoré 1\'0 instalação

306 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
The intrinsic continuation of a na i f protese: believe in total communication. I still do, even by
stronger means of exchang ed identities. Don't take care, take risc, 1'm a chaopractical child, com
caráter latent lesbian, ideology is in the title of my work since 1994 (since this is the show
and the show is many problems), to complete the principle of the insufficient reason. To help
you, we must attack you. Threat of castration stays under the level or penis env y . All analytic
judgments about this theme are necessarily true or necessarily false, not derived from, but
applicable to all experiences. My basic energy will study the pictures of the "carousel" not
long er than for one day, ah one day, ah one hour, it wi ll throw the m away and will try to create
the memory in collaboration with passengers, motivated public, and colleg i ate partners, even
members of my subjectivated multiple identify problem. 1t's perhaps a common evident syncronous
syndrome, inherent in the language, as the formal proof of global fact, all the time swinging in
a state of Heraclitus' fluxo Aujourd'hui le flux verto Mine and yours . "Dr" I in the urgent
summary. Soccer left soccer right, cubic corner, printemps d i scrête, image du présent (die meisten
wussten noch gar nicht was ima g e bedeutet), soleil genereux: the boom of relat i onships will
ceaselessly sound louder. So what about the nationalistic recollection? I was born in Belgium
without national identity. The Flemish Community sends me to represent the i r political ideas
about citizens' existence: in São Paulo 1'11 associate a site specific prototype of the Museum
of Applied Sweets. Recollection is often used without toys, interchang eably with remembrance ,
reminiscence or memory. 1t applies a deliberate conscious effort to remember or to recall
something to consciousness. Partout: sempre ingredients, sauer, liquid, burnt, literary prenatal
or intellectually everlasting ... Why am I trying the creat i on of a reinstallation if memory is
believed by common sense to be a mental reproduction of past experiences instead of a production
of vital arguments? Curatorial discussions won't help. The artist wants to make love . Entiêre ment'
déshabillable. He is the joker of your desire, a sort of famil y clown-worse and b etter-a publ i c
jester of Baaretta 1VX, frêre de Mister Mac Cash et de Soeur Sourire .

307 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


Uma voltinha por aí
Eu hoje andei pelas montanhas. O tempo estava úmido, e a região inteira, cinza. Mas o caminho estava macio e, aqui e ali,
muito limpo. No começo eu estava de casaco; logo, porém, eu o tirei, dobrei e carreguei no braço. Dava-me cada vez mais
prazer o passeio pelo caminho maravilhoso, que primeiro subia e depois descia outra vez. As montanhas eram imensas,
pareciam estar portado canto. Todo aquele mundo montanhoso me dava a impressão de um teatro enorme. O caminho se
aconchegava esplendidamente aos flancos das montanhas. Então desci a uma ravina funda, um rio rugia aos meus pés, um
trem passou veloz por mim, magnífica sua fumaça branca. O caminho atravessava a ravina como uma serena corrente branca
e, à medida que eu ia andando, era para mim como se o apertado vale se curvasse e enrolasse ao redorde si mesmo. Nuvens
cinzas se deitavam sobre as montanhas como se aquele fosse o seu lugarde descanso. Encontrei um jovem viajante, mochila
às costas, que me perguntou se eu tinha visto outros dois moços. Não, eu disse. Tinha eu vindo de muito longe? Sim, eu disse;
e segui adiante meu caminho. Não muito tempo depois, vi e ouvi passarem os dois jovens andarilhos e a música deles. Uma
aldeia era especialmente bela, com moradas humildes a se adensarem sob os penhascos brancos. Topei com algumas carroças,
mais nada, e tinha visto algumas crianças na estrada. Não precisamos ver nada fora do comum. Já vemos tanta coisa.

A little ramble
I walked through the mountains today. The weather was damp, and the entire region was gray. But the road was soft and in
places very clean. At first I had my coat on; soon, however, I pulled it off, folded it together, and laid it upon my armo The walk
on the wonderful road gave me more and ever more pleasure; first it went up and then descended again. The mountains were
huge, they seemed to go around. The whole mountainous world appeared to me like an enormous theater. The road smuggled
up splendidly to the mountainsides. Then I carne down into a deep ravine, a river roared at my feet, a train rushed past me
with magnificent white smoke. The road went through the ravine like a smooth white stream, and as I walked on, to me it
was as if the narrow valley were bending and winding around itself. Gray clouds lay on the mountains as though that were
their resting place. I met a young traveler with a rucksack on his back, who asked ifI had seen two other young fellows.
No, I said. Had I come here from very far? Yes, I said, and went farther on my way. N ot a long time, and I saw and heard the
two young wanderers pass by with musico A village was especially beautiful with humble dwellings set thickly under the
white cliffs. I encountered a few carts, otherwise nothing, and I had seen some children on the highway. We don't need to
see anything out ofthe ordinary. We already see so much.

Extracted from [extraído de] Robert Walser, The walk [A caminhada], translated from german by Tom Whalen [traduzido
do inglês por Claudio Frederico da Silva Ramos]

309 Europa Bart Oe Baere e Maaretta Jaukkuri


www.uol.com.br/bienal/24bienal/web/mark curadoria Mark van de Walle

De acordo com a Teogonia de Hesiodo, antes da chegada dos deuses ao Olimpo, havia os Titãs,
cujo chefe era Cronos. Fora profetizado que ele seria morto por um de seus filhos, então ele sen-
satamente matou-os todos, comendo-os um após o outro. Tudo andava bem, até que Cronos se
esqueceu de um-Zeus-que cresceu e se tornou adulto. E o r:natou.
Então aqui ainda se encontra, milhares de anos depois, e Hesiodo continua certo como
sempre: o comedor-de-homem permanece entre nós. Damos à luz a criança que nos destrói. A
Net é essa criança-do terror do vírus Y21< às brechas de codificação. Essa é a matéria da qual
se compõem os sonhos nos dias de hoje: Sexo e morte e Helio! Kitty. O registro de êxitos da
Babe Ruth e as dimensões exatas do pipi do Bill Clinton. Cartas de amor a desconhecidos e cor-
respondência grosseira ao cara no compartimento ao lado. Uma gravação gráfica de cada tique
nelVoso do mercado (em casa e em todos os lugares que não são agora nem nunca serão casa).
Dinheiro e banco de dados e capital crus e cozidos, injetados e alimentados por conta-gotas ao
longo de artérias de fibras óticas e tubos capilares de cobre de linhas telefônicas. Becos e ruas
sem saída e mensagens de erro 404 e santuários a Elvis. Portanto, não é mais necessário que o
bebê se esconda de seu pai infanticida. Nós amamos a Rede.
Isso se dá em parte porque a Net, com sua mistura sinistra de presença anônima e identi-
dade fluida, é o meio ideal para duas coisas com as quais tivemos um caso amoroso por tantos
anos. Duas coisas que resistiram ao controle-externo e interno-durante milênios: obsessões
privadas e comércio privado.
Com a Arte da Net há finalmente a possibilidade de abranger ambos os elementos. Assim,
um programa, ou o ato de violar (hacking) um selVidor, ou um happening como uma abertura de
capital de uma empresa pode tanto ser considerado arte como qualquer outra coisa. O comercial
é estético. É aqui onde "qual a natureza ontológica da arte?" funde-se com "como posso ganhar
uma grana com isso?" É aqui onde o funcionalismo do comedor-de-homem corporativo ergue
fel izmente a visão estética das margens de vanguarda.
Ao mesmo tempo, a inutilidade em si, o limite tradicional de visão do objeto estético e com-
panheiro da obsessão e do comércio, permanece em parte a feitura da arte. Projetos de Arte da
Net, como o Digitalland[J11 [Aterramento digital] de Mark Napier, estão desenhados para reunir
HTML desnecessários, imagens antigas e outros restos eletrônicos amontoados sobre ele por
usuários da Internet, reciclando estes refugos digitais em um tipo de santuário para o abjeto
digital.
Uma encarnação de eficiência Croniana pura levada à sua conclusão lógica, embora ridí-
cula, o projeto Euery icon [Todo ícone] de John Simon circulará por todas as combinações de
imagens dentro uma grade pixel de 32 por 32. Seu projeto trata-se da mera possibilidade mate-
mática da produção artística digital, um applet Java que tenta antecipadamente criar todo
ícone até a etern idade.
O que nos resta ver agóra é se nosso filho vai ou não nos comer vivos. Ou se colocando os
nossos sonhos à venda nos libertará de um modo que ainda não começáramos a imaginar.
Mark uan de Walle. Traduzido do inglês por Veronica Cordeiro.

310 XXIV Bienal "Rote iros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
According to Hesiod's Theogony, before the gods carne to Olympus, there were the Titans and
chief among them was Cronos. It had been prophesied that he would be killed by one ofhis chil-
dren and so he sensibly killed them all, eating them, one after the other. This was fine until he
missed one-Zeus-and that one grew to adulthood. And killed him.
So now, here it is thousands of years later and Hesiod is still just as right as ever: the man-
eater is still with uso We give birth to the child that destroys uso The Net is that child-from the
Y2K bug terror, to encryption loopholes. This is the stuffthat dreams are made ofnowadays: Sex
and death and Hello! Kitty. Babe Ruth's lifetime batting average and the exact dimensions ofBill
Clinton's willy. Love letters to persons unknown and hatemail to the guy in the next cubicle. A
graphic recording of every single nervous twitch of the marketplace (at home and everywhere
else that is not now and never will be home.) Money and data and capital both raw and cooked,
mainlined and dripfed along fiberoptic arteries and copper phoneline capillaries. Blind alleys
and deadends and error 404 messages and shrines to ElvÍs. So it is no longer necessary for the
baby to hide from its infanticidal parent. We love the Net.
ln part this is because the Net, with it's uncanny admixture of anonymous presence and
fluid identity, is the ideal medium for two things that we've had an eons long love affair with.
Two things that have resisted control-both external and internal-for millennia:private obses-
sions and public commerce.
With Net Art there is finally the possibility to embrace both these elements. So that a piece
of software, or the act ofhacking a server, or a "happening" like a corporate lPO can as much be
considered art as anything else. The commercial is aesthetic. This' is where "what' s the ontolog-
ical nature of art?" merges with "how can I make a buck offthis?" This is where the functionalism
ofthe corporate man-eater happily rears the aesthetic vision ofthe avant-garde fringe.
At the sarne time, uselessness itself, traditional purview of the aesthetic object and friend to
both obsession and commerce, remains part art making. Net art projects like Mark Napier's Dígí-
tallandfíll are designed to collect unneeded HTML, old images and other electronic refuse heaped
on it by internet users, recycling these digi-castoffs into a kind of shrine to the digital abjecto
An incarnation of pure Cronian efficiency taken to its logical if ridiculous conclusion, John
Simon's Every Jean will cycle through every combination of images within a 32 by 32 pixel grid.
His project speaks to the sheer mathematical possibility of digital art making, a Java applet that
tries preemptively to create every icon from here toeternity.
So now what remains to be seen is whether or not our child will eat us alive. Or whether
putting our dreams up for sale will set us free in ways we had not yet begun to imagine.
Mark van de Walle

311 Webarte Mark van de Walle


www.uol.com.br/bienal/24bienal/web/ricardo curadoria Ricardo Ri benboim e Ricardo Anderáos

"O que se dá hoje a pensar não pode ser escrito segundo a la de vez. Uma obra criada para a rede é, pordefinição, infinita-
linha e o livro, a não serque se imitasse a operação que consis- mente reprodutível. Quando tratamos de arquivos computado-
tiria em ensinar as matemáticas modernas com o auxílio de rizados ou de clones, como distinguiros falsos dos originais?
um ábaco. Esta inadequação não é moderna, mas hoje se As facilidades da cópia digital por meio de Web estimulam o
denuncia melhor do que nunca. O acesso à pluridimensiona- uso indiscriminado de "referências". Como distinguir no mun-
lidade e a uma temporalidade des-linearizada não é uma do do software a apropriação antropofágica do canibalismo
simples regressão ao 'mitograma': ao contrário, faz toda a da autoria?
racionalidade sujeita ao modelo linear aparecer como uma A World Wide Web é fruto dessa sobreposição de refe-
outra forma e u ma outra época da m itografia." rências e apropriações. Como trabal har sobre essa trama, que
- Jacques Derrida muitas vezes não passa de um emaranhado de fios sem senti-
do? Seria possível selecionar algumas dentre as milhões de
"Um novo tipo de artista aparece, um arquiteto do espaço dos páginas (ou sites) interligados nessa teia que envolve o plane-
acontecimentos, um engenheiro de mundos para bilhões de ta? O próprio conceito de curadoria deve ser questionado
histórias porvir: ele esculpe o virtual. " nesse novo meio, em que qualquer pessoa pode utilizar sis-
- Pierre Léuy, "O que é o virtual?", '995 temas de busca automática e pesquisar em índices de end e-
reços selecionados.
"[ . .. ] o espantoso crescimento de nossos instrumentos, e a Assim, nossa ação curatorial estrutura-se como um
flexibilidade e precisão que eles atingiram nos asseguram reflexo ou espelhamento da própria rede, uma teia em minia-
modificações próximas e muito profundas na antiga indústria tura, sempre em construção e aberta à criação coletiva. Os nós
do belo. Há em todas as artes uma parte física, que não mais dessa rede são um vocabu lário de signos relacionados à antro-
pode servista e tratada como o era antes. Éde esperar que tão pofagia, ao canibalismo e à World Wide Web. O visitante do
grandes novidades transformem toda a técnica artística, che- site vai navegar nessas palavras em movimento, e a um clique
gando mesmo a alterar a própria noção de arte." do mouse conhecerá os websites inicialmente selecionados
-Pa ul Valéry, "La conquête de I'ubiquité", '934 para a mostra. Mas a ação curatorial será um work in progress,
permanentemente reelaborada durante toda a duração da
Quando Walter Benjamin escolheu esta citação de Valéry para Bienal. Os visitantes poderão indicar novos sites para link
abrir seu ensaio "A obra de arte na época de sua reprodução aos signos da teia. O resultado é uma mostra participativa,
técnica", pretendia mostrar que as tecnologias de reprodução que convida os visitantes a se tornarem também curadores-
de imagens, como a foto e o cinema, alteravam o cerne da levantando assim questões sobre presença, monitoramento,
experiência artística, abalando os conceitos de au ra, valor cu 1- interatividade, tempo e espaço.
tural e autenticidade. Ele acreditava que essa mudança era Meio antropofágico por excelência, a Web tudo absorve
positiva, por desmascarar a ideologia elitista da estética oci- na interligação cada vez mais complexa de conteúdos pro-
dental. Para Benjamin, com o advento das novas tecnologias duzidos em todos os cantos do globo. A postura oswaldiana
da imagem, a arte não deveria ser pensada em oposição à perpetua-se nessa proposta curatorial, que abandona o fetiche
indústria cultural, mas dentro dela. da autoria para se estruturar como processo. Pretendemos
É dentro desse marco teórico que planejamos a curado- assim devorar antropofagicamente o visitante da mostra, que
ria desta exposição de web arte no site da XXIV Bienal de São de observador se transforma em cu rador. Parafraseando o
Paulo. Se a fotografia e o cinema causam o primeiro abalo na "Manifesto": a nós só nos interessa aquilo que não é nosso.
idéia de autenticidade artística, a Internet chega para destruí-

312 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rote iros."
"What is given to thought nowadays cannot be written accord- inition, infinitely reproducible. When dealing with computer-
ing to the line and the book, unless we were to imitate the ized files or clones, how can one discern the fake from the
operation that would consist in teaching modern mathematics original ones? The easiness to create digital copies through
with the help of an abacus. This inadequacy is not modern, but the Web stimulates the indiscriminate use of "references."
more representative today than ever. The access to multidi- How can one distinguish the anthropophagic appropriation
mensionality and to a non-linear temporality is not a simple of authorship cannibalism in the world of software?
retrogression to 'mythogram': on the contrary, it makes all The World Wide Web is a product of the overlapping of
rationality subject to the linear model appear as one more these appropriations and references. How can one work upon
form and one more epoch of mythography." this network, which may often be nothing more than an
-Jacques Derrida entanglement of senseless threads? Would it be possible to
select a few among the millions of pages (or sites) interwoven
"A new type of artist emerges, an architect of the space of in this web that encompasses the planet? The concept of cura-
events, an engineer ofworlds for billions of stories to come: torship itself should be questioned in this new medium in
he sculpts that which is virtuaL" which any person may use automatic search systems and carry
-Pierre Lévy, "Qu'est-ce que le virtuel?", 1995 out research inindexes of selected addresses.
ln this way, our curatorial approach is structured as a
"[ ... ] the amazing growth of our means, and the flexibility and reflection or mirroring of the web itself, a miniature web,
precision they have reached assure us of the next very deep always under construction and open to collective creation. The
changes in the old industry of Beauty. There is in all arts a ties of this web are a vocabulary of signs related to anthro-
physical part that can no longer be seen and treated as before- pophagy, cannibalism and the World Wide Web. The visitor to
hand. We may expect these great novelties to transform all the site will navigate through these moving words and on a
artistic technique, perhaps even as far as modifying the notion click of the mouse will get to know those websites initially
of art itself." selected for the show. Nonetheless, the curatorial approach
-Paul Valéry, "La conquête de l'ubiquité", 1934 will be a work in progress, permanently reelaborated during
the entire duration of the Bienal. The visitors will be able to
When Walter Benjamin chose this quotation by Valéry to begin indicate new sites for links to the web signs. The outcome is a
his essay "The work of art in the age of mechanical reproduc- participative show that invites the visitors to become curators
tion", he intended to show that the image reproduction tech- themselves-thus raising issues on presence, monitoring,
nologies, such as photography and film, altered the heart of interactivity, time and space.
the artistic experience, affecting the concepts of aura, cultur- An anthropophagic medium par excellence, the Web
al value and authenticity. He believed this change was a posi- absorbs all in the increasingly complex interconnection of
tive one, for it unmasked the elitist ideology of western aes- contents producedin all corners of the globe. The Oswald de
thetics. For Benjamin, with the advent of new image technolo- Andrade type of posture perpetuates itself in this curatorial
gies, art should not be understood in opposition to the cultur- proposal that abandons the fetish of authorship in order to be
al industry, but within it. structured as a processo We thus intend to anthropophagically
This is the theoretical framework in which we plan the devour the visitor to the show; initiallyan observer, he is trans-
curatorship of this exhibition of web art at the site of the XXIV formed in this way into a curato r. Paraphrasing the "Mani-
Bienal de São Paulo. If photography and film were the first to festo": we are only interested in that which is not ours.
question the idea of artistic authenticity, the Internet arrived to Ricardo Ribenboim (curador) e Ricardo Anderáos (curador adjunto)
destroy it for good. A work of art created for the Web is, by def-

Exemplos de websites selecionados [examples of selected websites]: Vulnerables, Fabiana de Barros, Valetes em slow motion, Kiko Goifman e Jurandir Müller, HoME,
Lawrence Chua, Imagens da Monalisa, ferramenta de busca Memento Mori, Uma interface para a morte, Ken Goldberg e Wojciech Matusik, No name De, Sabine Bitter
e Helmut Weber, The buzzing diary, Gisela Domschke e Fabio Itapura.

313 Webarte Ricardo Ribenboim e Ricardo Anderáos


Biografias

Abdou laye Ko naté Bom in Scalea, Calabria, 1942. Studied in Expo sições indi vidu ais selec ionadas
Nasceu em Diré, Mali, 1953. Estudou no Escuela Nacional de Bellas Artes Cristobal Rojas, 1995/98 An introduction to the Sprengel
L'I nstitute Supérieu r des Arts de la Caracas, and Escola Nacional de Belas-Artes, Museum , Sprengel M useum,
Havane, 1985. Vive em Bamako, Mali . Rio deJaneiro. Liues in Rio deJaneiro. Hannover, Alemanha
Bom in Diré, Mali, 1953. Studied at L'lnstitute 1994/95 A project in two phases , EA-Generali
Exposições indi vidu ais se le cionadas
Supérieur des Arts de la Hauane, 1985. Liues in Foundation , Viena
1995 Inside the uisible-begin the beguine in
Bamako, Mali.
Flanders, Kanaal Art Foundation , 1989 Museum highlights: a gallery talk,
Expos ições indi viduai s sel ecionad as Kortrijk, Bélgica Philadelphia Museum of Art,
1996 Centre Cu lturel Français de Bamako 1993 Um, nenhum, cem mil (One, nane, one Filadélfia
1992 Musée de I'IFAN, Dacar hundred thousand) , Gabinete de Arte Exposi ções co leti vas se lecionadas
1984 Soutenance de these de peinture, Galerie Raquel Arnaud , São Paulo
1997 ln Site 97, Instal/ation Gal/ery/l N BA,
L. Havana 1991 Ingá M useum , N iterói, Rio de San Diego/Tijuana
Janeiro 1995 Eis limit dei museu , Fundació Antoni
Exposições col etivas se leci onadas
1998 I nstalação em estação de metrô, Expo sições col etivas sele c ionadas Tápies , Barcelona
Lisboa 1997 ln Site 97, San Diego, Tijuana , 1993 Whitney Biennial Exhibition ,
1997 II Johannesburg Biennial , México Whitney Museum of American Art,
Johan nesbu rgo 1996 Inside the uisible, The Institute of Nova York

1996 Dak' Art, Contem porary African Art Contemporary Art, Boston Bibli ografia se le c ion ada
Bien nale, Dacar 1992 América, bride ofthe sun : 500 years Andrea Fraser, " What's intangible,
Latin America and the Low Countries, transitory, med iati ng, partici patory and
Bibli ografi a sele c ionada
Royal FineArts Museum , Antuérpia rendered in the public sphere?", October 89
Abdoula I(onaté: peintures installations,
(primavera 1997)
Mission Français de Coopération et Bibli ografi a se le cionad a
d'Action Culturel/e au Mali, 1997 Mareio Doctors, " Gesture/repetitionl James Meyer, What happened to the
u n iq ueness", Um, nenhum, cem mil (One, institutional critique?, Nova York: American
Rencontres africaines, Paris: I nstitut d u
nane, one hundred thousand), Rio de Janei ro : Fine Art CO., 1993
Monde Arabe, 1994, p.10-20; 38-41
Centro Cultural do Banco do Brasil, 1994 Joshua Decter, " De-codingthe museum " ,
Trade routes: history and geography, Metro
Paulo Herkenhoff, " Maiolino, between in Flash Art (novembro-dezembro 1990),
Council Johannesburg and Prince Claus
Pisa and Flanders" , America, bride ofthe sun P·140 - 14 2
Fund, 1997, p.128-129
500 years Latin America and the Low Countries,
Antuérpia : Royal FineArts Museum , 1992,
p·4 16 Bjarne Melgaard
Ah med Makki Kante
Nasceu em Sydney, 1967. Vive em Oslo.
Nasceu em Bamba, Mali , 1945. Estudou Paulo Venancio Filho, "Anna Maria
Bom in Sydney, 1967. Liues in Oslo.
na CEPE, Cap Anglais . Vive em Bamako. Maiolino: the doing hand" , M . Catherine
Bom in Bamba, Mali, 1945. Studied at CEPE, de Zegher (ed .) , Inside the uisible, an
CapAnglais. Liues in Bamako. elliptical transuerse of 20th century art in,
Bulent !?angar
of and from the feminine , Cambridge: MIT
Expo siçõe s col eti vas se leci onadas Nasceu em Eskisehir, Turquia, 1965 .
Press , 1996
1997 Arles , França MA, Marmara Üniversitesi , Istambul ,
1994 Premiere Biennale de la 196 5.
Photographie à Bamako Bom in Eskisehir, Turkey, 1965 . MA Marmara
Andrea Fraser
Istanbul , 1965 .
Üniuersitesi,
Bibliografi a se le c ionad a Nasceu em Bil/ings, Montana, Estados
Erika Nimis, Photographes de Bamako de 1935 Unidos, 1965. Estudou na NewYork Expos ição in dividu al se lec ionada
à nosjours, Ediotions Revue Noi re, 1997 University,1986 e freqüentou o Whitney 1995 Urat Galerisi , Istambul
M useum of American Art Independent
Expo si ções co leti vas selec ionadas
Study Program , 1985. Vive em
1998 Esperanto 98 , Jack Tilton Gal/e ry,
Anna Maria Maiolino Nova York.
Nova York
Nasceu em Scalea, Calábria, 1942. Estudou Bom in Billings, Montana , United States,
1965. Studied at New York Uniuersity, 1986 1997 On life, beauty, translations, and other
na Escuela Nacional de Bel/as Artes
and Whitney Museum of American Art diffrculties, V Biennial oflst anbul
Cristobal Rojas, Caracas, e Escola
Nacional de Belas-Artes, Rio de Janei roo Independent Study Program, 1985. Liues in Alies retour, III Biennial of
Vive no Rio de Janei ro o New York. Çetinjski , Montenegro

314 XXIV Bienal "Roteiros. Rote iros. Roteiros . Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros ."
Bibliografia selecionada Exposições individuais selecionadas Dadang Christanto
Christian Haye, "Spin city", frieze, n.38 1998 Reuolt in the soul & body II, Taipei Fine Nasceu em Tegal, Java Central, 1957. Estu-
(janeiro-fevereiro 1998) Arts Museum dou no Instituto de Artes da Indonésia,
Rosa Martinez, Cream-eontemporary Art in 1997 Reuolt in the soul & body I, the other Yogyakarta. Vive em Yogyakarta, Indonésia.
Culture, Londres: Phaidon Press, 1998 space-Taiwan foeus, Hong Kong Art Born in Tegal, CentralJaua, 1957. Studied at
Center, Hong Kong Indonesia Institute of Arts, Yogyakarta. Liues in
VasifKortun, Number 50: memoryf
Yogyakarta,lndonesia.
recol/ection II, Istambul 1993 Reuolt in the soul & body I, Lin & Keng
Gallery, Taipei Exposições individuais selecionadas
1996 1001 clay people, Ancal Park, Marina
Exposições coletivas selecionadas
Candice Breitz Beach, Jakarta
1998 Re~ection and reconsideration 2.28
Nasceu em Johannesburgo, 1972. BFA, 1995 Terracotta orthe case ofland, Bentara
commemoratiue exhibition, Taipei Fine
Un iversity of the Witwatersrand, 1993; Budaya Gallery, Yogyakarta
Arts Museum
MA, UniversityofChicago, 1995; Whitney
1997 Thejourney through the bardo states 2, 1991 Contemporary Indonesia artist, Univer-
Museum of American Art, Nova York, 1996;
Asia Performance Art 1997, Le Lieu sity ofSouth Australia Art Museum,
M. Phil, University ofColumbia, 1997.
Art Center, Quebec Adelaide
Vive em Nova York.
Born inJohannesburg, 1972. BFA, Uniuersity 1996 Thejourney through the bardo states 1- Exposições coletivas selecionadas
ofthe Witwatersrand, 1993; MA, Uniuersity of history ofmartyr, The 3rd Nippon 1996 Traditionsftensions: contemporary art in
Chicago, 1995; Whitney Museum of American International Performance Art Asia, The Asia Society, Nova York
Art, New York, 1996; M. Phil Uniuersity of Festival, Tóquio 1994 V Bienal de la Habana, Havana
Columbia, 1997. Liues in New York.
1993 I Asia-Pacific Triennial, Brisbane,
Exposições individuais selecionadas Austrália
Choi Jeong Hwa
1998 Johnen & Schõttle, Colônia
Nasceu em Seul, 1961. Estudou na Bibliografia selecionada
Sala Mendoza, Caracas Universidade Hong-ik, Seul. Vive em Seul. Astri Wright, "Resistance and memory in
1997 Silvestein Gallery, Nova York Born in Seoul, 1961. Studied at Hong-ik the visual field" ,Jakarta Post (9.7.1995)
Uniuersity, Seou/. Liues in Seou/. Jenny Dudley, "Consideringthe issues: an
Exposições coletivas selecionadas
1998 "Interferences", Canal de Isabel II Exposições individuais selecionadas installation ofwork by DadangChristan-
Madri 1998 Sydney Festival, Queen Victoria to", Artlink, VOl.11 , n.3, 1991, p. 56-58
1997 "Johannesburg Biennial, Building, Sydney Jim Supangkat, "DadangChristanto",
Johannesburgo Funny game, Kukje Gallery, Seul I Asia-Pacific Triennial of Contemporary Art,
Brisbane: Queensland Art Gallery, 1993,
1996 "lnclusion/Exklusion", Reininghaus, 1997 Plastie paradise, Art Centers
p.12
Graz Chulalongkorn University, Bancoc
Bibliografia selecionada Exposições coletivas selecionadas
Brenda Atkinson, Rethinking pornography: 1996 Traditionsftensions: contemporary art in Doris Salcedo
imaging desire, Camera Austria, n.56 Asia, The Asia Society, Nova York Nasceu em Bogotá, 1958. Estudou na Uni-
(1996) II Asia-PacificTriennial, Brisbane, versidad Jorge Tadeo Lozano de Bogotá e
Jesús Fuenmayor, Entreuista a Candice Breitz, Austrália na NewYork University, Nova York. Vive
Caracas: Sala Mendoza Catalogue, em Bogotá.
Fast forward: the uibrant art scene ofthe
1998 Born in Bogota, 1958. Studied atthe Uniuersidad
Republie of I<orea, The Power Plant,
Jorge Tadeo Lozano de Bogotá, and New York
Octavio Zaya, "Reflections on Candice Toronto Uniuersity, New York. Liues in Bogota.
Breitz's Rorschach series", TRANS
Bibliografia selecionada
(inverno 1998), Nova York Exposições individuais selecionadas
James Lee, "An interview with Choi Jeong
1997 New Museum ofContemporary Art,
Hwa", ArtAsia Pacific,voI.3, n.4(1996), Nova York
p.64-69
Chieh Jen Chen 1995 White Cube, Londres
Louise Dompierre, "Fastforward", Fast
Nasceu em Tao-Yan, Taiwan, 1960. 1992 Shedhalle, Zurique
forward: the uibrant art scene of the Republic
Estudou na Escola Técnica de Design,
ofl<orea, Toronto: The Power Plant, 1997, Exposições coletivas selecionadas:
1978. Vive em Taipei.
Born in Tao-Yuan, Taiwan, 1960. Graduated P·17-18 1995 Carnegie International1995,
from Technical School for Design. Soyen Ah n, "Choi Jeong Hwa", II Asia- Carnegie Museum ofModern Art,
Liues in Taipei. pacifie Triennial, Brisbane: Queensland Pittsburgh
Art Gallery, 1996, p.62

315 Biografias
1993 Aperto 93, XLV Biennale de Venezia Exposições co letivas selecio nad as Bi bli og rafia selecio nad a
1992 Ante-America , Biblioteca Luis Angel 1998 This side ofthe ocean , Kiasma, Bruce W. Ferguson , " Creaciones inquietas"
Arango, Bogotá Museum ofContemporary Art, (Restless production), Francis Alys
Helsinque WalksjPaseo , México, 1997
Bibliografi a se lecionada
Finland sightings , ICA, Londres Cuauhtémoc Medina, " Francis Alys ,
Charles Merewether, "Namingviolence in
Wounds, Moderna Musset, Estocolmo tu surrealismo" (" yoursurrealism") ,
t he work ofDoris Salcedo ", Third Text, n.24
Third Text, n.38 (primavera 1997)
(1993) , Londres Bi bl iografia selec ionada
Thom as McEvilley, " Francis Alys :
- -, " To bear witness", Doris Salcedo , Petri Sirviõ, "A discussion in Ou lu ",
call i ng the u naccou ntable to accou nt",
Nova York: New Museum ofContempo- entrevista in This side ofthe ocean ,
Francis Alys, The liar, the copy of the liar,
rary Art, 1998 Helsinque: Kiasma Museum Contempo-
México, 1994
Dan Cameron, " Inconsolable" , Doris rary Art, 1998
Salcedo, Nova York: New Museum of
Contemporary Art, 1998 Francis Jupurrurla Kelly
Fernando Alvim
Nasceu em Lunpakurlangu , Northern
Nasceu em Luanda, A ngola, 1963. Vive em
Territory,1952. Vive em Yuendumu .
Elizabeth Dadi Lu anda, Bruxelas e johan nesbu rgo .
Bom in Lunpakurlangu, Northem Territory ,
Nasceu em Seattle , 1957. Estudou na Bom in Luanda , Angola, 1963. Liues in Luanda,
1952. Liues in Yuendumu .
University ofWashington , Seattle. Vive em Brussels andjohannesburg.
Karachi, Paquistão. Exposições ind ividu ais se lec ionadas
Expos ições indi viduais se lec ionadas
Bom in Seattle, 195 7. Studied at Uniuersity of 1989 Magiciens de la Terre , Centre
1997 Memorias intimas marcas , Cuito
Washington , Seattle. Liues in /(arachi, Pakistan . Pompidou , Paris
Cuanivale, Luanda
Iftikhar Dadi 1995 A urgencia da ethnopsiquiatria , Luanda Videografi a se lec ion ada
Nasceu em Karachi , Paquistão, 1961. Coniston story (Georgejapang ardi
1994/5 Contaminas Sankemente , Bruxelas
Estudou na Universi ty ofWashington , Marsh all ' s Story of Ku rrku ru-ku ri u) , 1984
Seattle. Vive em Karachi . Expos ições coleti vas se lec ionadas (35 mins)
Bom in /(arachi , Pakistan , 1961. Studied at 1998 Memorias intimas marcas , jardiwarinpa (Fire Ceremony) , 1988
Uniuersity ofWashington, Seattle. Liues in johannesbu rgo e Pret ória (30 mins)
/(arachi . 1997 VI Bienal de la Habana, Havana joumey to Lapi 1984 (22m i ns)
Exposi ções co leti vas se lec ionadas 1995 I johannesburg Biennial , Manu Wana (children's series with David
1997 Mappings: shared histories .. .a fragile johannesburgo Batties) , 1992 (8 episódios, 30 mins cada)
selr, EicherGallery, Nova Déli Bi b li og rafi a se lec ionada Bi b li ografia se lec ionada
A gift for I ndia , Safar Hash m i r Fernando Alvim , Contaminas Sankemente , Eric Michaels , The aboriginal inuention of
Memorial Trust (SAHMAD , Sussuta Boé, 1994 teleuision in Central Australia 1982-85,
Nova Déli Camberra: Australian Institute of
- - , Memorias intimas marcas ,
Independent thoughts, Oldham Art Sussuta Boé, 1992 Aboriginal Studies Institute Report, 1986
Gallery, Reino Unido - -, "Towards a cultural future : Francis
1996 Container 96-art across the ocean, jupurrurla makes TV atYuendumu ",
Copenhague Francis Alys Artspace, Sydney, 1987
Nasceu em Antuérpia , 1959. Estudou no Francisjupurrurla Kellye Eric Michaels,
Bi b li ografi a selec ionada
Institut d'Architecture ofTournai , Bélgica, " The social organ ization of an aborigi nal
Container 96-art across the ocean,
e Instituto Universitario di Architettura di video workplace", Australian aboriginal
Copenhague, p.106
Venezia , Itália. Vive na Cidade do México. studies 1, 1984
Eddie Chambers , " Tampered surface", Bom in Antwerp, 1959. Studied atthe Institut
Art Monthly , vol. 190 (outubro 1995), Reino d'Architedure ofToumai, Belgium, and Instituto
Unido, P.30-31 Uniuersitario di Architettura di Venezia , Italy . FranzWest
Kamala Kapoor, "Art across the oceans", Liues in Mexico City . Nasceu em Viena, 1947. Estudou na
ArtAsia Pacific, n.14 (1997), P.34-37 Akademie der Bildenden Künst e, Viena.
Expos ições indi vidu ais se l e~ i o n a d as
1998 Contemporary Art Gallery, Vancouver Bom in Vienna ,1947. Studied at Akademie der
Bildenden /(ünste, Vienna .
1997 M useo de Arte Moderno, Cid ade do
Esko Mannikkõ
México Expos ições indi vid uais selecionadas
Nasceu na Finlândia, 1959. Vive em Oulu ,
1995 Opus Opera ndi , Gen t
1998 Franz West, M iddel hei m Open Ai r
Finlândia.
M useum , Antuérpia
Bom in Finland , 1959. Liues in Oulu, Finland .
Expos ições coletivas se lec ionadas
Franz West: Die im Atelier fertiggestellte
Expo sições in d ivi du ais se lec ionadas 1997 ln Site 97, Tiju an a, México/San
Ausstellung , Ga llery Jean Bernier,
1998 White Cube, Londres Diego
Atenas
1997 Morris Healy, Nova York Antechamber, W hit ech apel A rt
Franz West, A kira Iked a Ga llery,
Gallery, Lo ndres
Hippolyte Phot o Gall ery, Tóquio
Helsinque 1994 V Bien al de la Habana, Havana

316 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros . Roteiros. Rotei ros. Roteiros . Rote iros. Rote iros."
Exposições coletivas selecionadas (Ronald Gabe, nasceu em Winnipeg, Exposições coletivas selecionadas
1998 Out of actions: between performance and 1945; BA, School ofFine Arts, University 1997 World speak dumb, Karyn Lovegrove
the object, 1949-1979, Museum of ofMan itoba, Wi n n i peg) e Jorge Zontal Gallery, Melbourne
Contemporary Art, Los Angeles, Uorge Slobodan Saia-Levy nasceu em 1995 Beyond the borders, I Kwangj u
1998, itinerante MAK, Viena; MAC Parma, Itália, 1944; BA, School of Biennial
Barcelona; MOCA Tóquio, 1999; Architecture, Dalhousie University,
Halifax). O grupo encerrou seus trabalhos
Australian perspecta, The Art Gallery
NMA, Osaka, 1999
ofNew South Wales, Sydney
Eight artists from Europe, Museum of com a morte de Jorge e Felix, em 1994.
Modern Art Gunma, Takasaki, Japão Group of canadian artists formed in 1968, Bibliografia selecionada
Toronto, by AA Bronson (Michael Tims, born in Geoff Lowe: a constructed world, Contemporary
Mai 98-Positionen zeitgenõssischer
Vancouver, 1946; BA, School of Architecture, art archive 6, Sydney: Museum ofContem-
kunst seit den sechziger Jahren,
University of Manitoba, Winnipeg), Felix Partz porary Art, 1997
Kunsthalle Koln, Colônia
(Ronald Gabe, born in Winnipeg, 1945; BA,
Geoff Lowe: collaborations 1980-1992, Mel-
Bibliografia selecionada School of Fine Arts, University of Manitoba, bourne: Centre for Contem porary Art, 1992
Alfred Weltri "Freundliche Einladung, die Winnipeg) eJorge Zontal Uorge Slobodan
Saia-Levy born in Parma, Italy, 1944; BA, Robyn McKenzie, "GeoffLowe and Tower
Kunstzu besetzen",Art, n.4(abriI1997)
School of Architecture, Dalhousie University, Hill", Parkett Maganize, n.45 (1996)
P·14- 2 3
Halifax). Thegroup finished byJorge and
Frits De Coninck, "De Menselijke Maat",
Felix's death, in 1994.
Vitrine (junho-julho 1998), P.42-46 Georges Adéagbo
Giorgio Verzotti, "Fitting parts", ArtjText Exposições individuais selecionadas Nasceu em Cotonou, Benin, 1945. Estudou
(maio-julho 1998), p.6o-65 1997 The search forthe spirit: Generalldea na Ecole Préparatoire d'Administration
1968-1975, Art Gallery ofOntario, des Chardonnets à Lyons, 1971. Vive em
Toronto Cotonou.
Gabriel Orozco One day of AZTjOne year of AZT, Born in Cotonou, Benin, 1945. Studied at Ecole
Nasceu em Jalapa, Veracruz, México,1962. Museum ofModern Art, Nova York Préparatoire d'Administration desChardonnets
Estudou na Escuela Nacional de Artes à Lyons, 1971. Lives in Cotonou.
1992 Generalldea's fin de siéc/e, Kunstverei n
Plásticas, U.N.A.M., México. Vive na
in Hamburg, Hamburgo Exposição individual selecionada
Cidade do México e em Nova York.
1997 Galerie Nathalie Obedia, Paris
Born inJalapa, Veracruz, Mexico,1962. Studied Exposições coletivas selecionadas
at the Escuela Nacional de Artes Plásticas, 1997/87/82 Documenta X, VIII e VII, Kassel Exposições coletivas selecionadas
U.N.A.M., Mexico. Lives in Mexico City and 1985 Aurora borealis, Centre International 1997 II Johannesburg Biennial,
New York. d'Art Contemporain, Montreal Johan nesbu rgo

Exposições individuais selecionadas 1980 XL Biennale di Venezia, Veneza Centre d'Art Contemporaine
1998 Musée Nationale d'Art Moderne de Kunsthalle, Fribourg, Suíça
Bibliografia selecionada
la Ville de Paris (ARC), Paris 1995 Big city, The Serpentine Gallery,
Jean-Christophe Ammann et alli., General
1996 Kunsthalle, Zurique Londres
Idea 1968-1984, Eindhoven: Stedelijkvan
1993 The Kanaal Art Foundation, Abbemuseum, 1984 Bibliografia selecionada
Kortrijk, Bélgica Fern Bayer& Christine Ritchie, The search Die Anderen Modernen: Zeitgenõssiche Kunst
for the spirit: Generalldea 1968-1975, aus Afrika, Asien und Lateinamerika, Berlim:
Exposições coletivas selecionadas
Toronto: Art Gallery ofOntario, 1997 Edition Braus, 1997, p. 34-35
1997 Documenta X, Kassel
Tillman Osterwold et alli., Generalldea's fin Simon Njami e Régine Cuzin, "Revue
Whitney Biennial, Nova York
de siéc/e, Hamburgo: Kunstverein in noire", Special Benin, n.18 (outono 1995),
1993 Aperto 93: EmergenzajEmergency, Paris, p.6-11
Hamburgo; Toronto: The Power Plant,
XLV Biennale de Venezia
199 2 Veilleurs du Monde: une aventure béinoise,
Bibliografia selecionada Paris: CQFD, 1997
Benjamin Buchloh, "Refuse and refuge",
Gabriel Orozco, Kortrij k: The Kanaal Art Geoff Lowe
Foundation, 1993 Nasceu em Melbourne, 1952. Vive em Halil Altindere
Melbourne. Nasceu em Sürgücü/Mardin, Turquia,
Francesco Bonami, "Back in five minutes",
Born in Melbourne, 1952. Lives in Melbourne. 1971. BA, Çukurova Üniversitesi Painting
Parkett, n. 48 (dezembro 1996)
Department, Adana; MA, Marmara
Jean Fisher, "The sleep ofwakefulness", Exposições individuais selecionadas
Üniversitesi, Istambul. Vive em Istambul.
Gabriel Orozco, Kortrijk: The Kanaal Art 1997 A constructed world, Whanki
Born in SürgücüjMardin, Turkey, 1971. BA,
Foundation, 1993 Museum, Seul
Çukurova Úniversitesi Painting Department,
Geoff Lowe: a constructed world, Adana; MA Marmara Üniversitesi, Istanbul.
Contemporary art archive 6, Museum Lives in Istanbul.
General Idea ofContemporary Art, Sydney
Grupo de artistas canadenses formado Exposições individuais selecionadas
A constructed world: Geoff Lowe,
em 1968, em Toronto, por AA Bronson 1997 Dancing with the taboos, Yapo Kredi
John Wolseley, Esther Lowe and
(Michael Tims, nasceu em Vancouver, Kemal Satir Sanat Galerisi, Adana
Ruby Lowe, Roslyn Oxley Gallery,
1946; BA, School of Architecture, University 1996 V01-630124, Teoman Ünüsan Sanat
Sydney
ofManitoba, Winnipeg), Felix Partz Galerisi, Mersin

317 Biografias
Exposições coletivas selecionadas Bibliografia selecionada 1995 The dark pool, Western Front Gallery,
1997 On life, beauty, translations, and other Ing K., "Selling biscuits in Hawaii", Vancouver (colaboração com
difficulties, V Biennial oflstanbul The Nation (9. 1.1997), P.3-7 George Bures Miller)
1996 The other, Antrepo, Istambul LA Weekly, 1993 Exposições coletivas selecionadas
Youth action-2 Territory-deterritorializa- The Village Voice, 1993 1997 Present tense: nine artists in the nineties,
tion, Tüyap, Istambul San Francisco Museum ofModern
Art, San Francisco
1995 Youth action-l, Boundaries and beyond,
Tüyap, Istambul liíigo Manglano-Ovalle Skulpture: Projekte in Münster '97,
Nasceu em Madri,1961 . Estudou na School Münster
ofthe Art Institute ofChicago. Vive em
1996 NowHere, Louisiana Museum,
Honoré 0'0 Chicago.
Humlebaeck, Dinamarca
Nasceu em Oudenaarde e Gent, Bélgica, Bom in Madrid, 1961. Studied atthe School of
the Art Institute ofChicago. Lives in Chicago. Bibliografia selecionada
1961 e 1984-
Bom in Oudenaarde and Gent, Belgium, 1961 David Garneau, "Post ironic
Exposições individuais selecionadas
re-enchantments", Border Crossings,
and 1984. 1998 The garden of delight, South-Eastern
(outono 1996), Winnipeg, P.46-48
Exposições individuais selecionadas Center for Contem porary Art (SECA),
Winston Salem, North Carolina Jim Drobnick, "Mock excursions and
1997 Truer D'aujourd'hui, Centre d'art
twisted iti neraries, tou r gu ide
Contemporain de Fribourg, 1997 Contem porary Art Center,
performances", Parachute Magazine #80,
Ku nsthalle, Fri bou rg, Su íça Cincinnati
(outu bro-dezem bro 1995), Montreal ,
1000 conjugations ofmillenhium, 1993 Cul-De-Sac: a street-Ievel video P·35-37
Kunsthalle, Loppem installation, Museu m of
Sarah Milroy, "The sights and sounds
1996 e eindigen met lets dappers A, Vleeshal, Contemporary Art, Chicago
of art that's going places", The Globe and
Middleburg Exposições coletivas selecionadas Mail (16.5 .1998), Toronto, p.Eu
Exposições coletivas selecionadas 1996 Art in Chicago 1945-1995, Museum of
1998 Manifesta 2, Musée Nationale Contemporary Art, Chicago
D'histoire et D'art, Luxemburgo 1995 Xicano progeny: investigative agents, JeffWall
executive council and other representa- Nasceu em Vancouver, 1946. BA e MA,
1997 Connections implicites, École UniversityofBritish Columbia,
Nationale Supérieure des tives from the Sovereign State of Aztlán,
The Mexican Museum, San Francisco Vancouver, 1964-1970 e Doctoral Research
Beaux-Arts, Paris
no Courtauld Institute of Art, University
1995 I Johannesburg Biennial, 1992 The year ofthe white bear, Walker Arts
ofLondon, 1973. Vive em Vancouver.
Johanesburgo Center, Minneapolis
Bom in Vancouver, 1946. BA and MA, University
Bibliografia selecionada of British Columbia, Vancouver, 1964-1970
Bibliografia selecionada
Among others ... onder andderen, Veneza: Laurie Palmer, "Ifíigo Manglano-Ovalle", and Doctoral Research at Courtauld Institute of
frieze, (novem bro-dezem bro 1993) Art, University ofLondon, 1973. Lives in
XLVI Biennale di Venezia, 1995
Vancouver.
e eindigen met lets dappers, M idd lebu rg: Mary Jane Jacob, "Outside the loop",
Vleeshal,1996 "Tele-Vecindario", Culture in Action, Seattle: Exposições individuais selecionadas
Bay Press Inc., 1995 1997 jeffWall, Museum ofContemporary
The facinating faces of~anders, Lisboa:
VictorZamudio Taylor, "Dónde está el Art, Los Angeles
Cultural Center ofBelém,1998
corazón ensangrentado? Dónde esta el 1996 jeffWall: Landscapes and other pictures,
cactus?" Tendencias artísticas contem- Kunstmuseum Wolfsburg,
Ing K. poráneas de dislocaciones "chicanas" y Wolfsburg
Nasceu em Bancoc, 1959. Estudou na "latinas", Atlantica, n.15 (primavera 1997),
1995 jeffWall, Museum ofContemporary
West SurreyCollege of Art and Design, Gran Palma, Espanha
Art, Chicago
Reino Unido. Vive em Bancoc.
Exposições coletivas selecionadas
Bom in Bangkok, 1959. Studied at
Janet Cardiff 1997 Documenta X, Kassel
West Surrey College of Art and Design, UK.
Lives in Bangkok. Nasceu em Brussels, Ontário, 1957. BA, 1995 Public information: desire, disaster,
Queen's University, Kingston, 1980 e MA, document, San Francisco Museum of
Filmografia selecionada University of Alberta, Edmonton, 1983. Modern Art, San Francisco
1997 My teacher eats biscuits Vive em Lethbridge, Alberta, Canadá.
1994 The sublime void: an exhibition on the
1995 Green menace: the untold story of golf Bom in Brussels, Ontario, 1957. BA, Queen's
memory ofimagination, Palais Royale
University, Kingston, 1980 and MA, University
Casino Cambodia des Beaux-Arts, Antuérpia
of Alberta, Edmonton, 1983. Lives in Lethbridge,
Festivais de cinema selecionados Alberta, Canada. Bibliografia selecionada
1997 Hawaii International Film Festival, JeffWall, "My photographic production",
Exposições individuais selecionadas
Havaí Symposium: Die Photographie in der
1998 Witte de With, Roterdã (colabo-
1995 Los Angeles Asia-Pacific Film Zeitgenossischen Kunst: Eine Veranstaltung der
ração com George Bures Miller)
Festival, Los Angeles Akademie Schloss Solitude, Stuttgart:
1997 The empty room, Raum aktueller Ed . Cantz, 1990
1993 Long Island Film Festival, Nova York Ku nst, Viena

318 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Keny Brougher, "The photographer of Juan Oavila Bibliografia selecionada
modern life", injeffWall, Los Angeles: Nasceu em Santiago, Chile, 1946. Estudou GannitAnkori, "Transfigurer le banal em
Museum ofContemporary Art, 1997, na Escuela de Bellas Artes, Universidad de metaphore: I'a art de Khalil Rabah",
P·13-41 Chile. Vive em Melbourne. Artistes palestiniens contemporains, Institut du
Th ierry de Duve, An ielle Pelenc, Boris Born in Santiago, Chile, 1946. Studied at the Monde Arabe, 1997
Groys,jeffWall, Londres: Phaidon, 1996 Escuela de Bellas Artes, Uniuersidad de Chile. Sarit Shapira, "An olive tree", Coréia: 95
Liues in Melbourne. Kwangju Biennale, 1995
Exposições individuais selecionadas - - , "The others Simulacra", Flash Art,
José Antonio Suárez 1998 Verdeja, Project Room, ARCO 98, (1996), Itália
Nasceu em Medellín, Colômbia, 1955. Greenaway Gallery, Mad ri
Estudou na Ecole Supérieure d'Art Visuel,
1994 juanito Laguna, Chisenhale Gallery,
Genebra. Vive em Medellín. Luo Brothers
Londres
Born in Medellín, Colombia, 1955. Studied at LuoWei Bing
the Ecole Supérieure d'Art Visuel, Geneua. 1991 Centre for Contemporary Art of
Nasceu na Província Guangxi, 1972.
Liues in Medellín. South Australia, Adelaide
Estudou na Escola Central de Arte e
Exposições individuais selecionadas Exposições coletivas selecionadas Design, Pequim. Vive em Pequim.
1997 Galerie Trois Points, Montreal 1994 Cocido y Crudo, Centro de Arte Reina Born in Guangxi Prouince, 1972. Studied at
Sofia, Madri Central College of Art and Design, BeUing.
Galeria Ruta Correa, Freiburg,
1993 Cartographies, Winnipeg Art Gallery, Liues in BeUing.
Alemanha
Canadá LuoWei Oong
1992 Obra sobre papel, (Work on paper),
Museo La Tertulia, Cali 1990 Transcontinental: nine Latin American Nasceu na Província Guangxi, 1963.
artists, Ikon Gallery, Birmingham Estudou na Academ ia de Belas-Artes,
Exposições coletivas selecionadas Nanning, China. Vive em Pequim.
1995 Beziehungsweise-Ko/umbien, Colônia Bibliografia selecionada
Born in Guangxi Prouince,1963. Studied at
Carlos Perez Villalobos, "Identity and Guanxi Academy of Arts, Nanning, China.
XI Mostra da Gravura, Curitiba
scatology", Rota, Melbourne: Tolarno Liues in BeUing.
1992 Ante-América, Biblioteca Luis Angel Galleries, 1997
Arango, Bogotá LuoWei Guo
Guy Brett, Montage as Mestizaje, Londres:
Nasceu na Província Guangxi, China, 1964.
Bibliografia selecionada Chisenhale Gallery, 1994
Estudou na Academia de Belas-Artes de
Carolina Ponce de León, Instrumente der Nelly Richard, "Juan Davila, the viciuos
Uberzengung: An Merkung zu Einer Ausstellung Guangzhou, China. Vive em Pequim.
quotation", América, bride ofthe sun: Born in Guangxi Prouince, 1964- Studied at
in Beziehungsweise-Ko/umbien, Colônia, 500 years Latin America and the Low Countries,
Guangzhou Academy of Fine Arts, Guangzhou.
1995 Antuérpia: Royal Museum ofFine Arts, Liues in BeUing.
Karin Stempel,jose Antonio Suarez-Londono. 1992, P·248
Dibujos. Zeichnungen. Dessins. Drawings, Exposições individuais selecionadas
Colônia, 1995 1997 Wan FungGallery, Pequim
Natalia Gutiérrez, "Jose Antonio Suárez", Khalil Rabah 1996 Beijing Art Museum, Pequim
Art Nexus, n. 24 (abril-junho 1997) Nasceu em Jerusalém, 1961. Estudou Wan FungGallery, Pequim
arquitetura e belas-artes na University of
Texas. Vive em Ramallah, Palestina. Exposições coletivas selecionadas
Born in jerusalem, 1961. Studied Architeture 1998 Lehmann Maupin Gallery,
Joseph Kpobly
and Fine Arts at Uniuersity ofTexas. Liues in Nova York
Nasceu em Kpannou, Benin, 1957.
Ramallah, Palestine. Art Beatus Gallery, Vancouver,
Estudou na Ecole Supérieure des Beaux-
Canadá
Arts, Paris. Vive em Cotonou, Benin. Exposições individuais selecionadas
Born in Kpannou, Benin, 1957. Studied at Ecole 1997 in uien, 1997 China Gallery, Pequim
Supérieure des Beaux-Arts, Paris. Liues in on what grounds, Bibliografia selecionada
Cotonou, Benin. half-selfportrait, Gallery Anadiel, Chinese Artists IlIustrated Directory, 1997
Intervenções artísticas selecionadas Jerusalém
Literature and Art, n.7, Hong Kong, 1996
1995 Concepção e realização de 1996 body and sole, Process Architects,
Oriental Art, n.5
monumento em Akossombo Ramallah
Square, Cotonou 1994 incubation, French Cultural Center,
Designer da African artists and AI DS Jerusalém Malick Sidibé
1994 Organização de comitê para artistas Exposições coletivas selecionadas Nasceu em Soloba, Mali, 1936. Estudou
de Ben in na La route de I'esc/aue 1997 Contemporary palestinian art, Institut na Ecole Nationale des Arts de Bamako,
du Monde Arabe, Paris 1955. Vive em Bamako.
Cenografias selecionadas
Born in Soloba, Mali, 1936. Studied at Ecole
1997 "Tourbillion" Silmande, direção 1995 Beyond the borders, 95 Kwangju Nationale des Arts de Bamako, 1955. Liues in
Pierre Yaméogo Biennale Bamako.
1993 Waati, direção Soulaymane Cissé Dialogues of peace, Palais de Nations,
Exposições individuais selecionadas
1985 lronu, direção François Okioh Genebra
1997 Couuerture de "rallye Paris-Dakar":
Regard d'un photographe africain

319 Biografias
1996 Festival des trois continentes, Nantes Markus Raetz Exposições individuais selecionadas
Nasceu em Büren an der Aare, Suíça, 1941. 1996 Green on the outside, red 0<1 the inside (My
1995 Malick Sidibe, Fondation Cartier,
Paris Bom in Büren an der Aare, Switzerland, 1941. parents' doset), 303 Gallery, Nova York

Exposições individuais selecionadas 1993 Centro Cultural Consolidado,


Exposições coletivas selecionadas
1994 Serpentine Gallery, Londres; Musée Caracas
1997 Barcelone, Espanha
Rath, Genebra; Museum of 1988 Lajolla Museum ofContemporary
1994 Fnac Etoile, Paris Contemporary Art, Helsinque Art, Lajolla, Califórnia
Premieres rencontres de la
1993 Ivam Centre julio Gonzalez, Exposições coletivas selecionadas
photographie africaine, Bamako
Valência 1997 No place (like home), Walker Art
Bibliografia selecionada 1991/92 Die Druckgraphik, Kunstmuseum Center, Minneapolis
André Magnin, Malick Sidiben (Bamako Bern and Cabinet des Estampes, 1996 Inklusionjexklusion: art in the age of
1962-1976), Fondation Cartier pour l'Art Genebra postcolonialism and global migration,
Contemporain, 1995
1990 Museum ofContemporary Art, Steirscher Herbst, Graz, Áustria
"Das neue bild der erde", GEO n.12 Lajolla, San Diego 1991 Eljardin saluaje, Fundacion Caixa de
(dezembro 1997), p.67- 69
1989 Museum fürGengenwartskunst, Pensions, Sala de Exposiciones,
Erika Nimis, Photographes de Bamako de 1935 Basiléia Madri
à nosjours, Ediotions Revue Noire, 1997
Bibliografia selecionada Bibliografia selecionada
Markus Raetz, CECI-CELA, Valência: IVAM; Dan Cameron, "La América de MeyerVais-
Londres: Serpentine Gallery; Genebra: man", Meyer Vaisman, obras Recientes, Cen-
Mark Adams
Musée Rath, 1993 tro Cultural Consolidado, Caracas, 1993
Nasceu em Christchurch, Nova Zelândia,
1949. Vive em Auckland, Nova Zelândia. - - , Les estampes 1957-91, Cabinet des joshua Decter, "Stupidity as destiny",
Bom Christchurch, New Zealand, 1949. Lives in Estapes, Genebra and Kunstmuseum Flash Art (outu bro 1994)
Auckland, New Zealand. Bern, Zurique: Edition Stãhli, 1991 Trevor Fairbrother, "Vaisman flips the
Exposições individuais selecionadas - - , Polaroids, Valência: IVAM; Genebra: bird", parkett, n·35 (primavera 1993),
1997 Obseruations, School ofFine Art, Musée Rath, 1993 Zurique
Australian National University,
Camberra
Maurice O'Connell Michael Asher
1993/94 Whenua I Maharatia, Hae hae Nga
Nasceu em Dublin, 1966. BA, artes plásti- Nasceu em Los Angeles, 1943. Estudou
Takata-Land of memories, scarred by
cas, National College of Art and Design, na University ofCalifornia at Irvine, 1966.
people, Dunewdin Public Art Gallery
Dublin, 1986-92. Vive em Dublin. Vive em Los Angeles.
and Well i ngton City Art Gallery,
Bom in Dublin, 1966. BA, fine art, National Bom in Los Angeles, 1943. Studied at University
Nova Zelândia
College of Art and Design, Dublin, 1986-92. ofCalifomia at lruine, 1966. Lives in Los Angeles.
1986/90 Pakeha-Maori, a conjunture, Art Lives in Dublin.
Exposições individuais selecionadas
Gallery Di rectors, iti nerante
(Govett Brewster Art Museum, Exposições individuais selecionadas 1992 Michael Asher, Kunsthalle Bern, Berna
New Plymouth; Artspace, Auckland; 1993 Third degree: "time capsules and inter- 1991 Michael Asher, Le Nouveau Musée,
Rotorua City Art Gallery) related activities", The I rish Museu m Villeurbanne, França
ofModern Art, Dublin
Exposições coletivas selecionadas 1990 Michael Asher, The Renaissance
1995 Currency: selected New Zealand Exposições coletivas selecionadas Society, Chicago
photographers, Auckland I nstitute 1995 Group show, Kerlin Gallery, Dublin
Exposições coletivas selecionadas
and Museum 1994 From beyond the pale, The I rish 1997/87/77 Skulpture: Projekte in Münster,
Museum ofModern Art, Dublin·
1993 After the fact and silence, com Haru Münster
Sameshima, Lopdell House Gallery, Sound installation, Heathrow Airport, 1995 Reconsidering the object of art:
Auckland Londres 1965-1975, Museum of
1984 Real Pictures Photografic Gallery, 4 Artists pépinieres à niort, França Contemporary Art, Los Angeles
Auckland 1993 Seethrough art, Hugh Lane Municipal 1985/72 Docu menta VII e V, Kassel
Bibliografia selecionada Art Gallery, Dublin, itinerante na
Bibliografia selecionada
Harry Evison, Whenua I Maharatia, Hae hae Irlanda 199311994
Benjamin H.D. Buchloh, "Context-
Nga Takata-Land of memories, scarred by Function-Use-Value", Michael Asher:
people, Auckland: Tandem Press, 1993 exhibitions in Europe 1972-1977, Eindhoven:
Meyer Vaisman
John Te Manihera Chadwick, Pakeha-Maori, Stedelijkvan Abbemuseum, 1980
Nasceu em Caracas, Venezuela, 1960.
a conjuncture, Nova Zelândia: Rotorua City Frederik Leen, Michael Asher, Villeurbanne:
Estudou na Parsons School ofDesign,
Art Gallery, 1987 Le Nouveau Musée, 1991
Nova York. Vive em Caracas.
Nicholas Thomas, "Marked men", Art Asia Bom in Caracas, Venezuela, 1960. Studied at Michael Asher, Writtings 1973-1983 on
paciflc Quarterly n.13 (1997) Parsons School of Design, New Vork. Lives in works 1969-1979, Halifax: The Press ofthe
Caracas. Nova Scotia College of Art and Design/
Los Angeles: Museum ofContemporary
Art,19 8 3

320 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Miguel Rio Branco Marina Martic, Blow-uP,1994 Mutlu Çerkez, Notes for an unwritten opera
Nasceu em Las Palmas de Gran Canaria, Yukiko Shikata, "Contemporary media in 1992, Melbourne: City Gallery, 1993
Espan ha, 1946. Estudou no New York eastern Eu rope", InterCommunication Stuart I<oop, "Mutlu Çerkez," Art+ Text 46,
Institute ofPhotography, Nova York, e na
Magazine, n.24 (primavera 1998) 1993
Escola Superiorde Desenho Industrial,
Rio de Janeiro. Vive no Rio de Janeiro.
Born in Las Palmas de Gran Canaria, Spain,
Moshekwa Langa Nobuyoshi Araki
1946. Studied at the New York Institute of Nasceu em Johan nesbu rgo , 1965. Estudou Nasceu em Tóquio , 1940. Estudou na
Photowaphy, New York, and at the Escola na Rijksakademie van Beeldende Universidade de Chiba, Tóquio. Vive em
Superior de Desenho Industrial, Rio de janeiro. Tóquio.
I<unsten, Amsterdã, 1997-98. Vive em
Liues in Rio dejaneiro . Amsterdã. Born in Tokyo, 1940. Studied at Chiba
Exposições indi viduai s se lec ionadas Born injohannesburg, 1965. Studied at RUk- Uniuersity, Tokyo. Liues in Tokyo.
1997 D'Amelio Terras Gallery, Nova York sakademie van Beeldende /(unsten, Amsterdam,
Expos ições individuais selecionadas
1997-98. Liues in Amsterdam .
1996 Museu de Arte Moderna do 1997 Tokyo comedy, Wiener Seccession,
Rio de Janei ro Exposições individuais se lecionadas Viena
Foto Forum, Frankfurt 1997 Galerie Fran k Hanel , Fran kfu rt Araki retrographs, Hara Museum,
1995 Rem brandt van Rij n Art Gallery, Tóquio
Exposições coletivas selecionadas
Johan nesbu rgo 1996 Priuate Tokyo , Museum fur Moderne
1997 ln Site 97, San Diego
Exposições coletivas selecionadas I<unst, Frankfurt
1994 Out of nowhere, Bienal de la Habana,
Havana 1997 VI Bienal de la Habana, Havana Expos ições co leti vas selecionadas
1983 XVII São Paulo Biennial II Johannesburg Biennial, 1998 Taipei Biennale, Taiwan
Johan nesbu rgo 1997 Lust and leer, Arken Museum fur
Bibliografia selecionada
V Bienal Internacional de Istambul Moderne I<unst, Copenhague
David Levi Strauss, "Smoking mirrors",
Artforum (abril 1997) Bibliografia selecionada 1996 Sex and crime, Sprengel Museum,
Die Anderen Modernen: Zeitgenossische /(unst Hannover
Iris Lens and I<arin Stempel, Von
Nirgendwoher, Aleman ha: I FA, I nstitut fü r aus Afrika, Asien und Lateinamerika , Berlim: Bibliografia selecionada
Auslandsberziehu ngen, 1995 Edition Braus, 1997, P.78-81 Christian I<ravagna, "Bring in the little
Jean-Pierre Nouhaud, Dulce sudor amargo, Paulo Bianchi, Atlas mapping , Viena : japanese gi ris ", Nobuyosh i Araki,
México: Fondo de Cultura Económica, Turia+l<ant, 1997, p.106-11 3 Secession , Viena, 1997, p.20-24
1985 Transatlantico: Diseminacià, cruce y Nan Goldin, "Naked city: interviewwith
desterritorializaciàn, Las Palmas: CAAM, Nobuyoshi Araki", Artforum , vol . XXXIII
1998 , P·1 30 - 135 Uaneiro 1995), P·54-59
Milica Tomic
Nicholas Bornoff, " The kingofsmut ",
Nasceu em Belgrado, 1960. MA, Academia
The Guardian (25 .10.1996), P-4-5
de Belas-Artes de Belgrado. Vive em Mutlu Çerkez
Belgrado. Nasceu em Londres, 1964. Vive em
Born in Belgrade, 1960. MA, Academy of Fine Mel bou rne, Austrál ia. Pedro Cabrita Reis
Arts, Belgrade. Liues in Belgrade. Born in London, 1964. Liues in Melbourne, Nasceu em Lisboa, 1956. Vive em Lisboa.
Australia .
Expos ições individuais selec ionadas Born in Lisbon, 1956. Liues in Lisbon.
1997 Gallery Dom Omladine, Belgrado Expos ições individuais se lecionadas Exposições individuais selec ionadas
1994 Gallery FLU, Belgrado 1997 Anna Schwartz Gallery, Melbourne 1998 Large glass, white and red
1988 Gallery Dom Omladine, Belgrado 1994 An na Schwartz Gallery, Mel bou rne (Stockholm), Arkipelag, Estocolmo
1993 City Gallery, Mel bou rne 1997 Pedro Cabrita Reis , Galeria Camargo
Exposições coletivas se lecionadas
Vilaça, São Paulo
1997 Second annual exhibition-Centre for Exposições coletivas se lecionad as
Contemporary Art-Open Society 1998 Fondazione Sandretto Re 1996 Pedro Cabrita Reis, Museum
Foundation, Gallery Dom Rebaudengo per I'Arte, Turim Folkwang, Essen; De Appel,
Omladine, Belgrado Amsterdã; IVAM, Valência
Moet and Chandon Australian Art
Steirischer Herbst 97, Zones of Foundation, itinerante (National Exposições co letivas selecionadas
disturbance, G raz, Áustria Gallery of Austral ia, National 1997 Presente, futuro, passato. XLVII
Bauhaus, OSTRANENIE 97, The Gallery ofVictoria, The Art Gallery Biennale di Venezia
Internacional Foru m Elektron ic ofNew South Wales)
Projectslreopening exhibition , PS1,
Media Forum, Dessau, Alemanha 1988 Vasari revisited-A /(unstkammer in Nova York
Melbourne, 200 Gertrude Street,
Bibliografia selecionada 1992 Documenta IX, I<assel
Melbourne
Branko Dimitrijevic e Branislava
Bibliografia se lecionada
Andjelikovic, Siksi, "The cultureof Bibli ografia selecionada
Alexandre Melo, "Pedro Cabrita Reis,
cynicizm", The Nordic Art Reuiew , vol. XII, Fergus Armstrong, "Mutlu Çerkez:
anos 90'" Contra a claridade, Centro de
n·3 (1997) untitled (17 September 2065)", Agenda 12,
Arte Moderna, Lisboa: F. C. Gulbenkian,
199 0 maio 1994

321 Biografias
Germano Celant, "Universes of shadows", Bibliografia selecionada 1989/85 Whitney Biennial Exhibiton, Whitney
Pedro Cabrita Reis, Essen: Museum IgorZabel, Found and lostagain ... , Mala Museum of American Art, Nova York
Folkwang, Amsterdã: De Appel, Valência: Galerija, Liubliana: Museum ofModern 1982 Documenta VII, Kassel
IVAM, 1996/97 Art,199 8
Bibliografia selecionada
Michael Tarantino, "I Iove the sound of Katalin Néray, Natura morta, catálogo para
Bruce Ferguson, "Of and by Rroses
breaking glass", Arkipelag, Estocolmo, o pavilhão húngaro da XLVII Biennale di
ReRead", in Sherrie Leuine Fountain, Nova
janeiro 1998 Venezia, Budapeste: Ludwig Museum, 1997
York: Mary Boone Gallery, 1991, P.5-9
László Beke, Csorgo Attila,EI Hassan Róza,
Howard Singerman, "Seeing Sherrie
Budapeste: Goethe Inst., 1995
Rineke Dijkstra Levine", in October67 (inverno 1994),
Nasceu em Sittard, Holanda, 1959. P·7 8 - 107
Estudou na Gerrit Rietveld Akademie, Seydou Keita Rosalind Krauss, "Bachelors", in October
Amsterdã. Vive em Amsterdã. Nasceu em Bamako, Mali, 1923. Estudou 52 (primavera 1990), P.52-59
Bom in Sittard, The Netherlands, 1959. Studied fotografia no estúdio de Moutaga Kouyaté
at Gerrit Rietueld Akademie, Amsterdam. Liues em 1948. Vive em Bamako.
in Amsterdam. Bom in Bamako, Mali, 1923. Studied Soly Cissé
photography in the studio of Moutaga Kouyaté Nasceu em Dakar, Senegal, 1969. Estudou
Exposições individuais selecionadas
in 1948. Liues in Bamako. na Ecole Nationale des Beaux-Arts de
1998 Menschenbilder, Museum Folkwang,
Dakar, 1996. Vive em Bamako.
Essen, Alemanha Exposições individuais selecionadas Bom in Dakar, Senegal, 1969. Studied at Ecole
1997 Location, Photographers' Gallery, 1996 Seydou Keita: A retrospectiue, National Nationale des Beaux-Arts de Dakar, 1996. Liues
Londres Museum of African Art, Smithsonian in Bamako.
1994 Stedelijk Museum Bureau, Amsterdã Institution, Washington, D.C.
Exposição individual selecionada
1994 Seydou Keita, Mois de la Photo, Paris
Exposições coletivas selecionadas 1997 Centre Culturel Français de Dakar
1997 New photography 13, The Museum of 1993 Seydou Keita: Fondation Cartier pour
L'ArtContemporain, Paris Exposições coletivas selecionadas
Modern Art, Nova York
1996 L'Ecole de Recherche Graphique,
Future, present, past, Corderie, XLVII Exposições coletivas selecionadas Bélgica
Biennale di Venezia 1996 InjSight: African Photographers, 1940 to
1995 Gallerie National de Dakar
1996 Prospect 96, Schirn Kunsthalle, the present, Guggenheim Museum,
Nova York United States Embassy, Dakar
Frankfurt am Main
1994 Premieres Rencontres de la
Bibliografia selecionada
Photographic, Bamako
A. Grundenberg"Outofthe blue", Thomas Mulcaire
Artforum (maio 1997) 1993 Rouen, França Nasceu em Johannesburgo, 1971. Estudou
E. Ziegler, "Inkamation des Zweifels. Rineke na University ofthe Witwatersrand,
Bibliografia selecionada
DUkstras Fotografishe portraits", Essen: Johannesburgo. Vive na Cidade do Cabo e
André Magnin, Seydou Keita, Contemporary
Menschenbilder, Museum Folkwang Nova York.
African Art Collection, fevereiro 1997
Bom in johannesburg, 1971. Studied at
H. Visser"On Rineke Dijkstra", Camera InjSight: African Photographers, 1940 to the Uniuersity ofthe Witwatersrand,johannesburg.
Austria Intemational, 57/58, 1997 present, Nova York: Guggenheim Liues in Cape Town and New York.
Museum,1996
Exposição individual selecionada
Roza EI Hassan
Seydou Keita, Paris: Fondation Cartier pour 1994 Bite the ballot, Market Theatre
L'Art Contemporain, 1994 Gallery, Johan nesbu rgo
Nasceu em Budapeste, 1996. Estudou na
Academia de Belas-Artes Húngara,
Bibliografia selecionada
Budapeste. Vive em Budapeste.
Sherrie Levine "Caliban in the Haus", Nka:joumal of
Bom in Budapest, 1966. Studied at Hungarian
Nasceu em Hazelton, Pensilvânia, 1947. Contemporary African Art, n.5
Academy of Fine Arts, Budapest. Liues in
BA e MA pela University ofWisconsin, (outonolinverno 1996), Nova York
Budapest.
Madison, 1965-73. Vive em Nova York. "Joach im Schõnfeldt", InklusionjExklusion:
Exposições individuais selecionadas Bom in Hazelton, Pennsyluania, 1947. BA and Kunst im Zeitalter uon Postkolonialismus und
1998 Galerie für Gegenwartskunst MA, Uniuersity ofWisconsin, Madison, globaler Migration, ed. PeterWeibel,
Barbara Claassen-Schmal, Bremen 1965-73. Liues in Noua York. Colônia: DuMont Buchverlag, 1997
UNDO, DeVleeshal, Middelburg, Exposições individuais selecionadas Lorna Ferguson, "Aperto Johannesbu rg",
Holanda 1998 Sherrie Leuine, Museum Morsbroich, Flash Art, vol. XXIX, n.189 (verão 1996),
1994 Secured space, Knoll Gallery, Viena Leverkusen, Alemanha Milão

Exposições coletivas selecionadas 1995 Sherrie Leuine, The Menil Collection,


1997 Pavilhão Húngaro, XLVII Biennale Houston
Touhami Ennadre
de Venezia 1993 Sherrie Leuine: Newbom, Philadelphia Nasceu em Casablanca, Marrocos.
1995 Beyond belief, Museum ofModern Museum of Art, Filadélfia Autodidata. Vive em Paris.
Art, Chicago Exposições coletivas selecionadas Bom in Casablanca, Morrocco. Self-taught.
1993 Aperto 93, XLV Biennale de Venezia 1998 The art ofthe 80'S, Culturgest, Lisboa Liues in Paris.

322 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Expos ições indi vidu ais selecionadas Victor Grippo Filmografia selecionada
1998/99 Maison Européenne de la Nasceu em Junin, Buenos Aires , 1936. 1998 II ritorno d'U/isse, estréia na Bruxelles
Photographie, PARIS Estudou na Escuela de Bellas Artes, Opera House
1997 Glyptothek Münich Universidad de la Plata. Vive em Buenos 1997 Ubu and the truth commission, estréia
Aires . em Weimar
1996 Dany Keller Gallery, Munique
Born injunin, Buenos Aires, 1936. Studied at
1995 Faustus in Africa , estréia em Weimar
Expos ições coletivas se lec ionadas Escuela de Bellas Artes, Universidad de /a P/ata.
1998 Art ofthe world "Edge of awareness", Lives in Buenos Aires. Bibliografia se lec ionada
Genebra Carolyn Christov-Bakargiev, William
Expos ições indi vidu ais selec ion adas
1997 II Johannesburg Bienriial, Kentridge , Bruxelas: Palais des Beaux-Arts,
1995 Ikon Gallery, Birmingham
Johannesbu rgo 199 8
1994 Mesas de trabajo y re~exión (Tables of
1996 African photography A triptych, · j urassic techn%gies revenant, 10th Sydney
work and re~ection), V Bienal de la
Solomon Guggenheim Museum , Biennale: Art Gallery ofNew Wales,
Habana, Havana
Nova York Artspace, Ivan Dogherty Gallery, 1997
1977 Centro de Arte y Comunicación ,
Buenos Aires Michael Godby, " William Kentridge's
Bibliografia se lec ion ada
h istory of the mai n com piai nt: narrative,
Alain Jouffroy, " Cet instant-Là, le 24 Expo sições co leti vas se lêc ionad as
memorytruth" , Sarah Nuttal and Carli
AoOtde L'na 79", Rubrique L'oeil na'ifde 1998 Out of actions: between performance and
Coetzee, Negotiating the past: the making of
Regis Debray, Liberation Magazine the object, 1949-1979, The Museum memory in South Africa, Cidade do Cabo:
(21.1.1996) ofContemporary Art, Los Angeles
Oxford University Press, 1998
François Aubral, Ennadre black light, 1997 A quality of/ight, St. Ives
Munique e Nova York: Prestei Verlag I nternational , Cornwall
Nancy Spector, "Touhami Ennadre: trace 1990 Transcontinental : nine Latin American Vehoshua Glotman
oftime", Vital: three contemporary African artists, Ikon Gallery, Birmingham Nasceu em Kfar Saba, Israel , 1953. BA,
artists, Liverpool : Tate Gallery arte fotográfica, Polytechnic ofCentral
Bibli og rafi a se lec ion ada London, Inglaterra. Vive em Israel.
Guy Brett, " Poetry and toais ", América, Born in Kfar Saba, Israel , 1953. BA,
Tracey Moffatt
bride ofthe sun: 500 years Latin America and Photographic Arts at the Po/ytechnic of Central
the Low Countries , Antuérpia: Royal London, England. Lives in Israel.
Nasceu em Brisbane, Austrália, 1960.
Museum ofFine Arts, 1992, P.367
Vive em Sydney e Nova York.
Exposições individuais se le cionadas
Born in Brisbane, Austra/ia, 1960. Lives in Marcelo Pacheco, "A warm conceptualist",
1995 Cherry man , Ami Steinitz Gallery,
Sydney and New York. Art from Argentina-Argentina 1920-1994,
Tel Aviv
The Museum ofModern Art Oxford , 1994
Exposições ind ividu ais selec ion adas Souvenirs, ~owers, etc. (I) , Gallery
1998 Tracey Moffatt, Kunsthalle Viennaj Ricardo Martín-Crosa, Victor Grippo,
Amuka, Alta Galiléia
Wü rttem bergisher Ku nstverei n, Nova York: Fawbush Projects, 1991
1992 The bright side oflife, Camera
Sttutgartj AR/GE KUNST,
Obscura Gallery, Tel Aviv
Bolzanoj Voralberger Kunstverein,
Bregenz William Kentridge
Exposições coletivas se lec ionadas
Nasceu em Johannesburgo, 1955 . BA
1997 Free-Falling, Dia Centre for the Arts, 1998 Captur1ng rea/ity, The Tennessee State
em política e estudos africanos pela
Nova York Museum , Estados Unidos
Witwatersrand University, 1976, e
1989 Something more, Australian Centre mímica e arte dramática na Ecole Jacques To the east-orientalism in the arts in
for Photography, Sydney, itinerante Lecoq, Paris, 1981-82. Vive em Israel, Israel Museum,Jerusalém
pela Austrália Johannesburgo. 1997 Left-Right, Gordon Gallery, Tel Aviv
Expos ições coletivas selecionadas
Born injohannesburg, 1955. BA in politics
and African studies at Witwatersrand Bibliografia selecionada
1997 Site Santa Fe, New Mexico A day in the life oflsrae/ , SanFrancisco :
University, 1976 and mime and threatre atthe
1996 XXIII Bienal Internacional de Ecolejacques Lecoq, Paris, 1981-82. Lives in Collins Publishers, 1994
São Paulo johannesburg. An Israeli album , Tel Aviv: Camera Obscura
1993 The bourdary rider: 9th Bienna/e of and the Tel Aviv Fund for Art & Literature,
Exposições indi vidu ais selecionadas
Sydney 1988
1998 The Drawi ng Centre, Nova York
Bibli og rafia se lecio nada Tel Aviv: A temporary documentation , Tel Aviv:
Museum ofContemporary Art,
Adrian Martin, "The go-between", Tel Aviv Museum of Art, 1994
San Diego
World Art 2, 1995
Palais des Beaux-Arts, Bruxelas
"Collaborations: Tracey Moffatt" ,
Parkett n.53 , 1998 Exposições co letivas se lecionadas
1997 Documenta X, Kassel
Tracey Moffatt, Kunsthalle Wien and
Wurttembergisher Kunstverein, Stuttgart: Musée d'Art Moderne de la Ville ,
Cantz Verlag, 1998 Paris
SITE Santa Fe

323 Biografias
Nota do editor

Para sua XXIV edição, a Bienal de São Paulo reformulou sua política editorial. Na realidade, é a primeira vez que as
publicações têm de fato um editor e organizador. As quatro publicações correspondem aos quatro segmentos da
exposição: Núcleo Histórico: Antropofagia e Histórias de Canibalismos, "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
Roteiros.", Representações Nacionais e Arte Contemporânea Brasileira: Um e/entre Outro/s. b quarto livro será publicado em
novembro deste ano, pois, num tratamento especial dado à arte contemporânea brasileira, deverá registrar as obras
e instalações especialmente feitas para a XXIV Bienal.
A principal reformulação de nossa política editorial diz respeito ao próprio formato e conceito das publicações.
Este ano, afastamo-nos da idéia tradicional de "catálogos de exposição", que parecem estar sempre restritos à função
catalogadora, pálidas cópias do verdadeiro show. A função catalogadora, com seus aspectos de registro e arquivo
históricos, é de fato importante; no entanto, pode serdesempenhada com mais eficácia por uma lista completa (sem
ilustrações) de todas as obras da XXIV Bienal; para tanto é necessário esperar até a abertura da mostra para que se
possa precisar o que curadores e artistas porfim incluíram. Quanto ao formato, pensamos em livros menores, mais
leves e com encadernação menos luxuosa, de capas simples.
Em vez de catálogos, pensamos então em liuros que acompanham e problematizam a XXIV Bienal. Não se trata de
reflexos perfeitos da mostra, mas de complementações. Assim, há obras que estão presentes na exposição, mas que
não surgem nos livros, como há artistas que desenvolvem projetos específicos para as publicações, mas que não
expõem no Pavilhão. Procuramos nos afastar do formato tradicional de ensaios de curadores seguidos por pranchas
e reproduções. Há muito mais texto do que imagem, e essas aparecem intercaladas com o próprio texto-traba-
lhamos com a perspectiva de que os livros sejam lidos e não apenas distribuídos e expostos. Outras referências foram
trazidas de forma mais fragmentada, mas sempre conceitualmente articulada e pertinente: trechos, imagens.
Os livros estabelecem contaminações entre os quatro segmentos da mostra, desestruturando uma estrutura
aparentemente rígida que havíamos construído. Neste livro, o artista da Dinamarca Olafur Eliasson, a coreana Soo-Ja
Kim e o cubano Carlos Garaicoa, do segmento de Representações Nacionais, pontuam os "Roteiros ... ". Há um projeto
especial desenvolvido pela artista brasileira Rosângela Rennó, com fotografias feitas em Tijuana, que posicionamos
entre os Roteiros América Latina e os Roteiros Canadá e Estados Unidos. Há outros cruzamentos desenvolvidos também
em Representações Nacionais, Núcleo Histórico e Arte Contemporânea Brasileira.
O próprio tratamento dos textos e a estrutura dos livros também foram reformulados em vários aspectos. Nos-
sas normas de pad ron ização foram estabelecidas de modo flexível o bastante para dar voz e textu ra aos diversos
colaboradores. Assim, por exemplo, em Representações Nacionais, mantivemos a grafia vigente em Portugal no texto do

324 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
curador João Fernandes sobre Francisco Tropa e Lourdes Castro. Optamos também por uma aproximação um tanto
idiossincrática em relação à língua e à tradução. Certos termos que na língua mãe das publicações nos pareciam
compreensíveis ao leitor de língua inglesa não foram traduzidos: "instalação", "vídeo", "bibliografia", "diâmetro".
Em Representações Nacionais, talvez de forma mais radical, optamos por não traduzir para o inglês os nomes dos países,
que aparecem em tamanho menor que o do artista. O tratamento e a política das línguas nos levaram a publicar, em
alguns casos selecionados, textos em línguas que não o português e o inglês: o texto dos Roteiros América Latina
surge em espanhol e em inglês, reconhecendo a primazia dessa língua no subcontinente, registrando o grão da voz
original da curadora e de certo modo confiando na proximidade com o português. Há também fragmentos em francês
e em espanhol que não foram traduzidos para dar expressão, em instâncias pontuais, à escrita no original.
Uma das maiores inovações refere-se ao designo Estabelecemos uma colaboração e sintonia extremamente afi-
nadas em relação a curadoria, edição, formato e desenho. Da mancha gráfica à escolha de tipografias, da formatação
das biografias ao posicionamento de legendas e títulos, da seleção de imagens à respectiva ocupação nestas páginas-
não há entre nós sequer um spread que não tenha sido discutido e retrabalhado extensamente. Para tanto, a parceria
de trabalho estabelecida com o designer Raul Loureiro, instalado no próprio pavilhão, foi precisamente articulada.
Esta articulação, o estabelecimento de diálogos entre os diferentes momentos de conceituação e produção que antes
operavam de forma mais autônoma, também ocorre com a equipe de tradução, sob a coordenação precisa de Veronica
Cordeiro, de preparação e revisão, comandada zelosamente por Tereza Gouveia, incansável pesquisa de material
fotográfico, com Carla Zaccagnini, e a assistência editorial para textos em inglês e copyright de Tobias Ostrander.
É necessário registrar aqui a dificuldade de finalizar livros que acompanham uma exposição ao mesmo tempo
que a antecedem - e a experiência que este ano fazemos com a Arte Contemporânea Brasileira, o único livro a incluir
reproduções da montagem final da XXIV Bienal, talvez venha a sugerir uma nova política para a Fundação Bienal
quanto a suas futuras publicações de mostras contemporâneas. No momento em que escrevo há ainda empréstimos
a serem confirmados e obras a serem construídas. Ainda, se uma Bienal é feita em pouco menos de dois anos, suas
publicações devem ser produzidas em pouco mais de quatro meses. Adriano Pedrosa

Infelizmente, deuido a limitações impostas pelo cronograma das publicações, lamentamos que não tenha sido possíuel incluir neste liuro
a uersão em inglês do ensaio da curadora Rina Caruajal (Roteiros América Latina), reproduções fotográficas da obra de Francis). Kel/y
(Roteiros Oceania), de Maurice O'Connel/ (Roteiros Europa), nem o projeto de Joseph Kpobly e Thomas Mu/caire (Roteiros África). Estes
estarão disponíueis no website da XXIV Bienal de São Paulo: www.uol.com .brfbienal f24bienal.

325 Nota do editor Adriano Pedrosa


Editor's note

For its XXIV edition, the Bienal de São Paulo has reformulated its editorial policy. ln fact, it is the first time the publi-
cations have an editor and organizer. The four publications correspond to the exhibition's four segments: Núcleo
Histórico: Antropofagia e Histórias de Canibalismos, "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.," Representações
Nacionais and Arte Contemporânea Brasileira: Um e/entre Outro/s. The fourth book will be published in November of this
year; in a special treatment given to Brazilian contemporary art, the bookwill include images ofthe works and installa-
tions especially made for the XXIV Bienal.
The key reformulation of our editorial policy relates to the very format and concept ofthe publications. This year,
we have distanced ourselves from the traditional idea of"exhibition catalogs," which seems to be forever restricted to
the cataloguing function, pale copies ofthe real show. The cataloguing function, with its aspects ofhistorical recording
and archiving, are in fact important, yet may be performed more accurately by a complete list (without illustrations)
of all works which are, in the end, included in the Bienal. For that matter, it is necessary to wait until the opening of
the show for a precise knowledge of what curators and artists have finally included. ln regards to the format, we
planned smaller and lighter books, with a less luxurious cover, simply paperback.
lnstead of catalogs, we thus thought ofbooks that accompany and problematize the XXIV Bienal. They are not
perfect reflections of the show, but rather pie ces that complement it. ln this sense, there are works in the exhibition
that do not appear in the books, as there are artists who develop specific projects for the publications, yet are not in
the pavilion. We tried to distance ourselves from the traditional format of curators' essays followed by plates and
reproductions. There's much more text than images, and the latter appear intercalated with the former-we worked
with the idea that these would be read, and not merely distributed and displayed. Other references were brought in a
more fragmented fashion, yet always conceptually articulated: excerpts, images.
The books establish contaminations between the four segments of the XXIV Bienal, destructuring the seemingly
rigid structure we had initially set up. ln this book, the artist from Denmark, Olafur Eliasson, the Korean Soo-Ja Kim,
and the Cuban Carlos Garaicoa, from the National Representations segment, intercross these "Roteiros ...." There is
a special project developed by Brazilian artist Rosângela Rennó, with photographs taken in Tijuana, which here is
placed between Roteiros América Latina and Roteiros Canadá e Estados Unidos. Other intercrossings appear in Núcleo
Histórico, Representações Nacionais and Arte Contemporânea Brasileira.
The treatment and preparation of the texts and the structure of the books have also been reformulated in several
aspects. Our style sheet was established in a flexible way allowing us to give texture and voice to our diverse contributors'
texts. ln this way, forexample, in Representações Nacionais, we maintained the Continental Portuguese spelling for João

326 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Fernandes' .text on Francisco Tropa and Lourdes Castro. We've chosen a somewhat idiosyncratic approach to language
and translation. Certain words which in the mother tangue of the publications seemed decipherable to the English-
speaking reader were deliberately not translated: "instalação," "vídeo," "bibliografia," "diâmetro." ln Representações
Nacionais, and perhaps more radically, we have chosen not to translate into English the names ofthe countries, which
appear in a smaller scale than that of the artist. The treatment and politics oflanguage, in some chosen cases, led us
to publish texts in languages other than Portuguese and English: Roteiros América Latina essay will be published in
English and Spanish, acknowledging the primacy of the latter in the subcontinent, as well as recording the original grain
ofthe curator's voice and, in a way, relying on the proximitywith our Portuguese. There are also fragments in French
and Spanish which were deliberately not translated in arder to fully express, in punctual instances, the original writing.
One ofthe major innovations is related to the designo We have established a close relationship and extreme affin-
ity between curatorship, editing, format, and designo From the grid to the choice of typography, from the format of the
biographies to the positioning ofthe photo captions, from the selection ofimages to their placement on these pages-
there is not among us one single spread which hasn't been discussed and reworked. For that matter, the collaboration
with Raul Loureiro, the graphic designer for our publications, was precisely articulated and set up in this pavilion.
This articulation, the establishment of a dialogue between several instances of conceptualization and production
which were previously functioning autonomously, also appears with the translation team, under the precise coordi-
nation ofVeronica Cordeiro, proofreading, meticulously led by Tereza Gouveia, tireless photo research with Carla
Zaccagnini,and the editorial assistance for English texts and copyright, with Tobias Ostrander.
lt is necessary to record, here, the difficulty of finalizing books which accompany an exhibition and simultane-
ously come before it-and the experience which this year we carry out with Arte Contemporânea Brasileira, the sole book
to include reproductions of the final installation of the XXIV Bienal, may suggest a new policy for the Fundação Bienal
with respect to its future publications of contemporary exhibitions. At the time ofwriting, there are stillloan requests
to be confirmed and works to be made. Further, if a Bienal is created in less than two years, its publications are produced
in a little over four months. Adriano Pedrosa

UnfortunateIy, due to limitations imposed by our schedule ofpublications, it was not possible to incIude in this book the English version
ofRina Carvajal's essay (curato r ofRoteiros América Latina), photographic reproductions ofthe works ofFrancis J. KeIly (Roteiros
Oceania), Maurice O'ConneIl (Roteiros Europa), nor the project by Joseph Kpobly and Thomas Mulcaire (Roteiros África). These wilI
be available at the XXIV Bienal de São Paula's website: www.uoI.com.brfbienalf24bienaI.

327 Nota do editor Adriano Pedrosa


Agradecimentos Acknowledgments

Pri nce Claus Fu nd for Culture and Development, Haia, por seu generoso apoio a [for its generous su pport of] Rotei ros África

Afrique en Création, Florence Alexis, D'Amelio Terras Gallery, Nova York Galería Garcés y Velázquez, Bogotá
Paris Daina Augaitis, Vancouver Galería La Oficina, Medellín
Alberto Sierra, Medellín Dak'art 98, Biennale de l'Art Africain Galería Nina Menocal, Cidade do México
Alex Pilis, Barcelona Contemporain, Abdoulaye Elimane Galería Ruth BenzacarGallery,
Alexander and Bonin Gallery, Kane, Dacar Buenos Aires
Nova York David ZwirnerGallery, Nova York Galería Valenzuela & Klenner, Bogotá
Alma Ruiz, Los Angeles Diego Fernández, Santiago Galleri Riis, Espen Ryvarden, Oslo
Ana Sokoloff, Nova York Doug Ishar, Chicago Geoffrey James, Toronto
Andrea Guinta, Buenos Aires Eduardo Duar, São Paulo George Bures Miller, Lethbridge
Anita e Burton Reiner, Baltimore Elaine BakereJohn Cruthers, Gerardo Mosquera, Havana
Anna Schwartz Gallery, Sydney Newtown Ghaseum Mind Evolution Eye
Antonio Armando, Beira, Elaine Budin, Nova York Cultivation, Seul
Moçambique Elga Pakaasar, Windsor Giovanni Springmeier, Bad Berleburg
Art Beatus Gallery, Vancouver EI izabeth Armstrong, Gonzalo Díaz, Santiago
Art Nexus, Bogotá San Diego Art Museum Good man Gallery, Johan nesbu rgo
Arthur and Carold Goldberg, Elizabeth McGregor, Birmingham G reenaway Art Gallery, Austrál ia
Nova York Eloíse Ricciardelli, Mattapoisset Greg Burke, Creative NewZealand,
BarrieJones, Windsor Embaixada da Bélgica, Congo, Zaire Wellington
Bruce Ferguson, Nova York Embaixada da República da África Guillermo Santa Marina, Cidade do
Bruno Bischofberger, Zurique do Sul, Brasília México
Bruno Musatti, São Paulo Embaixada do Brasil, Ancara Gum Busters International, Dublin
Bu ndeskanzeleram bt-Ku nstangele- Embaixada do Brasil, Pequim Gustavo Buntix, Lima
genheiten, Mag. JosefSecky, Viena Embaixada do Brasil, Cairo, Hannah Fink, Sydney
Canada Council, Ottawa EmbaixadorVirgílio Moretzsohn Han nart Z. Gallery, Hong Kong
Carlos Eugênio Marcondes de Moura, de Andrade Hara Museum, Tóquio
São Paulo Embaixada do Brasil, Haia, Ikon Gallery, Birmingham
Carmen Cuenca, Tijuana Embaixadora Vera Pedrosa Ines Turian, Viena
Carmen MaríaJaramillo, Embaixada do Brasil, Maputo InSite 97, San Diego
Museo de Arte Moderno de Bogotá Embaixada do Brasil, Pretória, Instituto de Arte Contemporânea,
Carolina Ponce de León, Nova York EmbaixadorOto Agripino Maia, Fernando Calhau, Diretor,
Catherine de Zegher, Kortrijk Secretário José Ricardo Alves Isabel Carlos, Subdiretora, Lisboa
Catherine Opie, Los Angeles Embaixada do Brasil, Tel Aviv Internationallstanbul Biennial,
Cathy Busby, Montreal Euro Print Center, Istambul N. Fulya Erdemci, Diretora, Istambul
CatrionaJeffries, Vancouver Fanny Sanin, Nova York Irish Arts Council, Dublin
Celia Birbragher, Bogotá Felipe Mujica, Santiago Irma Arestizabal, Buenos Aires
Cem Gencer Felix Cortés, Nova York Isabel Rod riguez Alonso, Cidade do
Cemeti Gallery, Yogyakarta Fernando Castro, Houston México
Centre Culturel Français de Bénin, Florian Raiss, São Paulo Istanbul Foundation forCulture
Bruno Asseray, Diretor Fonds National d'Art and Arts, Istambul
Centre Culturel Français de Dakar, Contemporain, Puteaux Jay Joplin, Londres
Guy Maurette, Diretor FRAME-Finnish Fund forArt Jean Loup Pivin, Revue Noire, Paris
Centro Wifredo Lam, Lilian Llanes, Exchange, Helsinque Jean-Hubert Martin, Paris
Diretora, Havana Fundació la Caixa, Barcelona Jessica Bradley, Toronto
Chisenhale Gallery, Londres Fundación Banco Patricios, Jim Vivieaere, Auckland
Chris Botha, South African High Buenos Aires Joe Villablanca, Santiago
Commission, Nigéria Gabinete de Arte Raquel Arnaud, Joelle Tuerlinckx, Bruxelas
Christina Ritchie, Toronto São Paulo John Paul Ricco, Chicago
Christine Belloy, Nova York Gabriel Peluffo, Montevidéu Jon Tu pper, Banff
ChristopherGrimes Gallery, Galeria Camargo Vilaça, São Paulo, Jorge Helft, Buenos Aires
Los Angeles Marcantônio Vilaça Jorge Villacorta, Lima
Chulalongkorn University, Thiencai Galeria Massimo De Cario, Milão Justo Pastor Mellado, Santiago
Girananda, Presidente, Bancoc Galería de Arte Contemporáneo, Kanaal Art Foundation, Kortrijk
Collier Schorr, Nova York Cidade do México Ken Lum, Vancouver
Corinne Diserens, Marselha Galería de Arte Mexicano, Kitty Scott, Vancouver
Cristina Vives, Havana Cidade do México Lani Maestro, Montreal

328 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
Lea Si monds, Pittsbu rgh 1'1 useu de Arte Contem porânea Kiasma, Stephen Horne, Montreal
Li Gang, Pequim Tuula Arkio, Diretora, Helsinque Susan e Michael Hort, Nova York
Lilian Tone, Museum ofModern Art, Museu de Arte Contemporânea, Tóquio Susan Hobbs, Toronto
Nova York Museu de Arte Moderna da Bahia, Susan Torres, Lima
Linda Norden, Nova York Heitor Reis, Diretor Teresa Novaes, Barcelona
Lóuise Dompierre, Toronto Museum Boijmans Van Beuningen, The Arts and Culture Trust ofthe
Luciana Brito, São Paulo Roterdã President ofSouth Africa,
Luis Pérez Oramas, Caracas Museum für Moderne Kunst, Frankfurt Johan nesbu rgo
Luz Miriam Toro, Bogotá Museum ofContemporary Art, Sydney The French Institute ofSouth Africa,
Lyn Di lorio, Nova York Naomi Cass, Melbourne Johan nesbu rgo
Lynn Zelevansky, Los Angeles Natalia Gutierrez, Bogotá Thomas Healy, Nova York
MAC, Galeries Contemporaines Natalia Majluf, Lima Tom Kantor, Warlpiri Media Association,
des Museés de Marseille Natalia Tejada, Medellín Yuendumu
Marcelo Pacheco, Buenos Aires Natalia Vegas, Nova York University ofMelbourne
Marcia Acita, Annandale-on-Hudson National Arts Council forthe South UOL-Universo on Line, São Paulo
Márcia Mello, Rio de Janeiro African Artists, Johannesbu rgo VictorZamudio Taylor, Texas
Margo Leavin Gallery, Los Angeles National Gallery of Austral ia, Virgílio Garza, Nova York
Margo Leavin, Los Angeles Brian Kennedy, Diretor, Camberra Visual Arts/Crafts Funding Division of
Maria Tereza Louro, São Paulo Nelson Henricks, Montreal the Australia Council, Sydney
Marian Goodman Gallery, Oswaldo Costa,Nova York Wayne Baerwaldt, Winnipeg
Nova York Pamela Meredith, Toronto Wendy Brandow, Los Angeles
Marina Abramovic Patricia Rizzo, Buenos Aires / Women Make Movies, Nova York
Marina Warner, Londres Patrick Gavigan, Nova York Yo landa Panti n, Caracas
Marketta Seppãlã Pennye David McCall, Nova York Yonghee Jung
Marta Kuzma, Ucrânia, Per Hovdenakk, Oslo Yoshiko Isshiki
Galerie Mot e Van den Boogaard, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Yves Pepin, Ottawa
Bruxelas Emanuel Araújo, Diretor Zoe e Joel Dictrow, Nova York
Maudie Palmer, Melbourne Queensland Art Gallery, Brisbane
Max Protetch Gallery, Nova York Raul Antelo, Florianópolis
Megan Tamati-Quennell, Museum of Régine Cuzin, Paris
New Zealand/Te Papa Tongerawa, René Blouin, Montreal
Wellington Rhana Devenport e Doug Hall,
Micah Lexier, Toronto Queensland Art Gallery
Michael Asher, Los Angeles Rhona Hoffman, Chicago
Michael Delmont, Los Angeles Ricardo Armas, Nova York
Michael Krichman, San Diego Richard Rhodes, Toronto
Ministere de la Cooperation, Paris Robert Leonard, Artspace, Auckland
Ministerie van de Vlaamse Gemeenschap- Robyn McKenzie, Mel bou rne
Afdeling Beeldende Kunst en Musca, Ronaldo Aguiar, São Paulo
Bruxelas Rosa Velazco, Santiago
Ministério da Cultura, Roslyn OxleyGallery, Sydney
Ministra Aminata Traoré, Mali Ruben Gallo, Nova York
Ministério da Cultura, Portugal SallyYard, San Diego
Moet et Chandon Australian Art Sam Samore, Nova York
Foundation, Melbourne Samuel Lallouz, Montreal
Mondriaan Stichting, Melle Daamen, SECCA, Southeastern Center
Diretor, Hein van Haaren, Amsterdã for Contem porary Art,
1'1 useet for Samtidsku nst, Carolina do Norte
Velaug Bollingmo, Oslo Secession, Viena
1'1 useo de Arte Alvar y Carmen T. de Shaun Caley, Los Angeles
Carrillo Gil, Osvaldo Sánchez, Diretor, ShengTian Zheng
Cidade do México Soraya Mi llan , São Paulo
Museo de Arte Moderno de Medel lín Stedelijk Museum voor Actuele Kunst,
Museo de Artes Visuales Alejandro Jan Hoet, Gent
Otero, Caracas Stella Lohaus Gallery, Antuérpia

329 Agradecimentos
"Arribo, ahora, ai inefable centro de mi relato; empieza, aquí, mi desesperación de escritor. Todo lenguaje es un albafeto de
símbolos cuyo ejercicio presupone u,n pasado que los interlocutores comparten; lcómo transmitir a los otros el infinito Aleph, que
mi temerosa memoria apenas abarca? Los místicos, en análogo trance, prodigan los emblemas: para significar la divinidad, un
persa habla de un pájaro que de algún modo es todos los pájaros; Alanus de Insulis, de una esfera cuyo centro está en todas
partes y la circunferencia en ninguna; Ezequiel, de un ángel de cuatro caras que a un tiempo se dirige ai oriente y ai occidente, ai
norte y ai sur. (No en vano rememoro esas inconcebibles analogías; alguna relación tienen con el Aleph.) Quizá los dioses no me
negarían un hallazgo de una imagen equivalente, pero este informe quedaría contaminado de literatura, de falsedad. Por lo
demás, el problema central es irresoluble: la enumeración, siquiera parcial, de un conjunto infinito. En ese instante gigantesco,
he visto millones de actos deleitables o atroces; ninguno me asombró como el hecho de que todos ocuparan el mismo punto, sin
superposición y sin transparencia. Lo que vieron mis ojos fue simultáneo: lo que transcribiré, sucesivo, porque ellenguaje lo es.
Algo, sin embargo, recogeré.
En la parte inferior dei escalón, hacia la derecha, vi una pequena esfera tornasolada, de casi intolerable fulgor. AI principio
la creí giratoria; luego comprendí que ese movimiento era una ilusión producida por los vertiginosos espectáculos que encerraba.
EI diámetro dei Aleph sería de dos o tres centímetros, pero el espacio cósmico estaba ahí, sin disminución de tamano. Cada cosa
(Ia luna dei espejo, digamos) era infinitas cosas, porque yo claramente la veía desde todos los puntos dei universo. Vi el populoso
mar, vi el alba y la tarde, vi las muchedumbres de América, vi una plateada telarana en el centro de una negra pirámide, vi un
laberinto roto (era Londres), vi interminables ojos inmediatos escrutándose en mí como en un espejo, vi todos los espejos dei
planeta y ninguno me reflejó, vi en un traspatio de la calle Soler las mismasbaldosas que hace treinta anõs vi en el zaguán de una
casa en Fray Bentos, vi racimos, nieve, tabaco, vetas de metal, vapor de agua, vi convexos desiertos ecuatoriales y cada uno de sus
granos de arena, vi en Inverness a una mujerque no olvidaré, vi la violenta cabellera, el altivo cuerpo, vi un cánceren el pecho, vi
un círculo de tierra seca en una vereda, donde antes hubo un árbol, vi una quinta de Adrogué, un ejemplarde la primera versión
inglesa de Plinio, la de Philemon Holland, vi a un tiempo cada letra de cada página (de chico, yo solía maravillarme de que
las letras de un volumen cerrado no se mezclaran y perdieran en el decurso de la noche), vi la noche y el día contemporáneo, vi un
poniente en Querétaro que parecía reflejarel colorde una rosa en Bengala, vi mi dormitorio sin nadie, vi en un gabinete de
Alkmaar un globo terráqueo entre dos espejos que lo multiplican sin fin, vi caballos de crin arremolinada, en una playa de'I Mar
Caspio en el alba, vi la delicada osatura de una mano, vi a los sobrevivientes de una batalla, enviando tarjetas postales, vi en un
escaparate de Mirzapur una baraja espanola, vi las sombras oblicuas de unos helechos en el suelo de u n invernáculo, vi tigres,
émbolos, bisontes, marejadas y ejércitos, vi todas las hormigas que hay en la tierra, vi un astrolabio persa, vi en un cajón dei
escritorio (y la letra me hizo temblar) cartas obscenas, increíbles, precisas, que Beatriz había dirigido a Carlos Argentino, vi un
adorado monumento en la Chacarita, vi la reliquia atroz de lo que deliciosamente había sido Beatriz Viterbo, vi la circulación
de mi oscllra sangre, vi el engranaje dei amory la modificación de la muerte, vi el Aleph, desde todos los puntos, vi en el Aleph
la tierra, yen la tierra otra vez el Aleph y en el Aleph la tierra, vi mi cara y mis vísceras, vi tu cara, y sentí vértigo y Iloré, porque
mis ojos habían visto ese objeto secreto y conjetural, cuyo nombre usurpan los hombres, pero que ningún hombre ha mirado: el
inconcebible universo."

Extraído de Jorge Luis Borges, EI Aleph, Buenos Aires: Emecé Editores S.A., 1957 e 1996, p. 258-262.

GabrielOrozco Bal! on water Bola sobre água 1994 cibacromo 31,5x47,3cm cortesia Marian Goodman, Nova York

330 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."
"I arrive, now, at the ineffable center of my story. And here begins my despair as a writer. Alllanguage is an alphabet of symbols
whose use presupposes a past shared by all the other interlocutors. How, then, transmit to others the infinite Aleph, which my
fearful mind scarcely encompasses? The mystics, in similar situations, are lavish with emblems: to signifY the divinity, a Persian
speaks of a bird that in some way is all birds; Alanus de Insulis speaks of a sphere whose center is everywhere and whose
circumference is nowhere; Ezekiel, of an angel with four faces who looks simultaneously to the Orient and the Occident, to the
North and the South. (Not vainly do I recall these inconceivable analogies; they bear some relation to the Aleph.) Perhaps the gods
would not be against my finding an equivalent image, but then this report would be contaminated with literature, with falsehood.
For the rest, the central prablem is unsolvable: the enumeration, even if only partial, of an infinite complexo ln that gigantic instant
I saw millions of delightful and atracious acts; nane astonished me more than the fact that all ofthem together occupiedthe sarne
point, without superposition and without transparency. What my eyes saw was simultaneous: what I shall transcribe is successive,
because language is successive. Nonetheless, I shall cull something ofit alI.
ln the lower part ofthe step, toward the right, I saw a small iridescent sphere, of almost intolerable brilliance. At first I thought
it ratary; then I understood that this movement was an illusion praduced by the vertiginous sights it enclosed. The Aleph's diameter
must have been about two ar three centimeters, but Cosmic Space was in it, without diminution of size. Each object (the mirrar's
glass, for instance) was infinite objects, for I clearly saw it fram all points in the universe. I saw the heavy-Iaden sea; I saw the dawn
and the dusk; I saw the multitudes of America; I saw a silver-plated cobweb at the center of a black pyramid; I saw a tattered labyrinth
(it was London); I saw interminable eyes nearby looking at me as if in a mirrar; I saw all the mirrars in the planet and nane reflected
me; in an inner patio in the Calle Soler I saw the sarne paving tile I had seen thirty years before in the entranceway to a house in the
town ofFray Bentos; I saw clusters of grapes, snow, tobacco, veins of metal, steam; I saw convex equatorial deserts and every grain
of sand in them; I saw a woman at Inverness whom I shall not forget: I saw her violent switch ofhair, her praud body, the cancer in
her breast; I saw a circle of dry land on a sidewalk where formerly there had been a tree; I saw a villa in Adragué; I saw a copy ofthe
first English version ofPliny, by Philemon Holland, and simultaneously every letter on every page (as a boy I used to marvel that the
letters in a closed book did not get mixed up and lost in the course of a night) ; I saw night and day contemporaneously; I saw a
sunset in Querétara whichseemed to reflect the colar of a rase in Bengal; I saw my bedraom with nobody in ir; I saw in a study in
Alkmaar a terraqueous globe between two mirrars which multiplied it without end; I saw horses with swirling manes on a beach
by the Caspian Sea at dawn; I saw the delicate bane structure of a hand; I saw the survivors of a battle sending out post cards; I saw
a deck ofSpanish playing cards in a shopwindow in Mirzapur; I saw the oblique shadows of some ferns on the floor of a hothouse;
I saw tigers, embati, bison, graund swells, and armies; I saw all the ants on earth; I saw a Persian astralabe; in a desk drawer I saw
(the writing made me tremble) obscene, incredible, precise letters, which Beatriz had written to Carlos Argentino; I saw an adored
monument in La Chacarita cemetery; I saw the atracious reli c of what deliciously had been Beatriz Viterbo; I saw the circulation of
my obscure blood; I saw the gearing oflove andthe modifications of death; I saw the Aleph fram all points; I saw the earth in the
Aleph and in the earth the Aleph once more and the earth in the Aleph; I saw my face and my viscera; I saw your face and felt vertigo
and cried because my eyes had seen that conjectural and secret object whose name men usurp but which no man has gazed on: the
inconceivable universe."

Extracted fram Jorge Luis Borges, "The Aleph," A personal anthology, New York: Grave Press Inc., 1967, PP.149- 1S1, translated fram
the Spanish by Anthony Kerrigan.

331 Fragmento
Limpeza
IcJ~lvªndªRosªde Jesus
lfj:lI~I~(,I''''''li~~l~;fj~r:I,séffté]K'p«~dito Perei ra
Josefa Gomes da Silva
,Jos
;.)~~;;

Portaria
Antonio Milton de Araújo
Evilazio Pereira Sampaio
Gilberto Pereira da Silva
Isaias de Jesus Siqueira
José Antonio dos Santos
José Leite da Silva
Nivaldo Francisco da Costa
Tabajara de Souza Macieira
Diretor ia Núcleo ed ucação Bienal -SESC

Assistente de marketing Coordenação-geral


Edna Furuiti Ana Helena Curti

Assistente de mídia Ass istente


Ismael Lima Dantas Vara Guarany

Secretária executiva Secretária


Maria Rita Marinho Fukumaru Cecília Zanon Silva

Secretária Projeto monitorias


Lucia Aparecida Rizzardi Coordenação
Milene Chiovatto
Assistente
Adm inistração e financeiro Tânia Rivitti

Assistentes Projeto "A Educação Pública e a


Jacqueline Baptista XXIV Bienal de São Paulo"

Katia Marli Silveira Coordenação

Mário Rodrigues da Silva Iveta Maria Borges Ávila Fernandes


Assistentes
Auxiliares
Maria Grazia Vena Curatolo
Anderson de Andrade
Maria Silvia Mastrocolla de Almeida
João G. Ferreira Batista
Laercio Ribeiro Silva Projeto Bienal on -line

Nicacio Jeane P. de Souza Coordenação

Roberto Alvarenga Maria Cristina V. Biazus


Vinicius Robson da S. Araújo
Materiais de apoio

Te lefonistas Coordenação

Lisania Praxedes dos Santos


Yvi de Freitas Soares
Consultoria

Almoxarifado Educação

Luiz Carlos Estevanin Maria F. de Resende e Fusari


Marcelo de Souza Chrispim Educação infantil
Anamélia Bueno Buoro
Copa
Museu e educação
Givonete Alves dos Santos Conceição
Luiz Guilherme de B. Falcão Vergara
Maria da Glória de Araújo

Assessoria de imprensa
Arquivos históricos Wanda Svevo
Coordenação
Coordenação
Sergio Crusco
Silvia Martha Castelo Branco Bezerra
Assistente

Assistentes Lilian Aidar


Andréa Gomes Leite Estagiários

Renata Basseto de Oliveira Gabriel Boieras


Janaína Cesar da Silva
Fundação Bienal de São Paulo
Parque Ibirapuera Portão 3
04098-900 São Paulo SP Brasil
T 55 1.1 574.5922
I SBN 85-8 5 298- 07-3

11 111111111111111111 111111
9 788585 29 807 4

Você também pode gostar