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Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 278-285 (Cap. 10, itens 1 e 2).
Não é lícito afirmar que a “dificuldade de produção” não exerceu papel dentro da
perspectiva marginalista (pelo contrário, serviu de mediação entre os recursos de produção
originais, de um lado, e os bens e serviços finais, de outro), nem que a “escassez” não teve
papel dentro da abordagem clássica (ela teve, por meio dos diferentes obstáculos
concernentes à tecnologia – como na renda diferencial – ou níveis de produção, por meio do
estágio alcançado pelo processo de acumulação). Pode-se dizer que, no marginalismo, a
escassez exerceu um papel analítico central no modelo básico da troca pura, enquanto que
a tecnologia pode ser introduzida em um estágio sucessivo de análise; na visão clássica, ao
contrário, a escassez poderia ter um papel indireto na determinação dos níveis de produção
e na tecnologia, mas não um papel direto na determinação dos preços.
O quarto de século a partir do começo dos anos 1870 foi um período de contrastes.
De um lado, houve uma continuação/intensificação do processo de profunda mudança
estrutural, que tinha se iniciado durante os 20 anos precedentes; de outro, dificuldades
econômicas de vários tipos e intensidade surgiram parecendo os primeiros sinais de uma
crise geral do sistema capitalista, fazendo com que muitos observadores passassem a falar
de uma “Grande Depressão”.
Três livros importantes foram publicados no começo dos anos 1870 por,
respectivamente, Jevons, Menger e Walras, marcando o início do que mais tarde seria
chamado de “revolução marginalista”. Tais livros são tão diferentes que qualquer tentativa
de agrupá-los poderia parecer pretensiosa. Na realidade, eles tinham várias coisas
fundamentais em comum, mas foi necessário tempo para que isso fosse percebido. Os
pensadores contemporâneos mal notaram as três contribuições inovadoras. Parecia que tais
autores enfrentariam o mesmo destino cruel de outros grandes hereges e precursores.
Como efeito, houve um silêncio quase completo por uma década. Então, de repente,
nos anos 1880 e na primeira metade da década de 1890, a revolução explodiu. Marshall,
Edgeworth e Wicksteed na Inglaterra, Wieser e Böhn-Bawerk na Áustria, Pantaleoni na
Itália, Cassel e Wicksell na Suécia, todos publicaram trabalhos fundamentais no espírito da
nova maneira de fazer ciência econômica. A revolução foi completada em uma década. Nos
30 anos subsequentes, as teorias foram refinadas e generalizadas. Nessa época, o velho
sistema clássico estava morto e enterrado, uma nova ortodoxia se afirmava, e mesmo que
certas diferenças entre as escolas nacionais durassem muito tempo, ficou claro que em todo
o mundo uma única ciência estava sendo estudada e uma língua falada. O sistema
neoclássico se impusera.
Ainda que alguns elementos tenham surgido muito tempo depois, pode ser útil
sintetizar o sistema teórico neoclássico a fim de entender o significado da revolução dos
anos 1870 e 1880, considerando onde ela iria desembocar.
Por que, em um período de poucos anos, a mensagem contida nos três trabalhos
precursores foi aceita como um “Novo Testamento” pela maioria dos economistas?
Simplificadamente, dois tipos de razão: uma “interna”, outra “externa”. A primeira refere-se à
incapacidade da ortodoxia clássica de resolver uma série de problemas teóricos. As
tentativas de Ricardo de escapar das dificuldades de uma teoria do custo de produção
apenas pioraram as coisas, induzindo Mill a abrir rachaduras que os marginalistas não
tiveram dificuldade em penetrar com sua crítica corrosiva. Além disso, os economistas
clássicos não conseguiram produzir uma teoria da distribuição de renda satisfatória. Essa
era uma falha séria, já que a teoria da distribuição constituía o núcleo da teoria econômica
clássica. Mas isso não é suficiente para explicar o sucesso da revolução marginalista e a
sua rápida conquista de hegemonia.
As razões “externas” são talvez ainda mais importantes que as internas. Por algum
tempo, a teoria ricardiana foi usada pelos economistas socialistas. Em particular, a teoria do
excedente serviu como um fundamento para a teoria da exploração capitalista. Sendo
assim, nos anos 1830 os economistas anti-ricardianos foram motivados, em sua crítica a
Ricardo, pela intenção de atacar as teorias socialistas. Em 1870, as coisas permaneciam as
mesmas e Jevons teve pouca dificuldade em ligar-se à tradição inglesa anti-ricardiana.
Da década de 1870 em diante, o socialismo rapidamente tendeu a identificar a si
mesmo com o marxismo, buscando alcançar o caráter de teoria científica. Foi exatamente
contra esse movimento que alguns dos marginalistas da segunda e terceira gerações
lançaram seus ataques. Para que as críticas ao socialismo, e ao marxismo em particular,
não parecessem muito ideológicas, foi necessário “reinventar” a ciência econômica,
reconstruída sob uma fundação que permitisse a anulação dos conceitos de classe social,
força de trabalho, capitalismo, exploração, excedente. A teoria da utilidade marginal
forneceu a solução. Além disso, essa teoria buscava demonstrar que um tipo de
organização social quase perfeita seria alcançada em uma economia competitiva, onde as
regras de mercado permitiam a alocação ótima e, com isso, a harmonia de interesses e a
maximização dos objetivos individuais.