Você está na página 1de 4

m e l h o r a m e n to g e n é t i co

Biotecnologia

Engenharia genética
introduz novas características
para melhorar plantas
Gustavo Dias Almeida e Aluízio Borém *

Rodrigo Almeida

Campo de produção de sementes melhoradas pela engenharia genética

16
Desde o início da agricultura, as plantas cultura de tecidos vegetais in vitro para O plasmídeo Ti possui genes que co-
vêm sendo modificadas geneticamente algumas espécies de plantas. Aliada a dificam para múltiplas funções, quase
pelo homem. Até recentemente, a única isso, em muitas situações a esterilidade todas relacionadas com a transferência
forma para introdução de caracterís- total ou parcial (albinismo) pode consis- e integração de genes deste plasmídeo
ticas de interesse em um indivíduo ou tir em barreira para a finalização deste (T-DNA) no genoma da célula vegetal.
espécie era por meio de cruzamentos. No processo (Santarem, 2000). Nesta região do T-DNA estão presentes os
entanto, estes métodos convencionais genes que codificam para os fitormônios,
possuem limitações, como as barreiras Clonagem molecular e auxinas e citocininas, provocando o cres-
de isolamento filogenético entre e dentro isolamento de genes cimento desordenado dos tecidos celula-
de grupos gênicos e a ligação gênica, além O primeiro procedimento realizado é a res vegetais. A região do T-DNA contém
do tempo necessário para a transferên- identificação do gene responsável pela a porção do DNA que é transferida, com
cia dos caracteres de interesse. Com os expressão da característica de interesse. suas extremidades direita e esquerda,
avanços da biotecnologia, atualmente Se este gene for encontrado em espécies delimitada por uma região de 25 pb em
o melhoramento de plantas conta com sexualmente compatíveis, técnicas de repetições direitas e imperfeitas. Qual-
importantes ferramentas para a intro- melhoramento genético clássico podem quer sequência de bases que for inserida
dução de novas características, como a ser utilizadas. Considerando que um gene entre essas duas extremidades será
engenharia genética e a transformação. é apenas um pequeno fragmento do ge- integralmente transferida para a planta,
Com o advento destas técnicas, os cien- noma de um indivíduo, o isolamento dos independentemente de seu tamanho.
tistas passaram a incorporar genes de genes de interesse envolve a tecnologia Os genes de virulência (região vir) são
diferentes espécies vegetais, animais ou do DNA recombinante. Após isolar os responsáveis pela codificação de produ-
microrganismos (Perani et al., 1986), de genes responsáveis pela característica tos gênicos que atuam no processo de
forma controlada, no genoma vegetal, de interesse, estes são sequenciados e exportação do T-DNA da bactéria para a
independentemente de cruzamentos, eli- engenheirados. Nesse processo, os genes planta. A região Tra é responsável pela ex-
minando as barreiras filogenéticas entre são colocados sob a expressão de regiões pressão de genes que codificam produtos
os organismos dos três grandes domínios promotoras e terminadoras conhecidas, e governam a transferência conjugacional
(Eubactérias, Archaea e Eukarya). a montante e a jusante do gene, respec- do plasmídeo Ti para outras espécies
A transformação genética de plantas tivamente. Além dessas duas sequências, compatíveis de Agrobacterium (Figura 1).
pode ser definida como a introdução os genes recebem os genes marcadores O plasmídeo Ti transfere apenas a região
de uma sequência de DNA no genoma de seleção. Os métodos mais comuns de do T-DNA, assim, é necessário retirar esses
receptor, excluindo-se a inserção por transformação gênica são a mediada por genes do plasmídeo e inserir os genes de
fecundação. Apesar de existirem outras Agrobacterium e a biobalística. interesse. Isso é realizado pela deleção
técnicas que também permitem a intro- de genes do T-DNA que codificam pro-
dução de genes sem a fecundação, como Transformação por teínas controladoras da síntese dos fito-
a hibridação somática e a cibridação, a Agrobacterium -oncogênicos. Além do mais, é necessário
transformação gênica é a única técnica As agrobactérias são nativas do solo, aeró- introduzir um gene que permita a seleção
que permite inserir apenas genes espe- bicas Gram-positivas, em formas de baci- das células transformadas, como genes
cíficos no genoma vegetal. Para que o lo, pertencentes à família das Rizobiaceae. que conferem resistência a antibióticos
processo de transformação seja efetivo, O gênero Agrobacterium está subdividido (genes marcadores de seleção). Dessa
o DNA exógeno deve ser introduzido em cinco espécies que se diferem entre si forma, a primeira etapa no processo de
em células ou tecidos vegetais aptos a pela patogenicidade e modo de infecção transformação gênica por Agrobacterium
regenerar plantas completas. Tal pro- a diferentes plantas. Tecidos vegetais é a obtenção do plasmídeo desarmado. A
cesso é possível devido ao fenômeno de podem crescer in vitro, sem a adição segunda etapa envolve a obtenção do plas-
totipotência das células vegetais, que é de reguladores de crescimento, que são mídeo Ti contendo os genes de interesse
a capacidade de elas se regenerarem em conhecidos como tumores vegetais. Este na região do T-DNA. Basicamente, dois sis-
novas plantas, na presença de condições fenômeno se deve à presença de opinas temas têm sido utilizados: a cointegração
favoráveis, de nutrientes e de hormônios, e, também, de um plasmídeo que infecta e o sistema binário. Mais recentemente foi
o que torna a cultura de tecidos indispen- naturalmente essas bactérias, conhecido desenvolvida a técnica de desarmamento
sável à transformação gênica. Um fator como plasmídeo Ti (indutor de tumor), por recombinação entre plasmídeo de A.
limitante na transformação gênica tem capaz de introduzir parte de seu DNA no tumefascies e Escherichia coli, descrita
sido a baixa eficiência das técnicas de genoma da planta hospedeira. por Kiyokawa et al. (2009).

visão agrícola nº 13 jul | dez 2015 17


m e l h o r a m e n to g e n é t i co

Figura 1 | Mapa genômico do plasmídeo Ti região vir para que ocorra transferência tungstênio (0,2 a 3,0 μm), revestidas com
mostrando as regiões mais importantes para célula vegetal. Neste caso, o gene o DNA (transgene) que será introduzido
Indução de tumor Síntese de opinas de interesse é clonado e manipulado na espécie transformada, a velocidades
Borda Borda
entre as extremidades do plasmídeo superiores a 1.500 km/h, pelo acelerador
esquerda direita intermediário, independentemente do de partículas.
25pb T-DNA 25pb
plasmídeo-Ti, que é chamado de vetor Por este processo, podem-se bombar-
Região binário. O vetor binário possui baixo peso dear embriões, hipocótilos, cotilédo-
Tra molecular (10 a 15 Kb), fácil manipulação e nes, discos foliares, calos e suspensões
pode se replicar tanto em E. coli quanto celulares, apresentando eficiência de
Genes de
virulência
Catabolismo em Agrobacterium. No entanto, neste transformação de 1% a 5% dos transfor-
de opinas
ORC sistema não ocorre recombinação gênica mantes transientes (Potrykus, 1990).
entre o plasmídeo-Ti e outro vetor, mas Uma derivação desta técnica é a pistola
Adaptado de Andrade et al. 2003; Pacurar et há necessidade de existir um plasmídeo- genética, que consiste no disparo de
al., 2011. -Ti desarmado na linhagem bactéria, micropartículas de ouro sobre o tecido
onde se irá introduzir o vetor binário. vegetal in vivo. A grande vantagem do
Sistema cointegrado Assim, as proteínas expressas pela região processo de transformação via biobalis-
As regiões responsáveis pela síntese de vir do plasmídeo-Ti desarmado promo- tica é a possibilidade de introdução de
auxinas e citocininas localizadas entre vem a transferência do T-DNA do vetor DNA exógeno em qualquer tipo de célula,
as extremidades esquerda e direita do binário para o genoma vegetal. A princí- já que alguns organismos são recalcitran-
T-DNA são removidas por dupla recom- pio, um vetor binário pode ser inserido tes à transformação via Agrobacterium
binação e substituídas por sequências em qualquer linhagem de Agrobacterium (Vidal et al., 2003).
de DNA, geralmente derivadas dos ve- com plasmídeo desarmado, uma vez que
tores do vetor de expressão pBR322. possui região vir intacta (Figura 2b). Regeneração e seleção
Estas sequências fornecem a homologia Após a obtenção dos vetores biná- O sucesso da obtenção de plantas gene-
necessária à recombinação simples e rios, estes devem ser transferidos para ticamente modificadas (GM) depende
à formação do plasmídeo cointegrado. Agrobacterium. Assim que os genes de da capacidade de regeneração de uma
Fragmentos remanescentes de T-DNA, interesse são inseridos em linhagens planta completa a partir da célula. Isso só
geralmente os responsáveis pela síntese bacterianas desarmadas, devem ser é possível porque as células não diferen-
de opinas, podem funcionar como região transferidos o mais rápido possível para ciadas possuem a totipotência, ou seja, a
de homologia. a espécie vegetal, sendo recomendado habilidade de se diferenciarem em todos
O sistema de cointegração exige a o sistema de cocultura, que combina os tecidos vegetais. No entanto, algumas
construção de um vetor intermediário, o processo de regeneração com o de espécies têm se mostrado recalcitrantes
no qual é clonado o gene de interesse. desinfecção do tecido contaminado a este processo de regeneração.
O vetor intermediário é manipulado pela bactéria e seleção das células que
na bactéria E. coli e, posteriormente, expressem os genes. Obtenção de cultivar
introduzido em uma linhagem de Agro- comercial
bacterium. Devido à incapacidade de Transformação por Uma vez selecionados indivíduos T0 que
replicação nas células da agrobactéria, biobalística apresentam expressão adequada, eles
este vetor se cointegra com o plasmídeo O método denominado biobalística ou são autofecundados para obtenção de
Ti por recombinação gênica ou crossing- aceleração de micropartículas permite a progênies homozigóticas transgênicas.
-over. Para isso, a região de homologia é inserção de genes exógenos no genoma O melhor evento de transformação deve
introduzida nas extremidades de onde o nuclear e de organelas dos organismos. ser analisado conforme as exigências da
gene de interesse está no plasmídeo da E. A biobalística consiste na aceleração de Comissão Técnica Nacional de Biossegu-
coli. A necessidade de homologia entre o micropartículas de ouro ou tungstênio, rança (CTNBio), atendendo às questões
plasmídeo e o vetor de clonagem, aliada que atravessam a parede celular e a de biossegurança alimentar e ambiental.
à baixa frequência de recombinação, é membrana plasmática, carreando DNA Com base nas análises realizadas e nas
limitante para essa técnica (Figura 2a). para o interior da célula (Sanford, 1988). experimentações conduzidas com auto-
O método baseia-se no uso de um equi- rização da Comissão, a instituição reque-
Sistema binário pamento que produz força propulsora, rente deve submeter à CTNBio o processo
Baseia-se no fato de que o T-DNA não gás e choques elétricos para acelerar pleiteando a liberação comercial de sua
precisar ser, necessariamente, ligado à micropartículas de ouro (1,0 a 3,0 μm) ou cultivar geneticamente modificada.

18
Figura 2 | Sistemas de vetores para transformação por Agrobacterium: a) sistema Referências bibliográficas
cointegrado; b) sistema binário ANDRADE, G. M.; SARTORETTO, L. M.; BRA-
SILEIRO, A. C. M.Biologia molecular do
processo de infecção por Agrobacterium
a)
spp. Fitopatologia Brasileira. v. 28, n. 5,
p. 465-476, 2003. Disponível em: <http://
w w w. s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? p i d = S 0 1 0 0
pTi -41582003000500001&script=sci_arttext>.
vir
desarmado Acesso em : 2 dez.2015.
BORÉM, A.; ALMEIDA, G. Plantas Geneticamente
Vetor
Modificadas. 1. ed. Visconde do Rio Branco:
intermediário
Editora Suprema, 2011. 390 p.
CARNEIRO, A. A.; GUIMARÃES, C. T.; VALICENTE,
F. H.; WAQUIL, J. M.; VASCONCELOS, M. J. V.;
CARNEIRO, N. P.; MENDES, S. M. Milho Bt:
teoria e prática da produção de plantas
transgênicas resistentes a insetos-praga.
pTi Sete Lagoas: Embrapa, 2009. 26 p. (Embrapa
vir co-integrado Circular Técnica, 135).
KIYOKAWA, K.; YAMAMOTO, S.; SAKUMA, K.;
TANAKA, K.; MORIGUCHI, K.; SUZUKI, K.
Construction of disarmed Ti-plasmids
transferable between Escherichia coli and
Agrobacterium species. Applied And Envi-
ronmental Microbiology, Washington, v.75,
b) n. 7, p. 1845-1851, 2009.
MIKI, B.; MCHUGH, S. Selectable marker genes in
transgenic plants: applications, alternatives
pTi Vetor
vir and biosafety. Journal of Biotechnology,
desarmado binário
n.107, p. 193-232, 2004.
PACURAR, D. I.; CHRISTENSEN, H. T.; PACURAR, M.;
PAMFIL, D.; BOTEZ, C.; BELLINI, C. Agrobacte-
rium tumefaciens: from crown gall tumors
to genetic transformation. Physiological
and Molecular Plant Pathology, n.76, p.76-
Adaptado de Pacurar et al., 2011. 81, 2011.
PERANI, L. Gene transfer methods of crop
Após o evento transgene ter sido libe- de melhoramento. Os programas de improvement: introduction of foreign DNA
into plants. Physiologia Plantarum, n. 68, p.
rado em um país, ele então poderá ser melhoramento geralmente iniciam o pro-
566-570, 1986.
transferido para quaisquer outros culti- cesso de seleção das melhores linhagens
POTRYKUS, I. Gene transfer to plants: assessment
vares comerciais da mesma instituição ou e à medida que elas alcançam estágios and perspectives. Physiologia Plantarum, n.
de outras que tenham licenciado o trans- mais avançados se inicia o processo de 79, p.125-134, 1990.
gene naquela geografia. Este processo de conversão das mesmas, para que o lan- SABRI, N.; PELISSIER, B.; TEISSIE, J. Transient
transferência do transgene para outras çamento do cultivar transgene ocorra ao and stable electrotransformation of intact
black mexican sweet maize cells are obtained
linhagens e cultivares pré-comerciais mesmo tempo que o do convencional. Os
after plasmolysis. Plant Cell Reports, n. 15, p.
e/ou comerciais é realizado por meio novos cultivares GM deverão apresentar 924-928, 1996.
do método de melhoramento dos retro- as mesmas características agronômicas SANFORD, J. C. The biolistic process. Trends in
cruzamentos e assistido por marcadores (rendimento, altura, ciclo, acamamento, Biotechnology, n. 6, p. 299-302, 1988.
moleculares (Miki & McHugh, 2004). Os tolerâncias a estresses bióticos e abióti- VIDAL, J. R.; KIKKERT, J. R.; WALLACE, P. G.; REISCH,
marcadores moleculares possibilitam cos) da linhagem/cultivar convencional B. I. High-efficiency biolistic co-transforma-
tion and regeneration of Chardonnay (Vitis vi-
a identificação, em nível genômico, dos (Carneiro et al., 2009).
nifera L.) containing npt-II and antimicrobial
indivíduos que possuem o transgene, peptide genes. Genetic Transformation and
Gustavo Dias de Almeida é engenheiro agrô-
bem como daqueles cujos genomas são Hybridization, n.22, p.252-260, 2003.
nomo, M.S., D.S. e pesquisador da Monsanto
mais similares ao genitor recorrente, o Company (gustavo.d.almeida@monsanto.
qual pode ser uma linhagem ou cultivar com); Aluízio Borém é engenheiro agrônomo,
comercial, bem como linhagens que estão mestre, doutor e professor da Universidade
Federal de Viçosa (UFV) (borem@ufv.br).
em processo de avanço em um programa

visão agrícola nº 13 jul | dez 2015 19

Você também pode gostar