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Gaspodini. Buaes. Compreensão Integral Do Sofrimento Humano Na Triagem Psicológica em Clínica-Escola
Gaspodini. Buaes. Compreensão Integral Do Sofrimento Humano Na Triagem Psicológica em Clínica-Escola
psicológica em clínica-escola
Resumo: Em uma clínica-escola, o primeiro contato das pessoas que buscam alguma forma de
alívio para seu sofrimento geralmente acontece no processo de triagem psicológica, um conjunto
de entrevistas iniciais que permitem uma compreensão inicial do sujeito para pensar o
encaminhamento aos serviços disponíveis. Este artigo foi produzido a partir da experiência de um
grupo de estágio em triagem psicológica no Serviço Integrado de Atendimento em Psicologia
(SINAPSI) da Faculdade Meridional – IMED. Ao longo de 10 meses, o grupo de 5 estagiárias/os
realizou 62 atendimentos e reuniu-se semanalmente para encontros de supervisão grupal, com
duração média de 3,5 horas. O objetivo deste artigo é apresentar a sistematização da forma de
trabalho desenvolvida pelo grupo para organizar os procedimentos de agendamento, entrevista
de acolhimento, entrevista de anamnese, entrevista lúdica, entrevista de devolução e produção
textual de relatos de atendimentos e síntese de caso. A perspectiva adotada desde o início foi de
uma compreensão integral do sofrimento humano, desafiando olhares reducionistas ou
patologizantes. O trabalho do grupo contribuiu no processo de encaminhamento para as linhas
de atendimento oferecidas pela clínica-escola e possibilitou um espaço de discussão que permitiu
a troca de experiências durante os encontros de supervisão, bem como a problematização das
questões de poder na prática psicológica.
Abstract: In a school psychology clinic, people who seek some form of relief from their suffering
often come across the psychological screening phase, a set of initial interviews that permit a
preliminary comprehension of the subject, in order to think about further referral to available
services. We produced this article from the experience of a training group of psychology students
who worked in psychological screening at Serviço Integrado de Atendimento em Psicologia
(SINAPSI), at Faculdade Meridional – IMED. During 10 months, the group of 5 trainees carried
62 interviews and gathered weekly for group supervision meetings, which would last 3.5
hours/average. The objective of this article is to present the systematizing of the work developed
by the group to organize the procedures of setting the first interview, welcoming interview,
anamnesis, ludic interview, devolution interview and text production of reports and case
syntheses. The group adopted the perspective of integral comprehension of human suffering,
challenging reductionisms and pathologization processes. The group contributed to the process of
referral to available psychotherapy lines offered by the service and allowed a discussion space to
exchange experiences and problematize the matter of power in psychological practice.
2.1.1. Supervisão
A atenção de estagiárias/os de Psicologia geralmente se divide entre suas necessidades de
formação e as das pessoas a quem seus serviços se dirigem, frequentemente levando-as/os a
“construir discursos saturados dos seus anseios por aprender, debilitando o discurso de seus
clientes, pacientes, grupos e usuários” (CENCI; MENESES, 2009, p. 29). Essa questão apareceu
diversas vezes durante os encontros do grupo, ressurgindo em diferentes configurações ao longo
do processo de estágio, assegurando o lugar crucial do modo como a professora realizou a
supervisão, a partir da criação de um espaço de acolhimento e contingência das questões
subjetivas das/os estagiárias/os e a relação dessas questões com o trabalho que cada estudante
realizava.
Na percepção das/os estagiárias/os, um dos aspectos mais positivos em reuniões de supervisão são
as discussões envolvendo casos clínicos, e a curta duração dos encontros é apontada como ponto
mais negativo (BARLETTA; FONSÊCA, 2012). Pensando nesses aspectos, os encontros de
supervisão foram realizados em grupo, com periodicidade semanal e duração média de 3,5 horas.
Cada estagiária/o dispunha de 40 minutos para exposição de seus relatos/sínteses, dúvidas e
questões subjetivas, ampliando a riqueza advinda da troca de diferentes olhares para o mesmo
caso.
O processo de estágio foi guiado de modo semelhante ao descrito por Cenci e Meneses (2009, p.
35) sobre encontros de supervisão: “o aluno deve ganhar experiência de vida enquanto ser
humano e aprender a diferenciar saberes”, afinal, o sentimento de incapacidade de lidar com a
situação pode ser dialogado e reconstruído nesses encontros, “transformando aquele discurso
inicial de ‘eu não sei’ em um discurso mais apropriado de ‘estou aprendendo, estou entendendo’”.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estagiar em triagem psicológica durante o curto período de dez meses certamente não nos prepara
para a clínica como um método, muito menos para a psicoterapia como tecnologia (OLIVEIRA,
2011), mas de qualquer maneira, a aprendizagem do silêncio interno implícita no exercício da
escuta possibilitou repensar as expectativas pessoais das/os estagiárias/os em torno desse encontro
com as pessoas em sofrimento.
Estar em contato com uma pessoa que busca alívio para seu sofrimento é, certamente, ocupar um
lugar de poder nesta relação. Trata-se de um privilégio automático dado às pessoas que trabalham
na área da saúde, por acessar a fragilidade do ser humano em situação de dor e sua
vulnerabilidade aos cuidados “de quem sabe”. Espera-se, imediatamente, que as/os psicólogas/os
saibam o que se passa com quem as/os procura. Tal quadro também é sustentado por uma
representação social da profissão que reproduz o estigma da “ajuda”.
O serviço de triagem psicológica desenvolvido pelo grupo contribuiu no processo de
encaminhamento para as linhas de atendimento oferecidas pela clínica-escola. As pessoas
atendidas relatavam, em geral, uma leve melhora pelo simples fato de terem sido ouvidas com
atenção e respeito. A metodologia de trabalho do grupo permitiu a compreensão integrada do
sofrimento das pessoas e instrumentalizou a escolha pela abordagem que daria continuidade ao
processo psicoterapêutico. Ao confrontar idealizações pessoais com a realidade que se
apresentava, foi possível perceber o quanto nos sentimos vulneráveis frente ao sofrimento do
outro, e como esse sentimento desperta a necessidade de colaborar para sua redução,
principalmente quando acreditamos possuir os caminhos para fazê-lo. Aos poucos, foi-se
desconstruindo a ideia binária de colocar em prática os conhecimentos teóricos, conforme
percebíamos a impossibilidade de separação dessas instâncias. O trabalho com a “coisa mental”
ou “coisa subjetiva” (OLIVEIRA, 2011) exige esforços no sentido de aproximar as/os
profissionais de quem as/os procuram, compreendendo as relações de poder na técnica
psicoterapêutica e suas implicações clínicas.
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