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ESQUIZOFRENIA DE INÍCIO NA

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Evelyn Kuczynski
Parte de um conjunto de transtornos muito
graves, com limites ainda mal definidos através
dos nomes “psicoses infantis”, “grupo das
esquizofrenias” ou “espectro esquizofrênico” e, à
semelhança dos transtornos invasivos de
desenvolvimento, frequentemente crônica.
Embora na maioria dos casos só se inicie ao final
da adolescência e começo da idade adulta, pode
atingir crianças e adolescentes, ocasionando
considerável sofrimento e inadaptação.
Dumas, 2007
Essa similaridade com os
Transtornos do Desenvolvimento
pode levar a um diagnóstico
precipitado de Retardo Mental.
Quando atinge uma criança ou um
adolescente, altera seu desenvolvimento e se
manifesta em todos os seus domínios, tanto
cognitivo como afetivo e social, alterando
sensações, percepções, atenção, memória,
linguagem, pensamento, vontade,
julgamento, emoções e outros.
Dumas, 2007
Cabe lembrar que esses quadros (a
longo prazo) são quase sempre de
expressão deficitária (crianças e
adolescentes).
Raro seu início na faixa etária pediátrica, mas
desde a descrição em princípios do século XX,
um pequeno número de casos tinham sua
origem nos anos pré-puberais, sendo a
maioria de início no fim da adolescência e
início da fase adulta.
(Kraepelin, 1919)

Bleuler: 5% casos início na infância ou ainda


no 1º ano de vida?
Estudo negligenciado por várias décadas, seja
por dificuldades nosológicas na descrição,
seja pela raridade na população; sua
nosologia é vítima de controvérsias há muitos
anos.
No DSM-II, “Esquizofrenia Infantil” inclui
todos os transtornos psicóticos em crianças,
inclusive o autismo infantil; o DSM-IV e a CID-
10 não criam uma categoria para
“Esquizofrenia Infantil” ou “Esquizofrenia do
Adolescente”.
(apud FERRARI, 2003)
Willis, 1683:

“...antes de espírito vivo e alerta na infância


caem, na adolescência, na obtusão e na
estupidez”

(“Da estupidez ou morosidade”, apud SEDLER, 1991).


Kraepelin, 1896:

dementia praecox; 3,5% já apresentavam


sintomas na infância (sem QC característico
nessa idade).
Sancta de Sanctis, 1905:

demência precocíssima (maneirismos,


negativismo, catatonia e acessos de raiva
imotivada) a partir dos 3 anos de idade.
Heller, 1908:
demência infantil (evolução rápida para um
estado mental de regressão profunda, entre
3º e 4º ano de vida).
Início lento, distúrbios de linguagem,
mutilação de palavras, ecolalia, até a perda
completa da capacidade de articulação;
conservação da afetividade.
Sequelas de encefalites na infância?
Corresponderiam atualmente aos transtornos
desintegrativos (pertencentes à F84 da CID-
10).
H. W. Potter, 1933:

“As crianças (...) não podem apresentar uma


psicopatologia tão complicada como a que se
encontra nos adultos. Não devemos nos esquecer
que o desenvolvimento intelectual e a experiência
das crianças são menores que os alcançados pelos
adultos. A complexidade da linguagem é própria da
inteligência madura. As crianças não possuem a
facilidade de traduzir amplamente seus sentimentos
em palavras, nem tem capacidade para formular
complicadas abstrações.”
Delírios, se presentes, são simples e
ingênuos;

Sintomas principais se apresentam na


conduta e em uma permanente falta de
conexões afetivas;
Segundo Potter, são os sintomas
fundamentais de Bleuler que estão mais
presentes nessa faixa etária:

Os quatro “As”

Autismo;
Associação;
Afetividade;
Ambivalência
Bender, 1942:
“...uma entidade clínica que aparece em
crianças antes dos 11 anos de idade e que
provoca uma patologia em todas as áreas de
integração do sistema nervoso central nas
áreas vegetativa, motora, perceptiva,
intelectual, emocional e social...”.
(BENDER, 1947)

Casos de esquizofrenia de início precoce


seriam transtornos da totalidade do
organismo e persistiriam por toda a vida do
indivíduo.
Rutter, 1968:

restringiu o diagnóstico ao início em maiores


de 8 anos e observou que os de início precoce
raramente apresentavam alucinações, delírios
ou reações paranoides elaboradas.
Eggers, 1978:

tentou distinguir a esquizofrenia do adulto e


a da criança; na de menores de 10 anos
haveria um predomínio de sintomas
negativos, conforme já salientado por Potter.
Definição:

Sintomas psicóticos: alucinações, perda de


associações ou incoerência, catatonia, afeto
inapropriado (por no mínimo uma semana);
Déficit na função adaptativa: fracasso para
alcançar níveis esperados de
desenvolvimento social, ou perda do que já
apresentavam;
Duração de no mínimo seis meses (incluindo
a fase prodrômica e a residual).
Conceito de psicose na infância é
problemático!!!

Conceito de realidade da criança muda seu


curso durante seu desenvolvimento normal.

Conceituação de realidade do adulto só é


obtida na adolescência.
(PIAGET, 1973)
MUITAS CRIANÇAS ACREDITAM EM SUAS FANTASIAS
E NÃO PODEMOS CONSIDERÁ-LAS PSICÓTICAS!
Prevalência:
2% da de início na adultícia
(BEITCHMAN, 1985)

menos de 1: 1.000
(BURD, 1987)

0,14: 1.000 entre menores de 15 anos, 50


vezes menor que entre 15 e 54 anos
(BEITCHMAN, 1985; VOLKMAR, 1988)

nos anos pré-puberais, seria mais raro que o


autismo infantil, da ordem de 4 para 10.000
(Rapoport, 1997)
Prevalência:
Considerando a prevalência geral dos
transtornos mentais na infância e na
adolescência entre 10% e 15%, ela acomete
cerca de 1% da população e sua idade de início
está entre 15 e 30 anos de idade.
(Rohde et al, 2000)
É, portanto, uma doença rara na infância e,
conforme avança a adolescência (próximo dos 11
anos), os casos tornam-se mais expressivos
embora, apesar de existirem alguns relatos com
idade inferior a 5 anos, estes são extremamente
raros.
Prevalência:
Estima-se que cerca de 0,1 a 1% dos casos de
esquizofrenia tenha se iniciado antes dos 10
anos de idade, e aproximadamente 4% antes
dos 15 anos de idade.
(Tengan; Maia, 2004).

0,19:10.000 crianças, com idades entre 2 e 12


anos, reportando-se uma razão de 2 a 2,5
meninos : 1 menina.
(King, 1994)
Prevalência:

Considera-se esquizofrenia de início precoce


quando o início do quadro se dá antes dos 18
anos, falando-se em início muito precoce
antes dos 13 anos de idade.

Werry, 1996
Etiopatogenia:
Fatores complexos; fatores biológicos
primários influenciados por fatores
psicossociais:
a) genéticos;
b) neuroquímicos: dopaminérgica; também
noradrenérgica, neuropeptídeos e
serotonina;
c) neurodesenvolvimento.
(CARPENTER, 1987; MELTZER, 1987)
Neurodesenvolvimento:
a) anomalias físicas menores;
b) exposição viral no período pré-natal;
c) complicações obstétricas;
d) alterações cognitivas e neuromotoras pré-
mórbidas;
e) alterações citoarquitetônicas;
f) neuropatologia (ausência de gliose);
g) neuroimagem (alterações não-progressivas)

(WEIMBERGER, 1995)
Pior desenvolvimento pré-mórbido nas
esferas da linguagem e desenvolvimento
social;

Pacientes com início precoce da esquizofrenia


apresentam anormalidades semelhantes,
embora mais acentuadas.
Esquizofrênicos de início na infância com
pródromo de deterioração na performance
escolar e nas atividades cotidianas,
distanciamento social e comportamento
desorganizado.
(MACKENNA e cols., 1994)

Pródromo em 75%.
(RUSSEL, 1994)
Quadro Clínico

Seu diagnóstico, embora difícil, parte de uma


criança com desenvolvimento normal ou próximo
dele, podendo-se reportar algumas alterações
linguísticas inicialmente, pobre coordenação
motora, hipotonia e alguns maneirismos. Pode se
observar ainda perseveração e sensibilidade
sensorial não usual.
Estudos atuais apontam para a teoria que a
esquizofrenia corresponderia a um distúrbio do
neurodesenvolvimento com sua expressão variando
ao longo da vida.
Quadro Clínico

Além disso, seus sintomas iniciais são pouco


marcados, com aparecimento de medos não
específicos, afeto lábil ou inapropriado, ansiedade
social intensa levando a isolamento, pobre
julgamento social e anormalidades cognitivas sob a
forma de pensamento mágico, perseveração,
comportamento repetitivo e ritualizado e
preocupações não-usuais
(King, 1994)
Quadro Clínico

Esse início insidioso raramente é visto antes


dos 5-6 anos de idade, embora sejam
descritos casos de alucinações e delírios aos 3
anos - raro e discutível, partindo da premissa
de uma alteração do juízo de realidade,
característica essa que se desenvolve com o
advento das operações concretas.
(King, 1994)
Quadro Clínico

Em crianças maiores, alucinações


(predominantemente auditivas) e delírios
podem ser observados, embora também
sejam encontradas alucinações visuais e
táteis (pouco estruturadas).
Quadro Clínico

alucinações auditivas: 73,3% de 06 a 17 anos


(88,8% em 12 a 17 anos); alucinações visuais
nos que apresentam auditivas, mas em
menor frequência, de 30 a 50%; também
táteis, gustativas e olfativas
apud FERRARI, 2003
Quadro Clínico

fantasias bizarras, ideias paranoides,


persecutórias, ideias de referência,
identificação com animais, delírios somáticos,
inabilidade para diferenciar sonhos de
realidade
Quadro Clínico

transtornos do pensamento (inserção do


pensamento, retirada do pensamento,
transmissão do pensamento); delírio
persecutório

(apud FERRARI, 2003)


Quadro Clínico

conteúdo e complexidade do delírio varia de


acordo com a idade da criança, sendo que
nas mais novas são mais simples e fixos
incoerência e alteração significativa nas
associações do pensamento (70%) entre as
crianças
(apud FERRARI, 2003)
Quadro Clínico

confabulação, neologismo, verbigeração,


ecolalia
distúrbios de atividade motora: catatonia,
impulsividade, hiperatividade, isolamento,
inatividade, exibicionismo, masturbação,
enurese, encoprese
Quadro Clínico

“deterioração emocional”, “defeitos” da vida


emocional, exacerbação emocional, risos e
choro imotivados, incongruência e
embotamento afetivo; isolamento afetivo e
social
Evolução

Quadro grave, de mau prognóstico, que


incide numa personalidade ainda não
completamente desenvolvida e bloqueia o
processo de desenvolvimento dessa
personalidade. Considera-se que a gravidade
é menor quanto mais “velha” é a criança,
pelas defesas que já têm estruturadas
(GRÜNSPUN, 1987).
Evolução

Sintomas positivos (delírios e alucinações)


estão associados a melhor desenvolvimento
cognitivo e prognóstico mais favorável
Diagnóstico Diferencial

Tr. depressivos na infância;


Tr. afetivo bipolar na infância;
TOC na infância;
Autismo infantil;
Síndrome de Asperger;
Psicoses secundárias a etiologias orgânicas;
Tr. dissociativos.
Obrigada pela atenção!
ekuczynski@uol.com.br

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