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Livro Estudo Das Religioes
Livro Estudo Das Religioes
RELIGIÕES
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Pró-Reitor de Ensino de EAD
Janes Fidélis Tomelin
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
Impresso por:
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade,
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil:
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba,
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades
de todos. Para continuar relevante, a instituição
de educação precisa ter pelo menos três virtudes:
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
promover a educação de qualidade nas diferentes
áreas do conhecimento, formando profissionais
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quando
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou
profissional, nos transformamos e, consequentemente,
Diretoria de
transformamos também a sociedade na qual estamos
Planejamento de Ensino
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com
os desafios que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
Diretoria Operacional
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
de Ensino
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns
e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis-
cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe
de professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
AUTORES
SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) aluno(a), este trabalho tem como objetivo principal oferecer alguns recursos em
termos históricos e conceituais para uma abordagem interdisciplinar do fenômeno re-
ligioso. Eles poderão contribuir para a reflexão e construção teológica que você desen-
volverá ao longo de sua vida ministerial.
Da mesma forma, tais recursos serão somados consideravelmente à sua tarefa de aben-
çoar vidas, já que serão de suma importância para a construção do pensamento teoló-
gico e científico. Isto porque este é o primeiro passo para um discurso religioso bem ela-
borado e equilibrado, que alcance o coração e a mente do ouvinte com plausibilidade.
Assim, é possível contribuir para o enriquecimento do homem e crescimento do Reino
entre todos nós.
Afinal, nossa tarefa é aproximar as pessoas de Deus para que se tornem seres humanos
melhores, a fim de viver mais intensamente o presente da vida abundante disponibiliza-
da a nós pela graça. Para isso, quanto mais aprimorado nosso autoconhecimento, mais
eficaz será a nossa atuação. Portanto, conhecer o fenômeno religioso em suas diversas
dimensões nos faz conhecedores de nós mesmos.
O fato do ser humano crer, elaborar e organizar sistemas religiosos é algo que intriga o
próprio ser humano. É um verdadeiro desafio para todo estudante investigar e chegar a
conclusões razoáveis. A religião tem suas “delicadezas” por ser o espaço onde as pessoas
encontram o sentido de sua existência.
Onde há um grupo humano organizado em comunidade, há um sistema simbólico
com sentido próprio, com seus mitos, seus rituais e sua provável crença em algo trans-
cendente. Isso proporciona experiências pessoais e comunitárias que explicam e dão
o sentido para existência e para toda movimentação social e pessoal no mundo. Esses
sistemas são chamados “religião”. Sua diversidade é imensurável, a criatividade impressa
neles é algo fantástico e, provavelmente, inexplicável na sua plenitude.
Como compreender algo que não pode ser alcançado na sua totalidade? Algo que se
distingue de tudo por suster em si uma esfera íntima e pessoal? Não seria melhor não
discutir e simplesmente experimentar? Talvez essa característica tão intrínseca do fenô-
meno religioso explique o jargão popular “religião não se discute”. Contudo, por mais
obscuros que sejam os recônditos da experiência religiosa, não podemos perder a opor-
tunidade de compreender mais amplamente a nós mesmos.
Não podemos deixar de lado, sem qualquer consideração, a capacidade humana de
produzir símbolos e construir mundos que só existem em nossa imaginação, que são
transcendentes da experiência sensorial e empírica. Não podemos deixar de investigar
algo que só o ser humano possui e experimenta, sendo isso um dos caracteres que nos
diferenciam de todas as outras espécies de seres que existem.
APRESENTAÇÃO
Sistemas religiosos, em toda a sua complexidade, devem ser discutidos sim, em to-
das as formas que o ser humano tem de raciocinar, seja pelas ciências hermenêu-
ticas ou pelas empíricas descritivas, pois é certo que elas têm muito a nos ensinar
sobre religião.
Já há algum tempo, as ciências têm tratado do fenômeno religioso. Em certas oca-
siões, esse tratamento teve a intenção de desmerecer a religiosidade, rotulando-a
como algo infantil e fantasioso. Buscou-se, ainda, levantar a possibilidade de que a
explicação científica racionalista do mundo, de seus fenômenos e de suas leis iriam
“desmascarar” a religião, a ponto de torná-la algo obsoleto. Isso porque a explicação
do mundo por meio de mitos e crendices infundadas acontecia simplesmente em
função do desconhecimento da ciência.
Esse desmerecimento, em certa medida, teve sua razão por internalizar a pretensão
de livrar o pensamento das amarras de um mundo totalmente preso ao sistema
teocêntrico. Isto porque ele limitava os espaços para investigações mais audaciosas
que coubessem na mente humana e abrissem outros espaços de relações com o
universo.
A ciência tem explicado esse seu equívoco pela percepção da complexidade do fe-
nômeno religioso, que vai se expondo a cada investida dos pesquisadores na busca
de compreensão racional dos mistérios da fé.
Neste livro, apresentamos uma introdução aos estudos das Ciências da Religião.
Esta disciplina tem conquistado cada vez mais autonomia nos meios acadêmicos e
vai se mostrando muito eficaz para a Teologia quando ambas se propõem ao diálo-
go, visando à contribuição e troca mútua de conteúdos, ideias, valores, métodos etc.
Bom estudo! Esperamos que o aprendizado contribua positivamente para sua for-
mação de teólogo.
09
SUMÁRIO
UNIDADE I
15 Introdução
16 O que é Religião?
35 Considerações Finais
40 Referências
41 Gabarito
UNIDADE II
45 Introdução
70 Considerações Finais
74 Referências
75 Gabarito
10
SUMÁRIO
UNIDADE III
79 Introdução
88 A Alienação Marxista
90 A Reação Fenomenológica
120 Referências
122 Gabarito
UNIDADE IV
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
125 Introdução
153 Referências
155 Gabarito
UNIDADE V
159 Introdução
198 Referências
200 Gabarito
201 CONCLUSÃO
Professor Dr. Sérgio Gini
Professor Me. José Francisco de Souza
RELIGIÃO E CIÊNCIAS DA
I
UNIDADE
RELIGIÃO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Conceituar criticamente o termo “religião”.
■■ Verificar a apreensão do conceito de religião em outras culturas não
cristãs e em épocas anteriores ao Cristianismo.
■■ Conhecer como a religião ordena a vida social.
■■ Estabelecer a religião como objeto válido de avaliação científica.
■■ Entender as nomenclaturas que definem esse campo de estudo.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O que é religião?
■■ A religião em outras culturas e épocas históricas
■■ A religião e sua função social
■■ A religião como objeto da ciência
■■ Por uma nomenclatura coerente
15
INTRODUÇÃO
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O QUE É RELIGIÃO?
O que é Religião?
18 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
uma fé errada, mas à atuação errada, no sentido de um ato incorreto ou reali-
zado de modo exagerado, sem legitimação ou autorização. Outro exemplo pode
ser a referência que se faz ao monge, às freiras e aos outros membros de congre-
gações ou ordens como “religiosos”.
Esse status tem sua caracterização na atuação correta do serviço e no serviço
de culto, e não naquilo que é “crido”. Nessa simples demonstração, percebemos
que “o debate sobre a derivação certa do termo religio mostra que a sua defini-
ção não é possível nos moldes de uma definição objetiva, ‘dada’, mas permanece
vinculada a um contexto histórico-cultural específico” (HOCH, 2010, p. 18).
Lucio Célio Firmiano Lactâncio foi um autor entre os primeiros cristãos que
se tornou conselheiro do primeiro imperador romano cristão, Constantino I.
Ele guiou sua política religiosa, que começava a se desenvolver, e foi o tutor
de seu filho. Sua obra, Divinae Institutiones, marca uma etapa importante
no emprego da palavra e na elaboração do conceito de religião. Partindo da
ideia de que religião e sabedoria só podem ser verdadeiras na sua união, re-
jeitava tanto os cultos pagãos quanto a Filosofia. Para ele, o Cristianismo é a
verdadeira filosofia: a verdadeira sabedoria para os pensadores, a verdadeira
religião para os ignorantes.
Fonte: Azevedo (2010).
Nos séculos XIX e XX, por uma aliança entre o evolucionismo histórico e a
conceituação de religião como termo geral no singular, o conceito “religião” foi
profundamente relacionado à justificação da crítica ao Cristianismo em sua pre-
tensão de superioridade. Criticava-se também a fundamentação da sua exigência
de ser reconhecido como absoluto pela suposição de que a religião perpassaria
um processo de desenvolvimento linear e, desse modo, estaria se movendo em
direção à sua realização no mundo.
Nesse processo, o Cristianismo, como forma mais civilizada e mais altamente
desenvolvida de religião, estaria mais perto desse ideal do que as outras religiões
da humanidade. Assim, nesse tempo, segundo Hoch (2010), a “religião” aparece
como um todo ideal, que está presente nas religiões somente de forma truncada
e insuficiente, por essas não cumprirem, ainda, o seu processo evolutivo.
Portanto desde a era do Iluminismo estamos lidando com o problema
de que o termo religião, como um termo da história intelectual oci-
dental, deve sua origem e a definição de seu conteúdo ao contexto his-
tórico-cultural específico da Europa, por um lado, mas que ele, como
conceito geral por outro, reivindica a possibilidade de nomear também
em outros contextos histórico-culturais algo que corresponde àquilo
que ele também descreve no Ocidente (“cristão”) (HOCH, 2010, p. 20).
O que é Religião?
20 UNIDADE I
Dentro desse contexto, o termo “religião cristã” é outra noção vaga, pois o
Cristianismo se apresenta como católico-romano, protestante, anglicano, evangé-
lico, batista, metodista, pentecostal, ortodoxo-russo, entre várias outras formas de
expressão. Assim, quando falamos em religião, do que mesmo estamos falando?
É importante ter esse questionamento em mente para seguir nosso estudo.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A RELIGIÃO EM OUTRAS CULTURAS E ÉPOCAS
HISTÓRICAS
Uma vez cientes de que o termo “religião” tem seu conteúdo enraizado num con-
texto histórico-cultural, cabe-nos compreender que em outras culturas e épocas
históricas não há um termo correspondente. Existem alguns que se aproximam,
como: eusébeia, do período clássico da Grécia, que designa temor e respeito não
apenas aos deuses, mas às pessoas importantes e aos objetos; latréia, que pode
se referir a um serviço de culto, tendo um sentido genérico e designando um
serviço prestado num sentido geral e profano; e threskéia, que descreve um ato
concreto, o cumprimento de um mandamento. Há algo em comum entre esses
termos e o nosso termo “religião”, contudo, eles vão além do que entendemos
como religião, segundo Hoch (2010).
de que os deuses seguram e mantêm unido o cosmo. Também tem sua abrangên-
cia alcançando a “lei” e a ordem de castas em tradições hindus, o que colocam em
evidência aspectos do sistema de ordenamento ritual e social. Nas tradições budis-
tas, o termo é relacionado com o ensinamento do Buda e alcança uma abrangência
como categoria ontológica, relacionada à existência (HOCH, 2010).
Esse também é um termo que se distancia, em seu significado e abrangência, do
termo “religião”, considerado no ambiente ocidental. A problemática da questão se
acentua quando consideradas outras regiões e povos. Ainda segundo Klaus Hoch:
Uma perda total de qualquer chão seguro há, por exemplo, no caso
das religiões africanas ou oceânicas, onde geralmente não encontra-
mos nada que se destaque como área parcial claramente distinguível de
“religião” dentro do complexo geral da cultura. Não é de admirar que,
antigamente, viajantes ou etnógrafos que se confrontaram com essas
culturas julgaram ou que ali não haveria religião alguma ou concluíram
que ali tudo era religião (HOCH, 2010, p. 22).
Essa realidade justifica o porquê da busca por padrões e regularidades que gover-
nam a vida religiosa da humanidade existir a séculos. Friedrich Max Müller, em
1870, quando sugeriu a criação de uma nova disciplina que chamou de “Ciência da
Religião”, tinha como um de seus alvos encontrar elementos padrões e princípios que
pudessem oferecer uniformidade a todas as religiões de todos os tempos e lugares.
Ele entendia que muito poderia ser ganho se os fatos, os costumes, os ritu-
ais e as crenças que compunham as diversas religiões “fossem investigados pelos
métodos científicos para que houvesse desenvolvimento de teorias e comparações”
(PALS, 2006, p. 4). Assim, seria possível compreender a complexidade, o cerne
e a natureza do fenômeno religioso e “poder explicá-lo em termos estritamente
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mo “henoteísmo” para definir uma forma de religião em que se cultua um só
Deus, sem que se exclua a existência de outros. Da Alemanha, emigrou para
Paris, França, onde em 1845 começou a pesquisar a ciência da religião compa-
rativa e escreveu o Rig Veda, com base nos textos sagrados indianos. Em 1846,
foi para a Inglaterra, onde foi recebido pela Rainha Vitória e pelo príncipe con-
sorte, que o conduziram até a Universidade de Oxford, onde ele adquiriu fama
e fortuna. Em 1868, foi nomeado professor de Filosofia Comparativa. Sua mais
importante obra foi Sacred Books of the East (51 volumes publicados entre
1879 e 1910). Max Müller morreu em Oxford, na Inglaterra, em 1900.
Fonte: Bosch (2002).
O Deus dos filósofos seria um deus essencialista? O que é este ser? De que é
feito? Quais as suas causas e para que fim tende?
(Adaptado de Konings & Zilles, 1997).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dependendo do observador. Se a conceituação do termo não soa promissora, o
desafio para compreendê-lo cientificamente é instigante, como veremos a seguir.
Definições que abrem mão da essência, que não perguntam o que a religião é, prefe-
rem defini-la pelo que ela faz e o que causa, são funcionalistas, pois estão vinculadas
à suposição de que a religião reage a problemas humanos comuns e fundamentais,
que não podem ser solucionados tecnicamente (crises existenciais, dúvidas quanto
ao sentido último da vida etc.). Essa caracterização humana — uma essência que
não se acomoda, mas transpõe as respostas e soluções tecnicistas — descreve o ser
humano como ser religioso, fazendo, portanto, a religião parte da condição humana.
É discutível, porém, que as questões existenciais, as dúvidas quanto ao sen-
tido da vida e outras inconformidades a que os seres humanos estão sujeitos
ocorrem de forma independente, como simples produtos da natureza humana a
despeito da cultura. Por outro lado, caso esse funcionalismo resolvesse a questão,
as respostas pelo empenho da religião seriam muito diversificadas. Ficaríamos
expostos a uma multiplicidade de definições funcionais, uma para cada um dos
problemas humanos que não podem ser submetidos às soluções técnicas.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A crítica a teses funcionalistas como essa é que elas ignoram os conteúdos espe-
cíficos da religião e tornam esses elementos não religiosos para responderem à
pergunta pelo empenho e função da religião.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
é algo concreto, ou seja, é sempre uma determinada religião. Cada
uma das milhares de religiões que podem ser escolhidas e estudadas é
representada como uma totalidade passível de investigação de acordo
com quatro perspectivas: como comunidade, como sistema de atos,
como conjunto de doutrinas ou como sedimentação de experiências
(GRESCHAT, 2005, p. 24-25).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
por movimento cíclicos de três fases: a subida de um paradigma, a fase
da ciência normal rotineira e o declínio de plausibilidade, ou seja, a
validade de um paradigma até a revolução científica mediante a qual um
novo paradigma se impõe como sujeito do mesmo processo histórico
(USARSKI, 2001, p. 77).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tura acadêmica que se faz na Pedagogia, por exemplo. Segundo o autor:
Embora essa disciplina também não possua uma metodologia e apare-
ça como ponto de interseção de diversas matérias, como a psicologia da
educação, a sociologia da educação, a filosofia da educação e assim por
diante, não está em pauta designá-las pedagogias. Em outras palavras: não
se questiona a mudança do nome pedagogia só porque concentra o tema
educação em um quadro acadêmico que, ao mesmo tempo, serve como
reservatório intelectual disposto a integrar qualquer resultado de pesqui-
sa direta ou indiretamente vinculado à educação, independentemente da
questão de um saber relevante ter sido produzido originalmente dentro
da própria disciplina ou em qualquer outra (USARSKI, 2006, p. 73-74).
Esse mesmo argumento, segundo Usarski (2006, p. 74), vale para a Ciência da
Religião, que se aproveita dos “conhecimentos e métodos de suas subdisciplinas
e disciplinas auxiliares mais importantes” (as filologias, a História, a Sociologia
da Religião e a Psicologia da Religião), bem como de “outros conjuntos acadê-
micos, por exemplo, da etnologia, da antropologia ou da geografia”. Por fim,
Usarski sela seu argumento destacando que:
Ante o fato de que se trata de uma ciência metodologicamente integrati-
va, a caracterização da disciplina como campo disciplinar perde relevân-
cia para a questão da nomenclatura adequada. Em outras palavras: a falta
de uma metodologia própria não é razão suficiente para negar a legitimi-
dade do singular no termo Ciência da Religião (USARSKI, 2006, p. 74).
Nos anos 1980 e início dos anos 1990, houve um debate sobre se o estudo
das religiões deveria ser considerado uma disciplina “histórica” ou “científi-
co-social”. A ala da história era defendida por aqueles que estavam engaja-
dos em vários tipos de estudos sobre o Oriente, enquanto a ala científico-so-
cial foi fortemente defendida por aqueles especializados em Antropologia
(no senso de Etnologia). Embora sem consenso, prevaleceu o uso de ambas
as abordagens de forma integrada nas Ciências da Religião.
Fonte: Pye (2011).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Os defensores do termo “Ciência das Religiões”, por sua vez, partem do mesmo
pressuposto elencado por Usarski ao se referir à integração das várias ciências
em uma única disciplina. Porém, enfatizam que “a razão para se usar o plural,
religiões, é bastante aparente. Há de fato, muitas religiões” (PYE, 2011, p. 17).
Nesse sentido, a “Ciência das Religiões” procura ampliar o seu campo disci-
plinar para além do ponto de vista religioso de teólogos cristãos ou de motivações
religiosas de outras tradições, como Hinduísmo ou Budismo. Essa ciência irá
produzir o estudo não religioso das religiões, liberto das motivações religiosas
e de manipulações políticas. Pye argumenta que:
Tal entendimento do estudo não religioso das religiões é agora bastante
difundido e tem uma tradição intelectual consistente. É nesse sentido que
considero a Ciência das Religiões como uma disciplina “autônoma”. Esse
termo não implica uma teoria em particular sobre a “realidade transcen-
dente” ou algo assim, significa simplesmente que a Ciência das Religiões
não deveria ser subordinada a alguma outra disciplina (PYE, 2011, p. 17).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(Michael Pye)
Caro(a) aluno(a), para concluir este tópico, vale salientar que as Ciências da
Religião não são reféns da Teologia ou estão sob a tutela eclesiástica. Sua auto-
nomia enquanto disciplina acadêmica e científica está confirmada desde as três
últimas décadas do século XIX (USARSKI, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), concluímos esta primeira unidade seguindo até aqui a orien-
tação de Klaus Hoch (2010). Abordamos algumas questões sobre as tentativas
de desenvolvimento de um conceito de religião e concluímos que um conceito
aberto, científico e que envolva a totalidade do objeto, como sugerem os pen-
sadores citados nos referidos tópicos, é o mais coerente com o que se propõe às
Ciências da Religião.
É claro que esse não é o melhor conceito para a Teologia ou para as igrejas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cristãs. Contudo, a proposta, que já está bem acentuada, é por uma conceitua-
ção científica do termo, para que se tenha um objeto de pesquisa empírica sujeito
à observação, experimentação, comparação e explicação concernentes com os
métodos das ciências humanas e sociais e com os resultados racionais que se
pretendem alcançar.
Compreender a religião como totalidade, segundo Greschat (2005, p. 24),
torna-se um divisor de águas entre cientistas da religião e outros cientistas que se
ocupam apenas esporadicamente da religião. Segundo o autor, “diferentemente das
definições de religião, o objeto ‘religião’ não existe apenas na cabeça dos pesqui-
sadores. Ele está no mundo exterior, onde pesquisadores realmente o enxergam”.
Dessa forma, qualquer religião que seja escolhida para estudo e análise será
representada como uma totalidade de acordo com quatro perspectivas: “como
comunidade, como sistema de atos, como conjunto de doutrinas ou como sedi-
mentação de experiências” (GRESCHAT, 2005, p. 24). Essa é a validade acadêmica
das Ciências da Religião e seu contraponto à Teologia.
Assim observado, podemos prosseguir agora para uma compreensão mais
elaborada do que se trata Ciências da Religião. Para isso, será importante que se
compreenda a trajetória histórica da disciplina. Dessa forma, é necessário verifi-
car em que contexto religioso político e acadêmico surgiu, quais suas primeiras
propostas e teorias e como se desenvolveram os métodos até que se chegasse aos
dias atuais como uma disciplina autônoma no ambiente universitário.
Considerações Finais
36
Assim, qualquer coisa genuinamente humana é ipso facto religiosa e os únicos fenôme-
nos não religiosos na esfera humana são os baseados na natureza animal do homem ou,
mais precisamente, aquela parte de sua constituição biológica que ele tem em comum
com os outros animais.
Eu compartilho inteiramente dos pressupostos antropológicos de Luckmann (vide nos-
so esforço teórico conjunto em The Social Construction of Reality, 1966, no qual, logica-
mente, nós contornamos nossa diferença com relação à definição de religião) e também
concordo com sua crítica de uma sociologia da religião fixada na Igreja como institucio-
nalização historicamente relativa da religião.
Todavia, eu questiono a utilidade de uma definição que iguale religião e humano tout
court. Uma coisa é apontar os fundamentos antropológicos da religião na capacidade
humana de autotranscendência; outra, igualá-las. Afinal, existem formas de autotrans-
cendência e concomitantes universos simbólicos muito diferentes uns dos outros, não
obstante a identidade de suas origens antropológicas.
Assim, pouco se ganha, em minha opinião, ao se chamar a ciência moderna, por exem-
plo, de religião. Se se fizer isso, ter-se-á subsequentemente de definir de que forma a
ciência moderna é diferente daquilo que todos chamam de religião, inclusive as pessoas
engajadas na Religionswissenschaft, o que coloca de novo o mesmo problema de defi-
nição. Acho muito mais útil tentar uma definição explícita de religião desde o começo
e tratar as questões de suas raízes antropológicas e de sua funcionalidade social como
assuntos separados.
É por essa razão que, aqui, eu tentei operar com uma definição explícita de religião em
termos de postulação de um cosmos sagrado. A diferença nessa definição, é claro, é a
categoria do sagrado, que tomei essencialmente no sentido a que, desde Rudolf Otto, a
Religionswissenschaft lhe dá (e que, aliás, Luckmann considera como virtualmente inter-
cambiável com sua concepção do religioso, o que torna ainda mais difícil a diferenciação
entre as várias formas históricas de simbolização).
Isso não é apenas o caminho conceptualmente, mas, penso eu, permite distinções me-
nos complicadas entre cosmos empiricamente observáveis. Deve-se enfatizar, porém,
que a escolha de definições não implica diferenças na interpretação de desenvolvimen-
tos sócio-históricos particulares. Afinal de contas, suponho, definições são questão de
gosto e assim ficam sob a máxima de gustibus.
Fonte: Berger (1985, p. 181-184).
38
1. Como visto no primeiro tópico desta unidade, quais as funções sociais que você
poderia atribuir à religião?
2. A partir dos estudos sobre o termo “religião”, você concorda com o conceito
aberto e universalista das Ciências da Religião que vimos no segundo tópico?
Justifique sua resposta negativa ou afirmativa e faça comparações com o seu
conceito cristão.
3. Qual a sua opinião sobre o que se espera da religião em vista da cultura em seu
conjunto, de acordo com a visão funcionalista vista no terceiro tópico desta
unidade?
4. Cite e discorra brevemente sobre as dimensões da religiosidade desenvolvidas por
Charles Glock e Rodney Stark e apresentadas no quarto tópico desta unidade.
5. Conceitue e diferencie os termos “Ciência da Religião”, “Ciência das Religiões” e
“Ciências da Religião”.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
40
REFERÊNCIAS
1. Nessa questão, o(a) aluno(a) deve abordar as funções sociais atribuídas à reli-
gião, tais como: agregar os indivíduos à sociedade, servindo de instrumento de
controle social, e manter a ordem, funcionando como um código moral, um mo-
delo a ser seguido por seus adeptos, dando ênfase, enquanto valor agregado,
à regularidade para a sociedade e possibilitando uma reflexão do ser humano
para além de si mesmo.
2. Não será analisado se o(a) aluno(a) concorda ou não com o conceito proposto,
e sim sua capacidade de justificar a resposta e agregar ao seu referencial cristão.
3. Na perspectiva funcionalista, já adiantada na primeira pergunta, a função prin-
cipal da religião consiste na integração da sociedade. A resposta desta questão
está contida na primeira, o que forçará o(a) aluno(a) a, obrigatoriamente, recor-
rer àquela.
4. As dimensões da religiosidade são: a dimensão ideológica, a dimensão ritualista,
a dimensão da experiência, a dimensão intelectual e a dimensão pragmática.
O(a) aluno(a) deverá discorrer brevemente sobre cada uma delas.
5. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá ser capaz de identificar as três propostas
distintas para o termo, enfatizando a questão multidisciplinar, a questão do sa-
grado e as diversas variações do fenômeno religioso.
Professor Dr. Sérgio Gini
Professor Me. José Francisco de Souza
II
UNIDADE
ESTUDOS DA RELIGIÃO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o contexto histórico em que há proposta de uma
Ciência da Religião.
■■ Apresentar como o Iluminismo influenciou positivamente o debate
sobre religião.
■■ Avaliar a validade das primeiras teorias da religião que deram início
ao estudo científico do fenômeno.
■■ Conhecer o desenvolvimento das primeiras teorias científicas da
religião.
■■ Organizar o debate que diferencia as Ciências da Religião da Teologia.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O contexto histórico das Ciências da Religião
■■ O século das luzes e a religião natural
■■ Religião pode ser ciência?
■■ Teorias da origem da religião
■■ Teologia versus Ciências da Religião
45
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), nesta unidade, iremos estudar uma breve história das Ciências
da Religião, com o objetivo de compreender o contexto em que surge a proposta
de estudar a religião sob o prisma da ciência e com o auxílio de disciplinas cien-
tíficas das ciências humanas, como a Filologia, no início, e depois a Etnografia,
a Antropologia, entre outras.
O nascimento de uma nova ciência é sempre marcado por um processo de
ruptura; no caso das Ciências da Religião, a ruptura aconteceu com a Teologia.
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Introdução
46 UNIDADE II
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O CONTEXTO HISTÓRICO DAS CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO
A China de Confúcio poderia não conhecer Cristo, mas, de alguma forma, sem
a Bíblia para guiá-los, produziram uma civilização pacífica e de moralidade ele-
vada. Se os apóstolos tivessem visitado a China ficariam admirados.
Ao mesmo tempo em que esses contatos aconteciam, a civilização cristã
encontrava-se envolvida numa sangrenta guerra. Liderados por Martinho Lutero
(na Alemanha), por Ulrico Zuínglio (na Suíça) e por João Calvino (em Genebra e
na França), os novos movimentos protestantes ao norte da Europa desafiavam o
poder da Igreja Romana e rejeitavam sua interpretação bíblica e autoridade papal.
Enquanto os exploradores viajavam, seus conterrâneos frequentemente se
inflamavam com o fogo das perseguições e das guerras. Comunidades eram divi-
didas pela ferocidade das querelas teológicas, primeiramente entre católicos e
protestantes, depois entre as denominações e vários outros diferentes grupos que
começaram a aparecer entre a cristandade.
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a Europa nos séculos XV e XVI, não surpreende que fiéis de todos os lados tinham
cada vez menos certeza de que a verdade final de Deus estava em suas mãos somente.
A mortal e destrutiva guerra religiosa, que persistiu por mais de cem anos
em alguns lugares, levava pessoas a acreditarem que a verdade sobre a religião
não poderia ser encontrada em vertentes preparadas para torturar e executar
seus oponentes, atribuindo tais aberrações à vontade de Deus.
Certamente, alguns entenderam que a verdade da religião deveria ser encon-
trada além das querelas da Igreja, além das torturas da estaca e do fogo. Para
estes, a fé da Europa encontraria uma forma pura e comum, uma estrutura mais
universal de fé e de valores.
Como povos que não conheciam a Bíblia e a Cristo podiam viver em uma
sociedade ordenada, pacífica e em completa sintonia com a natureza?
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larmente a partir dos anos 1700, a fascinação tomou conta dos ocidentais. Suas
invenções, especiarias, porcelanas, chás e móveis deram evidências da civilidade,
elegância, prosperidade e piedade dos chineses, tudo obviamente alcançado sem
qualquer ajuda da Bíblia. Essas produções culturais, aliadas especialmente à ética
de Confúcio, exibiam as virtudes da religião natural.
Müller era admirado por seu conhecimento do Hinduísmo e também por ter
adquirido grau de mestre em escrita da língua inglesa. Seu conhecimento era
aplicado com grande maestria em seus escritos populares sobre Mitologia, o que,
por sinal, atraía muito a atenção dos leitores britânicos. Assim, naquela ocasião,
em Londres, ele se encorajou e propôs um objeto de pesquisa diferente, algo
novo que denominou “Ciência da Religião”.
Aquelas palavras faziam uma combinação duvidosa, que espantou a audi-
ência; afinal, se tratava de duas áreas extremas que, na razão da época, não
poderiam se combinar, já que eram opostas, ciência e religião. Müller falava
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no final de uma década marcada pelo debate incisivo promovido pela polêmica
obra A Origem das Espécies (1859) de Charles Darwin (1809-1882) e sua pro-
posta teórica da evolução pela seleção natural. A mente e os ouvidos britânicos
estavam marcados por um discurso muito evidente da ciência, colocando-se
contrária à religião e vice-versa.
Assim, em princípio, não fazia qualquer sentido uma combinação daquela,
portanto, uma “Ciência da Religião” caiu naquele ambiente como algo que cau-
sou muito espanto e curiosidade, no mínimo. Algumas questões se sobressaíram
ali imediatamente: como as antigas certezas da fé poderiam se misturar com um
programa de estudos voltado para a experimentação, revisão e mudança? Como
as cosmovisões opostas desses dois inimigos mortais se encontrariam sem que
uma destruísse a outra? As respostas eram praticamente impossíveis, mas Müller
era uma mente diferente.
Sua certeza de que ambos universos poderiam se encontrar, e que um
verdadeiro estudo científico da religião teria muito a oferecer para ambos os
lados dessa controvérsia era evidente. Em sua palestra, a primeira de uma
série que foi publicada como Introdução à Ciência da Religião (1873), procu-
rou mostrar a possível conciliação entre as duas áreas: ciência e religião. Com
tom argumentativo, ele lembrou seus ouvintes de que as palavras do poeta
alemão Johann Goethe (1749-1832) para a linguagem humana poderiam,
também, ser aplicadas à religião: “Quem conhece uma, conhece nenhuma”.
No seu sentido estrito, a palavra sânscrita Veda (cuja raiz é o verbo vid = sa-
ber) se refere ao conjunto de quatro compilações de textos (de acordo com
a pesquisa ocidental, escritos entre 1.500 e 1.200 a.C.) considerados pelos
hindus a base sagrada da sua religião.
Fonte: Greschat (2005, p. 49).
É claro que nem todos que estavam entre os estudiosos que ouviam Müller con-
cordaram com a ideia de que haveria algum valor a ser encontrado a partir do
estudo de várias religiões. Na Alemanha, o jovem Adolf von Harnack (1851-
1930), o mais famoso historiador da Igreja da época, insistia que somente o
Cristianismo interessava. As outras expressões de fé não tinham qualquer valor
em si para que se investisse nelas tempo de estudos para construções teóricas.
Para Harnack (2009, p. 19), “qualquer um que não conhecesse a religião cristã
não conhecia nenhuma”. Essas palavras foram a resposta para a visão de Müller.
Ele ainda disse “e qualquer um que conhecer a fé cristã e sua história, conhece a
todas” (Idem). Não havia, para o historiador, validade alguma ir aos índios, aos
chineses ou mesmo aos negros ou aos papuas para conhecer sua religião. A civi-
lização cristã seria a única destinada a prevalecer.
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com Pals (2006, p. 3-4) “ele estava convencido de que estudos sérios mostrariam
como algumas intuições espirituais profundas poderiam relacionar sábios das
distantes Índia e China com mártires e santos da Igreja cristã”. É bem verdade
que a proposta de Müller não era tão nova assim, pelo menos sob alguns aspec-
tos. A crítica racional da religião no Ocidente era um empreendimento tão antigo
quanto a Filosofia grega, que havia debatido e investigado diversos aspectos.
Já no limiar da filosofia, o pré-socrático Xenófanes (570-475 a.C) subme-
teu o politeísmo grego a um ataque incisivo. Também Heródoto (484-425 a.C.)
descreveu diversas religiões antigas e as contrastou com os costumes e as práti-
cas dos gregos. A originalidade do projeto de Müller, porém, logo acompanhado
por outros pensadores britânicos — como Edward Burnett Tylor (1832-1917) e
James George Frazer (1854-1941) — era a natureza do projeto, o tipo de investi-
gação por eles proposta a partir de parâmetros construídos pela ciência moderna.
Estava à disposição desses autores um modelo de investigação com poder
e eficiência comprovados, construído pelas ciências naturais, que poderia ser
adaptado com sucesso para o campo de estudo do fenômeno religioso. Eles se
diferenciariam do que havia até então acontecido, com estudos caracterizados
por um sistema de opiniões baseadas em racionalizações, provenientes de pres-
supostos filosóficos ou teológicos e não da observação e coleta de dados objetiva.
Além da comparação ampla capaz de produzir uma teoria universal para dar
conta do fenômeno religioso no espaço, uma das tarefas dessa ciência seria expli-
car as origens da religião, identificar as primeiras ideias e práticas religiosas e
sua evolução ao longo do tempo até os dias modernos. Para isso, a Ciência da
Religião teria de ser, então, uma ciência histórica.
O ambicioso programa proposto parecia factível para os seus idealizado-
res, pois o avanço de áreas do conhecimento, como a Arqueologia, História,
Antropologia e Crítica dos Textos poderia contribuir se fosse posto a serviço da
Ciência da Religião (FILHO, 2004).
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Caro(a) aluno(a), a ideia e iniciativa de Müller têm suas raízes numa época em
que a Europa estava efervescente com novas descobertas, principalmente de novos
mundos, povos e religiões. Também era um contexto muito negativo quanto à
religião cristã. A Reforma havia acontecido, e as guerras que a sucederam cria-
ram dúvidas e frustrações. Além disso, a possibilidade de outra verdade levou
muitos a repensarem os paradigmas da fé.
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TEORIAS DA ORIGEM DA RELIGIÃO
Para Friedrich Max Müller, os deuses nada mais seriam do que a personificação
de grandes fenômenos da natureza. Seus pressupostos de partida são: a religião
deve começar por um conhecimento sensorial, deve ter origem na experiência
concreta; os homens sempre tiveram certa intuição do divino ou uma ideia do
infinito (TERRIN, 2003).
Por meio dessas premissas, a conclusão de Müller é que a ideia do infinito,
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ANIMISMO DE EDWARD BURNETT TYLOR
Edward Burnett Tylor foi um autodidata inglês que tinha grande interesse pelos
estudos da cultura humana e pela organização social. Alguns até o consideram
como o fundador da Antropologia Social ou Cultural, como são praticadas agora
na Inglaterra e Estados Unidos. Embora descendente de uma próspera família
de Quakers — um forte ramo do protestantismo inglês muito conservador —,
Tylor preferiu uma posição religiosa mais liberal. Isso fica claro em seus traba-
lhos, que mostram uma grande aversão por todas as formas de tradicionalismo de
fé e prática cristãs, principalmente o Catolicismo Romano (PALS, 2006, p. 18-9).
Tylor ficou órfão quando ainda era jovem e procurou se preparar para
administrar os negócios de sua família, contudo, aos vinte e três anos, teve
de deixar a Inglaterra e os negócios da família para passar um tempo em um
lugar de clima quente, buscando a cura para sua tuberculose. Tylor se mudou
para a América Central em 1855.
Parece que a mudança foi promissora, pois combinava muito bem com seu
interesse em estudar culturas diferentes. Enquanto viajava, foi tomando nota
de tudo que se referia aos costumes e às crenças dos povos com os quais tinha
algum contato. O resultado de suas observações foi publicado quando ele vol-
tou à Inglaterra, num livro intitulado Anahuac: Ou Mexico and the mexicans,
ancient and modern (1861).
Contudo, sua obra prima foi publicada em 1871: Primitive Culture. Um texto
editado em dois volumes pela sua densidade, nos quais ele desenvolve toda a
sua Teoria do Animismo. Esse se tornou o principal trabalho de sua carreira e
um marco no estudo da civilização humana. Esse importante texto entusiasmou
vários jovens estudantes a se tornarem discípulos de Tylor.
Em 1884, foi convidado pela Universidade de Oxford para ser o primeiro
palestrante do novo campo, Antropologia. Mais tarde, tornou-se o primeiro
professor da disciplina, tendo uma longa carreira que se estendeu até depois da
Primeira Guerra Mundial (PALS, 2006).
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arte, moral, ferramentas, tecnologia, linguagem, leis, costumes, lendas, mitos e
outros, que formam o todo de uma singularidade. Para a Etnologia, esse com-
plexo deve ser investigado cientificamente (PALS, 2006).
Essas diferenças entre os dois proponentes dos estudos científicos do fenô-
meno religioso dão a Tylor maior evidência, pois sua Teoria Animista teve uma
história mais extensa e obteve consenso mais amplo. Sua base tem três pontos.
Em primeiro lugar, existe a ideia de alma, que está na origem da religião; da ideia
de alma, lentamente se passou à ideia de espírito, que, ao longo do tempo, torna-se
objeto de culto; enfim, a ideia de espírito teria se multiplicado, incluindo muitos
espíritos. “Em certo momento da história primitiva, um espírito teria se sobressa-
ído aos outros, sendo-lhe atribuído o título de Ser supremo” (TERRIN, 2003, p. 55).
Para Tylor, o caminho ideal para se obter a resposta quanto à origem da reli-
gião está na investigação dos mitos. Esse caminho deveria ser tomado a partir
do momento em que se soubesse exatamente o que é religião. Já vimos, ante-
riormente, seu conceito de religião: a fé em seres espirituais, fórmula que tem o
mérito de ser simples, franca e abrangente.
Embora se encontrem outras similaridades entre as religiões, Tylor concluiu
que uma característica compartilhada por todas as religiões, fossem elas gran-
des ou pequenas, antigas ou modernas, era a crença em espíritos que pensam,
agem e sentem como pessoas humanas. A essência da religião como mitologia é
o animismo (do latim anima, que significa espírito) — a crença em vida, pode-
res pessoais por trás de todas as coisas.
Fonte: os autores.
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teórica que perde passo a passo o contato com a realidade, usando um
método de psicologia introspeccionista que certamente não pode ser
controlável. O etnólogo Evans Pritchard escreve a respeito disso, que se
trata de um exemplo refinado de construção hipotética, e que as ideias
da alma e espírito poderiam ter surgido na maneira descrita por Tylor,
mas não há evidências de que as coisas tenham passado desse modo;
2- mesmo admitindo que o sonho, com duplicidade que ele cria, tenha
origem à ideia de alma, resta a ser esclarecido o valor etnológico da
segunda passagem da alma para o espírito. Aqui, de fato parece que
encontramos o ponto fraco da teoria de Tylor, como apontam os etnó-
logos, por haver uma diferença muito grande entre ficar livre do corpo
e um espírito que se torna objeto de culto; 3- a terceira e última obje-
ção de sempre, de caráter geral. Como é possível que, a partir de uma
ilusão, tenha-se desenvolvido um mundo religioso que desde sempre
se apropriou de valores fundamentais reconhecidos por toda a huma-
nidade? Na realidade, se a teoria animista fosse verdadeira, as crenças
religiosas se reduziriam a simples ilusões, sem nenhum fundamento
objetivo, pelo fato de que na noção de espírito e de divindade nada mais
se vê a não ser a noção de “alma mais elevada”. Tudo isso não é admissí-
vel: não se pode admitir que as ideias de alma e espírito tenham surgido
de um simples erro de raciocínio que dizia respeito aos sonhos depois
de repercutido em toda a história da humanidade e na constituição da
própria religião (TERRIN, 2003, p. 57-58).
Embora mais coerente e mais aceita entre os estudiosos da religião de sua época
e os posteriores, a teoria do início da religião fundamentada no animismo tem
seus problemas e incoerências.
Apesar de ter todo o cuidado para ser o mais científico possível, vemos que
Tylor foi vítima de uma forte tendência de seu tempo, basear suas pesquisas e as
suas conclusões em inferências que, embora se caracterizem como argumentos
intelectuais muito bem construídos, ainda assim não podem ser considerados
científicos pela falta de dados e experimentação.
Também os conceitos de alma e espírito que ele carrega compõem uma cons-
trução derivada do seu ambiente religioso proveniente da cultura judaico-cristã
e greco-romana.
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Desde cedo em sua carreira, quando era ainda um jovem estudante dos clássicos na
Universidade de Cambridge, James George Frazer se tornou um converso às ideias e
aos métodos de Tylor. Consequentemente, investiu seus esforços em pesquisas na área
de Antropologia e procurou ampliar e criar sua própria versão da Teoria Animista.
Sua principal obra foi The Golden Bough (Ramo Dourado), escrita entre 1890 e
1915. Trata-se de um estudo monumental de costumes e crenças primitivas. A publi-
cação desse livro ocupou a maior parte dos anos de sua vida adulta e se tornou sua
afirmação definitiva sobre a origem e natureza da religião. A obra teve três edições
e foi composta por doze volumes, o que lhe custou perto de vinte anos de sua vida.
O que, na primeira edição, era um livro em dois volumes se transformou
numa enciclopédia. Por sua obra, conteúdo e volume, Frazer se tornou um dos
mais conhecidos no campo da Etnologia, a própria escola francesa nas pessoas
de Durkheim e Lévy-Bruhl colheram material dela, assim como Freud. Contudo:
Se a importância de Frazer é incontestável sob vários pontos de vista,
não é assim tão fundamental no tocante a uma nova teoria da religião.
Para fazer com que a religião derivasse da magia ou de formas geral-
mente mais primitivas de experiência e de pensamento, bastava apenas
empregar o esquema clássico vigente no século XIX (e que vinha do
filósofo Auguste Comte), segundo o qual a humanidade teria passado
por três fases: a fase mitológica (ou mágica), a fase metafísica (ou te-
ológica) e a fase científica, que permitiria finalmente conhecer e levar
em consideração a maturidade do homem e a sua situação no mundo
(TERRIN, 2003, p. 59).
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transformá-la. O primeiro produto desse esforço se deu em forma de mágica.
A magia seria esclarecida mediante uma série de consequências que repousam
sobre falsas premissas. Essas premissas são dadas por dois princípios fundamen-
tais de associação de ideias: imitação, a mágica que conecta coisas no princípio
da similaridade; e contato, coisas que estão em contato ou que estiveram em
contato uma vez entre si continuam a agir também a distância.
Pelo primeiro princípio, temos a magia chamada analógica, e pelo segundo a
magia contagiosa. Quando os camponeses russos simulavam uma chuva, jogando
água numa tela para que ela gotejasse como chuva, acreditavam que essa semelhança
forçaria uma chuva realmente. Os bosquímanos do Kalahari (África), antes da caça,
desenham no chão os animais que se propõem a caçar e simbolicamente o abatem.
Esse também é um exemplo de magia analógica baseado no princípio de que
o semelhante produz o semelhante. Quanto à magia por contágio, o exemplo
pode ser do sacerdote vodu que finca um instrumento pontiagudo (um espi-
nho ou um espeto) no coração de um boneco que tenha uma unha ou um fio de
cabelo de seu inimigo, ele imagina que, pelo contato — pela transmissão de con-
tágio —, a morte de seu inimigo pode ser uma realidade imediata.
Assim, segundo a teoria de Frazer, magia seria a coerção direta das forças da
natureza por parte do homem, enquanto a religião, o ato de propiciação da divin-
dade por parte do crente. A atitude mágica é ditada pela vontade de obter exigindo
e obrigando, enquanto a atitude religiosa, pelo contrário, manifesta-se pela súplica,
pela prece, pelo sacrifício para obter algo que não está sujeito à vontade do fiel.
Essas premissas nos mostram o lugar da magia e da religião nas teses de Frazer.
A magia fica para a origem do processo evolutivo, em seguida se transforma em
religião, até que se chega à ciência que apresenta a verdadeira explicação dos
fenômenos naturais.
A magia seria o momento de acentuada simplicidade, pois não exige qual-
quer reflexão para admitir algo sobre-humano, ainda não considera um ser como
deus. Quanto à religião, seria o estágio mais avançado e complexo, que exigiu a
reflexão em função do fracasso da atitude mágica, pois a conclusão é que a natu-
reza está sujeita a leis mais altas do que aquelas que o homem pode lhe impor.
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TEOLOGIA VERSUS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
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A história da relação entre a Teologia e a Ciência da Religião é um
processo de tensões e animosidades. Tal situação é menos um resultado
das abordagens diferentes do que uma reação da Ciência da Religião
à história problemática da própria disciplina (USARSKI, 2006, p. 67).
No entanto, para Libânio (2011, p. 45) esse conflito tem na sua base o que ele chama
de “vingança do Sagrado” ou a reação teológica ao processo de secularização, “consi-
derada primeiro passo para o secularismo e o ateísmo”. Para o autor, ao contrário do
que foi apregoado pelos cientistas sociais do século XIX, a religião não acabou, antes se
tornou mais prolífica e ativa, com contornos diversos e que servem de pano de fundo
para as reflexões tanto das Ciências da Religião quanto da Teologia. Nessas reflexões:
A Teologia traz a dimensão específica da revelação de Deus, enquanto
as Ciências da Religião prescindem dela, sem pronunciar-se especifi-
camente sobre ela. Portanto, as Ciências da Religião estudam tanto as
religiões como a experiência religiosa, não enquanto se remetem a uma
Revelação de Deus. Não a afirmam nem a negam. Permanecem no âm-
bito do Sagrado, enquanto experimentam a ambivalência do Sagrado:
fascinans et tremendum (LIBÂNIO, 2011, p. 54).
Contudo, segundo Usarski (2006, p. 68) a “tensa relação entre Teologia e Ciência
da Religião traz preocupação aos cientistas da religião na Alemanha quanto ao
perigo do enfraquecimento do status institucional da disciplina”. Há um temor,
inclusive, de que a Teologia venha a dominar as Ciências da Religião, até mesmo
a partir de sua nomenclatura:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), vimos nos tópicos desta unidade uma breve introdução da his-
tória das Ciências da Religião. Essas teorias nos mostram como a consideração
do fenômeno religioso pela ciência teve início e como as ciências sociais e huma-
nas, especialmente a Etnologia e Antropologia, foram aplicadas nessa avaliação.
Vimos também como as Ciências da Religião buscaram o seu afastamento
da Teologia, na procura por um espaço próprio de desenvolvimento das suas
condições científicas. Enquanto a tarefa do teólogo consiste em proteger e enri-
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quecer sua tradição religiosa, os cientistas da religião irão buscar compreender
uma outra religião que não a sua própria ou na que foi formado. De toda forma,
as Ciências da Religião lutaram desde o início por uma emancipação da Teologia.
A busca por uma evolução no pensamento e nos estudos dos fenômenos religio-
sos deu a direção para essa nova disciplina.
Por conta desse aspecto, as teses dos primeiros proponentes de uma ciên-
cia da religião tinham um caráter essencialista e evolucionista, ou seja, como
apresentado em nossa discussão do conceito de religião, elas partem de uma
essência comum para a explicação do fenômeno no geral. Isso porque a preo-
cupação principal desses autores era encontrar o cerne do fenômeno religioso,
para desvendá-lo em seu desenvolvimento, no papel que cumpriria no processo
evolutivo da sociedade até o seu final imposto pela ciência.
Porém, outro viés para a explicação do fenômeno religioso irá se expor nas
teses dos pensadores funcionalistas, que não se importaram com a essência do
fenômeno religioso, mas com a sua função social. Sua abordagem parte de um
reducionismo que minimiza a religião como um fator social que cumpre um
determinado papel. As teses funcionalistas e reducionistas haverão de ser com-
batidas pela fenomenologia. Esse embate será apresentado na unidade seguinte.
Material Complementar
74
REFERÊNCIAS
A EPISTEMOLOGIA DOS
III
UNIDADE
ESTUDOS DA RELIGIÃO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender as teorias funcionalistas da religião.
■■ Conhecer a formulação da psicanálise nos estudos da religião.
■■ Avaliar a crítica materialista ao fenômeno religioso.
■■ Apreender a reação fenomenológica no estudo da religião.
■■ Entender a crítica feita ao sagrado.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Teoria Sociológica de Durkheim
■■ As contribuições da Psicanálise: Freud e Jung
■■ A Alienação Marxista
■■ A reação fenomenológica
■■ As críticas à Fenomenologia
79
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), a unidade que iremos estudar agora diz respeito à epistemolo-
gia dos Estudos da Religião, ou seja, seus principais postulados, métodos e suas
principais conclusões, comparados com teses e teorias a respeito do fenômeno
religioso desde o início do século XIX.
A visão totalmente essencialista da religião passa a ser substituída por visões
que creditam a esse fenômeno a capacidade de organizar a vida social, funcio-
nando como uma espécie de sistema vivo, integrado e dinâmico. A religião passa
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Introdução
80 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
XX que, na realidade, tem
pouco em comum com as
teorias precedentes.
Essa teoria socioló-
gica está ligada ao nome de
Émile Durkheim (1858-1917),
fundador da Escola Sociológica
francesa e, certamente, o autor que
mais influenciou e influencia a Sociologia
da Religião. Sua obra que trata do fenô-
meno religioso é As Formas Elementares da Vida
Religiosa, publicada em 1912.
É importante observarmos que a teoria de Durkheim tem um fundo etno-
lógico e se refere ao conceito de totemismo como sendo a religião primária dos
homens primitivos.
Totemismo é uma categoria etnológica-religiosa utilizada por quase todos
os estudiosos das culturas primitivas, contudo, segundo Terrin (2003), nunca
foi explicada. Frazer (1987), na tentativa de explicar, disse que o totemismo con-
siste na ligação existente entre um clã e uma classe de animais, razão pela qual há
uma consideração para com esse animal, certa reverência, acreditando-se num
parentesco remoto: o animal totêmico (totem = parente) é considerado o ante-
passado mítico do qual o clã descende.
uma das expressões básicas e mais elementares da cultura e da religião dos povos
primitivos. O totem cumpre uma variedade de funções. Ele é, antes de tudo, um
símbolo, um emblema do clã, é desenhado na frente das casas dos chefes e escul-
pido nos objetos que são considerados como os monumentos do clã. Tem um
caráter religioso, serve para classificar o que é sagrado em relação ao que é profano.
O totem é o tipo de tudo que é sagrado, é uma expressão eminente do sagrado.
A partir dessa conceituação, Durkheim pôde sistematizar sua tese: sendo
o totem a forma mais sensível de religião, ele é o próprio deus totêmico. Dessa
forma, sendo ao mesmo tempo o símbolo do clã e o emblema do grupo social,
significa que o símbolo principal da religião e o fundamental da sociedade são
a mesma coisa e que, definitivamente, o deus totêmico do clã nada mais é que o
próprio clã, porém personificado e compreendido em sua forma mais ideal. A
tese de Durkheim diz que a religião é o mito que a sociedade faz de si mesma. O
culto prestado ao totem é um culto prestado a própria sociedade.
Logicamente, é verdade que em seus rituais de culto, que são sempre em
comunidade, os membros dos clãs aborígenes, por exemplo, entendem que estão
prestando culto à divindade (um animal, uma planta) que está fora da comuni-
dade, em algum lugar do mundo, que pode controlar a chuva ou mesmo fazê-los
prosperar. O que realmente está acontecendo, porém, é algo que pode ser mais
bem compreendido em termos de função social.
A sociedade precisa do comprometimento individual dos seus membros.
Esse comprometimento, segundo Durkheim, “não pode existir senão através da
consciência do indivíduo; por isso que o princípio totêmico deve sempre pene-
trar e se organizar conosco” (DURKHEIM, 1915, p. 419).
Além disso, podemos saber exatamente quando e como isso ocorre: naqueles
cerimoniais inspiradores e, ao mesmo tempo, intimidadores, que causam medo,
terror, respeito e reverência. São ocasiões em que a comunidade toda se reúne
para praticar seus ritos, seja o clã ou a tribo. Nessas grandes e inesquecíveis ceri-
mônias, os adoradores selam seu comprometimento com a própria comunidade:
No princípio, sagrado é nada mais, nada menos do que a sociedade trans-
figurada. Isto deveria ser possível interpretar em termos sociais. E, como
uma questão de fato, a vida social, tal como o ritual, move-se em um círcu-
lo. Por um lado, o indivíduo recebe da sociedade a melhor parte de si mes-
mo, tudo o que lhe dá um caráter distinto e lugar especial entre os outros
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seres, sua cultura intelectual e moral [...] Mas por outro lado, a sociedade
existe e vive somente em/e através de indivíduos. Se a ideia da sociedade
fosse extinta em mentes individuais, as crenças, tradições e aspirações do
grupo não seriam mais sentidas e partilhadas pelos indivíduos, a socieda-
de iria morrer. [...] Vemos agora a verdadeira razão pela qual os deuses não
podem fazer, sem os seus adoradores, mais do que estes podem fazer sem
os seus deuses, é porque a sociedade, de quem os deuses são apenas uma
expressão simbólica, não pode prescindir de indivíduos mais do que estes
podem fazer sem a sociedade (DURKHEIM, 1915, p. 347).
Nesse parágrafo conclusivo, Durkheim deixa claro sua tese, que é o cerne de sua teo-
ria. A crença religiosa e os rituais são, em última análise, expressões simbólicas da
realidade social. O culto ao totem é, na realidade, a afirmação da fidelidade ao clã.
AS CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE:
FREUD E JUNG
O Tabu é uma proibição fortíssima e antiquíssima para o qual não existe uma
razão imediata. É exogâmico, por exemplo, um membro do clã não pode se casar
com uma mulher do mesmo clã. Por sua vez, o totem é considerado o “deus totê-
mico”, isto é, como o animal ao qual o clã atribui um culto especial e do qual se
sente dependente. Terrin esclarece:
Ora, a teoria de Freud sobre a origem da religião poderia ser resumi-
da nestas poucas palavras: considerada a semelhança existente entre
os tabus do neurótico e os tabus do homem primitivo, e considerando
que na origem de toda neurose há um chamado complexo de Édipo, o
autor é levado a prefigurar um complexo de Édipo como uma história
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verdadeira projetada no início da humanidade, segundo a qual os fi-
lhos — num tempo histórico ou mítico — teriam se revoltado contra o
pai e o teriam matado por ciúme e para possuir as mulheres que eram,
todas, monopólio do pai. Porém, essa morte do pai (parricídio) teria
imediatamente criado uma fonte de perturbação e um remorso sem
igual, razão pela qual os filhos não estariam mais em condições de su-
portar diretamente a lembrança da imagem paterna, que precisaria ser
substituída simbolicamente (TERRIN, 2003, p. 66).
Os primitivos são culpados por matarem o pai, mas não podem suportar a
lembrança desse fato. Para aplacar o remorso daí decorrente, criam o símbolo
totêmico, que nada mais é do que a imagem disfarçada do pai odiado, mas com
o qual querem se reconciliar de qualquer maneira.
Totem e Tabu foi publicado por Freud em 1913. É considerado a sua maior
contribuição à Etnologia, resgatando as origens da organização social e das
hierarquias das sociedades primitivas que influenciaram a nossa atual con-
figuração de sociedade. Os argumentos de Freud configuram suas opiniões
sobre a formação da cultura atual, baseada, segundo ele, nos antigos siste-
mas totêmicos que, atualmente, podem ser encontrados somente em algu-
mas localidades da Austrália e África.
Fonte: Koltai (2010).
Palmer (2001, p. 125) esclarece que mesmo que Jung partilhe o ponto de vista de
Freud sobre o consciente — algo como o leigo tem a respeito de si mesmo — “o
inconsciente pessoal para ele é uma mistura do inconsciente e do pré-consciente
freudianos”. Nesse caso, “os conteúdos do inconsciente pessoal são acessíveis à
consciência (Ego) e contém apenas os materiais que chegaram ao inconsciente
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como resultado das experiências pessoais do indivíduo e do inconsciente cole-
tivo” (PALMER, 2001, p. 149).
Para Jung, os arquétipos são instalações mentais que “criam” imagens de certas
coisas e resultam dos mitos e das produções artísticas. Sendo assim, representam
algo adquirido na experiência externa do indivíduo, que opera universalmente
como força elementar presente na essência humana.
Segundo o psicólogo suíço, os seres humanos nasceram com um “arquétipo”
de Deus, uma imagem que todos estão predispostos a ter. Por isso, Jung não se
preocupou com a existência ontológica de Deus, mas com sua existência como
realidade psíquica, ou seja, “fenomenológica”. Assim, Jung afirmava que não acre-
ditava em Deus, mas sabia que ele existia, por se tratar de um fenômeno psíquico
e só. Ele descartava qualquer conotação transcendental ao termo.
Jung defendia que a religiosidade era uma maneira de ajudar o processo de
individuação: a exploração de nós mesmos e a aceitação final de quem somos.
Ele fornece evidência para isso, referindo-se ao fato de que, embora existam
milhares de religiões existentes, todas têm ideias centrais comuns: compartilham
fortes valores infalíveis, regras etc. Isso sugere que a religião, independentemente
de qual seja, funciona como um processo de estabilização do indivíduo, como
apontou Croatto (2001).
Mesmo considerando que muito da estrutura psíquica freudiana tenha sido
aproveitada na sua teoria, Jung discorda de Freud em vários aspectos. Aquilo que
seria comum a toda a humanidade, as imagens primordiais e universais, é para Jung
uma camada mais profunda do inconsciente, o inconsciente coletivo. De modo
que os fatores psicológicos agem independentemente da experiência do indivíduo.
Tais fatores são adquiridos por meio de uma memória refratária e ancestral vinda
de antepassados, que o indivíduo, portanto, carrega no seu DNA. Por mais estra-
nhas que pareçam as acepções acerca de Deus ou do divino, a questão é que a
experiência religiosa representa um campo aberto aos pesquisadores da religião
de diversas áreas das ciências na busca de pistas que levem a decifrar o numi-
noso de Rudolf Otto, como destaca Libório:
O problema de Deus e do nascer da “experiência religiosa” — se pro-
veniente de dentro, de fora do homem ou de ambos — é uma questão
aberta para todos os estudiosos da Religião, através das diversas ciên-
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A ALIENAÇÃO MARXISTA
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cujo propósito do dirigente é
simplesmente prover razões —
desculpas, na verdade — para
manter exatamente a forma de
organização social dominadora
que o opressor aprecia.
Marx também entendeu que
a religião deve ser investigada em
razão das funções que desempenha na sociedade e não com base em seus conteú-
dos e elementos internos. Ele postula um conjunto de causas que estão diretamente
relacionadas com a “miséria real” construída por meio de processos econômicos,
sociais e políticos, pela luta de classes e seu impacto na sociedade e na história.
Assim, para ele, não faz sentido uma pesquisa que centre seus interesses no
conteúdo das crenças, nas aquisições ou nas perdas intelectuais ou emocionais
produzidas por elas, na reunião de mitologias, nos rituais e suas comparações
etc., pois que o que realmente importa é a compreensão dos processos econô-
micos produtores da miséria, bem como sua reflexão e expressão na religião e a
função que ela exerce no quadro geral da vida coletiva.
Os conteúdos desenvolvidos pela religião são, na melhor das hipóteses, ideologias
— ideias tendenciosas, representações falsas, parciais e incompletas da realidade —
construídas para reforçar a dominação e a opressão, além de impedir a sua superação.
A religião e suas instituições sancionam as formas econômicas de exploração, apoiam
os governos que as promovem, defendem a divisão desigual de poderes e riquezas e
as apresentam como a ordem natural das coisas, senão a expressão da vontade divina.
Prometem, em um mundo futuro, uma vida plena e feliz para desviar a atenção
dos oprimidos no seu presente, assim, evitam que eles se esforcem para mudar
as estruturas que produzem sua miséria (FILHO, 2004, p. 50).
Para Marx, o ateísmo é algo bem claro, tão claro que não carece de nenhuma
investigação mais apurada de sua parte. Deus não passa de uma projeção
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A Alienação Marxista
90 UNIDADE III
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A REAÇÃO FENOMENOLÓGICA
A Reação Fenomenológica
92 UNIDADE III
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Fonte: Valasco (1976, p. 77).
Mircea Eliade tem como uma de suas principais divisas a revalorização das reli-
giões “primitivas” e tradicionais e a refutação da ideia de que eram portadoras
de superstições irracionais ou pertencentes a um estágio primitivo, mágico, na
aurora da humanidade. Contra o funcionalismo, opôs aquilo que se tornou uma
das principais características de seu pensamento, a irredutibilidade do sagrado e
a incisiva defesa da autonomia e independência do fenômeno religioso.
O CONCEITO DE SAGRADO
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Dessa forma, é preciso conhecer as aplicações feitas dos dois termos para poder
chegar a uma definição mais precisa sobre o que é o sagrado.
De acordo com Neto (2008, p. 1), a “origem latina do termo sagrado é sacer,
muito próxima do termo sanctus. O seu significado mais preciso está no verbo sanc-
tio, que significa tornar sagrado ou tornar propriedade dos deuses”. Desse modo, o
sagrado está relacionado diretamente como pertencente aos deuses ou à dimensão
espiritual, “sendo inviolável ou inalcançável para os homens, especialmente aque-
les que participam da esfera profana, comum ou ordinária” (NETO, 2008, p. 1).
Somente com um pacto estabelecido entre seres humanos e deuses é possí-
vel o ato de tornar sagrado. Nesse caso, as literaturas míticas demonstram um
bem oferecido pelos humanos aos deuses, na esperança de receber outro bem
em contrapartida. Quem faz a intermediação dessas oferendas é a classe sacer-
dotal ou outro determinado grupo, como os oráculos. Os eventos religiosos são
utilizados para aproximar os profanos do sagrado.
A Reação Fenomenológica
94 UNIDADE III
Por sua vez, o termo “profano” também tem origem latina, profanum, e desde
a sua origem tem estado associado ao termo “sagrado” ou à margem dele. Na
verdade, não há profano se não houver o sagrado e vice-versa. Isso indica que é
“profano” todo elemento ou indivíduo “que coexiste juntamente com o sagrado,
mas sem participar nessa sacralidade. É assim que toda a vida cotidiana, relativa
à produção e à economia, torna-se profana” (NETO, 2008, p. 2).
De forma geral, os elementos considerados sagrados provêm dos mitos
e estão presentes nos rituais das sociedades em que tais mitos estão inseri-
dos. Apenas participam desses rituais aqueles que estão aptos a adentrar nos
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espaços divinos. “O restante das atividades humanas que não dizem respeito
a esse contato com a dimensão espiritual continua na dimensão do profano”
(NETO, 2008, p. 3).
Contudo, há outras duas categorias subjacentes a essas, que são capazes de
inverter a ordem estabelecida e transformar elementos sagrados em profanos e
vice-versa: sacralização e dessacralização. Esses conceitos também serão muito
utilizados nos estudos sobre religião, e não há como abrir mão deles para com-
preender o conceito de sagrado. Desse modo:
Geralmente essa transformação deve-se à purificação de algo que esta-
va no campo do profano e que possibilita a sua ligação com a esfera do
sagrado, ou eventualmente que um elemento sagrado, devido à decor-
rência de um ato impuro, seja convertido para o campo do profano, ao
menos até que seja novamente purificado das impurezas que incorre-
ram sobre si (DI NOLA, 1987, p. 123).
A Reação Fenomenológica
96 UNIDADE III
MIRCEA ELIADE
Mircea Eliade nasceu e foi educado na Romênia, estudou e ensinou na Europa oci-
dental e finalizou sua carreira nos Estados Unidos como professor na Universidade
de Chicago. Falava e escrevia em várias línguas europeias. Apesar de seu interesse
intelectual ser vasto e ter um talento fabuloso para escrever, decidiu dedicar seus
estudos ao campo religioso. Em sua carreira profícua, como escritor e professor, teve
um papel importantíssimo desenvolvendo ideias em oposição às teorias reducio-
nistas que, em seu parecer, não compreendem o papel da religião na vida humana.
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Mircea Eliade (1907-1986) nasceu em Bucareste, na Romênia, em uma famí-
lia de cristãos ortodoxos. Formou-se em Filosofia na Universidade de Buca-
reste, onde também fez o mestrado. Poliglota (falava inclusive o hebraico),
foi para a Índia, onde estudou sânscrito e filosofia hindu na Universidade de
Calcutá. De volta à Romênia, em 1932, doutorou-se em Filosofia com uma
tese em francês sobre a Yoga, trabalho que lhe deu reconhecimento interna-
cional, tendo trabalhado como adido cultural nas embaixadas romenas em
Londres e em Portugal.
Serviu na legião romena durante a Segunda Guerra Mundial e, após o fim
dos conflitos, decidiu se estabelecer em Paris por não compactuar com o
governo comunista romeno. Na França, ensinou na École Pratique des Hau-
tes Études até 1956, quando foi convidado a lecionar na Universidade de
Chicago, onde assumiu a chefia do Departamento de Religião, permanecen-
do neste cargo até sua morte. Publicou vasta obra como filósofo, poeta,
romancista e, sobretudo, historiador das religiões.
Fonte: os autores.
A Reação Fenomenológica
98 UNIDADE III
Não pode ser diferente com a religião. A compreensão de tudo que envolve o
ambiente cultural, econômico, social e histórico que envolve o fenômeno reli-
gioso estudado é imprescindível, porém as ciências que estudam esse cenário são
apenas auxiliares para seu entendimento, já que têm a sua compreensão funda-
mentada em sua linguagem interna, seus mitos, seus ritos e sua simbologia, que
são autônomos e irredutíveis.
Outra característica fundamental do pensamento de Mircea Eliade é a uni-
versalidade da religião, que pode ser compreendida a partir de duas constatações:
1) jamais foi encontrada uma sociedade sem religião e 2) em qualquer religião
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encontram-se formas constantes universais e símbolos que revelam conteúdos
também universais. Tais constatações exigem um método específico, compara-
tivo, histórico e universal que abarque a complexidade de seu objeto.
Essas peculiaridades do fenômeno religioso (complexidade, irredutibilidade
e universalidade) mostram ou pelo menos permitem a suspeita de que a religião
é um dos aspectos mais fundamentais da realidade humana e social. Assim, a
Fenomenologia concebe uma visão de homem que sustenta a existência do homo
religious como o mais originário e fundamental.
O homem religioso quer viver no espaço sagrado o maior tempo possível, um
espaço-tempo experiencial, expressão radical de tudo aquilo que é primeiro, abso-
luto, importante e tem valor. Um centro que é real por excelência e o fundamento
último do cosmos da vida. O homem primitivo, que é difamado pelos cientistas da
religião, tem aqui primazia, pois o que o caracteriza é sua proximidade com o sagrado.
O homem das sociedades arcaicas tem a tendência de viver o mais
possível no sagrado ou muito perto dos objetos consagrados. Essa ten-
dência é compreensível, pois para os “primitivos” como para o homem
de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder em
última análise, à realidade por excelência. O sagrado está saturado de
ser. Potência sagrada quer dizer ao mesmo tempo realidade, perenida-
de e eficácia. A oposição sagrado/profano traduz-se muitas vezes como
oposição entre o real e o irreal ou pseudo-real. [...] É, portanto, fácil de
compreender que o homem religioso deseja profundamente ser, parti-
cipar da realidade, saturar-se de poder (ELIADE, 1992, p. 18-19).
heróis e dos deuses. De qualquer lugar que olhemos para as sociedades arcaicas,
a religião tem sua fundamentação nessa separação (PALS, 2006, p. 199).
Eliade foi educado na França, e seu conceito de religião fundamentado nas
esferas do sagrado e do profano tem suas bases no pensamento de Durkheim.
A diferença entre os dois é que quando Durkheim menciona o sagrado e o pro-
fano está pensando na sociedade e nas suas necessidades. O sagrado para ele se
refere à sociedade e ao clã, enquanto o profano se refere ao indivíduo.
Para Durkheim, símbolos e rituais parecem aludir ao sobrenatural, mas tudo
não passa de aparência superficial. O propósito dos símbolos é simplesmente
fazer as pessoas tomarem consciência de seu papel social, já que o deus totêmico
é simplesmente um símbolo do próprio clã.
Por outro lado, Eliade, quando se refere ao sagrado não é o clã cultuado que
ele tem em mente. Para ele, o cerne da religião é evidentemente o sobrenatu-
ral. Embora ele se valha da linguagem durkheimiana e concorde que são termos
que envolvem mais do que deuses pessoais, a visão de religião de Eliade é mais
próxima da de Tylor e Frazer, que concebem a crença em seres sobrenaturais.
Pode-se medir o precipício que separa as duas modalidades de experi-
ência — sagrada e profana — lendo-se as descrições concernentes ao
espaço sagrado e à construção ritual da morada humana, ou as diversas
experiências religiosas do Tempo, ou as relações do homem religioso
com a Natureza e o mundo dos utensílios, ou à consagração da própria
vida humana, à sacralidade de que podem ser carregadas suas funções
vitais (alimentação, sexualidade, trabalho etc.). Bastará lembrar no que
se tornaram, para o homem moderno e a religioso, a cidade, a casa, a
natureza, os utensílios ou o trabalho, para perceber claramente tudo o
que o distingue de um homem pertencente às sociedades arcaicas ou
A Reação Fenomenológica
100 UNIDADE III
Mais ainda:
[...] O sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no
Mundo, duas situações existenciais assumidas pelo homem ao longo da
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sua história. Esses modos de ser no Mundo não interessam unicamente
à história das religiões ou à sociologia, não constituem apenas o objeto
de estudos históricos, sociológicos, etnólogos. Em última instância, os
modos de ser sagrado e profano dependem das diferentes posições que
o homem conquistou no Cosmos e, consequentemente, interessam não
só ao filósofo, mas também a todo investigador desejoso de conhecer
as dimensões possíveis da existência humana (ELIADE, 1992, p. 20).
RUDOLF OTTO
Sua principal obra, O Sagrado (1916), apresenta uma síntese de suas inquieta-
ções filosóficas, fenomenológicas e teóricas que já haviam sido evidenciadas em
outros textos. Em seu trabalho, o sagrado aparece como categoria complexa, que
se constitui de dois elementos importantes: o elemento não racional, ao qual
ele define como numinoso, e o elemento racional, definido como predicador.
Ao lançar sua crítica em relação ao racional presente na ideia de sagrado,
Otto procura esclarecer que enunciados, conceitos e definições, por mais claros
que transpareçam, em nenhum momento explicam por completo o sentimento
religioso. Por esse argumento, ele procura reconsiderar, para a Filosofia e para a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Reação Fenomenológica
102 UNIDADE III
Segundo Cruz (2009), para Rudolf Otto, Deus e o sagrado não podem caber na
razão pura, e ainda que tais ideias estejam presentes nas religiões, nada mais
são do que uma ideia de sagrado carregada de noções racionais, sendo apenas
predicados que esquematizam ou racionalizam o elemento originalmente não
racional identificado como numinoso.
Os conceitos causam um encobrimento do númen, objeto próprio da ideia
de sagrado, impossível de ser comunicado em sua totalidade por conceitos racio-
nais. Os conceitos podem somente indicar analogamente, pois falam, ainda, do
campo da razão e não pertencem ao domínio da religião. É o caso, por exemplo,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
do sentimento sublime, termo emprestado do domínio da estética, que apenas
indica um pálido reflexo do que realmente seria a experiência religiosa.
Uma compreensão verdadeira só pode acontecer pela experiência do numi-
noso, um estado puramente afetivo da alma, realidade que se encontra numa
profunda obscuridade e escapa a qualquer tentativa de explicação ou mesmo de
conceituação. Contudo, existe no ser humano uma necessidade natural de se dirigir
racionalmente ao mundo à sua volta. Do ponto de vista fenomenológico, acon-
tece um acesso racional à essência não racional própria do domínio do religioso.
Nesse sentido, “O elemento numinoso não racional esquematizado por meio
de noções racionais, dá-nos a categoria complexa do sagrado no sentido pleno
da palavra, na totalidade do seu conteúdo” (OTTO, 1985, p. 69).
Dessa forma, a categoria do numinoso se caracteriza como algo sui generis,
não passível de definição explícita, mas sim de observação e descrição como todo
fenômeno originário. A presença do númen desencadeia um estado de alma, uma
reação consciente que pode ser objeto de análises psicológicas ou fenomenoló-
gicas, as quais procuram descrever o sentimento numinoso.
Quando a alma se abre às impressões do Universo, a elas se abando-
na e nelas mergulha, torna-se susceptível, segundo Schleiermacher,
de experimentar intuições e os sentimentos de algo que é, por assim
dizer, um excesso característico e livre que se acrescenta à realidade
empírica, um excesso não apreendido pelo conhecimento teórico do
mundo e da conexão cósmica, tal como está constituído pela ciência
(OTTO, 1985, p. 188).
A Reação Fenomenológica
104 UNIDADE III
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A descrição da experiência numinosa que Rudolf Otto desenvolveu em sua
obra se dá de forma fenomenológica. Em O Sagrado, não temos uma descrição
objetivando dados empíricos, somente uma descrição em termos fenomenológicos,
uma descrição densa, exaustiva que, diante daquilo que permite compreender,
conduza à essência do fenômeno em questão. A proposta de Otto é encontrar e
fundamentar o sagrado na esfera não racional, sem a necessidade de conceituá-
-lo numa categoria do entendimento, isso só é possível fenomenologicamente.
A descrição fenomenológica é o melhor método para explicitar de
forma não conceitual um fenômeno, porque se limita em descrever
o visto, o sentido ou o vivido do sujeito, sem entrar no mérito do
julgamento ou das avaliações. Entretanto, descrever não é suficiente
para chegarmos à essência do fenômeno, apesar de ser o melhor ca-
minho. A descrição não se esgota como método de investigação, mas
precisamos recorrer à interpretação daquilo que é vivenciado. Dessa
maneira, temos a descrição expressa por uma linguagem, esta sendo
interpretada segundo os seu sentido. Assim, completa-se o esquema
da descrição como: coisa percebida/percepção/explicitação do per-
cebido; e o da hermenêutica: símbolo (ou sinal)/significado/signi-
ficante/contexto cultural. Assim, a fenomenologia torna-se herme-
nêutica para ampliar a descrição nos seus aspectos mais originários e
significativos (GOTO, 2004, p. 89).
O ser humano, quando se encontra com o sagrado, vivencia um estado de ser, um sen-
timento de criatura que se assombra em sua insignificância e desaparece diante do que
está acima de toda a criatura. O mistério é o objeto do numinoso e, no sentido geral,
apresenta-se como algo secreto e estranho que causa espanto. Segundo Otto (1985,
p. 38), “o espanto, no sentido próprio da palavra é um estado de alma que, em pri-
meiro lugar, pertence exclusivamente ao domínio do numinoso”. Otto, então, define:
Portanto, o mistério é tudo aquilo que aparece de estranho, alheio à ordem do pro-
fano, que remete a uma dimensão existencial diferente das vivências normais, terrenas.
É por isso que a experiência numinosa se difere de qualquer outra, por proporcio-
nar o sentimento de criatura diante da estranheza que paralisa o ser (OTTO, 1985).
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A Reação Fenomenológica
106 UNIDADE III
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AS CRÍTICAS À FENOMENOLOGIA
As Críticas à Fenomenologia
108 UNIDADE III
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7. A crítica às implicações normativas na abordagem da Fenomenologia
da Religião;
8. A crítica à metodologia da Fenomenologia da Religião.
A título de exemplo de como está o debate e qual o nível das críticas impostas à
Fenomenologia da Religião, apresentamos resumidamente as duas primeiras crí-
ticas que o autor sintetizou em seu trabalho.
Rudolf Otto será sempre conhecido pela obra Das Heilige, livro escrito em 1917
e que figura entre os clássicos da Filosofia da Religião. Nasceu em Peine, na Ale-
manha, em 1869, e faleceu em 1937, quando o nazismo já dominava a Alema-
nha. Era de família protestante e se tornou pastor luterano, teólogo e filósofo.
Foi professor da Universidade de Göttingen de 1897 a 1907. De 1901 a 1907
foi colega de Edmund Husserl. Neste período, Husserl lança o novo método de
investigação filosófica, denominado posteriormente Fenomenologia.
Fonte: os autores.
As Críticas à Fenomenologia
110 UNIDADE III
Essa primeira crítica apresentada por Usarski se resume, então, ao emprego indevido
do termo “sagrado”, já que é feito a despeito da consideração do contexto histórico,
social e religioso em que foi conceituado por Rudolf Otto, o qual, segundo a crí-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tica, é tendencioso, pois está muito arraigado a um referencial cristão protestante.
Sendo assim, a afirmação de que o conceito de sagrado pode ser universa-
lizado fica comprometida e passível de reavaliação. Segue-se, então, à segunda
crítica, justamente relacionada à universalização do termo “sagrado”.
Para os estudos fenomenológicos da religião, esta parece uma questão bem resol-
vida. A definição terminológica da disciplina foi definida por Frederic Max Müller,
quando propôs “uma ciência da religião”, um método de abordagem único para
um único objeto. Os pesquisadores e autores fenomenológicos se familiarizam
bem com “os singulares”, afinal é um método (a Fenomenologia da Religião) e um
objeto (o Fenômeno Religioso) indistintamente com categorias universalizadas.
As Críticas à Fenomenologia
112 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Assim, haverá quem fale de ciência das religiões ou, então, quem pre-
fira falar de ciências da religião (FILORAMO; PRANDI, 1999, p. 12).
O pioneirismo de Wach, para os pesquisadores não fenomenólogos, tem seu valor por
conta da sua proposta interdisciplinar. Quanto a incluir a Fenomenologia como uma
abordagem da experiência que deve se entrelaçar às outras disciplinas como condi-
ção sine qua non para um alcance pleno do objeto abordado é totalmente rejeitada.
É esta convergência, afunilamento para uma ciência particular no trata-
mento da religião, que considero problemática! Primeiramente porque
a Teologia parece já cobrir este lado da irredutibilidade da experiência
religiosa. E, em segundo lugar, porque a “ciência da religião”, tal como
preconizada, incorreria no risco de, ao privilegiar a compreensão de
uma estrutura e essência religiosa universal, terminar por amesquinhar
a interdisciplinaridade disciplinar em seu tratamento ao estabelecer uma
hierarquização, como o primado de uma reflexão nobre — a fenomeno-
lógica — que captaria o sentido último deste a priori religioso, relegando
a um papel auxiliar e coadjuvante das Ciências Sociais que se ocupariam
de seus epifenômenos e formas contingentes (CAMURÇA, 2008, p. 23).
As Críticas à Fenomenologia
114 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
almente se mantém vivo na definição epistemológica das Ciências da Religião.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), as Ciências da Religião não são um saber sobre religiões, tampouco
uma ciência integral das religiões. Elas têm percorrido um longo e árduo caminho
de debates e afirmações na academia para ser uma disciplina que utiliza métodos e
referenciais de análise próprios para se debruçar sobre o fenômeno religioso.
Libertando-se das amarras funcionalistas e reducionistas e se tornando crí-
tica à Fenomenologia da Religião, as Ciências da Religião contribuem para um
correto entendimento do fenômeno religioso enquanto expressão social, cultu-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Considerações Finais
116
1. Com base no que vimos nos Tópicos I e II, descreva os conceitos de totemismo
para Durkheim e Freud, relacionando-os e discutindo suas particularidades.
2. No Tópico 3, vimos que Marx discute o conceito de alienação. Como a religião
funciona quando Marx a classifica como parte da alienação?
3. Discorra sobre o conceito de profano, segundo Mircea Eliade, como foi apresen-
tado no Tópico 4.
4. No Tópico 4, relacionamos como o teólogo Rudolf Otto trabalhou o conceito de
sagrado. Discorre sobre o conceito conforme trabalhado por Otto.
5. Explique e discuta uma das críticas feitas à Fenomenologia da Religião, dentre as
enumeradas no Tópico 5 desta unidade.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
120
REFERÊNCIAS
1. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá ter a capacidade de expor os dois conceitos,
o de Durkheim e o de Freud, explicando como cada um desenvolve a sua teoria
a respeito do totemismo.
2. Neste item, o(a) aluno(a) deverá apresentar o conceito de alienação elaborado
por Karl Marx e analisá-lo a partir do que o autor alemão destaca sobre a religião,
no sentido de ser o “ópio do povo”, conforme visto no Tópico 3 da unidade.
3. O(a) aluno(a) deverá discorrer sobre o conceito de profano segundo as elabora-
ções de Mircea Eliade, conforme o Tópico 4.
4. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá discorrer sobre o conceito de sagrado tal
como exposto por Rudolf Otto no Tópico 4.
5. O(a) aluno(a) deverá escolher uma das críticas apresentadas, explicar o porquê
dela ser feita à Fenomenologia da religião e discutir seus argumentos favoráveis
ou contrários, conforme visto no Tópico 5 da unidade.
Professor Dr. Sérgio Gini
Professor Me. José Francisco de Souza
IV
UNIDADE
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Conceituar a diferença entre o estudo científico da religião e o das
religiões.
■■ Compreender a contribuição das ciências humanas e sociais para o
estudo da religião.
■■ Conhecer alguns dos estudos das religiões.
■■ Distinguir os métodos de interpretação social da religião.
■■ Avaliar o lugar da Teologia nos estudos das religiões.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Estudo da religião ou das religiões?
■■ A contribuição de Max Weber para o estudo da religião
■■ História da Religião
■■ Sociologia da Religião
■■ Estudos das Religiões e Teologia
125
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), quais são as ciências que investigam o fenômeno religioso que
compõem os estudos das religiões? Quais os métodos de cada uma delas e como
convergem entre si para dar a tão buscada autonomia para essa área de pesquisa
acadêmica? Nesta unidade, vamos procurar dar algumas respostas a essas per-
guntas tão pertinentes.
Três áreas do conhecimento científico se distinguem como as majoritá-
rias na aplicação em estudos normativos de religião: a Teologia, a Filosofia
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Introdução
126 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ESTUDO DA RELIGIÃO OU DAS RELIGIÕES?
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
127
Há, ainda, outra tentativa de defender os singulares como denominação dos estu-
dos do fenômeno religioso, que é muito enfatizada por autores alemães, como
Frank Usarski e Hans-Jürgen Greschat:
Cientistas da religião na Alemanha preferem a designação ciência da reli-
gião, no singular [...] para salientar a integridade substancial de sua disci-
plina e o status particular no ambiente acadêmico por concentrar-se em
um conteúdo determinado de forma mais profunda e abrangente do que
qualquer outra matéria. Desta maneira, a ciência da religião, acostumada
a combinar várias técnicas de outras disciplinas para investigar o mundo
religioso em suas múltiplas facetas históricas e empíricas, ganha iden-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Frank Usarski faz uma comparação do Estudo da Religião com a Pedagogia, dizendo
que embora esta disciplina não tenha um método próprio e se valha da intersecção
de várias outras disciplinas (por exemplo, a Sociologia da Educação, a Psicologia
da Educação e a Filosofia da Educação), ela não é denominada “pedagogias”.
Em outras palavras: não se questiona a mudança do nome pedagogia
porque nela reside uma concentração do tema de educação dentro de
um quadro acadêmico que ao mesmo tempo serve como um reservató-
rio intelectual disposto a integrar qualquer resultado de pesquisa direta
ou indiretamente vinculado à educação, independente da questão de
um saber relevante ter sido produzido originalmente dentro da própria
disciplina ou em qualquer outra (USARSKI, 2006, p. 73).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(e da impossibilidade de reduzi-lo a um mínimo denominador comum) quanto
do pluralismo do objeto e da impossibilidade de construir sua unidade, pois, para
esses autores, só podem ser objeto de investigação empírica as religiões históricas
ou, se preferir, os aspectos humanos das religiões, em seu concreto devir histórico.
A conclusão que chegam, portanto, é de que os Estudos das Religiões não
constituem uma disciplina distinta, à parte, como gostaria a tradição interpre-
tativa ou hermenêutica, com um método único e um objeto definido também
como único. Para eles, os Estudos das Religiões compõem um campo discipli-
nar e, como tal, são uma estrutura aberta e dinâmica.
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
129
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
uma área interdisciplinar com interesse comum na religião.
A Universidade Mackenzie, com ênfase na religião cristã de cunho pro-
testante reformada, preza pelo diálogo com as várias disciplinas afins. A PUC,
embora apresente uma pretensão mais unificadora, ainda assim adota o termo
“Ciências” no plural, caracterizando os métodos usados das ciências humanas e
sociais aplicados nos estudos de religião.
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
131
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
fazer sociologia de uma sociedade implica, mais tarde ou mais cedo, fa-
zer sociologia da religião. Reciprocamente, fazer sociologia da religião
implica fazer outras sociologias, porque as religiões são uma parte das
sociedades globais onde surgem (COSTA, 2009, p. 59).
Costa (2009, p. 12) faz constar que, interessantemente, “Max Weber, na sua extensa
sociologia da religião, não faz uma única definição de religião”, no entanto, ele
sempre oferece uma contextualização sócio-histórica, de modo que, mesmo sem
definição formal, sabemos sempre do que fala.
Neste sentido, o trabalho intelectual de Weber é muito diferente do de Durkheim,
que empreendeu um “processo minucioso de apuro conceitual e argumentação
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encadeada, em busca da essência do fenômeno religioso em toda a sua pureza”
(COSTA, 2009, p. 41). Os dois se diferenciam, também, porque Weber não pro-
curou uma “religião elementar”, antes se dedicou às grandes religiões mundiais,
sendo conhecido principalmente pelos seus estudos sobre o Protestantismo.
Muito importante para as Ciências da Religião é o conceito que Weber cria
sobre o “desencantamento do mundo”, que está constantemente presente em suas
obras. Para o autor alemão, esse conceito é muito mais caro que o de “secularização”.
Pierucci (1998, p. 47) destaca que, nas obras de Weber, esses conceitos rece-
bem tratamento diferente, uma vez que, para ele, “o desencantamento do mundo
ocorre justamente em sociedades profundamente religiosas, é um processo essen-
cialmente religioso, porquanto são as religiões éticas que operam a eliminação
da magia como meio de salvação”. Já secularização seria o abandono ou a perda
da religião ou, ainda, a emancipação em relação a ela.
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
133
no calvinismo. Trata-se, nesse caso “do exemplo das relações entre o moderno ethos
econômico e a ética racional do protestantismo ascético” (WEBER, 1989, p. 12).
No ano de 1999, o Jornal Folha de São Paulo divulgou pesquisa que havia
encomendado, junto a vários intelectuais brasileiros, a respeito de quais se-
riam os livros mais impactantes do século XX. A Ética protestante e o espírito
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Vale salientar que o protestantismo de que Weber fala é um tipo ideal. Ele afirma
que com os tipos ideais não se busca “forçar esquematicamente a vida histórica
infinita e multifacetada, mas simplesmente criar conceitos úteis para finalida-
des especiais e para orientação” (WEBER, 1974, p. 345).
Enquanto para Marx o mundo religioso é apenas o reflexo do mundo real,
para Weber, tratar das forças que motivaram o capitalismo moderno a se expan-
dir não é sondar as origens das somas do capital, mas é, principalmente, uma
questão acerca do desenvolvimento do espírito do capitalismo. A ética protes-
tante, com o seu princípio de ascese intramundana, na visão de Weber, foi um
dos principais fatores para que esse espírito se desenvolvesse.
Weber não só nos livrou de pensar o capitalismo como forjado no determi-
nismo da ânsia do lucro, mas também nos parece não satisfatório querer vê-lo
como resultado de uma ética do trabalho e ascese puritana. Roberto Motta (1995)
destaca que uma visão desse tipo seria como querer tirar o capitalismo da escola
primária e matriculá-lo numa Escola Dominical. Para Weber, é verdade, foi indi-
retamente que o capitalismo foi consequência dessa “ética”. Mesmo fazendo essa
ressalva, contudo, não é fácil entender que o capitalismo tenha se originado de
uma ética que considera a acumulação como algo de torpe.
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sacerdote e o feiticeiro como os tipos da ação religiosa.
Weber aponta que os sacerdotes são “aqueles funcionários profissionais que,
por meio de veneração, influenciam os deuses, em oposição aos magos, que for-
çam os ‘demônios’ por meios mágicos” (WEBER, 1999, p. 294).
Já o profeta é entendido como “o portador de um carisma puramente pessoal, o
qual em virtude de sua missão, anuncia uma doutrina religiosa ou um mandamento
divino” (WEBER, 1999, p. 303). A vocação pessoal distingue o profeta do sacerdote,
este representa a tradição e aquele a ruptura, enquanto que o profeta “se distingue do
mago pelo fato de que anuncia revelações substanciais e que a substância da sua mis-
são não consiste em magia mas em doutrina ou mandamento” (WEBER, 1999, p. 303).
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
135
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HISTÓRIA DA RELIGIÃO
História da Religião
136 UNIDADE IV
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A história das religiões não é apenas uma entre as disciplinas que estudam
as religiões, mas a disciplina-mãe de qualquer estudo das religiões. De fato,
como poderíamos falar das religiões sem conhecer suas origens, seus funda-
dores, os textos sagrados que foram se formando, os períodos históricos de
maior desenvolvimento das doutrinas etc.? (TERRIN, 2003, p. 19).
Em 1925, com a Revista Studi e Materiali di Storia delle Religioni (SMSR) nasce a
Escola Italiana da História das Religiões, sob a coordenação de Raffaelle Pettaz-
zoni. Os estudos italianos em história das religiões são os pioneiros em opor às
indagações fenomenológicas a necessidade de interpretação histórica.
Fonte: Agnolin (2008).
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
137
História da Religião
138 UNIDADE IV
O que durante muitos séculos foi algo singular para o Ocidente cristão, em tem-
pos mais recentes foi encontrado em outras religiões, sob formas semelhantes,
por meio de fatores como o conceito de messianismo e de homem-deus, as nar-
rativas do nascimento de fundadores de religiões, a necessidade de sacrifícios
de sangue para remissão etc. Assim, fez-se necessária a compreensão de que,
em última análise, nenhum fenômeno religioso pode ser encontrado em uma
única religião, mas sempre em várias.
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SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
139
Para esses autores, ainda, a Sociologia da Religião tem como objetivo estudar as
funções sociais da religião numa tríplice perspectiva:
a) determinação dos conteúdos sociais implícitos num sistema religio-
so; b) análise da “retícula” religiosa (e da sua solidez a longo prazo)
como elemento de conexão com uma dada estrutura social; c) confi-
guração das modalidades sociológicas nas quais e através das quais um
sistema religioso articula as próprias estruturas simbólico-institucio-
nais, os papéis do próprio pessoal, o aparato dos poderes e das doutri-
nas que o regem [...] (FILORAMO; PRANDI, 1999, p. 91).
Sociologia da Religião
140 UNIDADE IV
Uma linha originária da Sociologia da Religião pode ser atribuída à crítica à religião
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de Karl Marx e Friedrich Engels (1820-1895). Com base na teoria de luta de clas-
ses, a religião é considerada um fenômeno puramente social que, por um lado, é a
expressão de protesto contra as condições sociais existentes e, por outro, torna-se
o “ópio do povo”, por seu caráter ilusório, além de ser parte de uma fase transitória
da humanidade, ainda não superada, que desaparecerá na sociedade sem classes.
A miséria religiosa é ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o
protesto contra a miséria real. Religião é a visão do homem oprimido,
o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação sem
espírito. A Religião é o ópio do povo. A abolição da religião como fe-
licidade ilusória é a exigência para a felicidade real. A exigência para a
desistência da ilusão sobre sua condição é a exigência para superar a
condição que cria a ilusão (PALS, 2006, p. 135).
O conceito de Marx, com forte tendência crítica à religião, foi levado à frente
especialmente na segunda metade do século XX, na teoria da Escola de Frankfurt.
Seus representantes colocaram no centro de suas reflexões incrédulas os aspec-
tos da religião que, por suas análises, legitimavam, apoiavam e preservavam a
ordem estabelecida, bem como as formas tradicionais de dominação e governo.
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
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Sociologia da Religião
142 UNIDADE IV
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CIÊNCIAS DA RELIGIÃO E TEOLOGIA
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
143
Contudo, é fundamental que essa função tenha uma faceta crítica, pois se o
papel do teólogo se restringir à reprodução literal do pensamento dos funda-
dores de seu credo, de seus mentores e professores, perde-se a essência de seu
saber. Perde-se, também, o compromisso de contextualização e reinserção con-
tínua da sua fé e dos fiéis de sua comunidade de pertença no tempo presente,
sua fé deixa de ter relevância e sentido de existência.
O exercício teológico, portanto, precisa, para ser configurado como tal, não
apenas reforçar consensos, mas ser em certo grau incômodo, considerar os luga-
res teológicos na história e na atualidade, além de pesquisar novos, apresentar
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Uma vez dados esses esclarecimentos, que oferecem à Teologia seu caráter
científico (sua capacidade e característica de ser crítica e a relevância de seu
pragmatismo), é importante acentuar que o pensador teólogo tem um lugar de
pertença e de partida. Ele está dentro de sua fé e de sua comunidade e não sobre
elas. Portanto, para fazer Teologia, deve-se partir de dentro desse ambiente para
elaborar o pensamento de forma racional e razoável para a própria comunidade.
Partindo desse “lugar” apropriado, então, a construção teológica deve lançar
mão de meios filosóficos e científicos, métodos rigorosos, controláveis e comuni-
cáveis no universo científico. Assim, falamos de História, Literatura, Sociologia,
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Antropologia, Psicologia, da própria Fenomenologia etc. A Teologia é construída
sempre com elementos, categorias e procedimentos das ciências, mas a Filosofia,
a Literatura e as Artes não permanecem circunscritas às regras dessas ciências
(SUSIN, 2006, p. 558). Ainda segundo Susin, são três as exigências epistemoló-
gicas da construção teológica contemporânea:
Ao sair do engessamento metafísico da escolástica, a Nouvelle Thêoló-
gie, desde a década de 1940, esclareceu-se epistemologicamente com
três exigências: 1. Estudo crítico das fontes literárias e da história, in-
cluída a tradição doutrinária; 2. Confrontação com os saberes da cultu-
ra contemporâneos; 3. Preocupação “pastoral” da teologia. Esta última
exigência mostra o que há de mais peculiar no saber teológico: um sa-
ber pragmático como serviço ou ministério, desde a comunidade de fé,
serviço para dentro dela mesma e para fora dela. No entanto, as outras
duas exigências tornaram a teologia e a própria fé um saber com mar-
cas de historicidade, de hermenêutica, de provisoriedade e pluralismo.
Por isso se deve falar em plural, em teologias (SUSIN, 2006, p. 558).
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
145
Também não se pode pensar numa Teologia que se pretenda simplesmente tor-
nar plausível e justificável racionalmente uma revelação religiosa.
Há um ponto onde a teologia não é ciência: quando trata da fé e da
revelação. A própria teologia afirma que não é ciência de Deus, por-
que não há tal ciência. Se a teologia quiser ser ciência e fazer parte da
academia, só poderá ser ciência da religião. Em 1919, Paul Tilich já
distinguia entre uma teologia eclesiástica, encarregada de sistematizar
os conteúdos da mensagem cristã, e uma teologia da cultura, cuja tarefa
é de estudar (analisar, classificar e sistematizar) o conteúdo religioso de
toda a cultura e de forma cultural. Podemos dizer que, neste segundo
sentido, a teologia procura analisar criticamente e dialeticamente os
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O discurso teológico distingue-se do discurso religioso: há entre os
dois uma continuidade de conteúdo, mas há descontinuidade de mé-
todo. Enquanto o discurso religioso é marcado pelo traço autoim-
plicativo, instaurando-se uma relação mais direta com a experiência
vivida, o discurso teológico é regrado por exigências da razão. Trata-
-se de um discurso sistemático, metódico e disciplinado: “a diferença
da linguagem religiosa, a linguagem teológica se caracteriza por sua
criticidade, isto é, pelo controle vigilante de suas procedurais e opera-
ções, controle que se exprime no esforço do rigor analítico e na busca
da organização sistemática da inteligência da fé”. Isto não significa
que a teologia não tenha uma incidência na prática, ou vice-versa.
O que ocorre é uma dialética entre teoria e prática na teologia: ela é
“imediatamente teórica” e “mediatamente prática”. Quer conhecer-se
para em seguida amar e praticar (TEIXEIRA, 2001, p. 300-301).
Para as Ciências da Religião, o exercício teológico não pode ocorrer senão como
razão crítica, caso contrário se transforma em discurso ortodoxo oficial, pautado
pela transcendentalização, ideologização e falsificação. Não se deve negar que
a fé exige um princípio essencial de inteligibilidade da Teologia, mas não signi-
fica que tem que dispensar o trabalho hermenêutico que garante a distância da
dogmatização da própria Teologia.
O trabalho hermenêutico caracteriza a Teologia Crítica, dando a ela cientifi-
cidade quanto ao método e exigindo criatividade para que verdades antigas sejam
transformadas em linguagem acessível e relevante, trata-se de uma interpreta-
ção continuada e inesgotável. Portanto, toda dedicação aplicada à interpretação
se estabelece como uma obra criativa (TEIXEIRA, 2001, p. 303-304).
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
147
“Antes de tudo, convém aclarar que a teologia não fica bem-vestida de rai-
nha nem de gata borralheira entre as ciências”.
(Luiz Carlos Susin).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tista não possa ser um crente, ele apenas deve praticar um ateísmo metodológico.
Assim, não se comete o erro de estabelecer juízos de valor, enaltecendo sua fé
e desmerecendo as outras, o que, no universo acadêmico, colocaria a perder a
cientificidade da pesquisa.
O fato de a religião ter dimensões diversas convida o pesquisador a buscar
um conjunto de disciplinas que o auxiliem no alcance da abrangência almejada.
O pesquisador da religião deve recorrer à História, Sociologia, Antropologia,
Psicologia etc. Desse modo, as Ciências da Religião se abrem para as ciências her-
menêuticas, como a Teologia, fecundando o diálogo e as metodologias de trabalho.
A vitalidade das Ciências da Religião se dá exatamente pela sua caracterís-
tica de interdisciplinaridade e conexão com diversos saberes. O que para outra
ciência seria um demérito, para as Ciências da Religião é um avanço e uma
conquista. Assim, o campo de atuação dos cientistas da religião é bem amplo:
estudar as características de um fenômeno religioso e detectar sua relação com
o contexto sócio-político, sua historicidade e sua contribuição para a cultura
em seu conjunto.
Independentemente de qual ciência social for escolhida para auxiliar no
suporte investigativo, há que se levar sempre em conta as temporalidades, as
singularidades, as variedades e os sentidos contextuais dos fenômenos religio-
sos estudados, ancorados no tempo, no espaço e na vida social.
AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
149
O ATEÍSMO SARTREANO
Como para Feuerbach e Nietzsche, também para o filósofo existencialista francês Jean-
-Paul Sartre (1905-1980) Deus não tem existência real. No fim de sua obra filosófica L’être
ET Le néant (O ser e o nada) afirma que:
[...] toda a realidade humana é uma paixão, uma vez que ela projeta
perder-se para fundar o ser e para constituir, ao mesmo tempo, o ser-
-em-si que escapa à contingência para ser o seu próprio fundamento,
o ens causa sui (o ser, causa de si) que as religiões chamam Deus. Assim
a paixão do homem é oposta à paixão de Cristo, porque o homem se
perde enquanto homem para fazer nascer Deus. Mas a ideia de Deus é
contraditória, e nós nos perdemos em vão: o homem é uma paixão inútil
(p. 747).
Já que o ser-para-si (ou o ser da consciência) é puro nada, a paixão do homem é ser-em-
-si. Mas como desejo do ser-em-si (do ser objetivo de fato), a consciência tende para o
ideal de uma consciência. Ora este ideal pode chamar-se Deus:
Pode-se dizer assim que aquilo que melhor torna compreensível o proje-
to fundamental da realidade humana é que o homem é o ser que projeta
seu Deus. Sejam quais forem depois os mitos e os ritos da religião consi-
derada, Deus é sensível em primeiro lugar ao coração do homem como
aquilo que o anuncia e define no seu projeto último e fundamental. E
se o homem possui uma compreensão pré-ontológica do ser de Deus,
esta não lhe é conferida nem pelos grandes espetáculos da natureza
nem pela potência da sociedade; mas Deus, valor e objetivo supremo
da transcendência, representa o limite permanente a partir do qual o
homem se faz anunciar o que ele próprio é. Ser homem é tender a ser
Deus; ou, se se prefere, o homem é fundamentalmente desejo de ser
Deus (p. 691).
Mas não passa de um Deus falido. Na conferência sobre O existencialismo é um humanis-
mo tenta responder às objeções feitas à nova filosofia: a) apresenta uma visão sombria
da vida e escandaliza com seu naturalismo, b) que acentua um pessimismo negro e de-
sumano. Responde a tais objeções dizendo que aos existencialistas é comum a tese: “a
existência precede a essência”. Enquanto os ateus do século XVIII ainda apresentavam o
homem como possuidor de natureza humana, Sartre diz:
O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Afirma que,
se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede
a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer
conceito: este ser é o homem” (Os Pensadores, p. 5-7).
Assim, “não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la” (p. 6).
“O homem nada mais é do que aquilo que faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio
do existencialismo. É também a isso que chamamos de subjetividade” (p. 6).
150
Sartre logo faz uma declaração sumária: “De início, o homem é um projeto que se vive
a si mesmo subjetivamente ao invés de musgo [...] e o homem será apenas o que ele
projetou ser” (p. 6). Será isso através de decisão consciente e livre, porque o homem é
liberdade. O homem escolhe-se a si próprio, seu próprio ser, “para criar uma imagem do
homem tal como julgamos que ele deva ser”. O bem depende dessa escolha. Por isso a
consequência é que “o homem é totalmente responsável por sua existência” e de todos
os homens. Se não há natureza humana universal, para Sartre, contudo, existe uma con-
dição.
O objetivo de Sartre neste escrito programático é apresentar o existencialismo em estilo
popular, como humanismo, definindo o homem pela ação, pondo seu destino nele pró-
prio: “O homem só existe à medida que se realiza; não é nada além do conjunto de seus
atos, nada mais que sua vida” (p. 13). O humanismo existencialista de Sartre, todavia, é
ateu. O homem projeta-se continuamente e persegue fins transcendentes para poder
existir. Mas esta transcendência constitutiva do homem não é relação com Deus:
O existencialismo nada mais é do que o esforço para tirar todas as con-
sequências de uma posição ateia coerente [...] não é tanto ateísmo no
sentido em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele
declara, mais exatamente: ainda que Deus existisse, nada mudaria; eis
nosso ponto de vista (p. 22).
Sartre nega Deus para afirmar o homem, de maneira semelhante a Nietzsche. Seu ateís-
mo também é postulatório, ou seja, não racionalmente provado. Depois de negar dog-
maticamente Deus e toda a realidade suprassensível na base de sua filosofia, faz do ho-
mem mera “paixão inútil”. Com seu niilismo e sombrio pessimismo deriva o ser do nada
e o homem defronta-se com a única opção do absurdo. A explicação do homem e do
mundo a partir do nada só pode provocar a náusea.
Fonte: Zilles (2004, p. 185-186).
151
AGNOLIN, A. O debate entre história e religião em uma breve história da história das
religiões: origens, endereço italiano e perspectivas de investigação. Revista de Es-
tudos Pós-Graduados em História da PUC-SP, São Paulo, n. 37, p. 13-39, dez. 2008.
ALBUQUERQUE, E. B. A história das Religiões. In: USARSKI, F. (Org). O espectro disci-
plinar da Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas, 2007.
BERGER, P. L. O dossel sagrado. Elementos de uma Teoria da Religião. São Paulo:
Paulus, 1985.
COSTA, J. Sociologia da Religião: uma breve introdução. Aparecida: Santuário,
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DIERKEN, J. Teologia, Ciência da Religião e Filosofia da Religião: definindo suas rela-
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Em: <http://fiuc.org/w/cms/COCTI/Actes%20all/paper%20Prof%20Soares.pdf>.
4
1. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá colocar a sua própria opinião do que enten-
de por religião como totalidade, conforme foi apresentado no Tópico 1. Deverá
ter a capacidade de discutir, associando sua opinião com os aspectos contidos
no texto.
2. Neste quesito, o(a) aluno(a) deverá discorrer sobre o termo criado por Max We-
ber: “desencantamento do mundo”, isto é, o fim da magia proporcionada pela
religião em face das novas realidades da sociedade moderna. Deverá, também,
ter a capacidade de relacionar essa ideia com os fenômenos religiosos.
3. Neste item, a resposta deverá ser uma rápida dissertação sobre os principais
pontos que o(a) aluno(a) julga importante para a História da Religião. A base
deverá ser o Tópico 3.
4. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá discorrer sobre a posição crítica da Sociolo-
gia frente à religião e justificar sua concordância ou discordância sobre esse tipo
de abordagem. Deverá utilizar o conteúdo do Tópico 4.
5. O(a) aluno(a) deverá apontar, de acordo com o seu ponto de vista e pelo que foi
estudado no Tópico 5, a relevância das Ciências da Religião para a formação do
pensamento teológico. Deverá citar, pelo menos, três aspectos relevantes.
Professor Dr. José Adriano Filho
Professor Dr. Sérgio Gini
V
UNIDADE
RELIGIÕES
Objetivos de Aprendizagem
■■ Conceituar a evolução da Etimologia da Religião até se formar a
hegemonia cristã.
■■ Apresentar o ato religioso como experiência humana.
■■ Compreender o mito como uma síntese da sacralidade.
■■ Expor como a linguagem figurada dá um sentido mais profundo ao
mito.
■■ Descrever como o sagrado continua vivo em face do
desencantamento produzido pela sociedade contemporânea.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Etimologia da Religião
■■ A vivência humana do ato religioso
■■ A atitude mítica
■■ Metáfora e alegoria
■■ A vitalidade do sagrado
159
INTRODUÇÃO
Introdução
160 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A ETIMOLOGIA DA RELIGIÃO
pulo dos apóstolos”, o que sugeriu ser uma referência a uma segunda gera-
ção de cristãos. O destinatário da carta, o excelentíssimo Digneto, é um não
cristão que tem interesses em saber mais da religião cristã. Em sua carta,
o discípulo desaprova a idolatria e demonstra que os rituais judaicos não
podem agradar a Deus. Também apresenta o fato de que, apesar de não
serem uma nação, os cristãos estão espalhados por todas elas, sendo que
sua cidadania é celestial.
Fonte: Berti (2011, on-line)1.
A Etimologia da Religião
162 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Desse modo, se “no princípio era o Verbo”, “o Verbo se fez carne” e “res-
suscitou dos mortos”, essa realidade se reatualiza periodicamente no rito
sacramental da eucharistia (ação de graças), mas como etapa intermediá-
ria de uma etapa final. Aparece, dessa forma, como meta e plenitude que o
Verbo inaugurou historicamente ao realizar a vontade do Pai, a qual permite
a entrada das criaturas na ordem definitiva e eterna de Deus.
A adoção de uma postura imparcial diante da religião e dos fenômenos nela
envolvidos com respeito ao sagrado exige, portanto, que ultrapassemos a pers-
pectiva cristã ou de qualquer outra religião particular para poder abarcar o ato
religioso em sua essência e extensão que lhes são próprias, segundo o experi-
mentam os diferentes povos.
A religião, em sua essência própria, é tanto uma experiência humana de res-
peito para com a esfera do sobrenatural, do divino e do sagrado, como o conjunto
de atos exteriores relacionados que objetivam tal veneração como vivência com-
partilhada que trata de reatualizar a ligação com essa esfera, mediante o cultivo
de recursos que remontam a esses estados de caráter primordial e permanente.
RITO
Etimologicamente, a palavra “rito” vem do latim ritus, que significa “ordem pres-
crita” ou “ordem estabelecida”. No grego, esse termo está ligado a artýs ou artus,
que também significa “prescrição”. A raiz ar — mais antiga e original, “modo de
ser, disposição organizada e harmônica das partes no todo” —, encontra-se na
palavra rta, do sânscrito védico, cujo significado remete a uma força de ordem
cósmica, mental e de relação das pessoas entre si, e em arta (arte), do iraniano, que
dá ideia de “harmonia restauradora”. A etimologia do termo “rito” indica que há
uma ideia de ordem, organização, estabilidade e restauração em seu significado.
O rito coloca ordem, classifica, estabelece as prioridades, dá sentido do que
é importante e do que é secundário, permite viver num mundo organizado e não
caótico, permite se sentir em casa num mundo que, do contrário, apresentar-
-se-ia a nós como hostil, violento e impossível. Se é verdade que o cosmo tem a
força de se opor ao caos, isso se deve ao rito e à sua força organizadora.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O rito é, portanto, segundo Cazeneuve (s.d., p. 10): “uma ação que pode ser
individual ou coletiva, mas que sempre permanece fiel a certas regras. Mas isso
não significa que o rito seja inflexível e não comporte uma margem de impro-
visação”. Certamente, os ritos evoluem, modificam, “em geral é de forma lenta e
imperceptível. As mudanças que ocorrem no rito são introduzidas com extrema
prudência, “a repetição é dada na própria essência do rito”.
DOUTRINA
Os ritos não incluem somente ações, mas também palavras. O silêncio e a pala-
vra compõem a trama do rito. O mito é o fundamento da palavra religiosa, relato
epifânico e tradicional. Como narração que se apoia não no discurso racional,
mas no relato que conta uma experiência primordial, carregada do prestígio que
conserva a sucessão dos relatos qualificados, ilustra a origem, o sentido último
e a realidade dos atos do mundo e da existência.
O mito — vivência do primordial que se desdobra por meio de um relato —,
desse modo, é indissociável do rito e convive em seu seio. As escrituras sagradas das
grandes religiões têm suas raízes na experiência do mito. Nesse sentido, procuram
substituí-lo, mas não anular o essencial de sua natureza, o valor do segredo divino
que transportam.
Os dogmas, as confissões de fé e a Teologia emergem da inspiração dos dados
revelados por Deus, por isso as Escrituras têm autoridade da crença, de serem tes-
temunhas fidedignas da vontade e do saber divinos. O que o símbolo implica, o
MORAL
O âmbito ambivalente dos tabus e, a partir dele, das prescrições e dos vetos, deixa
clara a relação entre a justiça e a punição, os sistemas de castas, os estados da
vida etc. Isto a partir da observação da ética religiosa e sua projeção nas primei-
ras manifestações do direito, por meio de regulamentações sobre puro e impuro.
A ele também pertencem as grandes modificações operadas pelas religiões
denominadas proféticas, nas quais a sanção de mandamentos e de normas legais
de origem divina e normativa para a conduta constituem uma característica pro-
eminente da transformação do conceito de religião. Esse conceito é transferido
do reino do arcaico para o encontro entre a vontade de um Deus único e onipo-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tente e a vontade do homem.
O tema da ética religiosa e a duplicidade de valores oferecidos em seu domí-
nio, frente ao que a mentalidade religiosa admite como interdito ou proibido e
permitido, conduz-nos para o centro determinante do universo das ideias reli-
giosas, ou seja, a relação existente entre a religião e o sagrado.
Caro(a) aluno(a), vimos que a vivência religiosa envolve ritos no sentido de ter um
procedimento correto de se relacionar com o sagrado. Esses ritos são sustentados
pelas doutrinas, outro elemento que envolve a vivência do sagrado. A doutrina
regulamenta e sistematiza o rito, tornando-o uma norma de ética e procedimentos.
A ATITUDE MÍTICA
Os mitos são relatos e narrativas, as formas mais antigas por meio das quais o
ser humano procura esclarecer o mistério de sua existência no mundo. Para
isso, vale-se do conteúdo de narrativas, histórias, relatos e lendas transmitidas
de geração em geração. O mito é a atitude humana de reconhecimento da irrup-
ção do sagrado na existência e a expressão do desejo de retorno ou nostalgia do
sagrado como princípio ou arché. O ser humano mítico vive plenamente quando
alcança viver no princípio.
O mito se apresenta como fenômeno ou ato cultural, como uma palavra que
é reveladora ou epifânica, pois comunica uma mensagem ao relatar uma cadeia
ou série de atos que tiveram lugar no marco de origem. Os protagonistas desses
atos foram seres sobrenaturais, os autores diretos de ações extraordinárias que
deram nascimento ao cosmos ou a algum aspecto novo dele. Segundo Francisco
García Bazán (2001), mito envolve símbolo, palavra, história (tempo primordial),
seres extraordinários e atos excepcionais. Vejamos cada um deles na sequência.
A Atitude Mítica
168 UNIDADE V
SÍMBOLO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
termos: hupnoia (o sentido subentendido), alegoria (dito que afirma uma coisa,
mas que significa outra) e metáfora (transposição de significado).
■■ O símbolo é imagem e, portanto, realidade auxiliar e reflexo do que está
escondido e que põe de manifesto. Sendo imagem, o símbolo não só é a
realidade mais fraca do que a revelação, mas figurativamente inverso com
respeito ao que expressa.
■■ O símbolo é a imagem reflexa, mas inseparável e necessária em relação ao
que manifesta, logo, sua origem não é nem convencional, nem efeito da
arbitrariedade, mas superior ao domínio humano individual e coletivo.
■■ O caráter de imagem do símbolo descrito o apresenta como análogo,
como diferente e idêntico ao que revela, pois como imagem especular se
torna visível e compartilha daquilo que reflexamente manifesta. Quando
a natureza analógica inerente ao símbolo se põe em movimento, cum-
pre-se propriamente a função simbólica desveladora, pois o participado
como dom é outorgado gratuitamente como experiência participante.
PALAVRA
O mito é palavra, mas palavra que relata, reúne ou liga. Relaciona-se com
logos (“palavra”), não em seu sentido especial — “a palavra que reúne e enlaça
mediante o exercício racional” (BAZÁN, 2001, p. 05) —, mas com o sentido
amplo de reunir progressivamente.
O mito é palavra autorizada que se impõe pelo prestígio da união com a origem
e seu caráter legendário. O logos, em seu sentido restrito, é a palavra do discurso
em seu deslocamento racional, lógico e retórico ou persuasivo. A passagem do
mito ao logos ocorreu já na cultura grega na época dos filósofos pré-socráticos.
HISTÓRIA
SERES SOBRENATURAIS
A Atitude Mítica
170 UNIDADE V
ATOS EXCEPCIONAIS
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físicos representam riscos de desaparecimento.
As características únicas e universais dos acontecimentos proto-figurativos
transmitidos por meio da força ilustrativa das histórias míticas aconteceram no
espaço e tempo primordiais, dentro de uma cronologia e geografia figurada carre-
gadas de sentido sagrado, tornando-os orientadores da existência comum, razão
porque se quer voltar a eles, pois representam a origem. O homem arcaico não
suporta estar desorientado, extraditado e alheio à sua origem.
A Atitude Mítica
172 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sangue de seu súdito, Kingu, criou o homem. O mito era representado por dois
grupos de atores no templo de Marduk. Nessas cerimônias, havia também a
“festa das sortes”, com os presságios que correspondiam a cada um dos meses do
ano, uma temporada de tristeza pela descida de Marduk ao mundo inferior, sua
humilhação e, finalmente, uma hierogamia ou casamento sagrado do rei com
uma sacerdotisa, representando, respectivamente, o deus e a deusa Sarpanitum.
O significado dos comportamentos descritos dramatizados neste relato,
segundo Lara-Peinado (1985), é o seguinte:
A Atitude Mítica
174 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
6. O reino do dragão — enquanto o deus está morto e confinado ao mundo
subterrâneo, o dragão governa destrutivamente: (1) saqueia e satisfaz
os seus vários desejos; em particular (2) ataca a esposa ou mãe do deus.
7. Restabelecimento do herói — (1) a esposa, o irmão e/ou a mãe do deus
se empenha em restabelecê-lo (a) pela mágica ou (b) seduzindo o dra-
gão ou (c) lutando ela mesma com o dragão ou (2) seu filho o ajuda (a)
restabelecendo a força perdida do deus ou (b) assumindo ele mesmo o
papel de deus (ou rei).
8. Batalha renovada e vitória.
9. Restauração e confirmação da ordem.
A Atitude Mítica
176 UNIDADE V
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munho de Jesus” (BÍBLIA, Apocalipse 12,12-17).
As atividades subsequentes de Satanás são todas dominadas pela linguagem
da batalha. No capítulo 13 (BÍBLIA, Apocalipse 13), ele concede poder e autori-
dade à besta que luta contra os santos (BÍBLIA, Apocalipse 12, 7; cf. Apocalipse
18,19). Em Apocalipse 16,13-14 (BÍBLIA), Satanás, auxiliado por duas bestas,
reúne os reis do mundo para a batalha.
No final do livro, reúne Gogue e Magogue para a batalha contra aqueles que
se alegram no reino messiânico (BÍBLIA, Apocalipse 20,7-10). Especialmente
digno de nota é o fato de que o motivo de Satanás como sedutor é interpretado
em termos militares, já que seduzir as nações equivale a juntar as nações para a
batalha (BÍBLIA, Apocalipse 20,8).
METÁFORA E ALEGORIA
Metáfora e Alegoria
178 UNIDADE V
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também está na base da metamorfose da retórica em tropologia.
ALEGORIA
Metáfora e Alegoria
180 UNIDADE V
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interpretação alegorizante do Antigo Testamento, relacionada com Jesus, adqui-
riu, no século XIX, o nome de “tipologia”. Seu objetivo visava descobrir, no Antigo
Testamento, typoi, isto é, prefigurações da figura de Cristo, as quais, antes do apa-
recimento de Cristo, deviam permanecer desconhecidas. Essa leitura tipológica
da Bíblia era, na sua época, chamada de “alegórica”.
A tipologia busca encontrar, no Antigo Testamento, prenúncios e analogias
historicamente reais da pessoa de Jesus. Um fato narrado no Antigo Testamento
— por exemplo, a saída dos israelitas do Egito — prefigura, ainda, imperfeitamente
outro — o advento, a vida e a paixão de Cristo — e realiza-se nele em sua perfeição.
O Êxodo, assim, seria prefiguração da redenção da humanidade, obtida por
meio da morte de Cristo na cruz. Também o sacrifício de Isaque por Abraão
devia prefigurar a morte sacrifical de Cristo por seu Pai. Os três dias passados
por Jonas no ventre do grande peixe deveriam simbolizar o período de tempo
entre a morte e a ressurreição de Cristo etc.
Fica, portanto, estabelecida uma relação entre duas pessoas ou aconteci-
mentos, que são ambos reais no tempo e não se preocupam com conceitos e
abstrações, que são inteiramente secundários. A figura é diferenciada da maior
parte das formas alegóricas, conhecidas em outros contextos pela realidade his-
tórica do que significa e é significado.
Quem primeiro falou expressis verbis de alegoria foi o apóstolo Paulo. Em
Gálatas 4,21-31 (BÍBLIA), ele elabora uma interpretação “tipológica” da história
dos dois filhos de Abraão, um da escrava (Agar) e o outro da livre (Sara). Isso,
explica Paulo, foi dito alegoricamente. Porque o filho gerado pela escrava signi-
fica a Jerusalém atual, que se encontra na escravidão, isto é, sob a lei. O que foi
gerado pela mulher livre, no entanto, não é escravo da lei (ou da carne), porém
livre, por ser herdeiro do espírito (BARBAGLIO, 1991).
No início de Gálatas 4,24 (BÍBLIA) consta o seguinte: “O que se entende por
alegoria” e indica que essa palavra teve uma história de desenvolvimento. Ela é
de origem grega tardia e foi usada para substituir o termo hyponoia. Em Filón
(15-45 a. C.) outros alegoristas alexandrinos veio a descrever a “interpretação
figurativa de um texto autoritativo”.
No exemplo de Paulo, fica claro pelo contexto que ele não está falando
somente de um processo alegórico, mas está interessado em entidades alegóri-
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cas, ou seja, em seu pensamento. Sara e Agar representam realmente algo que é
vital para a expressão da fé cristã, já que a partir de suas figuras históricas se fala
sobre a liberdade e a escravidão (BARBAGLIO, 1991).
Paulo espera esse momento preciso na carta para apresentar esse argumento,
e a vantagem de utilizar a alegoria inclui, pelo menos, o seguinte:
I. Permite a Paulo continuar usando a figura de Abraão.
II. Aparentemente, Paulo está utilizando um estilo de exegese que os judai-
zantes conheciam para estabelecer suas próprias doutrinas.
III. Permite a Paulo sumarizar seus argumentos principais, por meio de uma
ilustração aceitável da história sagrada de Israel.
IV. Permite a Paulo utilizar a tradição para fazer um apelo emotivo.
V. Dá a Paulo uma fundamentação para dizer algo que não poderia ser omi-
tido, ou seja, que os judaizantes deveriam ser repelidos.
Metáfora e Alegoria
182 UNIDADE V
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ficação não ocorre mediante as obras da Lei (BÍBLIA, Gálatas 2,16). Referindo-se
à sua própria experiência de conversão, diz que estava crucificado com Cristo, e a
vida que ele agora vivia, vivia pela fé no Filho de Deus, que o amou e se deu por
ele (BÍBLIA, Gálatas 2,20). No contraste entre a fé e a lei, Paulo já havia anteci-
pado a alegoria Sara/Agar, que afirma: “Sabemos que somente os que são da fé
são filhos de Abraão” (BÍBLIA, Gálatas 3,7).
A perspectiva da história da salvação é descrita por Paulo como “liberdade”.
O conceito de “libertação” era parte da história de Israel. Cinco vezes neste
parágrafo, Paulo usa a palavra “liberdade” para demonstrar a “realidade histó-
rico-redentiva da fé”. A história da salvação apresentada pode ser traçada desde
Abraão, que tinha dois filhos, o segundo nascido de uma mulher livre (BÍBLIA,
Gálatas 4,22) por causa da promessa (BÍBLIA, Gálatas 4,23).
Assim, a Jerusalém de cima, é também, “liberdade” (BÍBLIA, Gálatas 4,26) e
está pronta para dar à luz a alguém que viria viver na promessa. Com um apelo
à Escritura, Paulo cita Gênesis para fundamentar a afirmação de “somente os
filhos da mulher livre são realmente livres” (BÍBLIA, Gênesis 21,9-10).
A escatologia de Paulo é marcada pela esperança e culmina na pessoa de Cristo.
Esse aspecto, além da ênfase na história da salvação, faz com que Paulo não se afaste
do contexto original da narrativa de Gênesis. Ele identifica Jerusalém e Agar como
o Monte Sinai na Arábia e relembra aos destinatários de Gálatas que a promessa
escatológica está na Jerusalém celestial. Assim, entrelaça aspectos midráxicos e
legais do Antigo Testamento, o que resulta numa hermenêutica homilética e pas-
toral relacionada com a missão aos gentios no contexto da iminência da parousia.
ciona para aqueles que já fizeram maior progresso na fé e cujo olhar, pela alma
da Sagrada Escritura, é capaz de ampliar seu horizonte. Somente aos “perfeitos”
se desvela o sentido espiritual, que deve revelar os mistérios supremos da sabe-
doria divina, ocultos na letra (ORÍGENES, 2012).
Os três níveis do sentido bíblico são, assim, desejados por Deus para possibi-
litar aos cristãos um progresso do visível ao invisível, do corporal ao intelectual.
Por isso, o Espírito Santo ocultou um sentido mais profundo sob o céu de uma
narrativa comum (ORÍGENES, 2012).
Orígenes emprega a alegoria predominantemente de modo tipológico, a
qual descobria em todo o Antigo Testamento. Ele aplica, também, a interpreta-
ção alegórico-tipológica ao Novo Testamento. O Novo Testamento quer ser o
prenúncio de algo misterioso: da parousia divina, expressão da espera de uma
nova vinda do Senhor, que caracterizava a primeira cristandade.
Da mesma forma como o Antigo Testamento devia ser uma tipologia do
Novo Testamento, esse aspecto deve ser encarado como a tipologia do “Evangelho
eterno”, segundo a palavra da revelação. Orígenes, assim, abria à cristandade o
caminho para a interpretação alegórico-simbólica do Novo Testamento, como
penhor de algo diverso e mais elevado.
Segundo Orígenes (2012), tudo o que é escriturístico compõe-se de mis-
térios. Com isso, ele universaliza a dimensão do tipológico: direcionada por
natureza para a revelação do mistério, a Sagrada Escritura deveria ocultar um
mistério em todas as suas letras.
Metáfora e Alegoria
184 UNIDADE V
A alegoria era, pois, o nome que a antiga Igreja dava ao seu método tipoló-
gico de interpretação. O Antigo Testamento se tornou uma alegoria do Novo
Testamento, o qual revelava o espírito a partir do qual deveria ser entendida a
letra do Antigo. O ensino da Tipologia Histórica, uma das correntes de inter-
pretação religiosa da linguagem figurada dos inícios do cristianismo, está aqui
em síntese e, como isso, foi lançada a sentença condenatória da futura vigência
religiosa da mitologia grega, que estava a serviço da mentalidade mítica e não
da mentalidade histórica.
Os tipos ou figuras do Antigo Testamento adquirem seu pleno sentido nos
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antítipos do Novo Testamento. A alegoria adota o caráter cristão como um estilo
de expressão religiosa, histórica e cristocêntrica.
A contribuição de Santo Agostinho (354-430) é, também, importante no
desenvolvimento da interpretação alegórica das Escrituras. Para Agostinho (2005),
palavras escritas são sinais de palavras faladas, e palavras faladas, por sua vez, são
sinais de pensamentos falados. As palavras escritas da Escritura são sinais que
ajudam a dirigir os olhos da nossa mente para as realidades que eles significam.
A Escritura é como um indicador. Não aprendemos coisas inteligíveis de
Moisés, Paulo ou dos evangelistas; nós aprendemos ao vê-las por nós mesmos
na verdade eterna. As palavras da Escritura são sinais que dirigem nossa aten-
ção para o que podemos ver, mas que nunca veríamos sem elas.
Há, também, verdades que pertencem à esfera do tempo e da mudança, e o
acesso independente que temos a essas verdades se dá por meio de nossos senti-
dos. Eu não consulto Cristo, a fim de ver se a porta do meu escritório está aberta.
Somente olho. Esses sentidos podem falar a mim somente sobre o presente. A
memória do sentido também me fala sobre o passado — somente o meu pró-
prio passado e não todo o meu passado.
Isso significa que a maior parte do passado não é só desconhecida, mas que
não se pode conhecê-la. Naquele passado não conhecível estão verdades que
necessito desesperadamente estar consciente, sendo a mais importante a que
diz que “a Palavra tornou-se carne e habitou entre nós” (BÍBLIA, João 1.14). As
palavras da Escritura nos fazem conscientes das verdades do passado não conhe-
cível. A Escritura é indispensável, porque nos informa sobre coisas que nem a
razão, nem os sentidos podem, agora, nos revelar.
Caro(a) aluno(a), no livro Pureza e Perigo, Mary Douglas (1991) faz uma reflexão
sobre os sentidos e as conexões entre pureza, poluição e perigo em “sociedades
primitivas”. Para ela, pensar sobre pureza implica assimilar a poluição como
experiência correlata e, em seguida, observar, nessa correlação, o perigo à con-
tinuidade das estruturas de um sistema social. Isto é, defende que quando em
uma sociedade comportamentos, ações, ideias, categorias sociais e instituições
são ordenados, são classificados como puros ou impuros, de modo a evitar o
perigo da desestabilização social.
Metáfora e Alegoria
186 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
vê, pode arbitrar e constituir verdade. A sujeira ofende a ordem de quem vê, arbi-
tra e persegue a sujeira quando tinge um ambiente; persegue a doença, criando
normas para se escapar do contato com a mesma; persegue os grupos marginais,
excluindo-os, reprimindo-os ou mesmo exterminando-os.
Não há nada de amedrontador ou irracional no evitar a sujeira: é um movimento
criativo, um esforço para relacionar forma e função das coisas, ideias e sentimen-
tos, fazer da experiência uma unidade, uma vez que sexo, necessidades fisiológicas,
impressões de objetos, sensações ou emoções, diferenciações entre sagrado ou pro-
fano são realidades movediças que precisam ser orientadas coletivamente.
É um perigo para o sistema social repartir o poder de simbolizar a vida com
aqueles cujos caracteres e cujas ideias projetadas são ambíguos e anômalos, ou
seja, não se enquadram na ordem social vigente. O corpo humano possui formas
variadas e assimétricas, interior e exterior, orifícios de entrada e saída de fluidos,
excrementos e objetos; as margens físicas são margens de ideias, de experiências
físicas e emocionais, sociais e culturais.
A VITALIDADE DO SAGRADO
A Vitalidade do Sagrado
188 UNIDADE V
Trata-se, pois, de uma fé dinâmica que coincide com a ação racional do homem
moral. Deus é, assim, mais do que uma visão do homem, sua aspiração é um
incondicionado possível, que não pode ser considerado objeto e que abona o
caráter de universalidade que lhe é conferido, a priori, pela fé racional. A sua
condição de possibilidade, dentro dos limites razão pura, só pode ser experi-
mentado humanamente como satisfação incompleta.
Nesse sentido, a vida religiosa é um aspecto essencial da existência humana,
e as condições de sua possibilidade surgem da análise da razão segundo o funcio-
namento da fé do homem livre em Deus. A religião está ligada à conduta ética. É
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
uma disposição de perfeição confiada da pessoa que admite que a lei moral regu-
lada pelo imperativo categórico é expressão da vontade de Deus (KANT, 2008).
Friedrich D. Schleiermacher (1768-1834), em seus Discursos sobre a Religião,
aprofunda o conceito de religião como “sentimento de dependência absoluta”
(SCHLEIERMACHER, 2000, p. 11). Entre os sentimentos humanos, há um que
é cósmico e indica a situação do homem no mundo. É um sentimento de rela-
ção com o universo e o ilimitado, pelo qual o homem tem consciência de sua
dependência incondicionada ante o infinito.
Esse sentimento cósmico é, porém, religioso e, além disso, revela o absoluto
no fundamento da subjetividade humana e aproxima os homens entre si, cons-
tituindo-os em pessoas e em comunidades religiosas.
A Vitalidade do Sagrado
190 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de sua significação, chega a afirmar que a neurose é uma religião pessoal, e a
religião uma neurose universal.
Nesta, estariam se manifestando os complexos mais arcaicos da humani-
dade. Isso não impede de reconhecer que a religião possui uma forte capacidade
patogênica para os pacientes neuróticos que, incorporada a comportamentos
patológicos, colabora para a desintegração da personalidade em formas como o
delírio paranoico e as perversões.
As noções de inconsciente, de repressão psíquica, de projeção e de sublima-
ção subjazem à interpretação freudiana do ato religioso. Freud insiste também na
analogia entre a história do indivíduo e a história da humanidade. O exame da
história individual revela indícios que pertencem à história do gênero humano.
Há um paralelo entre a proibição do incesto que atua com vigência em toda pes-
soa e os tabus e obrigações que derivam da pertença ao mesmo clã totêmico.
A ressonância obscura de um homicídio ou delito original se impõe ao
indivíduo. A história de Édipo pode se constituir no paradigma estrutural de
toda uma rede de comportamentos impulsivos e afetivos da família. A par-
tir da mesma perspectiva, o vocabulário religioso, que se expressa como a
perda do paraíso, castigo e culpa, juntamente com sexo, pecado e redenção,
é igualmente comum ao analista. Dessa forma, é possível que a religião, ape-
sar de sua utilidade, venha a ser superada, graças à evolução e ao progresso
da humanidade (FREUD, 1976).
Max Weber (1864-1920) descreveu os processos de modernização do Ocidente
e, quando fala da burocratização, vê nela uma perda de liberdade. Quando fala
do desencantamento do mundo, vê uma perda de sentido (PIERUCCI, 2003).
A Vitalidade do Sagrado
192 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O poder aparentemente insuperável do neoliberalismo globalizante, que
transforma tudo em mercadoria, até os bens religiosos mais caros de todas as
culturas, parece ser uma prova disso. Porém, incapacidade das Igrejas de resisti-
rem a esse processo ao longo dos séculos da Modernidade, dando a legitimidade
religiosa pedida pelas diferentes articulações sistêmicas, segundo as demandas de
cada conjuntura histórica, parece encerrar as práticas eclesiais e as formulações
teológicas que lhes seguiam, numa outra “gaiola dura como aço”, neutralizando
a força histórica do Evangelho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
perceber que os estudos sobre a religião podem ter uma amplitude e um diálogo
imprescindível com as outras ciências humanas e sociais. Assim, encerramos esta
unidade, que teve como objetivo apresentar as possibilidades de análise da reli-
gião a partir dos mitos, das metáforas e das alegorias.
As teorias que abordam o mito diferem não somente quanto às respostas
dadas às grandes questões: o que é o mito, qual sua origem e qual sua função.?
Divergem, sobretudo quanto às questões às quais pretendem responder. Algumas
teorias concentram-se em responder qual a função do mito, outras no conteúdo
próprio do mito, outras restringem a sua definição a elementos necessariamente
presentes, cuja ausência desconfiguraria essa definição.
Como teólogos, nossa tarefa é eliminar o pretenso conflito entre ciência e reli-
gião, conhecendo e se aprofundando nos temas e métodos dos estudos das religiões,
sendo humildes para reconhecer que nossos preconceitos religiosos e nossas ati-
tudes intelectuais podem distorcer a compreensão dos fenômenos pesquisados.
Esperamos que os temas estudados aqui possam despertar, em você, o inte-
resse em se aprofundar nos estudos científicos da religião e em estabelecer as
pontes necessárias com o ferramental hermenêutico da Teologia. Como, ao con-
trário do que disseram os cientistas sociais do final do século XIX e início do
século XX, o fenômeno religioso não morreu, cabe a nós a disposição para bus-
car respostas para as questões quanto à sua universalidade, quanto à sua presença
em sociedades contextualizadas, quanto à sua forma e essência. O trabalho é
árduo, porém gratificante.
Considerações Finais
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O poder do mito
Joseph Campbell
Editora: Palas Athena
Sinopse: fruto de entrevistas com Joseph Campbell (1904-1987),
um dos mais renomados estudiosos norte-americanos de religiões
comparadas, realizadas pelo destacado jornalista Bill Moyers,
esse livro revela os saberes e a extraordinária jornada do maior
especialista da mitologia mundial, numa brilhante combinação de sabedoria e humor. O mito e o
mundo moderno, a saga do herói, o caminho interior, os nascimentos virginais, sacrifício e bem-
aventurança, amor e matrimônio e mesmo os personagens de Guerra nas Estrelas são tratados de
modo único, revelando a dimensão mítica na experiência humana e seu significado universal.
Avatar - 2009
Sinopse: no exuberante mundo alienígena de Pandora, vivem
os Na’vi, seres que parecem primitivos, mas são altamente
evoluídos. Como o ambiente do planeta é tóxico, foram criados
os avatares, corpos biológicos controlados pela mente humana
que se movimentam livremente em Pandora. Jake Sully, um ex-
fuzileiro naval paralítico, volta a andar por meio de um avatar e se
apaixona por uma Na’vi. Essa paixão leva Jake a lutar pela sobrevivência de Pandora.
Comentário: o diretor James Cameron disse que Avatar tem uma simbologia política. Trata-se de
uma alegoria sobre a guerra ao terror do governo Bush (invasão do Iraque). Entretanto, vários grupos
étnicos, religiosos e políticos, ao redor do mundo, tomaram Avatar como uma alegoria de suas lutas
particulares.
Material Complementar
198
REFERÊNCIAS
cana, 1974. v. 9.
PLATÃO. Os Diálogos. Fedro — Cartas — O 1º Alcibíades. Rio de Janeiro: Companhia
Editora Americana, 1975. v. 5.
SCHLEIERMACHER, F. D. E. Religião: Discursos a seus menosprezadores eruditos. São
Paulo: Novo Século, 2000.
SCHOLZ, V. Princípios de interpretação bíblica: introdução à hermenêutica com
ênfase em gêneros literários. Canoas, RS: Editora da ULBRA, 2006.
SILVA, J. S. D. O oponente escatológico de Daniel e o Anticristo do Apocalipse Siríaco
de Daniel. Memoria Acadêmica. Sociedades Precapitalistas, n. 4, v. 1, 2014.
WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira,
1989.
REFERÊNCIAS ON-LINE
1
Em: <https://marceloberti.wordpress.com/2011/05/09/epistola-a-diogneto-e-sua-
-visao-de-cristo/>. Acesso em: 18 out. 2017.
200
GABARITO
1. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá fazer uma breve dissertação explicando
como o Cristianis mo superou a religião dos romanos e o Judaísmo e se tornou
hegemônico conforme estudado no Tópico 1.
2. Neste item, o(a) aluno(a) deverá explicar como funciona o rito e qual a sua fun-
ção para que o indivíduo se una ao divino.
3. O(a) aluno(a) deverá discorrer sobre o mito do combate, descrito em Apocalipse
12, e relacionar com o que a Teologia pode ler dessa atitude mítica e auxiliar na
compreensão da fé.
4. O(a) aluno(a) deverá falar brevemente dos três aspectos da alegoria paulina:
epistemologia, perspectiva histórica e escatologia.
5. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá ter a habilidade de discorrer, segundo sua
opinião, sobre como a força histórica do Evangelho resiste na cultura atual, recu-
perando a questão do sagrado como de fundamental importância para a vitali-
dade da religião.
201
CONCLUSÃO
Escrever sobre Estudos das Religiões tem sido um desafio prazeroso. Rever e repen-
sar todos esses conceitos se torna um exercício que desenvolve o aprendizado e o
conhecimento envolvendo o nosso dever de pesquisar sempre.
Provavelmente, para você, caro(a) aluno(a) do curso de Teologia, este foi um pri-
meiro contato com diferentes autores, que tratam do fenômeno religioso a partir
de outras abordagens, com as quais não estamos muito familiarizados enquanto
teólogos cristãos, pastores, missionários e líderes em nossas igrejas ou paróquias.
Sei também o quanto pode ser difícil para alguns assimilar essa diferença de prisma,
aparentemente brusca, entre a abordagem teológica conservadora e a abordagem
dos estudos das religiões.
Contudo, queremos incentivá-lo(a) a dar a devida atenção e valor aos Estudos das
Religiões, sabemos que é difícil, uma vez que tratamos, principalmente, com a Teo-
logia. O nosso objetivo, porém, é desafiá-lo a buscar uma conciliação inteligente e
equilibrada, a fim de que a produção teológica — munida dos suprimentos históri-
cos, comparativos, sociológicos, antropológicos, filosóficos, teológicos, psicológicos
e fenomenológicos que os Estudos das Religiões oferecem — seja enriquecida, ga-
nhe relevância e cumpra com maior eficiência sua tarefa religiosa, social e humana.
Tratar com a religiosidade é algo sublime, principalmente na área pastoral. Não são
muitos os homens e as mulheres habilitados para essa tarefa, que acontece no cor-
po a corpo e tem a incumbência de interferir no cotidiano e na vida das pessoas, a
fim de que se tornem melhores e vivam com mais intensidade sua espiritualidade.
Portanto, bem sabemos o quanto ela requer cuidado, atenção, dedicação, respeito e
muito conhecimento, para que a fé mantenha sua pertinência a respeito do sentido
que dá a existência de todos nós.
Valer-se dos Estudos das Religiões como um instrumento de aproximação da essên-
cia humana, por um domínio mais apurado do dinamismo do fenômeno que nos
caracteriza como humanos, é nos aproximar da essência de todos nós, pois a própria
religião nos faz humanos.