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A UTILIZAÇÃO DE LITERATURA DISTÓPICA NO ENSINO DE


HISTÓRIA: Como propiciar os meios adequados para que desabroche nos
educandos uma criticidade aguçada?

Carlos Vicente Moraes dos Santos1

Resumo

O presente artigo analisa as implicações da utilização de obras clássicas da literatura


distópica nas aulas de História como uma linguagem propiciadora do cenário apropriado para
que nos educandos desabroche uma consciência histórica forjada por uma criticidade aguçada,
tendo por base o que Cláudia Fontineles postula a respeito do valor existente na diversificação
das linguagens e na intercalação de recursos lúdicos na práxis cognitiva do ensino de História
para irradiar entre os estudantes uma postura reflexiva sobre o vivido, e dentre tais recursos
lúdicos ressaltamos a assaz valia das obras literárias de distopia para propiciar uma criticidade
nos discentes, esses valor atribuído a tais obras se dá pela sua assustadora semelhança com
algumas conjunturas sócio-políticas.
Palavras-chave: História; ensino; literatura; distopia; florescer; consciência histórica;
criticidade.

Introdução

Ao respaldar-se no prisma exposto por Cláudia Fontineles, em sua obra “As


“centelhas da esperança”: o papel da literatura e da música no despertar da consciência
histórica”, publicado pela Revista História Hoje em 2016, da assaz valia existente na
diversificação das linguagens na práxis educativa a fim de agregar tanto o cognitivo quanto o
lúdico no processo de ensino-aprendizagem e consequentemente despertar na comunidade
escolar a compreensão e também a sensibilidade em relação ao vivido, e zarpando da
concepção que ciclicamente a conjectura sócio-política é incitada a frenesis com enredo
dignos dos clássicos da literatura distópica, o texto aqui apresentado discute em que medida o
ensino de História pode ser capaz de viabilizar o florescimento de um senso crítico aguçado,
bem como o desenvolvimento de uma consciência histórica nos indivíduos a partir da
utilização de obras clássicas de literatura distópicas.

1
Graduando em História pela UFPI.
2

[...]em que medida as aulas de História, ao adotar essas linguagens,


podem contribuir para também irradiar entre os estudantes uma postura reflexiva em
relação às suas vidas e às configurações históricas estudadas e lhes ensinar a
articular passado e presente, à proporção que os habilite a atribuir significados e
relevância a esses eventos. (FONTINELES, 2016, p. 132)

Assim como Fontineles postula que o escopo de sua obra é averiguar em que medida
o emprego de linguagens lúdicas na práxis do ensino de História pode propiciar uma postura
reflexiva nos educandos e embasar uma relação entre as configurações históricas e as suas
vidas dando as ferramentas para articular passado e presente. Procuramos refletir no texto
aqui exposto quais as implicações decorrentes da utilização de obras clássicas da literatura
distópica nas aulas de História e em que medida o uso de tais recursos facultaria o surgimento
do cenário adequado para que desabrolhe no educando uma consciência histórica e uma
criticidade aguçada.
Para tal, evocaremos obras clássicas de literatura distópica com o propósito de
analisá-las e relacioná-las ao contexto do ensino de História: “1984”, de George Orwell;
“Fahrenheit 451”, de Ray Douglas Bradbury; “Laranja Mecânica”, de John Anthony Burgess
Wilson; e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Leonard Huxley. Buscaremos entendê-las,
relacioná-las entre si, traçar um paralelo entre elas e as horripilantes conjunturas sócio-
políticas que se instauram de tempos em tempos na nossa sociedade, reger esforços no sentido
de compreender a relevância de sua aplicação no ensino de História e sua eficácia na afinação
da criticidade dos indivíduos e no tocante a constitui-se uma barreira para perpetuação de
cíclicos frenesis tenebrosos.

A Distópica Conjuntura Sócio-política Atual

A conjuntura sócio-política que tem se instaurado no cenário mundial nos últimos


anos é extremamente preocupante e pode ser classificada como sombria até mesmo nas
projeções mais otimistas. Essa onda que te ameaçado devastar a democracia ocidental está
provocando grande inquietude no meio acadêmico dado a sua complexidade e aos estorvos
que constituem uma objeção a uma análise concisa e concreta do quadro.
Como foi postulado por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer no livro “Dialética
do Esclarecimento” há muito tempo as elites vêm somando esforços para manipular as massa
e assim manter sua dominação, porém esses esforços ganharam uma roupagem mais
devassada nos últimos anos. “2016 foi o ano que lançou a era da ‘pós-verdade’ de forma
definitiva” (D'ANCONA, 2018, p. 19) a “pós-verdade” se configura como um hodierno e
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nocivo componente das estratégias de manipulação, e esse novo fator tem propiciado o
surgimento de discursos que deslegitimam a produção acadêmica, ampla disseminação de
notícias falsas e tendenciosas, fortalecimento de discursos retrógrados de ódio contra as
minorias, cassação de direitos pétreos, latente arbítrio do judiciário e uma grotesca ascensão
de governos com discursos autoritários ao poder e o mais alarmante é o apoio das massas
entorpecidas e alienadas pelas táticas de manipulação e pela “pós-verdade”.
Anualmente o departamento da Universidade de Oxford responsável pela elaboração
de dicionários elege a palavra do ano, a de 2016 é “pós-verdade”, a instituição define o termo
como um substantivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm
menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.
É justamente nesse contexto de crescente relativização da verdade e consequentemente,
alienação coletiva, que se estabelece a umbrosa conjuntura sócio-política atual.
Essa tenebrosa onda que tem submergido não só culturas politicas tenras, mas
também culturas políticas, que salve algumas críticas, estão há muito tempo enraizadas no
solo da democracia, como exemplo Os Estados Unidos da América, está construindo um
cenário se assemelha demasiadamente ao enredo das clássicas obras de literatura distópica.
Decerto é assaz aterrador o paralelo que se pode traçar entre nossa atual condição e as
projeções mais pessimistas presentes nos clássicos da literatura distópica, desse modo o limiar
que separa nossa conjunção de uma obra distópica é tênue e seriamente frágil.
Essa intima relação que obtemos ao aferir nosso atual quadro politico com obras
literárias distópicas colossalmente negativas e indubitavelmente rebento de massivos esforços
no sentido de criação de mecanismos de manipulação que se intensificaram nos últimos anos
a fim alienar de forma efetiva as massas, e isso se torna agudamente descomplicado uma vez
que há um déficit nos indivíduos no tocante a uma consciência histórica e uma criticidade
aguçada.
Para a ascensão de discursos autoritários faz-se necessário a aniquilação da verdade
absoluta através do relativismo, para isso, as massas, vendadas pela falta de consciência
histórica e criticidade, são manipuladas.

A reforma educacional de 1971 complementa a configuração do quadro


da educação brasileira sendo que as mudanças nas diretrizes de ensino e currículo
afetam diretamente o campo das Ciências Humanas, especialmente História e
Geografia. (GUIMARÃES, 1993, p.13)
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A pavorosa ditadura que assolou o Brasil entre 1964 e 1985 não destonou do terrífico
enredo distópico dos governos autoritários, não regeu escrúpulos no sentido de gerar um
desmantelamento do ensino das Ciências Humanas, especialmente História e Geografia, e em
decorrência disso larapiar a consciência histórica e arquitetar uma barreira para o aguçamento
crítico dos indivíduos.

A prioridade do ensino de 2ª grau passa a ser a formação específica capaz


de capacitar mão-de-obra para o trabalho, em detrimento de uma educação integral
com ênfase na formação geral do educando. Essa formação profissionalizante, de
acordo com a lei, no ensino de 2ª grau deveria ser realizado pelas escolas, em
cooperação com as empresas e tendo em vista as necessidades do mercado de
trabalho local e regional. (GUIMARÃES, 1993, p.22)

A nossa infeliz ditadura, bem como todo projeto autoritário, aparelhou o ensino para
servir apenas aos seus próprios interesses, que era a ascensão e a perpetuação do seu discurso
anedoticamente grotesco, para isso, retirou o a formação crítica fornecida pelas Ciências
Humanas, transformando a práxis educativa numa mera transmissão de um aglomerado de
conteúdos desconexos e vazios de significados concretos, tornando o gracioso ato de ensinar
em uma mera formação de indivíduos supérfluos para atender uma vil demanda
mercadológica. Ao afanar o viés humanitário do ensino de base, retira-se também a
capacidade cognitiva de refletir criticamente e a consciência humana e histórica, gerando
assim em larga escala indivíduos facilmente alienáveis, que são fundidos a grande massa
deforme e sem expressão sem grandes dificuldades, dessa forma, o palco propício para a
ascensão e perpetuação de discursos autoritários que beiram o jocoso entrecho de obras
literárias de distopia.

Procuramos refletir em que medida as aulas de História, ao adotar essas


linguagens, podem contribuir para também irradiar entre os estudantes uma postura
reflexiva em relação às suas vidas e às configurações históricas estudadas e lhes
ensinar a articular passado e presente, à proporção que os habilite a atribuir
significados e relevância a esses eventos, por meio do entendimento de um passado
saturado de “agoras” e da crença na possibilidade da existência de um futuro, que, se
possível, seja capaz de instalar as transformações desejadas. (FONTINELES, 2016,
p. 132)

A fim de evitar a perpetuação anedótica desse cíclico frenesi de autoritarismo faz-se


necessário uma formação que some esforços para florescer no educando uma consciência
histórica e uma criticidade aguçada, para tanto, é preciso um ensino básico fundamentado nas
humanidades, principalmente na história, pois aqueles que não podem lembrar o passado
estão condenados a repeti-lo (SANTAYANA, 1905, p.92), para além de uma indispensável
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base histórica, a utilização de artifícios lúdicos na práxis educativa constitui-se como um


poderosíssimo agente no processo de desenvolvimento crítico no individuo.
De modo que a conjuntura grotesca propiciada pelo discurso autoritário comicamente
muito se assemelha a uma trama distópica, nada mais conveniente que a utilização de
literatura distópica para auxiliar o ensino de história e propiciar nos indivíduos uma
criticidade baseada na mais pessimista das projeções, que hilariamente de tempos em tempos
se torna mais factual do que muitas obras realistas. Desse modo o magnifico ato de ensinar
tomaria o papel que é seu por direito, libertar as mentes da obscuridade. E ao propiciar no
individuo o florescimento de uma criticidade cheia de historicidade, desmantela-se o
mecanismo de manipulação das massas utilizado para perpetuar uma tenebrosa conjuntura
sócio-política, pois indivíduos com senso critico aguçado dificilmente são alienáveis.
Dessa forma, entende-se que dado a semelhança existente entre alguns cenários
sociopolíticos cíclicos e projeções pessimistas concebidas em clássicos da literatura distópica,
a utilização dessas mesmas obras no ensino de História firma-se como um elogiável recurso,
uma vez que facilita o desabrochar da criticidade do indivíduo, criticidade essa forjada pelo
mais aguçado pessimismo, porém essa visão negativa não é demasiada, haja a vista que
ciclicamente esse enredo diatópico se torna factual, e o limiar que o separa da realidade se
torna tênue. Como consequência se formará indivíduos críticos e inalienáveis.

Uma Criticidade Utópica Construída Com Literatura Distópica

Na literatura utópica a razão, em detrimento de dogmas e mitos, e usada para


construir uma sociedade ideal, o inverso acontece na literatura distópica, pois a razão é usada
justamente pra manter a desigualdade social através da violência e do controle social,
geralmente as distopias são escritas com uma visão anedótica, explorando ao máximo
convenções sócias e conceitos e tendo como resultado cenários sociais extremamente caóticos
e algozes, porém, fatidicamente muitas vezes os ventos que guiam o desenrolar das tramas
históricas guiam nossa sociedade para frenesis dignos de obras distópicas.
1984 é um livro ímpar tal qual seu autor, George Orwell, a obra tem por base a tese
que para cessar a liberdade é preciso assassinar primeiro a verdade. Winston Smith,
protagonista da “ficção”, trabalha no Ministério da Verdade que é a instituição governamental
responsável pela adulteração dos fatos para que eles se enquadrem à ideologia do partido,
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nessa “distopia” os fatos são irrelevantes. “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem
controla o presente, controla o passado.” (ORWELL, 2005).

[...] olhou o retrato do Grande Irmão que formava o frontispício. O olhar


hipnótico fixou o de Winston. Era uma força enorme, fazendo pressão - algo que
penetrava o crânio, se chocava contra o cérebro, amedrontava e fazia perder a fé,
persuadia quase a negar a evidência dos sentidos. No fim, o Partido anunciaria que
dois e dois são cinco, e todos teriam que acreditar. (ORWELL, 2005, p. 59)

Para a ascensão de discursos autoritários faz-se necessário a aniquilação da verdade


absoluta através do relativismo, para isso, as massas, vendadas pelas emoções, são
manipuladas. Nota-se no centro de qualquer governo autocrático a utilização do medo,
patriotismo, euforia, pertencimento e da honra como forma de engodo para que seja possível
uma relativização de verdades absolutas. Dessa maneira, constata-se o aspecto cômico da
autocracia, que só se legitima através da mentira em momentos de histeria coletiva.

Ao longo de todo o tempo registrado e provavelmente desde o fim


do Neolítico, existem três tipos de pessoas no mundo: as Altas, as Médias e
as Baixas. Essas pessoas se subdividiram de várias maneiras, responderam a
um número incontável de diferentes nomes, [...] Mas a estrutura primordial
da sociedade jamais foi alterada. Mesmo depois de tremendas comoções e
mudanças aparentemente irrevogáveis, o mesmo modelo sempre tornou a se
formar, assim como um giroscópio sempre reencontra o equilíbrio, por mais
que seja empurrado nesta ou naquela direção. [...] Os objetivos desses três
grupos são inconciliáveis. O objetivo dos Altos é continuar onde estão. O
objetivo dos Médios é trocar de lugar com os Altos. O objetivo dos Baixos,
isso quando têm um objetivo — pois uma das características marcantes dos
Baixos é o fato de estarem tão oprimidos pela trabalheira que só a intervalos
mantêm alguma consciência de toda e qualquer coisa externa a seu cotidiano
—, é abolir todas as diferenças e criar uma sociedade na qual todos os
homens sejam iguais. [...] Durante longos períodos os Altos parecem ocupar
o poder de forma absolutamente inabalável, porém mais cedo ou mais tarde
sempre chega o dia em que eles perdem ou a confiança em si mesmos ou a
capacidade de governar com eficiência — ou as duas coisas. São derrubados
pelos Médios, que angariam o apoio dos Baixos fingindo lutar por liberdade
e justiça. Nem bem atingem seu objetivo, os Médios empurram os Baixos de
volta para sua posição subalterna, a fim de se tornarem eles próprios os
Altos. Nesse momento um novo grupo de Médios se desprende de um dos
dois outros grupos, ou de ambos, e o conflito recomeça. Dos três grupos,
apenas os Baixos jamais conseguem, nem temporariamente, sucesso na
conquista de seus objetivos. (ORWELL, 2005, p. 199 - 200)

O autor parte da premissa de que desde o neolítico a humanidade é dividida em


Altos, Médios e baixos, essa seria a estrutura básica da sociedade e nunca foi alterada, o
objetivo dos Altos é continuar onde estão, o do Médios é trocar de lugar com os altos, já os
Baixos geralmente não possuem nenhum objetivo porque na maioria do tempo estão com uma
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carga muito grande de trabalho e raramente possuem uma visão de mundo para além desse
cotidiano, mas quando tem, seu objetivo é abolir a diferença existente entre as classes e criar
uma sociedade em que os homens sejam iguais. De tempos em tempos os Médios
conseguiriam o apoio dos Baixos e começariam uma revolução sob o pretexto de igualdade e
liberdade para tirar os altos do poder, logo após obterem êxito tratariam de colocar os Baixos
de volta no seu lugar, do ponto de vista dos baixos nenhuma mudança histórica ou revolução
teria significado mais do que uma mudança do nome dos seus senhores.
Dessa forma, entende-se que a obra de Orwell pode se configurar como um
instrumento impar para o ensino de história, pois ela consegue transmitir de forma lúdica as
mais horrendas formas de manipulação de governos autoritários, que se utilizam da
relativização e até mesmo da aniquilação da verdade para perpetuar sua dominação, a obra
também dá as bases do conceito de luta de classes de forma bem dinâmica, facilitando assim a
assimilação desse conceito importantíssimo pelos alunos.

Todo homem capaz de desmontar um telão de tevê e montá-lo


novamente, e a maioria consegue, hoje em dia está mais feliz do que qualquer
homem que tenta usar a régua de cálculo, medir e comparar o universo, que
simplesmente não será medido ou comparado sem que o homem se sinta bestial e
solitário. (BRADBURY, 2012, p. 53)

Fahrenheit 451 de Ray Bradbury tem esse nome, pois essa é a temperatura de
combustão do papel, um dos pontos centrais dessa obra é o abando da leitura e da arte, seria
proibido ter livros em casa e se eles fossem encontrados seriam queimados. Nessa Obra em
todas as casas há um monitor de TV que interagem com as pessoas e ocupam quase todo o
tempo livre delas. A principal crítica do livro é sobre como a indústria cultural poderia
substituir a arte e a filosofia. Nesse cenário os bombeiros são responsáveis por incinerar os
livros, porém eles raramente precisam fazer isso, pois as pessoas sob efeito de alienação
decidira parar de ler. A obra de Bradbury daria sua contribuição para o ensino de história no
tocante a crítica que ela tece à indústria cultura alienante e ao assustador cenário que temos
visto ascender na nossa sociedade nos últimos tempos, onde os indivíduos têm abandonado
cada vez mais o habito da leitura e dedicam boa parte do seu dia a mídias sociais e coisas
supérfluas, assim a distopia de Bradbury crítica um crescente estado de imbecilidade coletiva.

O seu mundo não lhes permitia tomar as coisas ligeiramente, não lhes
permitia serem sãos de espírito, virtuosos, felizes. Com as suas mães e os seus
amantes, com as suas proibições, para as quais não estavam condicionados, com as
suas tentações e os seus remorsos solitários, com todas as suas doenças e a sua dor,
que os isolava infinitamente, com as suas incertezas e a sua pobreza, eram obrigados
a sentir violentamente as coisas. E, sentindo-as violentamente (violentamente e, o
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que é pior, na solidão, no isolamento desesperadamente individual), como podiam


ser estáveis? (HUXLEY, 2014, p. 23)

Na realidade de Admirável Mundo Novo todas as pessoas seriam pré-condicionadas


Biológica e psicologicamente a viver em harmonia com as regras da sociedade, relações
familiares, amor romântico e monogamia deixariam de existir, assim emoções fortes demais
que pudesse acabar em dor e sofrimento praticamente não existiriam, na distopia de Huxley o
controle social é exercido pelo prazer, cultura humana é totalmente desmantelada pelo
entretenimento superficial, a arte, a filosofia e a ciência não são mais praticadas, segundo o
postulado pelo líder do regime no livro, assim como carros necessitam de aço, a arte necessita
de instabilidade social, assim ela não seria necessária em uma sociedade constantemente
entorpecida pelo prazer. A obra de Huxley pode fortalecer o ensino de História pois critica
essa sociedade cada vez mais superficial e baseada em prazeres imediatos.

Mais ainda, a ruindade faz parte do ser, do eu, tanto em mim quanto em
vocês no odinoque, e este eu é feito por Bog, ou Deus, e é o seu grande orgulho e
radoste. Mas o não-ser não pode aceitar o mal, quer dizer, os do governo, os juízes e
os colégios não podem permitir o mal porque não podem permitir a individualidade.
E não é a nossa História moderna, meus irmãos, a história de bravas
individualidades malenques lutando contra essas máquinas enormes? Quanto a isto,
meus irmãos, eu estou falando com toda a seriedade. Mas, o que faço, faço porque
gosto. (BURGESS, 2004, p. 18)

A obra de Burgess expõe uma sociedade completamente alienada pela violência, os


jovens praticam abertamente atos grotescos de violência enquanto uma ampla parte da
sociedade pauta suas vidas no medo decorrente dessa violência, o autor também critica as
tentativas falhas do governo de controlar essa latente violência, que para acabar com a
violência através do controle social, o governo adere a experimentos de programação
psicológica e acaba roubando desses indivíduos sua essência humana. A distopia de Burgess
se mostra valorosa para o ensino de História justamente por essa semelhança dela com nossa
atual conjuntura, onde há uma violência gritante e uma ampla camada da sociedade que baseia
sua vida no medo dessa violência tal qual a sociedade de Laranja Mecânica.

Considerações Finais

Da mesma maneira que Fontineles, reconhecemos a magnitude existente na


intercalação das linguagens lúdicas no processo cognitivo do ensino de História. Ponderamos
que tais linguagens possuem fatores que excitam e facilitam o acesso ao conhecimento e são
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capazes de propiciar nos indevidos um processo maiêutico de consciência histórica por meio
da ativação da razão sensível e aguçamento da criticidade, e dão as bases para o entendimento
da história em suas diferentes manifestações e para uma correlação entre a história e a
vivencia.
Acreditamos que florescimento da criticidade através do ensino de História seria
facilitado pelo uso de clássicos da literatura distópica. Reconhecemos nas obras de literatura
distópica um imensurável agente propiciador dos meios necessários para se alcançar os fins
últimos do ensino de História, indivíduos críticos e com consciência histórica. Essa valorosa
contribuição que abonamos à literatura distópica deriva-se da sua assombrosa semelhança
com algumas conjunturas sócio-políticas que infelizmente são recorrentes em nossa
sociedade, dessa forma elas se constituem como importante instrumento na construção do
canário adequado para emergência nos indivíduos de uma criticidade aguçada e forjada no
suprassumo do pessimismo.
Dessa forma, entende-se que dado a fatídica e cômica consonância que muitas vezes
a realidade tem com certos enredos distópicos, a utilização de obras literárias de distopia
propiciaria um maior sucesso na práxis do ensino de História, responsável pela formação
crítica dos educandos. A inserção de tais obras no processo de ensino histórico teria como
resultado indivíduos inalienáveis, e consequentemente agiria como uma resistência à
perpetuação dessa brutal característica distópica de algumas conjunturas sócio-políticas, e
assim as distopias ficariam limitadas apenas a literatura.

REFERÊNCIAS

FONTINELES, Claudia Cristina da Silva. As “centelhas da esperança”: o papel da literatura


e da música no despertar da consciência histórica. Revista História Hoje, v. 5, p. 131-158,
2016.

ADORNO, Theodor W, HORKHEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

BURGESS Anthony. Laranja Mecânica: 2. ed. São Paulo: Editora Aleph, 2004.

BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451: 2. ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2012.

D'ANCONA, Matthew. Pós-Verdade: A Nova Guerra Contra os Fatos Em Tempos de Fake


News: 1. ed. Barueri, SP: Faro Editorial, 2018.

GUIMARÃES, Selva. Caminhos da História Ensinada. Ed. 11. São Paulo: Papirus, 1993.
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HUXLEY, Aldous Leonard. Admirável Mundo Novo: 22. ed. São Paulo: Biblioteca Azul,
2014.

HANCOCK, Jaime Rubio. Dicionário Oxford dedica sua palavra do ano, ‘pós-verdade’, a
Trump e Brexit. 2016. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/16/internacional/1479308638_931299.html>. Acesso
em: 10 nov. 2018.

ORWELL, George. 1984. 29ª ed. São Paulo: Ed. Companhia Editora Nacional, 2005.

SANTAYANA, George. A Vida da Razão, [S.l.: S. n.], 1905.

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