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RONCAGLIA, Alessandro. The Wealth of Ideas: A History of Economic Thought.

Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 278-285 (Cap. 10, itens 1 e 2).

CAP. 10 – A revolução marginalista: a teoria subjetiva do valor

1. A “revolução marginalista”: uma visão geral

“Revolução marginalista” → termo comumente usado para indicar uma mudança


repentina na direção da ciência econômica, com o abandono da abordagem clássica – e,
mais precisamente, ricardiana –, e a emergência de uma nova vertente baseada em uma
teoria subjetiva do valor e na noção analítica de utilidade marginal. A eclosão da “revolução”
deu-se entre 1871 e 1874, com a publicação das principais obras dos respectivos líderes da
escola marginalista austríaca (Carl Menger, 1840-1921), da escola britânica (William Stanley
Jevons, 1835-82) e da escola francesa (Lausanne) (Léon Walras, 1834-1910). De fato, 1871
foi o ano do aparecimento dos “Princípios de Economia Política” de Menger e de “A Teoria
da Economia Política” de Jevons, enquanto Walras publicou o seu “Compêndio dos
Elementos de Economia Política Pura” em 1874.

Entre os economistas ingleses, Alfred Marshall (1842-1924 – seu “Princípios de


Economia” apareceu em 1890) seguiu um caminho próprio, distanciando-se da linha
radicalmente subjetiva tomada pelo primeiro autor de uma teoria marginalista do valor,
Jevons.

Elementos comuns entre as três linhas de pesquisa (Jevons, Menger e Walras) – em


contraste com a abordagem clássica. Sraffa (1960) sintetiza esse contraste com duas
imagens: a perspectiva clássica consiste na “imagem do sistema de produção e consumo
como um processo circular”, enquanto que a abordagem marginalista alinha-se à
perspectiva de “uma avenida unidirecional que leva dos „fatores de produção‟ para os „bens
de consumo‟”.
ABORDAGEM CLÁSSICA ABORDAGEM MARGINALISTA
Análise das condições que garantem o Utilização ótima de recursos
Definição do funcionamento contínuo de um sistema escassos para satisfazer as
problema econômico baseado na divisão do trabalho necessidades e os desejos dos
econômico → análise da produção, distribuição, agentes econômicos
acumulação e circulação do produto
Visão subjetiva de valor,
Noção de valor Visão objetiva de valor, baseada na baseada na avaliação da
“dificuldade de produção” utilidade das mercadorias por
parte dos consumidores
Problema dos preços relativos é distinto do
problema das decisões relativas aos níveis Papel central, correspondente
de acumulação e produção; no máximo, às condições de utilização ótima
podemos falar de equilíbrio com referência de recursos escassos;
Conceito de à igualação das taxas de lucro setoriais identificado por um conjunto de
equilíbrio decorrentes da concorrência entre os valores para todas as variáveis
capitais, ao passo que o termo “balancing”, econômicas, preços e
que não implicava uma igualdade estrita, quantidades simultaneamente
era preferível ao tratar da procura e da
oferta
Papel dos preços Indicadores da dificuldade relativa de Indicadores da escassez
produção (relativa às preferências dos
consumidores)
Teoria da Distribuição de renda = problema com Distribuição de renda = caso
distribuição características autônomas, abarcando o específico da teoria dos preços
papel de classes sociais distintas e suas (preços dos fatores de
relações de poder produção)

Não é lícito afirmar que a “dificuldade de produção” não exerceu papel dentro da
perspectiva marginalista (pelo contrário, serviu de mediação entre os recursos de produção
originais, de um lado, e os bens e serviços finais, de outro), nem que a “escassez” não teve
papel dentro da abordagem clássica (ela teve, por meio dos diferentes obstáculos
concernentes à tecnologia – como na renda diferencial – ou níveis de produção, por meio do
estágio alcançado pelo processo de acumulação). Pode-se dizer que, no marginalismo, a
escassez exerceu um papel analítico central no modelo básico da troca pura, enquanto que
a tecnologia pode ser introduzida em um estágio sucessivo de análise; na visão clássica, ao
contrário, a escassez poderia ter um papel indireto na determinação dos níveis de produção
e na tecnologia, mas não um papel direto na determinação dos preços.

As características comuns presentes no marginalismo tomaram formas distintas em


autores pertencentes a escolas diferentes. Por exemplo, a corrente francesa do equilíbrio
econômico geral fundada por Walras e desenvolvida no começo do séc. XX pelo italiano
Vilfredo Pareto e, subsequentemente, nos últimos trinta anos, por autores como Kenneth
Arrow e Gerard Debreau, baseava-se no pressuposto de dotações iniciais de recursos
(diferentes tipos de capacidade de trabalho, terras, bens de capital) considerados como
dados em termos físicos, e combinados com as preferências dos agentes econômicos.
A corrente inglesa de Jevons, em contraste, tendeu a considerar as quantidades
disponíveis de recursos distintos como variáveis a serem determinadas pela teoria,
utilizando como dados exógenos os mapas de utilidade e desutilidade de vários agentes
econômicos. Em particular, era o equilíbrio entre a utilidade dos bens obtidos por meio da
atividade produtiva e a desutilidade do trabalho que determinava a quantidade de trabalho
realizado e, portanto, dada a função de produção, o volume do produto.

Finalmente, os teóricos da escola austríaca (Menger e seus seguidores von Wieser e


Böhm-Bawerk) adotaram um visão radicalmente subjetiva segundo a qual o valor de cada
bem ou serviço era deduzido da sua utilidade para o consumidor final, diretamente no caso
de bens de consumo e indiretamente no caso dos bens de produção. Neste último caso,
uma parte da utilidade que o bem produzido tem para os consumidores foi “imputada” aos
meios de produção, computando essa parcela proporcionalmente à contribuição
representada pelo bem ou serviço em consideração no processo produtivo (daí a expressão
“teoria da imputação”).

2. Os precursores: equilíbrio entre escassez e demanda

Na economia clássica, os preços derivam das condições de reprodução de um


sistema econômico baseado na divisão do trabalho. No marginalismo, os preços provêm da
avaliação subjetiva dos agentes econômicos e expressam a escassez relativa dos vários
recursos e dos vários bens obtidos a partir deles (essa visão não nasceu com a “revolução
marginalista”, mas tem acompanhado a ciência econômica desde o seu surgimento).

A abordagem subjetiva da teoria do valor teve raízes importantes na Inglaterra, Itália,


França e Alemanha. Na Itália, o expoente mais importante provavelmente foi o abade
napolitano Ferdinando Galiani. Meio século depois, Luigi Molinari Valeriani (1758-1828)
propôs em termos ainda mais claros uma teoria do valor baseada na demanda e na oferta
contra a teoria baseada nos custos de produção, e buscou desenvolver pela primeira vez
uma análise matemática e geométrica da questão. Vários economistas franceses que
sustentaram uma teoria subjetiva do valor nos séculos XVIII e XIX foram apontados por
Jevons no prefácio da segunda edição de sua obra. Particularmente, “Le commerce et le
gouvernement” (1776) de Condillac foi mencionado como “a primeira afirmação distinta da
verdadeira conexão entre valor e utilidade”. O alemão Hermann Heinrich Gossen (1810-58)
desenvolveu uma teoria marginalista do equilíbrio do consumidor. Também na Alemanha,
Johann Heinrich von Thünen (1783-1850) propôs uma análise da substituição entre terra e
trabalho, quando a renda diminui, substancialmente baseada na igualdade entre
produtividade marginal e preço para cada um desses fatores produtivos. Na Inglaterra, de
Petty a Smith, até Ricardo e seus seguidores, a abordagem subjetiva do valor foi
decididamente confinada a um plano secundário. Entretanto, é possível citar Samuel Bailey,
Senior, Whately, Longfield e William Forster Lloyd.

No desenvolvimento de um arcabouço analítico subjetivo, explicações das escolhas


dos consumidores (a demanda) tiveram um papel central. Neste ínterim, encontramos a
principal inovação da abordagem marginalista em comparação com a tradição da escola
clássica: a ideia de explicar o valor de troca com base nos valores de uso. Na perspectiva
clássica, a distinção entre valor de uso e valor de troca já havia sido explicitada, por
exemplo, em Adam Smith, que foi seguido por muitos outros, incluindo Ricardo e John
Stuart Mill. O valor de uso – o fato de ser útil para algum propósito – era considerado uma
qualidade das mercadorias, uma característica indispensável (um pré-requisito) para que os
bens tivessem um valor de troca positivo; não uma característica mensurável e, portanto, um
elemento que não poderia explicar os valores de troca.

É verdade que os economistas clássicos também falavam de valor de uso grande ou


pequeno, porém em termos genéricos. Isso aconteceu, por exemplo, com o paradoxo da
água e dos diamantes: a primeira, dizia-se, apresenta um grande valor de uso, mas um
pequeno valor de troca, enquanto que os diamantes possuem um valor de uso modesto e
um valor de troca considerável. Esse paradoxo foi resolvido antes de Smith, particularmente
por Galiani, lembrando que o bem mais útil também pode ser o mais abundante, sendo a
escassez vis-à-vis a demanda dos compradores potenciais o fator que determina o preço.
No arcabouço clássico, onde a atenção volta-se para as mercadorias reprodutíveis, a
escassez pode ser superada por meio da produção de unidades adicionais da mercadoria;
consequentemente, o valor de troca retorna para a dificuldade relativa de produção.
Podemos, assim, falar em escassez somente quando a quantidade disponível de uma
mercadoria é dada.

O argumento de Galiani prenunciou o elemento chave da teoria marginalista, a


saber, a ideia de que o valor de uso (passível de mensuração) diminui quando a quantidade
consumida de cada mercadoria aumenta. O valor de uso torna-se uma função decrescente
da quantidade consumida de cada bem e o valor de troca pode ser derivado do valor de uso
da última unidade consumida da mercadoria em questão. Para ser desenvolvida no plano
analítico, a teoria subjetiva do valor, isto é, a abordagem que deriva o valor de troca das
mercadorias da avaliação subjetiva dos consumidores, requeria uma noção na qual os
teóricos subjetivistas precursores prenunciaram, a noção de utilidade marginal.
A concepção jevoniana foi construída com outros elementos, além da orientação
subjetivista na explicação da teoria do valor. Primeiro, houve uma reinterpretação do
utilitarismo clássico, originalmente desenvolvido por Bentham com objetivos e significado
diferentes. Segundo, houve uma dupla escolha metodológica: o individualismo metodológico
e a busca pelo rigor científico conduzida pela aplicação do instrumento matemático no
campo econômico.

SCREPANTI, Ernesto; ZAMAGNI, Stefano. An Outline of the History of Economic


Thought. Second Edition. New York: Oxford University Press, 2005, p. 163-173 (Cap. 5,
item 5.1).

CAP. 5 – O triunfo do utilitarismo e a revolução marginalista

5.1. A revolução marginalista

5.1.1. O “clímax” dos anos 1870 e 1880

O quarto de século a partir do começo dos anos 1870 foi um período de contrastes.
De um lado, houve uma continuação/intensificação do processo de profunda mudança
estrutural, que tinha se iniciado durante os 20 anos precedentes; de outro, dificuldades
econômicas de vários tipos e intensidade surgiram parecendo os primeiros sinais de uma
crise geral do sistema capitalista, fazendo com que muitos observadores passassem a falar
de uma “Grande Depressão”.

O crescimento prosseguiu a taxas diferentes em países distintos, mas em todo lugar


acompanhado por um marcante aumento na concentração do capital, com a difusão de
práticas de colusão, fusões e a formação de cartéis. Esse processo foi encorajado pelas
grandes mudanças nas técnicas produtivas, as quais causaram notáveis aumentos no
tamanho da planta, especialmente nas indústrias mecânica, de ferro e aço, de transporte e
comunicações. Além disso, a forma organizacional das companhias limitadas consolidou
sua posição e tornou-se o instrumento privilegiado para a mobilização e o controle de
grandes quantidades de capital necessárias ao crescimento.

As relações sociais, nesse contexto, começaram a se estruturar assumindo duas


configurações diferentes na fábrica e na sociedade. Dentro das empresas, especialmente
naquelas maiores, as relações entre os indivíduos assumiram uma forma hierárquica e
burocratizada, e isso levou as primeiras tentativas de gestão pessoal e as primeiras
formulações da “ciência da gestão”. Na sociedade como um todo, por outro lado, o conflito
de classes aguçou-se dramaticamente e começou a assumir a forma de uma batalha direta
entre poderosos grupos políticos e sindicais.

O desenvolvimento desigual entre os países também produziu uma competição


internacional mais violenta, não somente em preços e tecnologias, mas também nos
modelos organizacionais da firma e da economia nacional. Isso tanto provocou o declínio
paulatino da liderança industrial inglesa quanto aumentou as dificuldades na coordenação
internacional, especialmente nos mercados de capital. De fato, este também foi um período
de instabilidade financeira: crises monetárias graves ocorreram em vários países capitalistas
em 1873, 1882, 1890 e 1893. O sistema bancário inglês, que tendeu a exercer o papel de
emprestador internacional de última instância, teve grande dificuldade em manter a situação
sob controle, e muitas vezes fracassou. Os efeitos dessas crises foram agravados, em
muitos países europeus, por aqueles produzidos por uma longa depressão agrícola, que
tinha sido causada pela competição com os cereais americanos e que tinha produzido uma
redução nos preços dos produtos agrícolas e nas rendas das ainda grandes classes
agrícolas.

Este também foi um período de redução nos preços mundiais e de desaceleração do


crescimento do comércio mundial – fenômeno que deve ser considerado em conexão tanto
com os impulsos deflacionários gerados pela adoção do padrão-ouro pelos principais países
capitalistas quanto com o aumento da competição internacional. Não podemos nos
esquecer do movimento geral de afastamento da tendência de livre comércio que havia sido
muito forte nos 20 anos precedentes, e a emergência concomitante de tentativas difundidas
de protecionismo. Finalmente, o produto nacional cresceu em todos os países por meio de
uma tempestade de ciclos de negócios de curto prazo. Por outro lado, a tendência de
crescimento de longo prazo foi mais fraca em todo lugar do que nos 20 anos sucessivos (a
Belle époque) e na maioria dos países ela foi mais fraca do que nos 20 anos precedentes.
Foi esse fenômeno que levou muitos estudiosos a falarem de uma Grande Depressão.

Três livros importantes foram publicados no começo dos anos 1870 por,
respectivamente, Jevons, Menger e Walras, marcando o início do que mais tarde seria
chamado de “revolução marginalista”. Tais livros são tão diferentes que qualquer tentativa
de agrupá-los poderia parecer pretensiosa. Na realidade, eles tinham várias coisas
fundamentais em comum, mas foi necessário tempo para que isso fosse percebido. Os
pensadores contemporâneos mal notaram as três contribuições inovadoras. Parecia que tais
autores enfrentariam o mesmo destino cruel de outros grandes hereges e precursores.
Como efeito, houve um silêncio quase completo por uma década. Então, de repente,
nos anos 1880 e na primeira metade da década de 1890, a revolução explodiu. Marshall,
Edgeworth e Wicksteed na Inglaterra, Wieser e Böhn-Bawerk na Áustria, Pantaleoni na
Itália, Cassel e Wicksell na Suécia, todos publicaram trabalhos fundamentais no espírito da
nova maneira de fazer ciência econômica. A revolução foi completada em uma década. Nos
30 anos subsequentes, as teorias foram refinadas e generalizadas. Nessa época, o velho
sistema clássico estava morto e enterrado, uma nova ortodoxia se afirmava, e mesmo que
certas diferenças entre as escolas nacionais durassem muito tempo, ficou claro que em todo
o mundo uma única ciência estava sendo estudada e uma língua falada. O sistema
neoclássico se impusera.

5.1.2. O sistema teórico neoclássico

Ainda que alguns elementos tenham surgido muito tempo depois, pode ser útil
sintetizar o sistema teórico neoclássico a fim de entender o significado da revolução dos
anos 1870 e 1880, considerando onde ela iria desembocar.

1. Redução do interesse no crescimento econômico, o grande tema das teorias


econômicas de Smith, Ricardo, Marx e todos os economistas clássicos. Ao invés disso, a
atenção voltou-se para o problema da alocação de recursos dados. É certo que as ideias
básicas dos economistas clássicos concernentes ao problema do crescimento continuaram
influentes. Mas é um fato que, a despeito da presença de considerações relativas à
dinâmica dos sistemas econômicos, os fundadores do sistema teórico neoclássico não
consideraram o problema da evolução das economias industriais. O argumento central da
pesquisa teórica nesse período foi o estudo de um sistema de equilíbrio estático.

Na análise das condições assegurando a alocação ótima de recursos dados entre


usos alternativos, os economistas neoclássicos identificaram um princípio válido
universalmente, que era capaz de englobar toda a realidade econômica. Como Robbins
disse: “Escassez dos meios para satisfazer fins de importância variável é quase uma
condição ubíqua do comportamento humano (...) constituem a unidade do objeto da Ciência
Econômica as formas assumidas pelo comportamento humano na disposição de meios
escassos” (“An Essay on the Nature and Significance of Economic Science”). A tendência a
estender o modelo básico para cada ramo da investigação econômica foi reforçado durante
o curso do século até culminar com o argumento de P. A. Samuelson de que existe um
princípio simples no coração de todos os problemas econômicos: uma função matemática a
ser maximizada sob restrições.
2. Outra característica que une os três fundadores (Jevons, Menger e Walras) e que
permanece um pilar do sistema neoclássico é a aceitação da abordagem utilitarista. A
contribuição teórica mais importante desses precursores reside na maneira em que eles
modificaram o fundamento utilitarista da economia política. O marginalismo deu crédito a
uma versão especial da filosofia utilitarista, na qual o comportamento humano é
exclusivamente redutível ao cálculo racional objetivando a maximização da utilidade. Eles
consideravam que esse princípio era válido universalmente, permitindo o entendimento de
toda a realidade econômica.

3. O método neoclássico baseia-se no princípio de variação das proporções, o


chamado “princípio de substituição”, um método que não tinha equivalente na economia
clássica. Na teoria do consumo, assume-se a substituibilidade de uma cesta de bens por
outra; na teoria da produção, assume-se a substituibilidade de uma combinação de fatores
por outra. A análise é realizada em termos das possibilidades alternativas que sujeitos, tanto
consumidores quanto produtores, podem escolher; e o objetivo é o mesmo: buscar as
condições sob as quais a alternativa ótima é escolhida. Esse método pressupõe que as
alternativas em jogo são “abertas” e que as decisões tomadas são reversíveis; caso
contrário, o princípio da substituição não teria base racional.

4. Uma quarta característica distintiva da abordagem neoclássica envolve os agentes


econômicos. Se eles são sujeitos capazes de realizar decisões racionais a fim de maximizar
um objetivo particular, tais como utilidade ou lucro, eles devem ser indivíduos, ou, no
máximo, agregados sociais mínimos caracterizados pela individualidade da unidade do
tomador de decisão, tais como famílias e empresas. Assim, os agentes coletivos, as classes
sociais e os corpos políticos (que exerciam papel central nos sistemas teóricos dos
mercantilistas, fisiocratas, economistas clássicos e Marx) desapareceram da cena. Com o
pensamento neoclássico, o individualismo metodológico definitivamente entrou na ciência
econômica: o conhecimento das propriedades de um sistema advém do conhecimento das
propriedades de seus elementos.

5. As leis econômicas finalmente assumiram a objetividade e o caráter absoluto das


leis naturais. O problema da escassez estabeleceu a validade universal das leis
econômicas. Para tanto, foi necessário remover as relações sociais do campo da economia,
exorcizando-as como uma superstição, uma perda de tempo, uma matéria desalinhada com
as novas descobertas científicas. A revolução marginalista deu origem a um projeto
reducionista de economia que tem marcado todo o pensamento neoclássico, um projeto
segundo o qual a economia não tem outro campo de pesquisa a não ser as relações
técnicas (a relação entre homem e natureza). Assim, enquanto o reducionismo individualista
levou à eliminação das classes sociais, o reducionismo anti-historicista levou à eliminação
das relações sociais. Enquanto que nos trabalhos dos economistas clássicos e de Marx o
aparato analítico foi construído com referência explícita ao sistema capitalista, cujas leis de
movimento eles desejavam investigar, o paradigma neoclássico fundou-se em uma
historicidade completa.

6. O sexto elemento distintivo do sistema neoclássico reside na substituição da teoria


objetiva do valor por uma subjetiva. Na base do princípio do valor subjetivo está o
argumento de que todos os valores são individuais e subjetivos. O princípio da subjetividade
implica que o valor é tal porque alguém o escolheu como um fim; ao passo que o princípio
da individualidade postula que deve haver um indivíduo particular para o qual aquele fim
possa ser atribuído. Na concepção oposta, do valor objetivo, os valores existem
independentemente das escolhas individuais. O indivíduo pode aceitar ou rejeitar valores,
mas ele não é capaz de influenciá-los. Uma consequência imediata e relevante da
abordagem neoclássica em relação à questão do valor é que a teoria da distribuição de
renda torna-se um caso especial da teoria do valor, um problema de determinação dos
preços dos serviços dos fatores produtivos, ao invés da divisão de renda entre classes
sociais.

5.1.3. O que é uma revolução real?

Os três fundadores do marginalismo não eram completamente integrados dentro da


tradição clássica, estavam à margem dos círculos acadêmicos que cultivavam as teorias
ortodoxas. Isso é verdade tanto para a Inglaterra quanto para o continente (com exceção da
Itália), como demonstrado pelo fato de que não apenas Jevons identificou o inimigo na
“influência nociva da autoridade” de Smith, Ricardo, os dois Mills etc., mas também Walras
violentamente atacou os principais expoentes da economia clássica.

O pensamento econômico clássico evoluiu enquanto preservava intacto o dualismo


metodológico smithiano. A metodologia dos agregados (macroeconomia) permaneceu
ancorada em uma explicação da produção e distribuição baseada nas classes sociais, e em
uma teoria do valor baseada nos custos de produção; ao passo que a metodologia
microeconômica permaneceu ligada a uma teoria do equilíbrio competitivo baseada na
racionalidade – no sentido utilitarista – das escolhas individuais. As duas abordagens
continuaram a se desenvolver por quase um século depois de Smith. Ricardo fez sua
própria revolução, tentando libertar a primeira da segunda. Os marginalistas fizeram o
oposto; sua revolução consistia em: libertar a microeconomia, entendida como uma teoria de
escolhas individuais racionais, da macroeconomia clássica. Isso foi uma revolução não
apenas contra Ricardo, mas contra tudo aquilo que estava presente de maneira confusa no
trabalho de outros economistas clássicos.

A revolução levou a uma modificação no próprio nome da ciência econômica, que a


partir de 1879 (pelo menos no mundo anglo-saxão) começou a ser chamada de “economia”
ao invés de “economia política”. Jevons concordou com essa questão na segunda edição
(1879) da sua “Teoria da Economia Política”.

O estudo de agentes coletivos foi precisamente a característica adotada pelos


mercantilistas para fundar a sua ciência: não mais a economia (doméstica), e sim a
economia política; não mais a administração da família, mas sim do Estado; não mais o
estudo das causas do enriquecimento dos indivíduos, mas sim da nação, do povo, e da
classe mercantil. É significativo que, ao rejeitar a natureza “política” da economia, os
economistas neoclássicos estavam mais uma vez convencidos de que essa ciência tinha a
ver com a economia doméstica. De fato, ela refere-se à maximização do bem-estar das
famílias, ou dos lucros da empresa, os quais são agentes econômicos individuais.

5.1.4. As razões para o sucesso

Por que, em um período de poucos anos, a mensagem contida nos três trabalhos
precursores foi aceita como um “Novo Testamento” pela maioria dos economistas?
Simplificadamente, dois tipos de razão: uma “interna”, outra “externa”. A primeira refere-se à
incapacidade da ortodoxia clássica de resolver uma série de problemas teóricos. As
tentativas de Ricardo de escapar das dificuldades de uma teoria do custo de produção
apenas pioraram as coisas, induzindo Mill a abrir rachaduras que os marginalistas não
tiveram dificuldade em penetrar com sua crítica corrosiva. Além disso, os economistas
clássicos não conseguiram produzir uma teoria da distribuição de renda satisfatória. Essa
era uma falha séria, já que a teoria da distribuição constituía o núcleo da teoria econômica
clássica. Mas isso não é suficiente para explicar o sucesso da revolução marginalista e a
sua rápida conquista de hegemonia.

As razões “externas” são talvez ainda mais importantes que as internas. Por algum
tempo, a teoria ricardiana foi usada pelos economistas socialistas. Em particular, a teoria do
excedente serviu como um fundamento para a teoria da exploração capitalista. Sendo
assim, nos anos 1830 os economistas anti-ricardianos foram motivados, em sua crítica a
Ricardo, pela intenção de atacar as teorias socialistas. Em 1870, as coisas permaneciam as
mesmas e Jevons teve pouca dificuldade em ligar-se à tradição inglesa anti-ricardiana.
Da década de 1870 em diante, o socialismo rapidamente tendeu a identificar a si
mesmo com o marxismo, buscando alcançar o caráter de teoria científica. Foi exatamente
contra esse movimento que alguns dos marginalistas da segunda e terceira gerações
lançaram seus ataques. Para que as críticas ao socialismo, e ao marxismo em particular,
não parecessem muito ideológicas, foi necessário “reinventar” a ciência econômica,
reconstruída sob uma fundação que permitisse a anulação dos conceitos de classe social,
força de trabalho, capitalismo, exploração, excedente. A teoria da utilidade marginal
forneceu a solução. Além disso, essa teoria buscava demonstrar que um tipo de
organização social quase perfeita seria alcançada em uma economia competitiva, onde as
regras de mercado permitiam a alocação ótima e, com isso, a harmonia de interesses e a
maximização dos objetivos individuais.

A retomada de um conflito social agudo e endêmico tornou as comunidades


acadêmicas e os círculos políticos e culturais particularmente receptivos à nova teoria. Em
1889, a II Internacional foi fundada em Paris, sendo muito mais influenciada pelo marxismo.
Esse processo de agregação das organizações revolucionárias foi impulsionado pela
retomada da luta operária em todos os países capitalistas avançados.

Finalmente, é importante observar que o marginalismo, enquanto alternativa à


abordagem clássica, preservou a filosofia básica da última em pelo menos uma questão
essencial. Jevons, Menger e Walras e a vasta maioria dos marginalistas das gerações
seguintes eram apoiadores fervorosos do laissez-faire. Enquanto o laissez-faire clássico
focava no problema da acumulação, o laissez-faire neoclássico era orientado para o
problema da eficiência alocativa. Os países capitalistas mais avançados já haviam resolvido
o problema da “partida industrial”, de modo que as necessidades de acumulação não eram
mais sentidas nos termos em que tinham sido percebidas por Smith. Por outro lado, as
décadas de 1870 e 1880 foram marcadas pela “Grande Depressão”. Não devemos nos
surpreender, portanto, com o grande sucesso de uma teoria que intentava provar que o
mercado é o melhor alocador de recursos e que, se a coisas não funcionam bem, é porque
as coalizões de trabalhadores dificultam o funcionamento do mercado.

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