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Annita Wright

Evelini “Eva Morrissey” C. Andrade

Larissa “Ixa” Passacoca

Leandro Pugliesi

Livia von Sucro

Luciana d’Anunciação

Phillip Roberto Souza

Stephan Martins

Thiago Rosa “Shinken”

Vinicius de Lima Alvim


Licenciado para Herculano Ribas. canaldoherculano@outlook.com

CRÉDITOS
Editores: Thiago Rosa, Leandro Pugliesi, Filipe Cunha
Diretor de Arte: Tarik Ventura
Diagramação: Filipe Cunha, baseado em projeto original de Tarik
Ventura
Arte da Capa: Bernardo Wall
Arte Interna: Heitor Amatsu
Revisão: Evelini C. Andrade
Autores: Annita Wright, Evelini “Eva Morrissey” C. Andrade, Larissa
“Ixa” Passacoca, Leandro Pugliesi, Livia von Sucro, Luciana d’Anuncia-
ção, Phillip Roberto Souza, Stephan Martins, Thiago Rosa “Shinken”,
Vinicius de Lima Alvim
RPG Caracterização – Licenciado ©2015 por Thiago Rosa. Todos os direitos reservados. Publicado pela
Pensamento Coletivo Editora sob permissão de seus autores originais.

ISBN: 978-85-69741-06-0 (impresso) | 978-85-69741-07-7 (digital)


Pensamento Coletivo e o logo da Pensamento Coletivo são marcas registradas da Pensamento Coletivo
Editora ©2015.

Dados internacionais de catalogação na publicação


Bibliotecário responsável: Cristiano Motta Antunes CRB14/1194

R745

RPG caracterização / Annita Wright ...[et al.].


– 1. ed. – Rio de Janeiro : Pensamento coletivo,
2016.
80 p.

ISBN: 978-85-69741-07-6 (digital)


ISBN: 978-85-69741-06-3 (impresso)

1. Jogos de fantasia. 2. Jogos de aventura. 3.


“Roleplaying games”. I. Wright, Annita. II.
Título.

CDD – 793.93
CDU – 794:792.028

Menção de produtos e serviços ©, ®, ou TM não pretendem desafiar a seus direitos, marcas ou seus donos.
Todos esses produtos e serviços são propriedade de seus respectivos donos.
Nenhuma seção desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida em qualquer forma ou por quais-
quer meios, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem a permissão expressa da editora.
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998.
Publicado no Brasil pela Pensamento Coletivo Editora em Agosto de 2016.
Versão 0.3
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ÍNDICE
Já pensou em usar arquétipos para criar um personagem de RPG?  5
Os principais 12 arquétipos  6
Arquétipos na criação de personagens  9
Agora é com você  10
Vão as Embalagens, Fica o Conteúdo  11
RPG e psiquiatria: uma leitura in game  17
Escolha agir diferente  23
Machismo no RPG  29
Não é fácil ser verde  33
Por um mundo de campanha mais diverso  39
Interpretando personagens no RPG  49
O que é interpretação?  50
Criando os personagens  51
Coerência narrativa e metajogo  53
Background de personagens: diversão e técnica  57
A inspiração  58
A técnica  59
O intrínseco  59
O extrínseco  60
A interação entre o subjetivo e o objetivo  61
A simbiose perfeita  62
Transmutação de Atributos ou Como Transformar
Números em História e Caracterização?  63
O que são Atributos?  64
Capítulo do Fogo – Iluminando Conceitos  64
Força: Representa seus músculos e força física.  64
Capítulo da Água – Diluindo Atributos  65
Força  65
Destreza  65
Constituição  66
Inteligência  66
Sabedoria  67
Carisma  67
Desafio  68
Capítulo do Ar – Expandindo Ideias.  69
Capítulo da Terra – Estabilizando a Mecânica  70
Capítulo do Éter – Equilibrando o Todo  71
Apoiadores  73

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JÁ PENSOU EM USAR ARQUÉTIPOS


PARA CRIAR UM PERSONAGEM
DE RPG?
Luciana d’Anunciação joga RPG desde 1993. Já foi persona-
gem em role playing game futurista, cyberpunk, medieval, de
super heróis, de zoeira, de carnificina nas estrelas, de criatu-
ras imortais... Atualmente é uma aventureira no Nono Mundo.
Ela tem uma coluna na página Garotas Geeks.

Criar um personagem de RPG é muito mais do que simplesmente


preencher uma ficha com números ou bolinhas. Um bom herói/aventureiro
precisa ser algo mais do que um amontoado de classes, habilidades e poderes.
Ele deve — ou deveria — ter forma, conteúdo e características marcantes
para ser o protagonista da história que você contará junto do Mestre/Nar-
rador. Porém, nem sempre a gente tem inspiração, justo na hora de fazer o
personagem. Aí, por mais que se tente criar algo diferente, acaba fazendo o
mesmo de sempre por falta de ideias.
Um personagem de RPG precisa ter três aspectos fundamentais: uti-
lidade (função dentro do grupo), personalidade (ser único, autêntico e de-
monstrar isso por suas ações e opiniões) e objetivo (motivo para existir e/ou
participar da aventura). Você anda com dificuldade em elaborar um persona-
gem que tenha esses elementos essenciais? Está com um bloqueio criativo?
Busca sugestões diferentes para o desenvolvimento de um player character
interessante? Para auxiliar na construção de seus próximos personagens, para
ajudar você a fazer deles figuras inesquecíveis, vamos apresentar um conceito
que pode contribuir para a criação deles, partindo daquilo que um persona-
gem pode ter de essencial.
Já ouviu falar em “arquétipo”? De origem grega (arché: principal ou
princípio e tipós: impressão, marca), a palavra arquétipo significa o primeiro
modelo ou imagem de alguma coisa, as antigas impressões sobre algo. É uma

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RPG Caracterização

espécie de padrão universal, que se manifesta de forma diferente e individual,


e que tem significado para o coletivo.
Estudado pela Narratologia, Filosofia e Psicologia, o conceito de Ar-
quétipo que conhecemos hoje foi elaborado em 1919 pelo psiquiatra e psico-
terapeuta suíço Carl Gustav Jung. O fundador da Psicologia Analítica definiu
os arquétipos como conjuntos de “imagens primordiais” originadas de uma
repetição progressiva de uma mesma experiência durante muitas gerações, ar-
mazenadas no inconsciente coletivo. Por isso, estas ideias conceituais podem
ser identificadas ao longo da história da humanidade em diversas culturas.
A Morte, o Herói, a Grande Mãe e o Fora de Lei são exemplos de
algumas imagens arquetípicas que qualquer pessoa tem no imaginário. Essas
ideias são muito parecidas, independente da nossa origem, nacionalidade,
educação, religião e/ou crenças.
Podemos encontrar representações dos principais arquétipos nas nar-
rativas populares, nas religiões, nos mitos e nos contos de fada. São esses
conceitos que dão o significado fundamental das histórias que passamos de
geração em geração. Os arquétipos se ligam a algo na nossa consciência e
provocam uma resposta emocional.

Os principais 12 arquétipos
Jung definiu doze tipos principais de arquétipos que simbolizam as mais
básicas motivações humanas.Cada um deles tem sua particularidade:um conjunto
próprio de valores, significados e traços de personalidade. Estes arquétipos são:
O Herói, O Fora-da-Lei, O Bobo da Corte, O Criador, O Inocente, O Cara
Comum, O Prestativo, O Explorador, O Mago, O Amante, O Governante e
O Sábio.
O Herói: representação positiva do espírito humano, usualmente
é o protagonista de uma narrativa. Tem como principais características
a coragem, a força de vontade e a capacidade de se sacrificar em prol de
um bem maior. Dependendo do resultado de sua jornada, pode se tornar
um mártir. Seu lema: “Onde há vontade, há um caminho”. Exemplos de
heróis: Luke Skywalker (Star Wars) e Superman (Liga da Justiça).

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Já pensou em usar arquétipos para criar um personagem de RPG?

O Fora-da-Lei: também conhecido como Revolucionário ou


Rebelde, é a expressão do espírito livre, que não segue regras. Costuma
estar à frente de seu tempo e tem qualidades que inspiram outras pes-
soas. É um indivíduo que não se encaixa ou é desprezado pela sociedade,
por libertar o que existe de mais selvagem de dentro da cada um. Seu
lema: “As regras foram feitas para serem quebradas”. Exemplos de foras-
-da-lei: Tyler Durden (O Clube da Luta), Han Solo (Star Wars).
O Bobo da Corte: é alguém que só pensa em se divertir, sem
medo do julgamento dos outros e sem se preocupar com modelos social-
mente predefinidos. O Bobo da Corte é sempre espontâneo, brincalhão
e busca desfrutar de tudo o que a vida pode oferecer, antes que seja
tarde demais. Seu lema: “Carpe Diem”. Exemplos: Timão e Pumba (Rei
Leão), Merry e Pippin (O Senhor dos Anéis).
O Criador: este indivíduo precisar estar sempre criando e ino-
vando para não se sentir vazio e inútil. Sente a necessidade de deixar
sua marca e expressar seu ponto de vista e suas ideias. Por isso, às vezes
pode se tornar perfeccionista e obcecado, ou utilizar de meios escusos
para realizar suas criações. Seu lema é: “Se pode ser imaginado, pode
ser criado”. Exemplos: Tony Stark (Vingadores), Doc Brown (De Volta
para o Futuro), Reed Richards (Quarteto Fantástico).
O Inocente: é o típico otimista, aquele nunca perde as esperan-
ças e acredita que o bem vai vencer no final. Quer apenas ser feliz e se
sentir bem. Geralmente, tem dificuldade em lidar com mudanças, mas
também pode achar que o destino sempre trará algo melhor. Seu lema:
“Somos livres para ser eu e você”. Exemplos: O Pequeno Príncipe, Frodo
(O Senhor dos Anéis).
O Cara Comum: os seus principais objetivos são ser igual a todos
e ser aceito. Valoriza a igualdade entre as pessoas e detesta ostentação
e superficialidade. Seu lema é: “Todos os homens e as mulheres nasce-
ram como iguais”. Exemplos: Arthur Dent (O Guia do Mochileiro das
Galáxias), Ron Weasley (Harry Potter) e Ned Flanders (Os Simpsons).
O Prestativo: totalmente altruísta, é movido pelo desejo de aju-
dar os outros. Esse arquétipo costuma ser utilizado em conjunto com o
do Herói para a criação de personagens. Seu lema é: “Ama o teu pró-

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RPG Caracterização

ximo como a ti mesmo”. Exemplos: Capitão América, Sam Gamgi (O


Senhor dos Anéis), Charles Xavier (X-men).
O Explorador: para tentar descobrir quem é realmente, sente a
necessidade constante de desvendar os mistérios do mundo e da vida.
Por isso, precisa ser livre para seguir na sua jornada de aventura e auto-
conhecimento. Seu lema é: “Não construa cercas à minha volta”. Exem-
plos: Bilbo (O Hobbit), Indiana Jones, Lara Croft (Tomb Raider).
O Mago: busca entender o princípio das coisas e conhecer as leis
que regem o Universo, para manipulá-las e fazer seus sonhos se torna-
rem realidade. Por isso, pode acabar se tornando manipulador. Quan-
do o resultado de suas ações foge do seu controle e tem consequências
ruins, o Mago analisa a si mesmo, a fim de solucionar o problema. Seu
lema é: “Eu faço acontecer”. Exemplos: Dr. Manhattan (Watchmen),
Andrew Detmer (Poder Sem Limites).
O Amante: é alguém que procura construir um tipo mais profun-
do de conexão com as pessoas, com relações fundamentadas na confian-
ça e na intimidade, seja com amantes, familiares ou amigos. Pelo medo
de ficar sozinho e por se preocupar muito com a própria imagem, pode
acabar se esquecendo da própria identidade. Seu lema é: “Só tenho olhos
para você”. Exemplos: Casanova, Don Juan, Naruto.
O Governante: é um indivíduo extremamente responsável que
busca poder e estar no controle das situações. É considerado um líder
nato, que sabe guiar muito bem um grupo mesmo em condições apa-
rentemente complicadas. Por sua necessidade de controle, pode acabar
se tornando autoritário. Seu lema é: “O poder não é tudo. É a única
coisa”. Exemplos: Don Corleone (O Poderoso Chefão), Darth Vader
(Star Wars), Gandalf (O Senhor dos Anéis).
O Sábio: é representado por personagens que procuram por co-
nhecimento, aprendizagem e formas de compreensão do mundo, mas
apenas para o crescimento pessoal. Às vezes, fica tão envolvido nas in-
formações e descobertas que acaba se esquecendo de agir, ou se desli-
gando do resto do mundo real. Seu lema é: “A verdade é libertadora”.
Exemplos: Sherlock Holmes, Hermione Granger (Harry Potter)

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Já pensou em usar arquétipos para criar um personagem de RPG?

Arquétipos na criação de personagens


Para a criação de seus próximos personagens, você pode utilizar um
Arquétipo ou fazer a combinação entre vários deles. O Arquétipo escolhido
vai ajudar a construir a essência do seu personagem.
Pense num conceito, em uma frase que poderia explicar ou definir seu
personagem. Por exemplo: “Sou um valente guerreiro”. Escolha um dos ar-
quétipos e tente responder às seguintes perguntas: Como meu personagem
pensa? Como ele se sente em relação ao mundo e aos outros integrantes do
grupo? Quais são seus valores? Qual é o seu principal objetivo? Como ele
agirá para conquistar o seu propósito? Como ele se comporta no momento
em que enfrenta um grande desafio?
Para este exemplo, vamos escolher os arquétipos “Herói” e “Prestativo”,
que são complementares e comumente usados na elaboração de personagens
heroicos. A partir daí, elaboramos as respostas para as perguntas apresenta-
das acima. Vamos elaborar o tipo mais comum/clichê de herói, destes que se
encaixam em qualquer tipo de RPG. O objetivo é facilitar a sua compreensão
do uso dos arquétipos para a construção de um personagem. Contudo, você
deve usar a sua imaginação e misturar esses modelos arquetípicos das formas
mais criativas e — porque não — inusitadas possíveis.
De volta ao nosso personagem-exemplo, este valente guerreiro pensa
que precisa usar sua força e coragem para defender os fracos e preservar o
bem. Ele acredita que deve ser o exemplo de coragem e de determinação para
inspirar seus companheiros. Seus valores são Coragem, Justiça e Compaixão.
Seu principal objetivo é espalhar a justiça e o bem por onde passar. Para
conquistar o seu propósito ele agirá com determinação e perseverança. Frente
a um grande desafio, esse valoroso guerreiro coloca a vida e a segurança dos
outros em primeiro lugar. Se para salvar um companheiro ou um inocente for
preciso sacrificar sua vida, ele o fará sem arrependimento.
A partir dessas respostas, já é possível desenvolver a utilidade, a per-
sonalidade e o objetivo deste personagem. A função desse valente guerreiro
dentro do grupo pode ser o líder, aquele que vai inspirar os outros partici-
pantes a prosseguir em sua missão. Como traços marcantes de personalidade
nosso destemido guerreiro tem uma fala mansa, pausada, porém solene. Além
disso, ele nunca perde a paciência, por mais que seja provocado. E o objetivo

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RPG Caracterização

desse nosso personagem-modelo é cumprir a missão do grupo, além de pro-


mover o bem e a justiça.
Pronto, com isso foi possível construir um personagem básico, porém
marcante e com potencial para o desenvolvimento de um interessante back-
ground. Os outros detalhes como fraquezas, inimigos, traumas e segredos vão
depender do sistema, do mestre e da interação desse personagem grupo.

Agora é com você


Reparou neste exemplo? Percebeu como seu personagem vai ficar mais
interessante se, além de um Arquétipo dominante, ele tiver mais ou um ou
dois que complementem sua personalidade? Pense em todos os exemplos que
apresentamos neste texto. Em cada um deles, você vai conseguir identificar a
representação de mais de um Arquétipo.
Além disso, personagens que representam um mesmo Arquétipo não
são necessariamente clones uns dos outros. É a sua interpretação, seu roleplay,
que vai fazer toda a diferença e tornar seu personagem interessante e único.
A forma como ele se expressa, seu senso de humor (ou falta dele), as frases de
efeito, seus defeitos e manias, seus medos e fraquezas, seus inimigos e amores.
Tudo isso faz com que seu personagem possa ser conhecido e lembrado pelo
Mestre/Narrador e pelos seus companheiros de grupo. Como resultado, o jogo
fica muito mais interessante e divertido.
Personagens bem elaborados e com características marcantes têm
maior possibilidade de ser importantes para a história/aventura/campanha/
missão que você irá jogar. Lembre-se das HQs e livros que você leu recente-
mente, dos filmes e séries a que assistiu. Somente alguns personagens, heróis
ou coadjuvantes interferiram de forma relevante naquelas narrativas, não é
mesmo?
Um jogo de RPG é sua oportunidade de vivenciar experiências in-
críveis! Viver aventuras numa terra fantástica, enfrentar grandes perigos
numa jornada cósmica, lutar uma guerra intergaláctica, sobreviver a perigos
indescritíveis e inimagináveis, viajar pelo espaço e tempo ou desafiar criaturas
vindas das profundezas do além. Só vai depender de você participar dessa
jornada como protagonista ou mero coadjuvante.

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VÃO AS EMBALAGENS,
FICA O CONTEÚDO
Phill Souza escreve informalmente artigos de D&D e outros sistemas
desde 200X. Jogador e mestre desde 1995 na quinta série, quando en-
tendia RPG como faz-de-conta. Tem uma paixão por sistemas desconhe-
cidos ou pouco utilizados, como Lasers and Feelings, Paranoia e RIFTS,
que se diverte descobrindo mais a cada dia. Amante da antiga série de
Megaman e de Shin Megami Tensei, tem um gosto musical eclético e secretamente
adoraria ser um peixe, para em seu límpido aquário mergulhar.

Como rpgistas, com o passar do tempo adquirimos certas manias exó-


ticas e isso é inegável. Um exemplo é ver um filme de fantasia e pensar “poxa,
esse cara é legal, quantos níveis de guerreiro ele deve ter?”, filmes de vampiros
e automaticamente formar um “nossa, ele tá usando Rapidez de nível alto
para conseguir evadir dos golpes!”, ou mesmo filmes de heróis, perguntando a
nós mesmos e a nossos amigos também rpgistas quais seriam as combinações
de poderes compradas pelo herói ou vilão para funcionar da maneira mostra-
da (“tenho certeza que ele tem Super Velocidade em graduações altas!” “Não,
aquilo é Deslocamento Aprimorado!”, quem nunca?).
Como outra face dessa mania exótica vem também a vontade de trans-
portar coisas que vemos em filmes, jogos, seriados e quadrinhos para nossas
mesas de RPG. Fazemos fichas nas nossas cabeças que, independente do
resultado final, dificilmente vão ser 100% fiéis ao material de origem ou ao
material de destino Assim mesmo, insistimos de forma que possamos ver,
e usar, “aquele” golpe que atinge pontos de pressão no guerreiro da mesa, o
novo poder de controlar umidade atmosférica para seu super-herói, uma nova
escola de magia que controla o léxico universal reprogramando a realidade
como em MySQL ou coisas do tipo.
E é também dessa mania que surgem as ditas adaptações, onde a um ele-
mento ou fator de uma mídia diferente é incorporada ao RPG. Seja ela mons-
tros invocados pelos poderes novos do jogador, maneiras diferentes de se fazer

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RPG Caracterização

personagens, monstros e criaturas que não estão no jogo: adaptar é ao mesmo


tempo extremamente divertido e trabalhoso.
Vamos antes de tudo dividir o RPG em duas partes fundamentais, que
mesmo que você não saiba o nome, consegue enxergá-las facilmente com
um pouco de informação extra — caso já conheça, pode pular esse parágrafo.
Um jogo de RPG é dividido em duas metades de igual importância: o fluff e
o crunch.
Crunch é o conjunto de regras em si. É a parte funcional de um sistema
que faz a resolução de conflitos e problemas. Um dado de vinte lados soman-
do um número tendo que “ultrapassar 20”, por exemplo, é uma expressão em
crunch porque no fundo não quer dizer nada além de um cálculo matemático
que causa o funcionamento da parte mecânica do jogo.
Crunch quer realmente dizer a parte “sólida”, “palpável” de um siste-
ma; é a parte quantificável e analisável, que faz com que o sistema de regras
funcione.
Já seu complemento, o fluff, é a parte de ambientação, cenários e todo o
faz-de-conta do RPG onde você usa a sua imaginação dentro do contexto fic-
tício do jogo. Fluff quer dizer a parte “suave” e “mutável” em um jogo de RPG.
É onde descrevemos cavaleiros, princesas, monstros, mutantes, super-heróis,
pistoleiros, sobreviventes do apocalipse da catástrofe e um sem número de
histórias. É onde o que é feito acontece, é o Teatro da Mente, pra quem ainda
se lembra desse termo bem velho, e muito usado umas décadas atrás. (Mas
sério, não usem, é feio.)
Voltando ao exemplo do crunch, adicione um pouco de fluff a ele e veja
a diferença: o dado de vinte lados somado a um número tendo que ultrapassar
20 pode tornar-se uma rolagem de perícia para que o ladrão possa escorar-se
no muro e escalar antes que os guardas o alcancem! Crunch sem fluff é um
amontoado de regras sem propósito, e fluff sem crunch é teatro improvisado
com um forte viés de discussão de polícia e ladrão (“eu acertei!” “não acertou!”,
“eu sou à prova de bala!”, “eu tenho tiro que fura à prova de bala”, “eu tenho
colete que detém bala que fura colete!”, etc.) e sozinhos, nenhum representa
a síntese da ideia de RPG.
Isso significa que fluff e crunch têm que trabalhar em harmonia para
que um sistema de regras funcione. Não é um conceito difícil, mas às vezes é

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Vão as Embalagens, Fica o Conteúdo

esquecido. Agora, em relação à adaptação, o que acontece se elas não traba-


lharem em harmonia?
Se depois de ver aquele filme super legal com samurais que entra em
comunhão com os espíritos ancestrais, você pudesse fazer um personagem
que seguisse de forma fiel não apenas no conceito, mas também em regras
sem necessidade de um trabalho violento para isso, seria tão legal! E aí você
começa a procurar, conversa com seus amigos de grupo e chega a um con-
senso de que no mínimo, tem que pegar seis classes diferentes — 4 básicas e
2 de prestígio — sendo que mais da metade delas estão em livros que nunca
saíram em português e é preciso reinterpretar uma regra básica para que possa
realizar mecânicas de duelo de forma igual ao que foi feito no filme.
Ou então, seu mago do léxico universal esbarra no conhecimento real
de programação de um dos membros de sua mesa, e ele simplesmente explica
que tá tudo errado na própria concepção de personagem, desvirtuando com-
pletamente a ideia de uma mecânica funcional em jogo.
Ou mesmo um antagonista com poderes inspirados numa obra, que
está nivelado com os jogadores, e demonstra num novo episódio um poder
súbito inusitado que causa imprevistos à sessão ou uma nova ramificação de
poder que, apesar de uma extensão lógica, não se encaixa dentro da adaptação
feita anteriormente (“Então, se dobradores de fogo também soltam relâmpa-
go, pela lógica todos outros dobradores também tem direito a um poder extra!
Inventa aí, mestre!”). Mas peraí, como você pode mudar regras originais de
última hora, sem ter que parar o jogo, ou repensar tudo que já fez?
Se em vez de ter que inventar crunch para encaixar seu fluff, você tives-
se uma outra forma de fazer isso funcionar em mesa sem precisa ter que criar
regras para sua ideia? Parece fácil? Bem, é quase isso — é o tal de reskin ,que é
o assunto deste texto. É ele que surge para substituir a necessidade de adaptar
regra por regra para se atingir um conceito. Em vez de criar uma adaptação
mecânica completamente fiel, podemos fazer uso de um recurso que permite,
dentro do nosso mundo fictício, tudo funcionar.
Traduzida literalmente, skin quer dizer pele e é um termo comum em
jogos eletrônicos hoje em dia. Reskin ou “trocar de skin” quer dizer colocar
uma nova pele em algo já existente, sendo essa a base da ideia, porque apesar
de ser um termo relativamente obscuro, seu uso é comum dentro da cultura

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RPG Caracterização

pop. Podemos ver isso desde as várias cores alternativas nos antigos jogos de
luta, como Street Fighter ou The King of Fighters, ou então roupas que você
desbloqueava quando atingia certos objetivos em outros jogos como Metal
Gear Solid. Vendo através dos exemplos acima, podemos perceber que a skin
não altera as habilidades do personagem, apenas como ele é visto pelo joga-
dor, numa espécie de situação “faz-de-conta” dentro da própria narrativa fic-
tícia. Sendo assim, esse recurso pode ser utilizado em outros tipos de mundos
fictícios, como os do RPG.
Usando o exemplo do jogo Metal Gear Solid, o espião Solid Snake ca-
nonicamente usa uma roupa de alta tecnologia com o codinome de Sneaking
Suit, que o protege das frias temperaturas, — e o jogo se passa no Alaska — e
aumenta sua resistência física, cobrindo seu corpo todo com fibras entrela-
çadas com a resistência de coletes táticos, estilo SWAT. Ao mudar de skin,
Solid Snake veste um terno e gravata borboleta, mas dentro do jogo ele não
passa subitamente a sofrer mais dano de tiros e golpes, ou começa a perder
forças pelo frio terrível do Alaska. Isso quer dizer que mudar de skin muda
como nós o vemos, mas não seu funcionamento dentro do mundo. O fluff foi
mudado, mas o crunch permanece igual.
Em jogos de RPG, as formas que vemos habilidades e poderes dentro
do jogo acabam sendo influenciadas mais pela sua descrição do que por suas
regras — ou seja, como jogadores e narradores, nós somos influenciados mais
pela forma que o poder é descrito do que por como sua mecânica funciona.
Retomando o samurai com espíritos ancestrais, que no nosso exemplo
anterior é um Frankenstein amorfo de seis diferentes classes e uma reinter-
pretação de regra, ele não é nada mais que “um guerreiro honrado” que luta
em nome dos ideais defendidos pelos seus ancestrais, representados como
espíritos poderosos que o guiam.
O conceito básico de um Paladino é ser um “guerreiro honrado” que
luta em nome dos seus ideais, guiado por seres sobrenaturais bondosos nor-
malmente, um Patrono ou Deus. Consegue perceber certa semelhança entre
os conceitos?
Unindo os conceitos que desenvolvemos até agora, sabemos que perso-
nagem é influenciado pela sua descrição. Como os conceitos do Paladino e do
Samurai dos Espíritos Ancestrais são quase iguais, dadas algumas diferenças,

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Vão as Embalagens, Fica o Conteúdo

— e talvez suas mecânicas não precisem ser diferentes. Em vez de tentar criar
uma classe para seu Samurai dos Espíritos Ancestrais, você vai substituir toda
a parte do “faz-de-conta” do Paladino pela parte do Samurai dos Espíritos, e
voilà, temos uma adaptação indolor com algumas poucas arestas para serem
aparadas.
Dessa forma, o Samurai não emanaria uma Aura de Bondade, mas seria
tocado pelos espíritos ancestrais e teria uma Aura de Honra. Ele não teria a
capacidade de Destruir o Mal, e sim a capacidade de Punir os Desonrados.
Uma busca épica não seria por uma Vingadora Sagrada, mas sim pela arma
perdida de um de seus predecessores no combate pelas tradições de seu clã,
etc.
Perceba que o funcionamento ainda é o mesmo e o que mudou não
foi apenas o nome, mas a forma como ele influencia o mundo ao seu redor.
Trabalhando alguns detalhes aqui e acolá, você pode adicionar, reajustar ou
remover poderes não condizentes com a ideia básica de transformar um Pa-
ladino em Samurai e ter uma classe pronta de forma muito mais veloz que
montá-la do zero.Perceba que esse método não é para negar a criação de
conteúdo totalmente original: não há nada de errado nisso, se você tem o
tempo e a disposição! Entretanto, ter um ponto de partida pronto acelera
muito, e com um pouco de mudança nele pode fazer o jogo sair da mesmice
para algo inesquecível.
Até agora os exemplos de reskin foram para jogadores, mas quem mais
se beneficiaria dele seriam os narradores com diferentes opções e utilizações
de fichas para outras criaturas e desafios. Um troll, aquela criatura regene-
rante, fraca contra ácido e fogo é facilmente reconhecida em um incontável
número de cenários de fantasia — mas pode ser remanejada para criação de
antagonistas memoráveis mesmo em outras situações.
Vamos pegá-lo e criar uma situação hipotética onde suas característi-
cas funcionem de forma idêntica, mas num contexto diferente.
“Nas colônias espaciais humanas, há uma série de robôs de constru-
ção parecidos com gorilas cibernéticos. Essa série de robôs é munida de um
avançado sistema de regeneração para manter seu funcionamento ao longo
de dezenas de anos descarregando e carregando naves das diferentes raças, li-
dando com os rigores do espaço. Esse sistema de regeneração tem duas falhas

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RPG Caracterização

deliberadas para evitar que tais máquinas se tornem incontroláveis no caso de


defeitos na A.I. — suas nanomáquinas de reparo podem ser superaquecidas
ou dissolvidas, ou seja, fogo e ácido.“
Uma criatura comum retirada de seu ambiente torna-se outra comple-
tamente distinta de forma a casar com a idéia de campanha pretendida, atra-
vés do reskin, sem o trabalho excessivo de alterar o crunch do jogo para tal.
Dessa forma, se torna uma ferramenta extremamente poderosa nas
mãos de um grupo interessado, fazendo com que o jogo tenha várias faces de
fluff com apenas uma de crunch, permitindo aventuras cada vez mais diversas
com muito menos trabalho para os envolvidos.

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RPG E PSIQUIATRIA:
UMA LEITURA IN GAME

Livia von Sucro é, antes de tudo, uma apaixonada por RPG. Leitora
voraz, entusiasta e divulgadora do hobbie desde antes das redes sociais
existirem como tal, ela aproveitou a XP acumulada nos últimos 20 anos
para comprar Medicina, depois Psiquiatria, e agora resolveu gastar mais
um pouco em Filosofia. Escreve esporadicamente no blog Dado Violado
e vorazmente em qualquer lugar onde se discutam RPG e jogos analógicos basea-
dos em narrativa e interpretação.

Por que falar de psiquiatria num livro com dicas para jogadores de
RPG e games afins? O assunto pode parecer estranho, inquietante, até
mesmo questionável. “Ih, será que vão falar que RPGista não sabe diferenciar
a realidade da ficção?” Na verdade, o foco aqui é falar um pouco sobre como
as doenças psiquiátricas podem ser abordadas dentro do jogo. Já se sabe que
RPG não causa dano à saúde mental dos jogadores, além disso, jogos, story-
telling (contação de histórias), dinâmicas de roleplay (interpretação de pa-
péis) e outras ferramentas lúdicas são usadas de forma terapêutica e educativa
há bastante tempo, com resultados positivos.
A doença mental é parte indissociável da experiência humana e aparece
há décadas em vários jogos, incorporada às suas mecânicas — como acontece,
por exemplo, com a “Sanidade” em Chamado de Cthulhu, em que sinto-
mas de doença surgem à medida que o personagem se aprofunda nos temas
ocultos, ou mesmo com as regras de “Alinhamento Moral” de Dungeons &
Dragons, que nada mais são do que tentativas de classificar o comportamento
dos seres. Os jogos de RPG são uma oportunidade de retratar criaturas e
situações diversas, permitindo que vivenciemos experiências completamente
distintas da nossa realidade cotidiana, ou ainda nos possibilitando reencenar
de forma lúdica, mesmo que incidentalmente, os problemas que nos afligem
na vida real. Portanto, este texto pretende auxiliar os jogadores que queiram

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RPG Caracterização

abordar doenças e sintomas psiquiátricos e psicológicos de forma mais elabo-


rada e respeitosa em suas mesas de jogo.
Decidiu-se por levar tais elementos para a próxima sessão de jogo?
Antes de tudo, é essencial que você se assegure de que todos os jogadores
estejam cientes e concordem com a exploração deste tópico. É importante
também levar em conta a idade e maturidade de todos. Lembre-se que doen-
ças e sintomas psíquicos podem causar grande sofrimento e estresse em seus
portadores ou nos familiares das pessoas acometidas, portanto, sensibilidade
e respeito são mandatórios. E caso você ou outra pessoa do grupo apresentem
algum transtorno ou mesmo indício de doença psiquiátrica, procure ajuda
profissional e converse com o médico/terapeuta antes de introduzir estes
temas em um jogo. Afinal de contas, trazer isto à tona de modo irresponsável
pode ser prejudicial a pacientes graves, instáveis ou ainda sem tratamento.
A Psiquiatria é a especialidade médica que se ocupa dos sofrimen-
tos mentais, sejam eles derivados de doenças propriamente ditas (depressão,
transtorno bipolar, esquizofrenia, etc) ou de dificuldades de cunho sócio-cul-
tural e comportamental. Isto coloca a Psiquiatria em constante interseção
com a sociedade, fazendo dela uma verdadeira ponte entre a biologia e as
humanidades. A Psicologia dedica-se também a temas semelhantes, mas com
um viés menos biológico. Ambas podem trabalhar em conjunto e serão trata-
das de forma equivalente no restante do texto.
As doenças e os sintomas de sofrimento mental são um tema que deve
ser levado a sério, mas isso não significa que não possam surgir em jogos
amenos ou humorísticos (Paranóia vem à mente), e sim que as pessoas por-
tadoras desses transtornos sejam tratadas com respeito e consideração, não
com deboche ou aversão. Atualmente existe até uma campanha contra a psi-
cofobia, que é o preconceito contra quem sofre de doenças mentais. A ideia
deste texto é também transformar o seu jogo numa experiência rica e talvez
mais realista, não propor uma discussão acadêmica. Portanto, aqui você não
vai aprender a “diagnosticar” doenças, e sim a introduzir esses temas na sua
mesa de jogo de maneira mais inteligente. Por isso, optou-se por não fazer
uma listagem de doenças e sintomas, e sim discutir de forma ampla seu uso
in game (dentro do jogo).
Com fins didáticos, podemos separar as formas como os jogos incorpo-
ram o funcionamento psíquico dos personagens em três tipos distintos. Estas

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RPG e psiquiatria: uma leitura in game

formas costumam aparecer nos jogos de design mais tradicional, com mestre,
ficha, etc; mas versões menos estanques e mais fluidas permeiam jogos mais
modernos, inclusive LARPs. São elas:
• 1) Doenças e/ou sintomas psiquiátricos como caracte-
rística intrínseca dos personagens
• 2) Mecânicas de “enlouquecimento” ou adoecimento
mental
• 3) Sistemas de classificação do comportamento social
A doença aparece como característica intrínseca quando define quem
o personagem é, geralmente desde sua construção. As doenças ou seus sin-
tomas assumem o papel de peculiaridades dos personagens, participando da
construção de sua personalidade e background, justificando motivações e
até determinando bônus ou penalidades nos momentos de ação do perso-
nagem. Como exemplo temos as Desvantagens que aparecem em GURPS,
que incluem Depressão Crônica, Amnésia e Delírios. Na maioria das vezes
as doenças e sintomas surgem como defeitos dos personagens, características
negativas que podem dificultar ações dentro do jogo ou obrigar que o perso-
nagem se comporte de determinada maneira.
As mecânicas de adoecimento mental costumam aparecer em jogos de
Horror e Terror, sendo mais um elemento para causar medo e estranhamento
nos jogadores, ou como parte do drama em jogos de design contemporâneo.
Muitas vezes temos a “Sanidade” dos personagens como um medidor quan-
titativo de saúde mental (como em Rastro de Cthulhu), semelhante aos me-
didores de “saúde” e “dano” que aparecem em inúmeros jogos. Basicamente,
o personagem adquire sintomas e doenças conforme sua Sanidade diminui,
determinando mais uma vez penalidades ou obrigando o personagem a agir
de determinados modos. Em A Penny For My Thoughts, a doença (amné-
sia) já é completa no início do jogo, que tem como objetivo reconstruir as
memórias dos personagens coletivamente — ou seja, temos uma mecânica
de adoecimento invertida, ou uma mecânica de cura do sofrimento psíquico.
Finalmente, há os sistemas de classificação de comportamento, que
usualmente se encarregam de definir de que modo os personagens vão agir
no decorrer do jogo, bem como sua “personalidade”, e não necessariamente

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RPG Caracterização

lhes conferir doenças ou sintomas. Como exemplo clássico temos o já citado


Alinhamento de D&D, mas uma versão menos óbvia aparece no “Darkest
Self ” de Monsterhearts, que adquire também um aspecto de mecânica de
enlouquecimento (ou talvez de perda momentânea de sanidade) qualitativa.
Como já explicado, jogos com propostas mais vanguardistas costumam em-
baralhar os três tipos.
Desta forma, os transtornos psiquiátricos e seus sintomas são utili-
zados nos jogos como maneiras de alterar e/ou delinear o comportamento
e a personalidade dos personagens, fazendo com que os jogadores precisem
então interpretar os sintomas/doenças, para dar vida às características que
aparecem na ficha. E aí a coisa complica. Podem vir à tona estereótipos, cli-
chês e preconceitos, tornando a sessão de jogo desrespeitosa e tola. Surgem
os famigerados “Malks de Pantufa” (que possuem até um termo em inglês
equivalente, Fish Malks), os vampiros loucos de Vampiro: A Máscara que
costumam ser interpretados de forma extremamente superficial e cômica.
Como abandonar este ranço em favor de uma abordagem menos caricata?
O primeiro passo, e também o mais importante, é respeitar as pessoas
que sofrem destas condições. Portanto, só inclua este tema no seu jogo se
for algo relevante e previamente combinado com todos os envolvidos. Em
segundo lugar, procure refletir sobre o tópico de forma cuidadosa e social-
mente engajada; pense se você concorda que o tema apareça num contexto
de passatempo, se você acha que é possível se utilizar disto para humanizar
as pessoas portadoras de sofrimento mental em vez de ridicularizá-las ou
glamourizar sua dor, e tenha sabedoria para respeitar opiniões contrárias. E
se você concluir que este tema não deve fazer parte de nenhum jogo, não
abandone o debate. Não faz parte do escopo deste texto analisar criticamente
o uso que os jogos fazem das doenças e sintomas, mas certamente o tema é
relevante e pode ensejar discussões futuras.
Em terceiro lugar, procure se informar sobre um sintoma ou doença
antes de tentar “interpretá-lo”. A internet é uma ferramenta muito útil, e sites
como a Wikipédia trazem informações simples e objetivas. Outra dica inte-
ressante é buscar referências no cinema. Vários filmes retratam pessoas com
sofrimento mental de forma mais ou menos acurada, e muitas vezes lírica,
emocionante e visceral. Como sugestões temos “Pi”, filme de 1998 do diretor
Darren Aronofsky que retrata de forma fidedigna um matemático genial so-

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RPG e psiquiatria: uma leitura in game

frendo de paranóia, num quadro aparente de esquizofrenia; também de Aro-


nofsky temos “Cisne Negro”, de 2010, um mergulho na psique de uma jovem
mulher lidando com sintomas psicóticos (delírios e alucinações) emergentes
num contexto de grande estresse físico e emocional. Em “O Aviador”, drama
de 2004 baseado em fatos reais, o diretor Martin Scorsese filma um retrato
realista do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). “As Virgens Suicidas”,
de 1999, é o melancólico filme de Sofia Copolla sobre a depressão e suas
ramificações hereditárias num contexto familiar adverso. Outro filme sobre
depressão é “Melancolia”, de Lars von Trier — o drama de 2011 capta com
poética precisão a lentidão psicomotora, o desânimo patológico e a tristeza
arrebatadora que acometem o paciente gravemente deprimido. Sobre trans-
torno de personalidade antissocial, muitas vezes associado aos psicopatas e
serial killers (assassinos em série), sugerimos “Kalifornia”, thriller de 1993, e
“Assassinos por Natureza”, lançado um ano depois.
Muitos filmes retratam a dependência química, com suas consequên-
cias devastadoras sobre o comportamento, a vida social e a saúde física dos
dependentes; como sugestões temos “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e
prostituída”, “Despedida em Las Vegas” e “Gia”. Retratando quadros ansio-
sos, temos “O Discurso do Rei” (fobia social) e “Copycat — Cópia Mortal”
(transtorno do estresse pós-traumático, síndrome do pânico, agorafobia).
Quadros de alteração na memória são bem representados em “Para Sem-
pre Alice” (doença de Alzheimer) e “Amnésia”. Representações precisas do
enlouquecimento aparecem em “Anticristo”, que nos fornece um viés psica-
nalítico, e em “O Enigma do Horizonte” — este último abordando a perda
de sanidade num contexto de ficção científica de horror. Com essa grande
lista de filmes, você não precisa mais basear o seu malkaviano no Coringa
de Heath Ledger do filme “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, ainda que o
personagem realmente exiba sintomas psicóticos, alterações de personalidade,
e indícios de efeitos colaterais decorrentes do uso crônico de antipsicóticos,
com seus tiques motores e na fala.
Assim como o cinema, a literatura também explora as doenças e sin-
tomas psiquiátricos. Há livros que examinam diretamente o tema, como o
clássico “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf, mas também abordagens ve-
ladas, como no psicodélico “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Caroll.
Outras dicas: “Clube da Luta”, de Chuck Palahniuk e “Crime e Castigo” de
Dostoievski.

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RPG Caracterização

Além das dicas anteriores, conversar com uma pessoa portadora de algum
transtorno psiquiátrico pode ser interessante, desde que ela concorde e que não
haja nenhum impedimento médico para fazê-lo. Caso você esteja pensando
em criar um personagem que sofra de alguma doença da qual você também
sofre, pondere se você conseguirá reviver os sintomas na hora do jogo. É pro-
vável que o RPG possa lhe proporcionar uma experiência catártica e positiva,
ao permitir que você vivencie suas dificuldades de forma controlada — mas
o ambiente deve ser seguro, seus companheiros de jogo devem estar dispos-
tos a lhe oferecer algum suporte emocional, e seu médico/terapeuta deve ser
consultado.
Por fim, tenha em mente que você não precisa seguir à risca nenhum
manual médico ou psicológico na hora de jogar RPG. O nível de realismo das
histórias deve ser adequado ao nível de verossimilhança que agrada a todos
os jogadores. Em jogos mais realistas, faz sentido procurar os sintomas de um
quadro grave de depressão e tentar incorporá-los à interpretação; ou saber
citar e descrever sintomas psicóticos com mais acurácia. Em outros jogos, nos
quais não é importante emular com precisão a realidade, tais minúcias não
fazem sentido. E, ainda que pareça repetitivo, o que é realmente crucial ao
fazer dos transtornos psíquicos mais um tema para o RPG é que você respeite
as pessoas reais que são portadoras destas doenças.

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ESCOLHA
AGIR DIFERENTE
Thiago Rosa “Shinken” joga e mestra RPG desde os 9 anos, quando alu-
gou um livro de Paranóia sem saber que era um jogo. Já escreveu para
as revistas Dragão Brasil, En5ider e Trailseeker, além de participar do
Steamscapes: Asia e de vários outros projetos para Pathfinder e D&D.
Desde 2014 escreve no RPG Notícias. Quando não está atrás de um es-
cudo, ele ouve punk rock, torce pelo Fluminense e lê quadrinhos da Marvel.

Conflito é um elemento essencial para o modelo ocidental de contas


histórias. Ele se apresenta mais claramente na estrutura de três atos: começo/
meio/fim ou apresentação/conflito/resolução. Dessa forma, entendemos con-
flito como a força motriz de nossas histórias. Esse modelo é extremamente
arraigado à nossa cultura e é muito difícil pensar em histórias que não se
encaixem nele. Não é raro dizer que não existe história sem conflito. Isso
não é exatamente verdade — o modelo oriental kishōtenketsu pode produzir
narrativas livres de conflito, mesmo que muitas vezes o resultado possa pare-
cer “esquisito” para os mais tradicionalistas. O uso de conflito para produzir
enredos e aventuras de RPG é a prática padrão desde o advento do hobby e
não existe nenhum motivo específico para desabonar essa prática. Entretanto,
conflito pode e vai influenciar diretamente a estrutura social da sua mesa de
jogo — para melhor ou para pior.
O paladino descobre as falcatruas do ladino e o executa. O netrunner
paranoico hackeia os implantes cibernéticos do samurai urbano. O Ventrue
joga toda a Camarilla em cima do Gangrel que conversou cinco minutos
com um lobisomem sem virar carne moída. Muito provavelmente situações
como essas já se desenrolaram na mesa. É bem possível que tenha acontecido
especificamente com você. São todos casos de conflitos internos no grupo que
terminam muito mal para um dos lados e são sempre justificados com o mote
“é o que o meu personagem faria”. Afinal de contas, é para isso que jogamos
RPG, não? Para interpretar personagens?

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RPG Caracterização

Embora obviamente interpretar personagens seja o núcleo da ativi-


dade, não é adequado dizer que jogamos RPG para interpretar personagens.
Jogamos RPG para nos divertir com os nossos amigos. Logo, interpretar per-
sonagens é um meio para esse fim. Todas as nossas ações na mesa de jogo in-
fluenciam a diversão de todos os demais jogadores; afinal, esse é o objetivo de
narrativa compartilhada. Para as ações mais triviais, não é necessário deliberar
muito. Se você vai atacar o orc com machado ou o goblin com arco, como
você vai gastar os créditos que ganhou no último trabalho, se seu super-herói
vai para a cena do crime voando ou correndo; tudo isso é mais ou menos
restrito ao universo do seu personagem. Dessa forma, as repercussões das
suas ações também ficam primariamente restritas ao seu universo, então você
não precisa se preocupar muito elas. Quando as suas decisões passam a trazer
consequências mais graves para outros personagens que para o seu, é impor-
tante não apenas se colocar na posição dos outros jogadores, mas perguntar
diretamente para eles. Talvez você ache maravilhoso que a sua magia nova
crie uma disputa direta com o guerreiro do grupo sobre quem fica na linha de
frente, mas é possível que o jogador do guerreiro ache chato ter que dividir as
atenções na única coisa que ele faz bem. Se concentrar nos conceitos que você
definiu para seu personagem é parte da sua diversão, sim; mas não é como se
você estivesse jogando sozinho.
Independente da cautela com que lidemos com as ações de nossos per-
sonagens, mais cedo ou mais tarde, os personagens dos jogadores entrarão em
desacordo. Isso é natural da condição humana. Se mal podemos concordar
sobre qual sabor de pizza pedir ou sobre qual classe de D&D é a mais irada
(e porque é o bardo), não é surpreendente que um grupo de aventureiros
discorde de forma veemente sobre a ética de destruir ou não um artefato
que pode destruir ou salvar o mundo inteiro. Na vida real, quando acontece
um desentendimento entre duas pessoas, ele costuma resultar em discussões
verbais, no assunto ser evitado ou ignorado ou em alguém cedendo. Uma
altercação física é o fim da negociação, uma última opção quando todas as
chances de resolução pacífica se esgotaram. Personagens em jogos de RPG
costumam apelar para a violência física como forma de resolução de conflitos
com imensa facilidade. Isso pode ser o resultado de uma série de fatores,
como a quantidade de páginas devotada às mecânicas de combate, glamou-
rização da violência ou pura preferência pessoal. De uma forma ou de outra,

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Escolha agir diferente

essa preferência pelo combate costuma tornar pequenos conflitos interessan-


tes em pesadelos logísticos.
Os casos mais extremos acontecem quando personagens trabalham
ativamente um contra o outro. Essas situações poderiam ser encaradas como
novos ganchos para histórias; se os jogadores estiverem de acordo, o perso-
nagem dissidente poderia se tornar um antagonista, buscando poder e alia-
dos para enfrentar seus desafetos. Porém, a esmagadora maioria dos jogos
de RPG enfatiza o trabalho em equipe por um motivo bem simples e óbvio
— ser afastado do grupo fará com que o jogador participe menos do jogo e
que o grupo todo pare de participar quando ele estiver jogando. Em vez de
uma experiência cooperativa, você acaba com duas experiências separadas, só
que realizadas no mesmo espaço físico. De uma forma ou de outra, o perso-
nagem dissidente acaba excluído do grupo. Se você queria interpretar esse
personagem, azar o seu — agora ele é um NPC glorificado (ou um cadáver).
O pior, talvez você se sinta inclinado a criar um parente ou amigo dele como
seu próximo personagem para vingar sua morte, requentando o conflito com
uma vingança e recomeçando todo o processo.
Existe um tipo específico de RPG que funciona bem com essa dinâmi-
ca. Quaisquer jogos que usem trupes de personagens em vez de personagens
individuais para cada jogador partem da premissa que você vai interpretar um
monte de personagens diferentes, o que pode ser libertador quando se trata
de conflito. Jogos de trupe são bastante raros e, mesmo nesses jogos, costuma
existir um personagem principal para cada jogador, aquele com quem rola
a maior identificação. Um dos exemplos mais famosos é o Polaris de Ben
Lehman, em que cada jogador não só cria um cavaleiro como assume o papel
de outros personagens quando seu cavaleiro não está em cena. Para Polaris,
tragédias e confrontos entre personagens jogadores são a norma em vez da
exceção, então a escolha desse modelo faz bastante sentido. Mas então, se é
possível fazer diferente, por que a maior parte dos jogos de RPG usa somen-
te um personagem para cada jogador? Os motivos são muitos, desde maior
simplicidade e maior facilidade de identificação até uma tendência a seguir
o mestre — era assim que D&D fazia nos primórdios, então é assim que a
gente faz agora. É esse o modelo padrão, então bom ou ruim é com ele que
vamos nos preocupar principalmente.

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RPG Caracterização

A forma mais rápida e simples de evitar que um conflito interno atra-


palhe a diversão do seu grupo é ser flexível e escolher agir diferente. Chega a
ser tentador usar a interpretação como uma muleta para escolher as opções
mais extremas, as resoluções mais dramáticas. Encarando RPG como uma
válvula de escape, talvez extravasar suas emoções dessa forma na mesa de
jogo seja a sua única oportunidade nesse sentido. Por outro lado, imagine
se Legolas e Gimli saíssem no braço em vez de tentar se adaptar à situação
em que estavam; teríamos uma nova oportunidade para Peter Jackson fazer
Legolas parecer ainda mais competente do que é nos livros, mas perderíamos
todo o processo de formação de amizade e companheirismo que torna os
dois personagens tão interessantes. Vivemos em um mundo extremamente
diverso e plural, o que se reflete muitas vezes em jogos que deveriam ser
ainda mais diversos e plurais que o nosso mundo real. Em um mundo com
criaturas literalmente feitas de maldade querendo corromper e consumir a
alma imortal de pessoas inocentes, faz tanta diferença assim que o ladino do
seu grupo tenha quebrado a lei como forma de enfrentar esses monstros? Pa-
ladinos costumavam sofrer muito nesse quesito por causa de códigos rígidos
que restringiam seu comportamento, mas esse tipo de coisa já não existe em
D&D desde 2008. Se o RPG mais antigo do mundo consegue ser flexível e
mudar seus parâmetros, será que você e seu grupo não conseguem também?
Perceba que qualquer desacordo entre os membros do grupo é, por si
só, uma narrativa. Encarar essa narrativa dentro do modelo dos três atos pode
resultar em uma resolução violenta. Portanto, caso esse tipo de confronto
seja problemático nas suas mesas de jogo, você pode tentar encará-lo sob o
viés do kishōtenketsu. Essa forma de desenvolvimento, inicialmente usada
em poemas chineses de quatro linhas e hoje comum em mangás de quatro
quadros, se divide em introdução, desenvolvimento, clímax e conclusão. Na
introdução, o problema entre os personagens aparece pela primeira vez. No
desenvolvimento, os personagens tentam chegar a um acordo. No clímax, um
elemento novo surge, como um assunto no qual os personagens concordam
ou um elemento em comum. Na conclusão, cada personagem aprende um
pouco com o outro.
Aplicando o kishōtenketsu ao exemplo do paladino e do ladino, temos
a introdução quando o paladino descobre o ladino roubando de um comer-
ciante em flagrante. No desenvolvimento, o paladino tenta convencer o ladi-
no a parar de quebrar a lei, enquanto o ladino tenta tirar o paladino de sua

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Escolha agir diferente

cola. No clímax, um guarda da cidade se revela um demônio disfarçado, que


requer a fé do paladino e a esperteza do ladino para ser derrotado. Na conclu-
são, o paladino percebe que o mundo não é tão preto e branco quanto pensava
antes; o ladino por sua vez renova sua admiração pela firmeza de caráter do
colega. Dessa forma, você mantém o conflito interno no grupo na forma de
uma narrativa satisfatória, incluindo até mesmo um embate físico para fazer
uso das mecânicas do jogo, mas também evita que um dos personagens seja
excluído e um dos jogadores fique insatisfeito.
Independente do modelo narrativo que você adote ou de quantos per-
sonagens cada jogador interprete, o importante é termos empatia com nossos
colegas e flexibilidade nas nossas escolhas. Nenhuma pessoa é uma ilha e
nenhum jogador está sozinho na mesa.

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MACHISMO NO RPG
Annita Wright começou a jogar RPG com 11 anos, sob recomendação do
moço da livraria onde comprou Senhor dos Anéis. A partir daí, RPG foi
fonte de terapia, aula de inglês avançado e inspiração para uma carreira
nas artes. Conhecida como arroz de RPG nos grupos de jogo do Twitch,
tem cadeira cativa com o pessoal do Rola o Dado e é artista 2D.

Vocês entram na estalagem procurando uma oportunidade para iniciar


uma nova aventura. Sentado em um canto escuro, um homem misterioso,
envolto em sombras, faz sinal para que vocês se aproximem. Ele promete
riquezas além da imaginação de vocês, caso aceitem a missão que está prestes
a propor. Apesar de iniciante, o grupo de vocês tem perspectivas muito pro-
missoras: Gronk, o anão guerreiro, justo, mas irascível; Orion, o elfo ladino,
assombrado por seu passado conturbado; Johanes, o clérigo do deus da co-
ragem, que sempre tem as palavras corretas para inspirar seus companheiros,
apesar dele mesmo às vezes questionar sua própria fé; e Elina, a elfa maga.
Essa descrição parece normal a princípio, e muita gente não consegui-
ria perceber problema algum. Ela contém, no entanto, um problema que se
apresenta de forma bastante rotineira no universo de fantasia: a exacerbação
dos personagens masculinos traduzida, entre outras coisas, na complexidade
da caracterização em detrimento das poucas personagens femininas.
Existe uma deficiência de personagens e jogadoras femininas nas mesas
de RPG. Essa carência frequentemente é atribuída à falta de interesse. O fato
é que o próprio Dungeons & Dragons já começou subestimando as mulheres,
tendo o escritor da versão original do livro de regras, Gary Gygax, dito que
se dobraria à demanda feminina apenas quando as mulheres comprassem seu
jogo. Essa visão limitada terminou por gerar a alienação do público feminino
em geral que, em sua maioria, ao menos no início, tratou o D&D com o
mesmo descaso a ele reservado. Já que o personagem quase sempre é uma re-
presentação da identidade do jogador naquele mundo fictício, toda e qualquer
forma de preconceito toma feições de um problema legítimo, e não apenas
uma idiossincrasia que pode ser ignorada sem maiores repercussões.

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RPG Caracterização

Dentro da atividade do RPG, a criação do personagem faz parte da


diversão. Na medida em que as características desse personagem devam ser
corretamente interpretadas no contexto de jogo e que, idealmente, o joga-
dor irá passar diversas sessões convivendo com esse personagem, e portanto
precisa se sentir confortável e empolgado. Confortável para que não cometa
deslizes que comprometam a correta interpretação das características prees-
tabelecidas por ele mesmo (história, alinhamento). Empolgado para que seja
mais fácil identificar oportunidades para fazer a interpretação se sobressair.
Dessa forma, a tendência é que o personagem apresente elementos da perso-
nalidade do próprio jogador. Pode-se observar uma característica intrínseca
de jogo, no sentido de que há uma certa competição entre os jogadores, e do
próprio jogador consigo mesmo, na perene busca pela melhoria das próprias
capacidades de interpretação, mas o principal objetivo é a diversão.
Essa diversão fica comprometida na medida em que o jogador depara
com atitudes por parte dos outros jogadores e do próprio mestre de jogo que
por vezes podem ser percebidas como hostis para com sua identidade. O
machismo é um grande exemplo disso, e constitui um dos principais motivos
por que as mesas de jogo têm historicamente contado com número bastante
limitado de mulheres.
Quando são os outros jogadores a fonte do machismo, isso pode ser
facilmente atribuído à visão dos respectivos personagens, o que evita desgas-
tes interpessoais. Ninguém quer interromper uma sessão de jogo para colocar
um caixote no meio da sala, subir nele e começar a discursar sobre a postura
opressora masculina através dos séculos. Uma saída menos panfletária poderia
ser via o questionamento da percepção de que o machismo é historicamente
apropriado para um mundo de fantasia baseado na Europa medieval. Esse
posicionamento é impreciso, de acordo com vários documentos de época,
que demonstram ser a figura da donzela indefesa uma imagem mitológica
— imagem esta construída na era vitoriana, por motivos que não convém
elucidar no presente artigo. Jogadores que pretendam questionar o machismo
baseado em argumentos históricos também podem apontar para o fato de que
elfos, dragões e feitiços de bola de fogo não são historicamente apropriados
para qualquer período da história humana.
Qualquer que seja o argumento utilizado, ou mesmo nenhum, o que se
pode fazer é continuar jogando e fazer com que a própria personagem se im-

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Machismo no RPG

ponha, através de uma caracterização bem feita. O problema maior é quando


o mestre de jogo demonstra ser machista.
Atuando como algo além de uma divindade no universo do jogo, o
mestre tem total controle sobre o que acontece em torno dos personagens.
Quando esse ser onipotente e onisciente sofre de uma visão de mundo an-
tiquada e injusta, a vida da personagem feminina toma nuances verdadei-
ramente lastimáveis e faz com que o papel do/a jogador/a seja ainda mais
difícil. Digamos que não haja possibilidade de encontrar outra mesa de jogo
(algo difícil hoje em dia, considerando Skype e sites como roll20), ou que
simplesmente não se queira dar o braço a torcer e passar novamente pelo pro-
cesso de encontrar outra mesa de jogo, fazer outra ficha de personagem, etc.
Apenas aceitar o comportamento machista pode parecer a melhor so-
lução em alguns casos. Afinal de contas, o machista não vê nada de errado em
suas ações, acreditando ser, na verdade, cavalheiro. A principal diferença entre
machismo e boa educação é que esta pode ser dirigida a qualquer pessoa,
sem qualquer julgamento, enquanto que aquele leva em consideração que a
mulher é um ser inferior que precisa de auxílio para realizar qualquer tarefa.
Tendo isso em vista, é possível identificar comportamento machista até
mesmo por parte de membros do gênero feminino, na medida em que muitas
mulheres dizem não ver problema com o machismo, já que ele traz benefícios
para elas. A mulher machista pode pensar que está fazendo uso do sistema
para adquirir vantagens dentro do jogo, mas a verdade é que essas vantagens
momentâneas raramente servem para satisfação no longo prazo. E mesmo no
curto prazo, o preço que se paga é alto demais. A sua personagem pode estar
conseguindo favores agora, mas o que você vai pensar dela, quando fizer algo
que realmente importe? Será que ela teria conseguido aquilo se não tivesse
contado com ajuda?
Não é que não possam existir mulheres que sejam incompetentes, mu-
lheres que queiram usar biquíni de batalha ou mulheres que fujam de toda
e qualquer luta. Mas pergunte-se antes se ela é incompetente por pertencer
ao “sexo frágil”, se ela usa biquíni de batalha porque fica mais bonito para
os homens olharem ou se ela deixa de lutar porque prefere que um homem
necessariamente a salve. Sim, todas essas coisas são possíveis, mas as perso-
nagens seriam muito mais interessantes e memoráveis se a incompetência
fosse realmente explicada, se ela tivesse um excelente motivo pra lutar sem

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RPG Caracterização

armadura apropriada, e se ela fosse realmente covarde, e não subjugada, não


importando o gênero das costas atrás das quais ela se escondesse, na hora do
perigo. E, claro, se existissem outras personagens femininas dentro da mesma
narrativa que contrabalançassem esses exemplos negativos.
Joss Whedon e GRR Martin são frequentemente interpelados quanto
à sua habilidade para escreverem personagens femininas instigantes e rea-
listas. Ambos respondem de forma semelhante, afirmando que descrevem
pessoas normais, que também são do sexo feminino. Uma boa prática, tanto
para jogadores quanto para narradores, é imaginar se a personagem feminina
em questão agiria da mesma forma caso pertencesse ao gênero masculino.
Caso negativo, cabe questionar as razões por trás dessa diferença.
Embora não haja um certo e um errado na técnica da personificação,
desde que ela seja feita dentro dos parâmetros estipulados, existe um desejo
para que os outros jogadores e especialmente o mestre de jogo aceitem e apre-
ciem o personagem no qual se investiu tanta energia e carinho. Esse carinho
é a prova de que o jogador colocou algo de si mesmo nesse indivíduo fictício,
em menor ou maior grau. Quem não tem uma historia de um companheiro
de jogo que se irritou profundamente quando seu personagem morreu? Ou
quando seu personagem está sendo tratado de forma injusta, por fatores fora
de jogo? Pessoas em volta podem querer argumentar que “é só um jogo”.
Mas obviamente não é. Mesmo o Dungeons & Dragons, que representa-
va exemplo emblemático de machismo em seu início, propõe a existência
de personagens transexuais em sua edição mais recente. A indústria cultural
vem lentamente estimulando uma caracterização mais includente quanto às
minorias e o RPG se inclui nesse movimento. Resta aos jogadores acompa-
nharem a tendência.

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NÃO É FÁCIL SER VERDE


Stephan Martins é o eterno mestre que prefere jogar, adora trazer nova-
tos ao RPG e é o maior viciadão em Forgotten Realms e nos drow. Ele faz
o Apotecário do Anão na Formação Fireball.

Raças*. Parte fundamental da criação de personagens na grande maio-


ria dos RPGs. Elfos, anões, meio-elfos, muls, thri-Keen, tieflings e muito
mais. Mesmo quando não existentes, é bem provável que o sistema traga algo
equivalente às raças, como os diferentes clãs de Vampiro: A Máscara.
A ideia da existência de escolhas de raças é de que um mundo diver-
so, com culturas e povos drasticamente diferentes, adiciona mais ao cenário.
Isso também diz respeito à mecânica, é claro, porque é difícil não se lembrar
daquele +2 em Sabedoria ao criar seu anão clérigo em D&D que deve evitar
a morte prematura do grupo. Mas há mais, muito mais, do que meros bônus
em um personagem. A proposta não é começar mais uma discussão de “In-
terpretação vs Powerplay”, até porque o jogador com a ficha mais “roubada”
mecanicamente também pode tirar proveito dessas questões. A ideia é expan-
dir ainda mais na cultura do seu personagem.
As raças básicas certamente estão muito melhor cobertas nesse que-
sito. Encontrar material sobre a cultura de anões, humanos e elfos é ridicula-
mente fácil — até porque são eles as raças principais em praticamente todo
cenário de fantasia medieval. Isso também é verdade sobre os vilões mais
clichês de todos, os orcs. Mesmo no cenário de Warcraft, com uma infinidade
de raças diferentes possuindo tantas culturas diversas, os orcs se sobressaem
como protagonistas da Horda e, portanto, recebem uma maior atenção.Trolls,
goblins, taurens e outros também recebem material próprio, mas as histórias
e os antecedentes oficiais dos orcs são, sem dúvida, mais expandidos, dando
mais oportunidades para eventos que os envolvam.

*A ideia por trás das “raças” dos RPGs está mais para “espécies” diferentes de humanoides,
na verdade.

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RPG Caracterização

Há algo muito charmoso e desafiador em interpretar um personagem


eternamente assombrado por sua origem. Em Forgotten Realms, os orcs e
meio-orcs são incessantemente tentados por Gruumsh, seu deus maligno e
criador, a cometerem atos vis e cruéis. Maglubiyet, criador dos goblins, dese-
java mantê-los todos perversos e sob seu comando.E obviamente, como não
citar os famigerados drow, os elfos negros, escravos eternos de Lolth, a Ra-
inha Aranha?Lidar com personagens constantemente atormentados pela sua
gênese faz com que existam obstáculos pessoais a serem superados, incluindo
aqueles que possam acontecer dentro do grupo.
Existe um caminho deveras fácil para interpretar raças monstruosas
que ainda é muito válido, embora tenha perdido muito do apreço que um
dia já teve, talvez por ter caído numa fórmula clichê: a exceção heroica. Dri-
zzt Do’Urden cumpre bem este papel, sendo um drow bondoso que fugiu
de sua natureza cruel e mesquinha, e que atualmente é o maior símbolo do
cenário de Forgotten Realms, talvez só sendo ultrapassado por Elminster.
Outro exemplo, do já citado Warcraft, é Thrall.Sua campanha heroica no jogo
Warcraft III mudou toda a fantasia da série para todos, e trouxe uma certa
humanidade para os orcs e seus semelhantes.
Deixando de lado o fascínio usualmente provocado por Drizzt e
seus equivalentes, o tesouro verdadeiro das raças mais monstruosas está nos
conflitos que existem nas diferentes sociedades fantásticas. A série de livros
em seis partes War of the Spider Queen é uma mostra perfeita de como a
sociedade dos drow é realmente desprezível, terrível e, justamente por isso,
absurdamente interessante. Na segunda metade da hexalogia, passamos um
período acompanhando alguns drow da superfície que servem Eilistraee, a
deusa que se opõeà sua mãe Lolth e que quer que os elfos negros voltem à
superfície e à bondade. Sem dar nenhum tipo de SPOILER, o que fica bem
claro é: servir Eilistraee e ser um drow bom é uma ideia muito, muito ruim,
que pode significar, facilmente, a morte. O ódio virá dos drow comuns, sejam
eles adoradores de Lolth ou de qualquer outro dos deuses do panteão drow,
e também virá de todo o mundo da superfície que desconfia dos drow —
com razão, aliás, já que incursões de matança e rapto para escravidão partem
constantemente do Subterrâneo — e dificilmente acreditará que elfos negros
possam não ser malignos.

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Não é fácil ser verde

É necessário tomar cuidado, no entanto, para não humanizar demais


as raças não humanas. É justamente o que parece acontecer com frequência
com Thrall e os outros orcs de Warcraft, os quais são suprimidos, às vezes,
das coisas que os tornam criaturas únicas. Sua cultura sempre foi cruel, e foi
preciso um líder incrível como Thrall para colocar tais orcs na linha. Quanto
mais esta história de violência for apagada, menos valor há em ser um orc
neste cenário. A sanguinolência dos orcs facilitou que fossem seduzidos por
criaturas demoníacas, chegando a colocar a própria sociedade orc em guer-
ra civil. Não é necessário diminuir suas características intrínsecas etorná-los
mais humanos para entendê-los — basta acompanhar e seguir sua história de
luta, seja ela contra os humanos e a Aliança, ou contra criaturas nefastas, ou
contra seu próprio povo. Thrall provou ao seu mundo que os orcs são mais do
que invasores selvagens de outra dimensão.
Com tudo isso em mente, finalmente se pode falar do dito “racismo
fantástico”. O exemplo mais memorável é a rixa entre elfos e anões, bem
embasada em O Senhor dos Anéis e presente fortemente em outros tantos
cenários de fantasia medieval. Mas, com exceção talvez da trilogia de filmes
O Hobbit, são vistas pouquíssimas consequências da existência desse ódio su-
primido, o que faz com que seja difícil testemunhar conflitos que adicionem
mais recheio à narrativa.
Numa consulta rápida, as palavras racismo e xenofobia possuem defi-
nições como “preconceito extremado contra indivíduos pertencentes a uma
raça ou etnia diferente, geralmente considerada inferior” e “atitude de hosti-
lidade em relação à determinada categoria de pessoas.” É importante, entre-
tanto, compreender que racismo e xenofobia são coisas diferentes. Para existir
racismo, é necessário que exista uma relação de poder entre uma raça superior
e uma ou mais vistas como inferiores, constantemente oprimidas. É o que os
drow fazem, basicamente, com todas as outras raças que existem. Qualquer
representante de qualquer uma delas — incluindo os próprios drow — serve
como escravos em potencial. O mercado escravocrata é enorme por todas as
principais cidades dos elfos negros. Já a xenofobia pode existir sem a relação
de poder, sendo a fonte de ódios inimagináveis entre povos, mas que nem
sempre significam conflitos diretos e constantes.Não é necessário reproduzir
a vivência de racismo e xenofobia que existe na vida real. No entanto, há
muito que se pode trabalhar com as noções de superioridade de uma raça
sobre outra num cenário fantástico.

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RPG Caracterização

Se conflitos movimentam narrativas, os conflitos raciais e xenofóbicos


podem movimentar as coisas em muitas camadas diferentes e ao mesmo
tempo. Poucas pessoas ouviram falar sobre o jogo Of Orcs and Men (talvez
por ter sido um fracasso), mas a premissa dele é bem interessante: um mundo
de fantasia medieval onde o Império dos Homens dominou até mesmo toda
a raça dos orcs, que estão próximos do genocídio. Os que não morrem em ba-
talha são escravizados pelos humanos; seus corpos fortes e resistentes usados
como mão de obra e soldados dispensáveis. Logo, descobre-se que o Impera-
dor decidiu exterminar todos os orcs. A missão principal envolve uma dupla,
formada por um guerreiro orc e um assassino goblin,que deve se infiltrar no
castelo real,assassinar o Imperador e,quem sabe,impedir o genocídio.Funcio-
na? Aí é onde residem as oportunidades narrativas. Não há nada de errado
em abordar algo mais simples, do tipo “matamos o Imperador, tudo ficou
bem”. Mas caso o grupo desejar, os conflitos que podem surgir no meio do
caminho são inúmeros. Como é a vida dos orcs oprimidos? E a relação entre
aqueles escravizados e os que estão livres? Quantas outras raças não humanas
existem neste mundo? E o que seria delas se o Imperador conseguisse efetuar
seus planos?
A ideia de humanos como a raça superior em detrimento de outras é
algo bastante comum, mas nem sempre a regra. Estamos acostumados a ver
goblins, por exemplo, como monstros básicos que devem ser combatidos, já
que eles são monstros típicos de aventuras clássicas, como O Forte nas Terras
Marginais e a recente Lost Mine of Phandelver. Entretanto, raças e culturas
diferentes nos dão inúmeras oportunidades narrativas. Basta que elas sejam
aproveitadas.
No conto DarkMirror de R.A. Salvatore, Drizzt Do’Urden enfrenta
uma situação em que precisa libertar escravos humanos. Ele o faz, mas se
surpreende ao descobrir um goblin chamado Nojheim, escravo de um dos
humanos que o contratou. O próprio Drizzt não imaginava ser possível a
existência de goblins que não tivessem interesses inerentemente mesquinhos
ou malignos — a impressão que a sociedade tem deles. Nojheim era fluente
na língua Comum, inteligente e só queria poder viver livre, mas era tratado
como mais uma criaturinha covarde e inferior por seus donos humanos.
A ideia de colocar uma figura tão exaltada quanto Drizzt em uma
situação onde seus preconceitos raciais quase o impedem de lutar em nome

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Não é fácil ser verde

de um escravo que também precisa de ajuda, quebra a imagem “perfeita” que


temos dele. O foco do conto é na conversa e na troca de experiências das
duas criaturas. Um elfo negro renegado, forte e aceito, um pária entre os seus,
compreendendo um goblin escravizado e sem liberdade alguma, também um
pária entre os seus. Tudo isso agrega e enriquece o conto, tornando-o infini-
tamente mais interessante.
Passando para um exemplo mais ameno, tem-se a história da rivali-
dade entre Kutulmark e Garl Glittergold, novamente do cenário Forgotten
Realms. Há milênios, Kutulmark era uma figura criada por um poderoso dra-
gão, e seu propósito principal era ensinar os Kobolds a matar e pilhar, além
de tomar vários Gnomos como escravos. Garl Glittergold, tendo descoberto
os Gnomos e tomado seu posto como líder do panteão desta raça, decidiu
pregar uma peça em Kutulmark. Tomado como refém em Underdark, a Es-
curidão Subterrânea, Glittergold propositalmente fez com que os grandes
salões dos Kobolds caíssem e soterrassem Kutulmark e seus lacaios. As len-
das variam se Garl Glittergold estava de fato seguramente aprisionado ou se
apenas se fingiu de refém até que chegasse bem onde queria para derrubar a
caverna. Kutulmark morreu, mas ascendeu como principal deus dos Kobolds,
enquanto Glittergold continuou com sua mania de pregar peças em inúmeras
divindades de Underdark. A rivalidade transcendeu os deuses, e existe até
hoje entre Gnomos e Kobolds. Essa história mostra que, independente do
que você abordar, sempre há um espaço para a comédia, ou uma forma mais
leve de tratar destes temas. Não subestime o poder que boas risadas podem
trazer à mesa e à história, mas sempre tenha em mente do que você está rindo.
Um recurso simples que pode ajudar na criação e manutenção de nar-
rativas conflitantes é o uso de pontos de vista diferentes. Tomemos como
exemplo a webcomic Goblins, que coloca os ditos “monstros” no posto de
criaturas que cansaram de ser reconhecidas desta forma. Em uma metalin-
guagem que relembra a conhecida Order of the Stick, o grupo de goblins
decide ignorar as antigas tradições de sua tribo e não só ganhar níveis de
aventureiro, como também pegar os itens que residem no baú, que deveria
servir como o saque dos “verdadeiros aventureiros”. Ao longo da série em
quadrinhos, as coisas vão ficando pesadas, e alguns dos heróis clássicos é que
se revelam os verdadeiros monstros.

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RPG Caracterização

Uma ideia para trabalhar essas questões conflitantes e pontos de vista


diferentes em sua mesa é imaginar a seguinte situação: uma tribo de goblins
rouba há décadas os depósitos de comida da aldeia próxima. A nova regente
dessas terras cansou disso e decidiu exterminá-los, contratando um grupo de
aventureiros para isso. O grupo pode descobrir que originalmente estas terras
eram dos goblins que foram expulsos e tiveram sua tribo quase dizimada.
Agora, em número reduzido, eles são relegados a uma sobrevivência sem pos-
sibilidade de plantio e caça, já que tudo é propriedade da regente. Os roubos
e assaltos são o que mantêm os goblins vivos e com um certo espírito de luta
e de resistência.Isso não faz dos goblins os monstros automáticos. Também
não faz com que a regente e os humanos habitantes sejam os monstros por
eliminação. Tudo depende do ponto de vista de quem se fala. A questão não
é se os goblins possuem um alinhamento de Neutro e Mau, ou se a regente e
seus soldados são Neutros e Bons. A questão é que existe um conflito antigo,
causado por terceiros. A regente, os habitantes de suas terras e os goblins
têm de lidar com tudo isso. Talvez haja paz. Talvez alguns dos goblins nunca
perdoem os humanos. Talvez a regente e seus soldados é que não queiram
criaturas verdes em suas terras. A ideia é que os jogadores lidem com isso, e
com as consequências de suas ações.
Por fim, lembre-se que a sua mesa de jogo deve ser um local seguro
para todos. Se a questão de racismo e/ou xenofobia for pesada para alguém
presente, mestre e jogadores devem dialogar e definir limites, ou até mesmo
alguma safe word — uma palavra segura usada para dar uma pausa na ati-
vidade — para indicar que as coisas estão ficando tensas demais. O sistema
Violentina tem uma forma excelente de tratar desse tipo de situação. Não é
divertido quando alguém está se sentindo mal. Preserve sua mesa, preserve
seus amigos.
Não é fácil ser verde. Não é fácil ter uma aparência diferente, ou mesmo
uma cultura diferente. Mas a complexidade das situações é que pode levar a
novas oportunidades para sua história. Desafie seus jogadores. Desafie os seus
personagens. Não tenha medo de abordar assuntos mais pesados, desde que a
segurança e o bom andamento do jogo sejam mantidos. A sua mesa de RPG
só tem a crescer, assim como o seu grupo!

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POR UM MUNDO DE CAMPANHA


MAIS DIVERSO
Larissa “Ixa” Ferreiro aprendeu a jogar RPG no chat da UOL em meados
de 1999 e começou a mestrar RPGs de mesa em 2005. Gosta de discutir
roteiros, design de personagens e biologia desde tempos imemoriais;
o que a levou a imaginar cenários desde criança. Atualmente trabalha
com o namorado num cenário independente chamado Maeve.

Eu nunca vou esquecer a primeira vez que folheei os livros de D&D


3.5. As diferentes raças humanóides me pareceram todas muito interessantes,
as descrições eram boas e mesmo os humanos do livro eram muito diversos
entre eles; em cores de pele ou em estilo. Me impressionou ter várias mulhe-
res como aventureiras num jogo que era popularmente conhecido por não
atrair o sexo feminino. O Livro dos Monstros tinha várias criaturas estranhís-
simas que eram jogáveis; achei simplesmente fascinante o fato de o jogo me
permitir interpretar um goblin, um kobold ou mesmo um dragão!
Talvez a característica que mais me agrade nos RPGs seja a possibi-
lidade de experimentar a interpretação de pessoas e criaturas tão diferentes
e imaginar como elas pensam, vivem e sentem o mundo. Diferentemente de
apenas escrever, o RPG nos dá a chance de fazer nossa criação interagir com
os personagens dos outros jogadores, além de reagir e sofrer as reações dos
mesmos. O que eu acho enigmático nessa questão é a necessidade (ou pre-
ferência) de criar novos seres totalmente inventados para nos dar o impulso
e o desejo de nos enxergar numa realidade diferente considerando que nosso
mundo já é muito plural, cheio de vivências diferentes.
Gostaria de deixar claro que acho a experiência de criar uma nova raça
para um cenário de RPG muito agradável e interessante, mas o que eu quero
explorar é que muitas vezes esse povo fantástico é uma alegoria do que vemos
no mundo real; é uma maioria opressora, ou são fanáticos religiosos, ou é
uma minoria que não tem seus direitos respeitados, ou é um povo que está
sendo exterminado, etc. Dessa forma, o tornar fantástico é uma espécie de

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RPG Caracterização

análise do real, na qual o criador de tais personagens ressignifica o que vê no


seu cotidiano; a interação entre os personagens durante o jogo se torna uma
conversa entre a visão de mundo dos participantes.
Considere esse exemplo: um jogador deseja fazer um personagem que
seja de um grupo minoritário oprimido. O mestre pode fazer com que o
mundo e seus habitantes se comportem de maneira agressiva contra esse per-
sonagem e isso pode ser um desafio para o jogador, ou isso pode ser frustrante,
irritante e cortar o interesse do mesmo por jogar com algo diferente. De ma-
neira contrária, o mestre pode fazer com que o mundo e seus habitantes não
se importem com o fato do personagem fazer parte de um grupo minoritário
e isso pode agradar o jogador, pois o mundo de fantasia não precisa (e em
muitos gêneros de aventura, nem deve) ser tão preconceituoso e intolerante
quanto o mundo real; no entanto, se o jogador queria o exercício dramático
e os problemas de jogar com aquela característica específica e isso lhe foi
negado, isso irá frustrá-lo.
A melhor maneira de divertir a todos é conversando. Quando alguém
se propõe a fazer um personagem com uma característica que pode ser alvo
de preconceito, o mestre deve perguntar ao jogador como (e se) ele quer ex-
plorar isso. Inclusive alguns sistemas (como o GURPS) possuem sistemática
que representa que o personagem terá problemas por pertencer a um grupo
que sofre preconceito.
Um problema delicado a esse respeito é a questão do humor. Abordan-
do rapidamente o assunto, muito do humor mais simples e fácil se sustenta
em ridicularizar classes de pessoas que já são historicamente mal vistas; é
muito fácil isso se esgueirar para a sua mesa de RPG.
Se um personagem for engraçado somente por fazer parte de uma
minoria e possuir trejeitos característicos da mesma, ou se esse personagem
não tiver nenhuma característica além das que são conectadas com o grupo
do qual faz parte, é importante refletir se tal interpretação não está sendo
preconceituosa. Claro, não existem regras fixas de interpretação no RPG e
ninguém vai te impedir de jogar se de fato houver generalização excessiva; é
mais uma questão de visão de mundo de cada um. Inclusive, tal personagem
pode ter sido criado com boas intenções, mas de alguma forma ter sido redu-
zido a um alívio cômico pela própria atitude dos jogadores.

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Por um mundo de campanha mais diverso

O mestre deve considerar se está estimulando intolerância mesmo que


seja num mundo de fantasia. O RPG é um instrumento que pode exercitar a
empatia e a capacidade de se colocar no lugar do outro, mas pode igualmente
ser um espaço para reafirmação e aceitação de preconceitos dentro de um
grupo. Exemplificando, se todos os personagens de um determinado grupo
que sofre preconceito possuírem comportamentos ridículos ou detestáveis o
mestre está confirmando que aquele grupo é inferior e passando aos seus
amigos jogadores a ideia que desgostar de pessoas do tal grupo é um compor-
tamento natural e aceitável. Cabe a cada um julgar se isso é algo que se quer
passar durante um jogo.
Negar que o RPG pode passar mensagens ruins é negar o potencial
transformador do RPG. Um jogo com pouca interpretação cujo objetivo é
matar monstros dificilmente vai ter muito espaço para cenas que marquem
os participantes e que os façam pensar; no entanto, um jogo focado em in-
terpretação vai obrigatoriamente envolver uma exposição da visão de mundo
das pessoas, principalmente do mestre. O RPG enquanto arte performática
passa mensagens e ideias e o mestre deve ter controle e noção das mesmas.
A intolerância dentro de um mundo de fantasia pode ser uma ótima
fonte de conflito e de desafios para os protagonistas (e inclusive um mundo
mais cruel e intolerante é um pilar central nas histórias do Mundo das Tre-
vas/WoD). É bem comum que RPGs lidem com aventureiros que desafiam
as normas sociais e culturais vigentes em seu mundo; também é bem comum
que esses personagens sejam bastante estranhos para os padrões daquele uni-
verso, por vezes até assustando as pessoas normais. Ora, quem quer ouvir uma
história onde o protagonista é um zé-ninguém que não faz nada para mudar
o mundo à sua volta? Os jogadores gostarem de fazer personagens esquisitos
é um convite para o mestre apresentar-lhes um mundo cheio de regras para
eles quebrarem e bagunçarem a ordem mundial.
De maneira geral, mestres costumam lidar melhor com grupos odiados
na fantasia (como meio-orcs ou vampiros) do que com grupos que são perse-
guidos na vida real (como LGBTs) e inclusive às vezes ocorre uma persegui-
ção a um grupo de fantasia por conta de características que são desgostadas
no mundo real; é muito comum uma mesa não tolerar algo por ser “gay”,
como elfos em fantasia medieval ou o clã Toreador, de Vampiro: a Máscara.

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RPG Caracterização

Por conta disso, eu gostaria de deixar claro que um mundo preconcei-


tuoso é diferente de um mestre preconceituoso ou um cenário preconceituoso.
No primeiro caso, o mundo de jogo encara alguns grupos com desconfiança
ou até mesmo ódio, mas isso não impede que pessoas pertencentes a esses
grupos possam ser heróis ou fazer a diferença. Dessa forma um meio-orc
pode ser um grande paladino e uma mulher pode ser a pirata mais temida
dos sete mares, por mais que ambos tenham sofrido preconceito ao longo de
suas jornadas. O mundo preconceituoso, no entanto, não combina com al-
guns jogos: se é uma história boba e cômica ambientada num mundo utópico
de anime é melhor ignorar um tema pesado como a intolerância.
Por outro lado, se a intolerância vier do mestre, é possível que este
torne muito difícil a vida de um jogador que quer fazer seu personagem de
grupo minoritário ser um protagonista na história. O exemplo mais clássico
disso é o mestre que insiste em criar cenas e situações humilhantes para uma
personagem simplesmente por essa ser mulher. Pode ser divertido a persona-
gem enganar um NPC usando sua sensualidade uma vez, mas se essa for a
única ferramenta de interação com o mundo, vai acabar ficando chato.
A intolerância pode, ainda, vir do cenário utilizado. A forma como o
mundo é descrito, suas sociedades, seus personagens importantes; tudo vai
refletir a visão de mundo dos autores (lembrando que o mundo pode ser in-
tolerante, mas o escritor não; os sinais para diferenciá-los são os mesmos que
se referem ao mestre, acima). Desconfie de cenários nos quais os únicos povos
não brancos são tecnologicamente atrasados, nos quais a única referência de
mundo usada se foca na Europa, nos quais todas as mulheres importantes
são jovens e atraentes e sedução é seu único poder político, nos quais os per-
sonagens importantes e exemplos são todos homens brancos, heterossexuais,
cisgênero, etc. É claro que o mestre pode modificar o cenário para torná-lo
mais inclusivo, mas além disso consumir tempo e esforço, não seria melhor
apoiar escritores que estão ativamente tentando deixar seus mundos mais
diversos, como os do Mundo das Trevas e de Golarion?
Uma falácia muito comumente praticada por pessoas intolerantes é a
falácia do realismo. Se o mundo é medieval fantástico, os participantes deve-
riam saber que os limites do realismo já foram extrapolados há muito tempo,
a história do mundo de jogo contém pouco ou quase nada do medievalismo
europeu. Agora, mesmo supondo que a proposta da história seja ser realis-

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Por um mundo de campanha mais diverso

ta,existem exceções no mundo. E tem uma grande chance dessas exceções


serem exatamente os personagens principais (como dito acima, jogadores
gostam de pessoas estranhas, aventureiros costumam não se encaixar em suas
sociedades de origem). Algumas das melhores histórias do nosso mundo
focam em como uma pessoa que parecia não ter a menor chance de prevalecer
numa determinada situação conseguiu superar os desafios e vencer!
Além disso, hoje se sabe que muitas pessoas de grupos minoritários
foram apagadas de propósito de nossos livros de história, mas que elas esta-
vam lá, sendo agentes de seu próprio tempo. Então, se um jogador quiser ter
o único samurai negro do Japão feudal numa mesa realista, tente pensar com
ele numa maneira plausível dessa pessoa ter ido parar no Japão, será um de-
safio, mas provavelmente uma história que a mesa não vai esquecer tão cedo!
(A título de curiosidade, vale mencionar que de fato houve um samurai negro
chamado Yasuke, que serviu Oda Nobunaga no fim do século XVI.)
Ao criar histórias num mundo de fantasia compartilhada é possível
ousar de infinitas formas, mas algumas variações são mais visíveis que outras.
O mestre não costuma pensar que está reforçando esteriótipos ao fazer um
príncipe contratar os protagonistas para salvar sua amada, ao descrever os
donos do hotel local como pessoas brancas ou ao colocar os habitantes nati-
vos de uma região inexplorada como selvagens com lanças. No entanto, não
seria mais memorável ou intrigante se os heróis fossem chamados para salvar
o amado do príncipe, se o dono do hotel fosse um ex-monge budista ou se a
região inexplorada escondesse um povo misterioso com uma tecnologia su-
peravançada? Essas variantes sozinhas já deixam a história interessante; qual
o impacto social do príncipe ser homossexual? Como um monge budista foi
parar na Itália? O que mais a região inexplorada esconde e o que são aquelas
bolas luminosas de energia flutuando no céu?
Mais de uma vez eu presenciei mesas com proporção de gênero de
NPCs sendo igual ao usado em filmes de Hollywood: três homens pra uma
mulher — sendo todas as mulheres jovens e bonitas. Isso pode inclusive ser
apenas uma repetição do que é visto nas mídias e o mestre pode nunca ter
parado para pensar nessa proporção, mas ele não precisa obedecer a essa regra.
Um truque para aumentar a diversidade na sua mesa é jogar características
de alguns NPCs numa tabela aleatória com gênero, orientação sexual, etnia,

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RPG Caracterização

entre outras coisas. Lembre-se, nem todo mundo precisa ser jovem, branco,
magro, heterossexual, cisgênero, neuronormativo, fisicamente perfeito, etc.
No começo pode ser difícil lidar com personagens que estão fora de
sua zona de conforto e pode gerar estranhamento e piadas por parte dos
jogadores. Mas o mundo ganha uma nova dimensão para drama e fica mais
complexo, o que torna a história do jogo em si mais divertida e multifacetada.
Comece com coisas simples como descrever que sua NPC é uma mulher
madura que já apresenta alguns sinais de velhice em vez da jovem atraente
clássica, ou use uma tabela de nomes não ocidentais e os dê a alguns NPCs
para atiçar a curiosidade dos jogadores.
Considerando elementos, culturas e raças de fantasia, a única limitação
para o mestre é o tempo e esforço que ele tem para se dedicar a criar algo
novo. Uma raça não humana pode nem conseguir diferenciar humanos ho-
mens e humanos mulheres, na verdade eles podem ser seres de energia que
não possuem sexo e por isso nem gênero nem orientação sexual são conceitos
presentes em sua cultura. Um clichê comum em fantasia é todos os seres
de todas as raças acharem mulheres humanas jovens atraentes (e elfas, em
algumas histórias), e sinceramente eu nunca entendi o motivo disso. Como
exemplificado em Holy Avenger, um homem lagarto pode muito bem achar
seios femininos algo nojento.
Ao explorar preconceitos pode ser que nenhuma (ou poucas) das into-
lerâncias do nosso mundo ocorram numa determinada raça de fantasia, mas
que essa tenha preconceitos que soem bobos ou engraçados para nós: um
ferengi de orelhas pequenas será ridicularizado em sua sociedade e o filho de
dois lobisomens será considerado o fruto de um pecado, um orc que adora ler
livros talvez fosse deixado para trás pela sua tribo guerreira. Mas talvez aquela
mesma tribo de orcs não veja problema em casais do mesmo sexo e logo não
há vergonha em ter um filho gay, mas há vergonha em ter um filho que adore
ler e não queira guerrear! As possibilidades são imensas e ideias como essas
podem ser usadas como tema para uma aventura ou para a motivação de
um personagem e vão criar ótimas cenas de estranhamento cultural entre os
participantes.
Agora, vamos a alguns exemplos de temas a ser explorados:

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Por um mundo de campanha mais diverso

Identidade de gênero e anatomia: homem e mulher são construções


sociais muitos mais abrangentes do que macho ou fêmea (por exemplo, usar
azul ou rosa não são características biologicamente humanas) e além disso,
existem pessoas que são intersexo (o termo hermafrodita é considerado
ofensivo) e estão dentro de um grande espectro entre a anatomia ovariana
e a testicular. Um personagem pode se reconhecer como homem, mulher ou
alguma identidade não-binária (nem homem nem mulher) independente de
sua anatomia. Personagens podem ser cisgênero (se reconhecer no gênero que
é associado com sua anatomia), transgênero (se reconhecer no gênero oposto
do que é associado com sua anatomia), ou ainda não se reconhecer em nenhum
gênero, se reconhecer em todos ou se reconhecer em um novo gênero que seja
diferente de homem e mulher.
Orientação sexual: um personagem pode sentir atração sexual
por pessoas do mesmo gênero dele e ser homossexual, por pessoas de
gêneros opostos e ser heterossexual, por ambas e ser bissexual ou por
nenhuma e ser assexual.
Orientação romântica: um personagem pode sentir atração ro-
mântica sem sentir atração sexual, querendo formar um vínculo de rela-
cionamento e namorar outras pessoas mesmo sendo assexual. Se chama
demissexual a pessoa que apenas sente vontade de ter relações sexuais
com pessoas com quem tem intimidade. Da mesma forma, um persona-
gem pode ser arromântico e não querer participar de relacionamentou
duradouros, mas ser sexualmente ativo.
Etnia: um personagem pode ser de qualquer etnia existente no
mundo do jogo e seu jogador não deve ser desrespeitado por escolher
uma etnia minoritária caso o faça. Tratar problemas sobre racismo no
RPG pode ser muito interessante, desde de que haja respeito e as pes-
soas sejam maduras sobre o assunto. O mestre deve lembrar que, ao
contrário do que a maioria das ilustrações dos jogos mostra, os heróis
não precisam ser sempre brancos.
Idade: da mesma forma que em etnia, é possível explorar idades
incomuns dentro do jogo e criar personagens e NPCs mais velhos, é
especialmente raro ver mulheres mais velhas que não sejam bruxas ou
similares nas histórias.

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RPG Caracterização

Porte físico: os heróis não precisam ser altos, magros, bonitos


e perfeitos. Normalmente personagens “feios” (fora dos padrões) cos-
tumam ser vilões, mas a mesa pode explorar outras opções. Criar um
personagem que seja fisicamente diferente do que o que os jogadores
esperam pode ser bem divertido, mas o mestre deve ser coeso e cons-
tante com características inesperadas ou os jogadores podem não conse-
guir associar a característica com o personagem. Atributos que medem
impacto da aparência podem ser ampliados para ir além do comum
(sexualmente atraente), o atributo pode significar que o personagem é
imponente e respeitável ou que parece indefeso e por isso simpático e
confiável.
Deficiências físicas: personagens deficientes costumam ser víti-
mas indefesas ou vilões, muito mais quando tal deficiência altera o corpo
de forma que as pessoas passam a ver a pessoa como feia ou assustadora.
Como mencionado anteriormente no texto, os protagonistas não cos-
tumam ser pessoas que se encaixam na sociedade, logo um personagem
visto como um monstro é um bom candidato para ser um aventureiro.
Neuronormatidade: existem muitas variações mentais que
podem criar personagens ou NPCs intrigantes e memoráveis como
Asperger e outros graus de autismo, trissomia do 21 (down), hipera-
tividade, bipolaridade, depressão, esquizofrenia, ansiedade, transtorno
obsessivo-compulsivo etc. O mestre deve tomar cuidado ao retratar
pessoas portadoras dessas variações e manter o respeito, mas pode ser
muito interessante para a narrativa sair dos clichês comuns e criar um
personagem com esquizofrenia que ajude os heróis, por exemplo.
Necessidade de drogas: o vício ou a necessidade de drogas ou de
medicamentos pode ser um tema interessante. Devemos considerar que
alguns remédios viciam, que o uso de remédios pode ser visto como uma
fraqueza pela sociedade (e a pessoa que necessita desses cuidados pode
ser ostracizada) e que o abuso de alguns medicamentos pode facilmente
equipará-los a drogas ilegais. Por outro lado se o personagem usar dro-
gas ilícitas o sofrimento causado pelo vício e pela tentativa de largar a
substância pode criar boas cenas dramáticas num RPG.
Se as pessoas quiserem explorar esses temas em jogo, o mestre e os jo-
gadores envolvidos devem procurar ler textos que problematizem e discutam

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Por um mundo de campanha mais diverso

as diferentes nuances do preconceito em nossa sociedade, como a coletânea


do RPG Caracterização.
Para se aprofundar ainda mais sobre o assunto é sempre bom procurar
artigos escritos por pessoas que passam ou passaram pelas situações que serão
abordadas na narrativa. Essa atitude dá voz e humaniza as pessoas dessas
minorias e também diminui a chance da história ficar simplista e preconcei-
tuosa.

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RPG Caracterização

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INTERPRETANDO
PERSONAGENS NO RPG
Vinicius Alvim é um conhecido conjurador de muralhas de texto.
Entusiasta de jogos e mestre de RPG desde tempos remotos de
sua adolescência, esse velho tirano ocular ronda pelos fóruns de
RPG ameaçando aventureiros incautos. Hoje, ele tem um covil no
NerdUp, de onde planeja dominar o mundo.

O RPG é um jogo com diversas características praticamente exclusivas


no seu campo. Desde sua popularização, diversos de seus conceitos se espa-
lharam por diversos ramos do design de jogos — tanto de tabuleiro quanto
eletrônicos.
Uma das características tidas como centrais para o RPG é justamente
a interpretação de personagens — a criação e interpretação de personagens é
uma faceta essencial da maior parte dos RPGs que conhecemos e, para mui-
tos, a parte mais importante do jogo, que o diferencia de tantos outros jogos.
De fato, é comum ver gente equiparando “interpretação” no RPG com
“interação social entre personagens”, ou mesmo alimentar a velha ideia de
que otimização mecânica dos personagens de RPG exclui a possibilidade de
interpretação de tais personagens (e vice-versa). Esta última é tão recorrente
na comunidade que ganhou até nomenclatura própria — a “Falácia de Stor-
mwind”.
O debate de mecânicas (e de otimização) é bem constante na comu-
nidade. A ideia deste artigo é trazer alguns elementos para debate no campo
da interpretação, e ajudar jogadores e mestres a aprimorar esse aspecto em
seus jogos.
É importante frisar que focar nos aspectos imersivos no seu RPG não
o torna objetivamente melhor que um grupo que não foque nestes elementos.
O interessante do RPG é justamente que ele abre espaço para múltiplas
abordagens, e nenhuma delas é “melhor” que a outra num sentido objetivo.

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RPG Caracterização

Há o que é melhor para um grupo, e se o seu grupo quer priorizar os aspectos


narrativos no jogo, este artigo (e esse livro) poderá ser bem interessantes.

O que é interpretação?
É importante definir o que significa “interpretação” dentro de um
RPG. Interpretar um personagem significa entender a identidade de tal
personagem e agir como tal indivíduo faria. Logo, o fundamental é pensar
primeiro nessa identidade do personagem. Ações que estejam de acordo com
a ela geram coerência narrativa e fortalecem a verossimilhança desse perso-
nagem, enquanto ações incoerentes com a identidade dele tendem a gerar
efeito oposto.
Sabe quando você vê um filme ou lê um livro e diz: “Nossa, mas esse
personagem jamais faria isso”? Isso acontece porque, para sua percepção,
aquele personagem tomou uma decisão incoerente com a personalidade que
o autor lhe levou a identificar. Por vezes, essa decisão incoerente pode ser um
erro do autor; uma falta de domínio da identidade de seu personagem. Outras
vezes, existe uma justificativa narrativa posterior para tal ação: o autor pode
revelar algo no passado do personagem que justifica a ação, o personagem que
tomou a decisão pode ser um impostor, pode haver algum tipo de influência
sobre o personagem, etc.
Para que o elemento narrativo do RPG seja forte, o interessante é que
os personagens da história (tanto os dos jogadores quanto os NPCs) possuam
coerência narrativa (além de dezenas de outros fatores narrativos, claro, mas
estamos focando na interpretação aqui).
No teatro ou no cinema, consideramos “bom ator” quando um indi-
víduo consegue interpretar adequadamente a identidade de um personagem
que nos foi apresentada. Há ali um misto da habilidade física do ator de
manifestar as expressões e sentimentos daquela identidade proposta quanto
também o trabalho dos escritores e roteiristas que definiram as falas e ações
daquele personagem. No jogo de RPG, mestres e jogadores interessados numa
narrativa coerente e coesa devem buscar criar e interpretar seus personagens
como bons atores e roteiristas, e claro, há características únicas ao RPG que
trazem desafios diferentes para aqueles que querem criar bons personagens.

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Interpretando personagens no RPG

Criando os personagens
Por conta de suas características, há um bocado de peculiaridades para
a interpretação de personagens dentro de uma sessão de RPG. Existe uma
jogabilidade clássica e tradicional proposta na maioria dos RPGs, e essa dinâ-
mica interfere diretamente em como pensamos e agimos com os nossos per-
sonagens. Vale lembrar também que a coerência narrativa ou a interpretação
de personagens no RPG são dois dos elementos que estão mais independen-
tes do sistema. Evidentemente, as regras interferem com todos os aspectos do
jogo, mas na esmagadora maioria dos RPGs, a criação de personagens coesos
e coerentes dificilmente é impedida ou restrita pelas mecânicas do sistema —
dos sistemas mais “gamistas” aos mais “narrativistas”, há pouquíssima coisa
que poderia lhe impedir de criar uma história coerente enquanto mestre ou
narrador de jogo, ou de interpretar uma identidade coerentemente enquanto
jogador. Logo, a discussão feita neste artigo é largamente independente do
sistema de RPG sendo utilizado — embora foque nos estilos de jogo mais
tradicionais inaugurados na aurora do hobby e menos em propostas vanguar-
distas contemporâneas.
Comecemos pela questão de criação dos personagens. Na maioria dos
RPGs, há dois modos de criação de personagens — há aquele proposto para
os mestres e narradores do jogo e aquele proposto para os jogadores. Mesmo
nos sistemas que as mecânicas utilizadas para a criação de personagens sejam
as mesmas, o objetivo final para essas duas categoria será, invariavelmente,
diferente. Os jogadores geralmente criam personagens para si, para interpre-
tação própria, que funcionarão como avatares dos jogadores dentro daquele
universo de jogo. Já os mestres criam e interpretam múltiplos personagens,
com intenção de criar, guiar e moldar a narrativa maior de uma sessão ou
campanha. Enquanto os personagens dos jogadores são geralmente vistos
como seus representantes no mundo de jogo, os do mestre são criados como
ilustração do universo de jogo.
Existem duas correntes de pensamento na criação de personagens de
jogadores. Alguns jogadores que apreciam os paradigmas mais clássicos no
RPG preferem que os personagens criados no jogo sejam como tabula rasa,
de identidade largamente neutra ou inexistente, e que será desenvolvida ao
longo do jogo. Jogadores mais contemporâneos estarão mais familiarizados
com outro paradigma, que urge os jogadores a criar um passado para o per-

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RPG Caracterização

sonagem, antecedentes que ajudam a definir quem este personagem foi antes
da campanha de jogo começar.
Ambos os métodos têm seus prós e contras, e nada impede que joga-
dores diferentes utilizem métodos diferentes na mesma mesa. É importante
notar também que em ambos os métodos, o personagem irá se desenvolver
ao longo do jogo — isto é, ações e decisões ao longo das partidas irão moldar
e (re)definir aquele personagem, não importa o quanto ele já estava definido
em seu estado inicial.
No método de tabula rasa, o jogador não descreve o passado do perso-
nagem em grandes detalhes, ou possui um antecedente simples, que não nos
diz muito sobre personagem. Criar um parágrafo dizendo que seu persona-
gem foi um fazendeiro de uma vila pacata que resolveu pegar uma espada e
um escudo e sair para “explorar o mundo” não nos diz muita coisa sobre esse
personagem. Fala-se pouco das motivações e interesses do mesmo, deixan-
do margem para que a narrativa ao longo do jogo crie uma identidade para
este personagem. É um método interessante para ser usado em sistemas mais
letais (onde aquele background de dez páginas pode vir a se descartado em
dez minutos de partida...), ou quando o jogador tiver pouquíssimas noções
do cenário de jogo sendo utilizado pelo mestre. Tende também a ser mais
fácil para iniciantes (que podem não estar acostumados a criar narrativas) e
permite uma grande flexibilidade no desenvolvimento do personagem (já que
você não estabeleceu nenhuma identidade anterior).
Já no outro método, espera-se que o jogador crie uma pequena narrati-
va pregressa para seu personagem. Por vezes, os sistemas apresentam elemen-
tos de jogabilidade direta aqui — seja com uma “sessão de antecedente”, seja
com tabelas e rolagens que ajudem a definir a personalidade e os interesses de
seu personagem. O ideal é que esta narrativa anterior situe seu personagem
dentro do cenário de jogo, estabeleça uma identidade para o mesmo e deixe
pontas o suficiente para que o mestre possa trabalhar sua história numa nar-
rativa maior. Logo, usando o mesmo exemplo do parágrafo acima, se em vez
de escrever um parágrafo sobre seu personagem, você descrever melhor como
e porque ele abandonou sua vida de fazendeiro para se tornar um aventureiro,
você pode ser capaz de estabelecer pontos de narrativas que já irão lhe ajudar
a interpretar seu personagem. Usando um clichê do jogo: se na história acima
o personagem for o único fazendeiro que sobreviveu a um ataque de orcs

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Interpretando personagens no RPG

liderado por um misterioso indivíduo encapuzado, e que decide abandonar as


ruínas de sua vila após catar uma velha armadura e espada de um dos guardas
da cidade para procurar pelo bando que destruiu sua vida, você diz muito
mais sobre o personagem e já estabelece alguns conceitos sobre o mesmo.
Você sabe que ele saiu de sua vila motivado por vingança, sabe que sua vida
pregressa lhe foi tomada pela ação de humanóides bárbaros, e deu ao mestre
uma proposta narrativa que pode ser trabalhada: por que esses orcs atacaram
a vila? Quem era o indivíduo encapuzado? Há uma inserção narrativa bem
maior, e já há guias para ajudar o jogador a interpretar seu personagem.
De muitas maneiras, é essa criação da identidade do personagem que
é essencial à interpretação. Só pode haver interpretação se houver algo a ser
interpretado. Mais relevante, como na maior parte dos jogos de RPG a pro-
posta é de que os jogadores tomem decisões por seus personagens, mesmo se
esses jogadores não tiverem intenção, eles criarão uma identidade para seus
personagens na medida em que interagem com a narrativa. Claro, essa iden-
tidade pode ser incoerente e mutante caso os jogadores não estejam cientes
da identidade de seus personagens, e o interesse aqui é ajudar jogadores e
mestres a criar identidades coerentes para serem interpretadas.

Coerência narrativa e metajogo


Independente da maneira como você criou seu personagem, é na hora
do jogo, com as decisões tomadas ao longo da narrativa, que você estará, de
fato, interpretando esse indivíduo e, com isso, desenvolvendo uma identidade
para ele.
É interessante notar aqui o quão comum é a idéia de que a inter-
pretação dos personagens só ocorre nas interações sociais dentro do jogo.
Cotidianamente você verá nas discussões do hobby jogadores defendendo a
“profundidade narrativa” de seus personagens/histórias demonstrando o quão
“falante” são seus personagens. Associa-se interpretação às conversas que um
jogador realiza com seu personagem. E, claro, a interpretação é muito mais
que isso. Mesmo que a interação “social” dentro do cenário seja importan-
te para definir a identidade do personagem, ela está longe de ser o único
momento em que jogadores interpretam seus personagens. Toda e qualquer
ação e descrição do personagem geram identidade para o mesmo e, logo, são

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RPG Caracterização

passíveis de serem vistas pela ótica da interpretação de tal identidade por


parte do jogador. De fato, se você cria um bardo “falante” e “mulherengo” e seu
companheiro de mesa cria um anão “brigão” e “soturno”, não importa o quão
“mais social” o seu personagem bardo seja, se você optar por “esquecer” seu
traço mulherengo toda vez que ele for lhe causar algum “problema de jogo”
e o anão “brigão” entrar em briga mesmo quando isso for um problema para
ele, então o jogador do anão provavelmente está interpretando melhor seu
personagem que você!
Há um elemento do RPG que tende a influenciar muito a interpreta-
ção do RPG, e que passa pela esfera do metajogo, e é algo que é interessante
de se ter ciência na hora de desenvolver os personagens.
Em primeiro lugar, o metajogo não é, em si, nocivo ou contrário à
interpretação ou à coerência narrativa. Na verdade, a menos que você conse-
guisse apagar da mente do jogador a idéia de que ele é um indivíduo inter-
pretando um personagem num mundo fictício, o metajogo sempre irá existir.
Ele é inclusive, fundamental para que a mesa de jogo funcione bem fora do
escopo “in universe”. Todos ali reunidos são jogadores tentando se divertir,
e é bom que isso fique sempre claro para todos que estão participando, não
importa o quão imersiva eles querem fazer com que sua história seja.
Tendo dito isso, na maioria dos RPGs mais tradicionais, há um forte
incentivo de ver a história de jogo como um desafio e essa mentalidade irá
interferir diretamente em como um jogador lida com essa narrativa. Só jogos
muito recentes tentam incutir no jogador uma mentalidade de “narrativa
partilhada”, ou que os personagens dos jogadores, em si, são meras peças de
algo maior. Na esmagadora maioria dos RPGs, como Dungeons & Dragons,
GURPS, World of Darkness, Mutants & Masterminds, Savage Worlds, pro-
põe-se que os jogadores interpretem personagens numa narrativa de ação que
os desafia. O termo aventura é bem comum a vários desses RPGs.
Logo, dentro dessa perspectiva, é muito fácil ver a superação desses
desafios como o objetivo final do jogo, e é possível deixar a criação de uma
identidade coerente e a interpretação dessa identidade de lado em prol desse
objetivo maior.
Quando o mestre de jogo propõe aos jogadores uma história tipica-
mente agonística em que os jogadores protagonizam personagens heróicos

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Interpretando personagens no RPG

que devem se opor aos planos de um vilão antagonista, é fácil para os jo-
gadores verem o jogo apenas como um conjunto de regras que permita o
desenrolar das ações necessárias para que esses heróis acabem com o vilão.
Essa é uma perspectiva inteiramente válida para se jogar RPG, mas
tende a gerar uma narrativa menos elaborada do que uma que coloque a expe-
riência narrativa numa posição maior que a superação de desafios. E, embora
o sistema possa ajudar a priorizar essa experiência narrativa, é o mestre quem
deve criar e possibilitar esta exploração da narrativa, e os jogadores que devem
criar personagens pensando em mais elementos do que a mera “superação
dos desafios da aventura”. E, claro, nada impede de que o seu personagem
com uma identidade interessante seja também um personagem eficiente em
superar desafios — e os melhores sistemas de RPG para este tipo de jogo são
aqueles que permitem que a maior gama possível de arquétipos de persona-
gem seja eficiente na superação de obstáculos.
Ações e decisões dos personagens que não sejam diretamente liga-
das à superação de desafios tendem a providenciar maior verossimilhança
e imersão narrativa do que aquelas que estão primariamente voltadas para
superação de obstáculos. Durante uma campanha, ações e decisões de ambos
os tipos devem ocorrer para termos um bom andamento do jogo, mas embora
raramente esqueçamo-nos de tomar atitudes que sejam vantajosas à pers-
pectiva dos desafios, comumente nos esquecemos das ações que aprofundam
a personalidade do personagem, mas são irrelevantes para os aspectos mais
agonísticos do RPG.

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RPG Caracterização

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BACKGROUND DE PERSONAGENS:
DIVERSÃO E TÉCNICA
Eva Morissey é apaixonada pela narrativa acima de qualquer coisa.
Gosta de conflitos, de drama e de suspense, mas não dispensa pilhar
uma masmorra. Responsável pelo Livro dos Espelhos.

Eu sei que a ideia de propostas para a construção de backgrounds para


personagens de RPG é antiga. Tão antiga que me lembro de ler algo rela-
cionado a isso na época pré-internet, quando as notícias eram trocadas no
boca-a-boca e pela revista voltada ao nosso hobby. Era uma época totalmente
diferente, mas ainda hoje, eventualmente, vejo algum blog pelo qual tenho
apreço publicar listas de perguntas e ideias para ajudar jogadores aflitos.
Mesmo os livros básicos de jogos de RPG muitas vezes dedicam bastante
espaço para ajudar os jogadores a construir personagens coerentes, não só
do ponto de vista das regras, mas sobretudo do ponto de vista da coerência
do background da personagem em relação ao mundo fantástico em que o
jogador passará a jogar. E dado que as dicas e muitas ideias repetitivas con-
tinuam a ser uma realidade, me pareceu uma ótima escolha escrever sobre o
assunto, não como teórica ou qualquer coisa do gênero, mas como jogadora
e Mestre de RPG experiente, para contribuir com uma perspectiva diferente
na discussão deste assunto que definitivamente não está encerrado, e duvido
que um dia esteja.
Para quem está chegando agora no hobby, primeiro, seja bem-vindo!
Segundo, background é como, a grosso modo, chamamos a história de cada
personagem, tudo aquilo que aconteceu com ele antes que a primeira aventu-
ra começasse. Afinal, se sua personagem não é um bebê recém-nascido, coisas
terão acontecido em sua vida antes que encontrasse o grupo — e mesmo re-
cém-nascidos possuem uma história familiar e começam a apresentar traços
individuais conforme se desenvolvem. Em algum momento você também
verá background ser chamado de história, histórico ou mesmo antecedente
(embora antecedente possa ter outros significados a depender do sistema).

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RPG Caracterização

Desde que me propus a escrever o presente artigo, a maior dificuldade


tem sido organizar, de forma coerente, o meu processo de criação de persona-
gem. Sou uma defensora ardorosa da importância da narrativa, e certamente
o background de personagens é um dos pilares de sustentação de uma história
bem contada. Não tenho, porém, a pretensão de escrever um longo tratado,
nem mesmo de escrever um textão tão hermeticamente fechado que, no lugar
de levantar interesse, acabe matando você de tédio. Trata-se, acima de tudo,
de um ensaio, uma tentativa de compartilhar os caminhos que minha mente
percorre quando estou criando minhas próprias personagens, e que desen-
volvi nestas mais de duas décadas de RPG. Não estou lançando uma teoria
sobre jogo, estou me divertido e revelando minha paixão cada vez maior pelo
nosso hobby.

A inspiração
Minhas personagens nascem, antes de tudo, de inspirações. Parafra-
seando Kundera, personagens não nascem como seres vivos, de uma mãe, não
surgem de um corpo materno, mas sim de uma situação, de uma frase, uma
metáfora que contém em si uma possibilidade fundamental humana e que,
por algum motivo, alguém ainda não descobriu ou explorou.
Com isso eu quero dizer que está tudo bem jogar com personagens
considerados clichês. Embora por um lado eu defenda originalidade, por
outro, será que tudo já foi descoberto, explorado ou dito sobre o clichê do elfo
arqueiro? Ninguém mais poderia encontrar novas possibilidades para a ra-
inha feiticeira? Todas as possibilidades de tais metáforas já foram exploradas?
Mais do que isso, você já explorou, pessoalmente, todas as possibilidades dos
clichês que lhe são caros?
Mas também quero perguntar se você já criou os seus próprios clichês,
as suas próprias lendas. Afinal, não é esse um dos motivos pelos quais joga-
mos RPG? E quanto a misturar os clichês? E satirizar? E criar algo totalmen-
te novo que talvez seja a próxima história que fará sua mesa sonhar junto, a
imaginação a mil enquanto você declara aquela ação que dirá tudo o que pre-
cisa ser dito naquela história? Como deu para perceber, as possibilidades são
infinitas, trabalhemos com clichês ou não, consideremos arquétipos ou não.

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Background de personagens: diversão e técnica

Não importa, no fim, de onde surge a sua inspiração. Sua personagem


pode surgir de uma música, de um desenho animado, de uma pessoa que você
encontrou por acaso na rua e nunca mais voltará a ver — ou uma mistura de
tudo isso e muito mais. Até hoje, às vezes eu ainda vislumbro no metrô uma
pessoa, com quem jamais falei e que inspirou um dos personagens com que
mais gostei de jogar, e que nasceu de um encontro totalmente ao acaso no
lotado metrô paulistano. No fim, é o background que vai nortear as primeiras
experiências da sua personagem e dará um sabor único à sua interpretação.
Por isso a importância da coerência.

A técnica
Minha técnica será aqui chamada de técnica de coerência (naquilo que
eu entendo como coerência), é totalmente pessoal e espero que sirva para
mais pessoas. Ela se divide em duas metades: uma que chamo de intrínseca
e, a outra, de extrínseca. É, eu sei que os nomes são bastante esquisitos, mas
caso você descubra que minha técnica lhe cai bem, pode encontrar uma ferra-
menta altamente intuitiva, flexível e que estimula suas ideias, no lugar de dar
apenas uma receita de bolo acabada e imutável. Compartilhando essa técnica,
espero poder colocar em suas mãos não só mais uma ferramenta, mas uma
nova proposta e possibilidade de pensamento sobre o RPG e personagens de
RPG para colaborar para que seus jogos sejam cada vez mais ricos, com ex-
periências únicas e dignas de ser compartilhadas com aquele brilho nos olhos
que temos a cada vez que explicamos o que é RPG para um novo jogador.
Enquanto mantivermos esse brilho no olhar, o RPG continuará muito vivo.
Para tornar as coisas mais claras durante o ensaio, tomei o protagonista
da série Harry Potter como exemplo, para ilustrar o que estou tentando dizer
sem deixar as coisas no ar de modo muito vago.

O intrínseco
A metade a que chamei de intrínseca poderia também ser chamada de
psíquico-comportamental ou, ainda, subjetiva. Sendo curta e grossa, é a me-
tade que diz respeito ao comportamento, sonhos e aspirações das personagens
de RPG, bem como suas peculiaridades e quaisquer outros traços distintivos

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RPG Caracterização

que digam respeito ao mundo interno da personagem. Por exemplo, poderia


dizer que Harry Potter é alguém impulsivo, carente e louco para ter amigos
e pessoas com quem se importar (e que se importem com ele). Também po-
deria dizer que ele é um prodigioso apanhador no quadribol. Vejam que, com
poucas palavras, traçou-se a base do comportamento, personalidade e modo
de pensar e agir do Harry, e que muito da peculiar aventura que ele vive ao
longo da série se desenrola justamente por causa desses traços. É o que está
abaixo de tudo, lá no fundo, que vai dar suporte à forma de pensar e agir da
personagem e manter suas decisões.
Aqui, você vai pegar o que inspirou sua personagem e passar a dar
alma. Que a Gloria Walker, uma das minhas personagens, goste muito de dias
chuvosos por serem inspiradores para o estudo em grandes e velhos tomos
antigos é um traço intrínseco. Que o Dr. Howitzer, o personagem de um
grande amigo, goste de emoções fortes e encontre nelas a inspiração para
sua ciência maluca também é um traço intrínseco. Perceba que aqui pode-se
colocar qualquer coisa que diga respeito unicamente ao mundo interno da
personagem, independente de suas causas ou motivos.
Quando delimitamos os principais traços intrínsecos às nossas per-
sonagens, estamos deixando explícito o motivo dela tomar certas decisões
que, por mais sem noção que possam parecer, ainda assim garantirão que a
coerência daquilo que criamos se mantenha, garantindo nossa diversão e a
do restante da mesa — afinal, uma mesa de RPG pressupõe que o Mestre
conhece o background, certo?

O extrínseco
A outra metade é o que chamarei aqui de extrínseca, material-cultural
ou, ainda, objetiva. Enquanto os traços que são intrínsecos dizem respeito à
personagem e ao que faz parte inexorável e indivisivelmente do indivíduo,
uma vez que está dentro dele, aquilo que é extrínseco se realiza na materiali-
dade, isto é, no mundo objetivo em que existe aquela personagem.
Voltando ao exemplo de Harry Potter podemos identificar que, como
traços extrínsecos de seu background, o pai e a mãe do Harry se sacrificaram
para que ele vivesse. Também podemos dizer, concretamente, que seu inimigo
tentou matá-lo e não conseguiu, embora ninguém saiba o motivo (lembre-se

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Background de personagens: diversão e técnica

de que estamos falando de background, ou seja, o que aconteceu antes da


história começar), e por conta disso ele se tornou famoso.
Também posso dizer que o Leon, personagem de jogador da minha
mesa, é órfão e vive uma vida de rotina espartana de treinamento, e que isso o
torna um guerreiro muito capaz, assim como a Dra. Hamatsu, vista como vilã
por muitos (e é mesmo uma vilã da mesa, do ponto de vista dos jogadores),
vive sendo atacada por impertinentes com complexo de salvadores da pátria.
Aqui você pode colocar absolutamente qualquer coisa que não neces-
sariamente dependa da personagem. Sejam inimigos que muitas vezes nem
se sabe que tem, seja uma grande tragédia, a fama que a personagem carrega,
título, qualquer coisa que dependa da realidade ou de outras pessoas para que
se concretize, todos cabem bem aqui.

A interação entre o subjetivo e o objetivo


Apesar de ter dividido a coerência na construção de personagens de
RPG em duas metades, é importante salientar que uma não assume primazia
sobre a outra, estão tão intimamente ligadas que pode se tornar difícil separar
o que é intrínseco do que é extrínseco.
Assim como seres humanos reais são, por essência tanto aquilo que
sabem, o que acreditam e o que sonham quanto de onde vieram, onde estão
e para onde se encaminham se nada alterar suas rotas, personagens de RPG
coerentes precisam, satisfatoriamente, preencher os requisitos tanto da ordem
do subjetivo quanto da ordem do objetivo para que alcancem a verossimi-
lhança que os tornará, finalmente, mais do que um amontoado de regras
em uma planilha. Precisa haver não só uma ligação entre a personagem e
o mundo em que ela estará inserida como entre o que é interno e o que é
externo à personagem.
Assim, Harry Potter tem uma carência absurda de amigos, de contato
humano porque, privado dos pais, foi criado pelos tios, que o privaram de
amor, de carinho, e em companhia do primo que infernizou tanto a vida
do garoto que ele nunca teve amigos até o ponto em que a história começa.

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RPG Caracterização

Apesar disso, não precisa haver necessariamente justificativa para cada


um dos traços de personagens de RPG. Aquela ladina gostar de danças cam-
ponesas pode se ligar ao fato muito concreto de que ela nasceu em uma fa-
mília plebeia que trabalhava no campo, mas ela gostar de torta de caramelo e
a barda mais famosa da vila ser secretamente apaixonada por ela podem ser,
apenas, peculiaridades que não se relacionam a nada, assim como nós temos
gostos, preferências e causos que não estão causalmente ligados a nada, mas
que fazem parte de tudo aquilo que entendemos como eu.

A simbiose perfeita
É importante salientar que, com isso, não quero dizer que você precisa
escrever sete livros e gravar oito filmes para que suas personagens de RPG
passem a apresentar coerência. Muitas vezes, um parágrafo que faça sentido
lógico apresenta mais informações relevantes do que um romance gigantesco,
e um background organizado em tópicos concisos e diretos pode enriquecer
mais a personagem (e o grupo de jogo) do que um épico longuíssimo cheio de
nomes, fatos e datas que acabarão esquecidos pelo próprio jogador.
Também gostaria de chamar a atenção para o fato de que a sua per-
sonagem é uma das protagonistas da mesa, e da mesma forma que temos o
que é subjetivo interagindo com o que é objetivo em uma relação de simbiose
perfeita, assim também temos o mundo onde o jogo se desenrola, que chama-
mos de cenário, interagindo eternamente com o background das personagens,
muitas vezes com mediação das regras do sistema. Se algo alterar ou desequi-
librar tal relação (como quando se tenta conseguir vantagens absurdas, pode-
res cósmicos e fenomenais e/ou algum tipo de privilégio imerecido), toda a
coerência do próprio cenário se desagrega, acabando com a verossimilhança
e prejudicando a ilusão ficcional em que mergulhamos quando topamos jogar
com a galera. Pense bem na responsabilidade que você também tem, enquan-
to jogador, quando desenvolve o background da sua personagem, em relação
à diversão do resto do grupo que, afinal, é composto dos nossos amigos (ou de
pessoas com quem acabaremos fazendo amizade). Às vezes realmente preci-
samos pensar no bem maior.

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TRANSMUTAÇÃO DE ATRIBUTOS
OU COMO TRANSFORMAR
NÚMEROS EM HISTÓRIA
E CARACTERIZAÇÃO?

Leandro Pugliesi mestra desde 1992. Já narrou quase todo sistema pos-
sível, mas atualmente tem um carinho especial por Pathfinder. Sua tara
é narrar campanhas épicas e testar sistemas novos. Ele começou o RPG
Notícias em meados de 2008, inicialmente para traduzir as novidades da
quarta edição de D&D. Depois de quase 30 mil fãs e muitas parceiras, o
blog cresceu e se expandiu o bastante para tentarmos uma iniciativa dessas. Quan-
do não está rolando dados, ele vê séries, cozinha, estuda astrofísica, escreve contos
e joga JRPG sem parar. Ele pretende aprender ikebana.

Carisma não representa a atratividade física do personagem. Tem gente


feia legal assim como tem gente linda insuportável.
Essa é a frase que mais uso quando estou explicando os atributos, seja
em D&D ou em Pathfinder, para quebrar logo um vício que vi surgir há
muito tempo. Notei que existiam muitas verdades para cada um dos atributos
desses jogos e por consequência em outros também.
Este artigo não tem nenhuma intenção de ajudar você a otimizarem seus
personagens, para isso sobram dicas na internet. Aqui eu irei explorar como
transformar seus atributos em algo a mais e como fazer eles encaixarem no
histórico do seu personagem.
Convido vocês a entrarem em algumas ideias que eu já usei em mesa
e outras que lanço aqui pela primeira vez para fazer com que os atributos de
seus personagens sejam muito mais que apenas bônus e penalidades. Topam se
aventurar comigo?

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RPG Caracterização

O que são Atributos?


Sei que choverei no molhado para muita gente, mas acho válido dar-
mos uma revisada no básico.
Atributos são estatísticas, normalmente numéricas, que representam
traços físicos e mentais de seu personagem. Normalmente eles definem os
bônus e as penalidades iniciais a partir dos quais toda a sua ficha será mon-
tada.
Cada sistema de RPG tem seu conjunto de atributos próprios, alguns
fugindo do conceito de representação física e mental (como em UED). Exis-
tem até sistemas nos quais atributos não existem ou não tenham formato
numérico (que é o caso em Fate). O importante é que os atributos normal-
mente constituem a base de seu personagem. Que tal brincarmos um pouco
com isso?

Capítulo do Fogo – Iluminando Conceitos


Uma das primeiras coisas que temos que pensar ao bolar um persona-
gem é em traduzir o que cada atributo quer dizer. Como exemplo eu usarei
uma lista de atributos do mais clássico dos jogos, Dungeons and Dragons
(usado em um monte de outros jogos, como Pathfinder RPG, por exemplo).
Confio que poderão fazer o mesmo exercício em qualquer sistema que usa
atributos.

Força: Representa seus músculos e força física.


• Destreza: Representa sua coordenação, agilidade, refle-
xos e equilíbrio.
• Constituição: Representa sua saúde física e resistência.
• Inteligência: Representa o quão bem o seu personagem
aprende coisas e raciocina.
• Sabedoria: Representa força de vontade, bom senso,
percepção e intuição.

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• Carisma: Representa sua força de personalidade, per-


suasão magnetismo pessoal, habilidade de liderança e atratividade
física.
A primeira coisa a ser feita é analisar a explicação de cada um, observar
como eles afetam sua ficha e como interpretar cada um desses atributos de
forma narrativa.
Nos próximos capítulos irei mostrar algumas ideias de como usar os
atributos (altos e baixos) de forma narrativa e até algumas sugestões de como
interpretar cada um deles de forma diferente, mas por enquanto vamos focar
em diluir as informações de cada um.

Capítulo da Água – Diluindo Atributos

Força
Força física simples e plenamente. Se você é muito forte, vale pensar
e lembrar que provavelmente o seu personagem treina muito, direta ou in-
diretamente (ele pode ter treinamento marcial ou ser um clássico estivador,
por exemplo). Em contrapartida, caso tenha esse valor baixo ele não costuma
fazer exercícios por algum motivo (Preguiça? Doença? Arrogância?) e pode
mostrar que acaba dependendo de outros para tarefas físicas (o que pode ser a
explicação dele ser fraco de início, talvez como um nobre mimado).
É interessante pensar no que esse atributo define no histórico do seu
personagem. O que fez ele começar a treinar? Por que ele não tem interesse
em ser mais forte? Como ele encara pessoas mais fortes e mais fracas que ele?
Responda essas e outras perguntas e logo irá perceber que cada atributo con-
tará algo sobre seu personagem que você nem mesmo tinha imaginado antes.

Destreza
Como na Força, Destreza representa muito treino, talvez até mais do
que Força no caso de um valor alto. O treino poderia vir de necessidade, de
um passado como gatuno nas ruas ou de treino num monastério. O mais inte-

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RPG Caracterização

ressante seria o que um atributo alto ou baixo representaria na personalidade


do seu personagem.
Se for alta, seu personagem provavelmente preza pela liberdade de
poder fazer o que quiser e pode até indicar que ele seja impulsivo (o que será
visto nos atributos mentais, mas pode acabar ligando um no outro) já que ele
adora agir e se movimentar. Uma Destreza baixa pode simplesmente mostrar
que seu personagem estudou ou cresceu em um ambiente confinado ou que
simplesmente ele é preguiçoso. Vale notar que alguém com Destreza baixa
é geralmente desastrado e pode acabar sendo sempre cuidadoso em evitar
tarefas delicadas, enquanto um alto valor pode mostrar alguém arrogante e
corajoso por estar acostumado a realizar feitos incríveis.
Como seu personagem encara sua agilidade? Meio de sobrevivência?
Ferramenta de trabalho? Inveja por não ser rápido como os outros? Tente
imaginar quais eventos na historia de seu personagem foram marcantes por
ter alta ou baixa Destreza.

Constituição
Aqui temos algo simples de definir. Constituição tem a ver com sua
saúde de forma geral. Um valor alto significa que ele se alimentou bem, trei-
na sua resistência (provavelmente terá ou uma força ou destreza alta, senão
ambos, por causa disso) enquanto um valor baixo indica um personagem
acostumado com doenças e a uma vida sedentária. Note como apenas enfa-
tizar esses pontos já destaca algumas ideias de história de seu personagem.
A sua personalidade será afetada também. Alguém de grande saúde e
vigor normalmente se sente mais corajoso e talvez até ache que é invulnerável.
Talvez ele até crie uma empatia com pessoas mais fracas e sinta vontade de
defendê-las (ou de menosprezá-las). Alguém com saúde baixa pode ser mais
cuidadoso com o que come e bebe por sempre ficar doente e ser bem cuida-
doso com seu posicionamento durante uma batalha.

Inteligência
Ser inteligente em jogos de RPG sempre gera discussões. Como repre-
sentar o que meu personagem pensa se não sou tão inteligente (ou tão burro)

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quanto ele? A melhor dica é focar no aspecto de “como ele aprende coisas”.
Quanto mais inteligente ele for, mais coisas ele sabe e mais rápido ele apren-
de novas coisas. É interessante o narrador lembrar-se de dar informações
para seu personagem. “Mago, seu personagem reconhece essas runas como
um dialeto dracônico antigo” ou “você se lembra que nas gravuras de estudo
essa criatura é chamada de troll; falava algo sobre usar chamas”. De qualquer
forma, uma Inteligência alta mostra um personagem que estuda e tem sede
de conhecimento, enquanto um personagem de Inteligência baixa já acha que
sabe de tudo e não tem interesse em aprender coisas novas.
Pense em um personagem de alta Inteligência como alguém que é fo-
cado e meticuloso, acostumado a pensar em varias opções antes de agir (talvez
isso explique o porquê de não treinar tanto sua parte física) ou pense em um
personagem de baixa Inteligência como alguém que já tem certezas demais
e tem grande dificuldade em entender coisas novas, o que pode fazer dele
alguém arrogante ou simplesmente um tolo engraçado. Uma coisa interes-
sante a se pensar também é que alguém que é inteligente pode ser alguém
simplesmente muito curioso, sempre suspeitando que existe mais sobre todos
os assuntos, fazendo dele um clássico maníaco de conspiração.

Sabedoria
Esse é o atributo que mostra a percepção do seu personagem e sua
força de vontade, geralmente coisas bem importantes. Alguém com Sabedo-
ria alta presta muita atenção em tudo à sua volta, podendo ser por uma vida
de necessidades ou simplesmente por ter aprendido que os detalhes escon-
dem respostas. Sua força de vontade alta mostra alguém que é bem confiante
(o que pode interferir com seu Carisma, discutido abaixo) ou que não se deixa
ser enganado facilmente (possivelmente por ter sido enganado muitas vezes
no passado). Alguém de baixa Sabedoria é distraído e inocente, sempre foca-
do em algo e acreditando facilmente nos outros. Não é à toa que é o atributo
principal para clérigos e importante para outras classes divinas, pois a fé sem
dúvida fortalece a força de vontade. É interessante nesses casos focar a per-
cepção naquele sentido de que “Deus está nos detalhes” em que o personagem
tem sua percepção aguçada por procurar sinais divinos em tudo à sua volta.

Carisma

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RPG Caracterização

De longe esse é o atributo mais controverso de todos. Ele mostra que


alguém é bonito? Também, mas principalmente a sua força de personalidade
e persuasão. O personagem atrai ou afasta os outros de acordo com o quão
autoconfiante ele é. Carisma alto mostra um personagem que confia em suas
habilidades e que tem facilidade em convencer outras pessoas. Por quê? Ele
pode ser forte, saudável, inteligente ou perceber rapidamente as emoções dos
outros. Use outros atributos altos e crie motivos para seu personagem ser
confiante. Já um Carisma baixo mostra alguém que por algum motivo não
é confiante nele mesmo. Tímido, medroso, desconfiado. Como num valor
alto, use os valores baixos dos outros atributos para vincular o motivo de seu
personagem não ser alguém confiante.
Esse é o atributo que mais irá definir a sua personalidade. O ideal seria
escolher seu valor de Carisma de acordo com o que combinar melhor com
o que você imaginou, mas isso pode atrapalhar na sua otimização. Caso isso
não seja um problema, siga em frente e escolha um valor de Carisma que seja
condizente com o que imaginou baseando-se nos outros atributos.

Desafio
Um exercício que recomendo. Jogue 4d6 tirando o menor valor em
ordem e crie um personagem. Traduza os números e tente imaginar o que
ele é.
• Exemplo: For 8 Des 13 Con 12 Int 14 Sab 12 Car 11
Mark sempre foi o mais fraco de seus amigos órfãos e logo desco-
briu que teria que ser o mais rápido ao fugir dos garotos mais velhos que
viviam a lhe perseguir por causa de seu tamanho (For 8 Des 13). Sempre
correndo, mesmo fraco de força física Mark cresceu um rapaz saudável que
não perdia uma oportunidade para ficar atento ao horário quando os pães
e tortas da cidade ficam prontos para poder se alimentar bem sem precisar
gastar o dinheiro que não possuía. (Con 12 e Sab 12). Com o tempo, Mark
foi aprendendo quem é quem nas ruas da cidade e focou sua vida mais em
conhecer cada canto, maneira de abrir fechaduras, como se soltar de cordas e,
principalmente, decorar as ruas da cidade para sempre ter uma rota de fuga
planejada; contudo, uma vida de perseguição fez com que ele se tornasse um

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tanto fechado, focando mais em seu cérebro do que seu charme, coisa que ele
acha que pode melhorar ainda. (Int 14 e Car 11).
Além de treinar essa maneira de interpretar seu personagem usando
atributos, você acabou de conhecer uma forma bem rápida de gerar NPCs/
PNJs.Agora que compreendemos todos os atributos, que tal desconstruirmos
isso tudo?

Capítulo do Ar – Expandindo Ideias.


Está na hora de pegar tudo isso sobre atributos e expandir um pouco.
Começo com uma pergunta: ter Força alta quer dizer necessariamente que
seu personagem é fisicamente forte?
O que eu irei propor é expandir a parte narrativa que descreve o atri-
buto do seu personagem, mas sem mudar em nada na mecânica do jogo.
Vale lembrar que essas alterações dependem da aprovação do narrador e vale
lembrar ao narrador que um jogo fica muito mais legal se você insere ideias
dos jogadores em sua mesa.
Voltando ao exemplo de força, vamos imaginar um personagem bem
forte, com 16 ou 18 de Força (o máximo inicial para humanos em uma par-
tida de D&D).
• 1) Ela deve ser uma personagem bem forte fisicamente
• 2) Ela pode ser uma personagem fraca fisicamente, mas
que tem runas arcanas gravadas em seu braço que a fazem ter uma
força muito maior que deveria.
• 3) Ela teve seus braços trocados por braços de um golem
que fazem com que ela realize feitos antes impossíveis.
Entenderam a brincadeira? Tentem olhar seus atributos além do óbvio,
além das regras e poderão criar personagens realmente únicos sem quebrar
a mecânica. Claro que o narrador e o jogador poderão brincar no meio da
campanha, fazendo com que a personagem do exemplo tenha dificuldade em
uma área de antimagia (no caso das runas) ou que consiga colocar sua mão no

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RPG Caracterização

meio de chamas rapidamente sem se queimar (no caso dos braços de golem).
Tem um outro artigo no livro falando sobre refluff/reskin. Vai ajudar aqui.
Talvez sua personagem tenha Destreza alta porque ela é possuída pela
alma de um grande ladrão em momentos de desespero, talvez sua Consti-
tuição alta seja porque ela foi ressuscitada de uma maneira exótica e está
“meio-morta”. A Inteligência alta pode ser devido a um anel mágico que
sussurra as ideias em seu ouvido. Sua Sabedoria avançada pode ser apenas um
dom de premonição sem explicação (ainda). Finalmente, seu Carisma pode
ser apenas o odor que você exala por ser meio fada e que faz com que todos à
sua volta estejam mais suscetíveis a gostar de você.
Sua restrição aqui é sua imaginação e a única regra é não buscar van-
tagens, mas sim singularidades; sem contar que sem dúvida irá criar ganchos
para a campanha.

Capítulo da Terra – Estabilizando a Mecânica


Com todas essas ideias em mente, tentarei misturar conceitos de vários
jogos e propor algumas mecânicas genéricas que devem ser facilmente adap-
tadas para qualquer sistema, com o único objetivo de expandir a narrativa ao
mesmo tempo em que permita que o personagem tenha mais opções baseado
em seus atributos.
O que vou propor será o uso de palavras-chave baseadas em seus atri-
butos. Vamos considerar uma personagem com Destreza 16 (+3 em bônus) e
que tenha Sabedoria 8 (-1 de bônus). Cada bonificação ou penalidade lhe dá
o direito de escolher uma palavra-chave na forma de adjetivo que representa
o atributo. Seguindo o exemplo, a personagem poderia ter: Rápida, Equili-
brada, Certeira para DES e Distraída para SAB.
Eu sugiro usar os adjetivos da seguinte forma: sempre que for condi-
zente, ele poderá invocar um adjetivo positivo (que pode ser limitado a uma
vez por sessão, por nível ou quando o narrador decidir) para ganhar uma
bonificação na sua jogada (eu usaria a permissão de rolar novamente o dado)
ou mesmo alterar algo na cena. Caso o personagem decida por usar o adjetivo
negativo, funciona da mesma forma, sendo que ele recupera o uso de um

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adjetivo positivo já que se prejudicou para melhorar a cena. Outra opção seria
o narrador usar os adjetivos negativos eventualmente.
O objetivo dessa regra opcional será estimular o personagem a usar
seus atributos além de apenas números e fornecer às cenas mais personalida-
de diretamente do seu personagem (sem contar cenas divertidas com o uso de
adjetivos negativos). Com sistemas nos quais se usa recursos como os benes
de Savage Worlds ou as Reservas de Numenera, fica mais fácil recompensar
os personagens. De bônus você ainda vai ter uma série de detalhes que vai
facilitar em muito a interpretar e imaginar seu personagem.

Capítulo do Éter – Equilibrando o Todo


Vale ressaltar que usei como exemplo os Atributos usados em D&D e
outros jogos D20, mas todas essas dicas valem para outros sistemas, basta ter
um pouco de jogo de cintura e adaptar.
• Cypher (Numenera, The Strange): Pense que a Margem
dos atributos mostra o quanto ele é bom naquilo. Cada ponto
pode valer um adjetivo.
• Savage Worlds: Cada nível de atributo acima de d4 vale
um adjetivo e o uso do mesmo pode valer benes.
• Storyteller: Use as especializações como adjetivos ou
permita adjetivos negativos valerem mais especializações de atri-
butos. Caso o jogador use um adjetivo negativo em uma cena,
pode ser que valha até um XP no final da aventura.
• GURPS: O sistema já tem uma ótima mecânica de van-
tagens e desvantagens que definitivamente funciona como aqui
descrito. Você poderá estimular os jogadores a usarem suas des-
vantagens relacionadas a atributos (ou todas) de forma narrativa
como aqui descrita, valendo também um ponto de XP extra no
final da aventura.
A ideia central do texto é que você pode ser um alquimista com as
regras de seu jogo, não apenas na parte de atributos, mas com todas as ou-

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RPG Caracterização

tras, principalmente se o seu foco for aprimorar a experiência do jogo. Tentar


explicar seus atributos e até suas outras habilidades pode ser um divertido
exercício durante a criação de personagem que sem duvida irá aprimorar a
experiência de todos da mesa e com certeza a sua própria.

Conclusão
Espero sinceramente ter dado boas dicas com relação a atributos e seria
mentira se não esperasse de todos que lerem esse artigo criticas e comentá-
rios, mas principalmente exemplos do uso na mesa de seus jogos. Quem sabe
vocês ainda não tenham uma ideia vinda disso tudo que eu possa usar em
meus jogos também?
Deixo algumas dicas de graça em adicional ao texto que aprendi ao
bolar esse e outros artigos já publicados: joguem vários sistemas. Todas essas
dicas e as que publico no blog não seriam possíveis se eu não experimentasse
sempre novas coisas e puxasse para meus jogos ideias boas que outros siste-
mas têm a oferecer. Tentem desconstruir suas certezas sobre as regras do jogo,
sempre prefiram ouvir ideias novas e sejam menos resistentes a sugestões.
Eis que chegamos ao final dessa aula de alquimia e espero que tenha
incrementado suas futuras experiências de jogos para todos vocês.

Um grande abraço e muito XP a todos.

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APOIADORES

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Alan Almeida Mc Comb Caio Cobra
Alexandre Rocha Amaral Caio Manoel
Alexsandro Teixeira Cuenca Caio Ribeiro de Barros
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Ana Paola M M Dias Carolina Carvalho de Castro
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André David Sitowski Clarissa Westphal Nogueira
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Angelo D’Elia Cristiano Alexandre Moretti
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Aristóteles de Oliveira Marques Daniel Ferreira da Silva Neto
Aroldo Bettega Netto Daniel Ferreira Lemos
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Artur de Amorim Porto Carreira Daniel Paes Cuter
Barbara Miotto Daniel Ximenes Ribeiro
Bergson Ferreira do Bonfim Danilo Santiago Alves da Cruz
Brendow Guimarães Viana Danton Freitas
Bruna Luizi Coletti Derek Scheifler Moreira
Bruna Saddy Diego Augusto Filgueira
Brunno Araujo Diogo Fontes
Bruno Augusto Gallo Diogo Silva
Bruno Piazera Zacchi Douglas Nascimento

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Eder da Costa Marques Iuri Gelbi Silva Londe


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Edson Francisconi Junior Jandê
Eduardo Henrique Caetano Jhonnatan Cebidanes
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Emilly Oliveira Lopes Silva Jonata Rubio Sodre
Erick Willian Ayres Jorge dos Santos Valpaços
Evelling Castro José Elso
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Filipe Salles Leandro Souza
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Flavia Gasi Leonardo Augusto Rodrigues
Francis Diego Duarte Almeida Leonardo Cecchettini
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Gabriel Joselito Luan Kohashi
Gabriel Velloso Luan Vecchi Ferreira
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Guilherme Lacombe da Fonseca Luiz Cruz
Guilherme Luís Teló Luiz Eduardo Dockhorn
Gustavo “Mithophir” Meilus Luiz Fernando de Azeredo Costa
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Helio Rodrigues Machado Neto Luiz Henrique Oliveira
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Huan Icaro Piran Luiz Roberto Broilo
Hugo Yuri Tordin Dantas Luís Carlos Sousa
Igor Santiago Marques Luís Henrique Fonseca
Ismael A Avila Correia Manuel Gomes

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Matheus Faria Thiago Valejo Rodrigues
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Fundada em meados de 2013 a “New Order” é Aqueles jogos que sempre comentamos por
a realização dos sonhos de dois amigos, Ané- aqui e que sempre sonhamos em jogar ou vê-
sio Vargas e Alexandre Seba, com o interesse -los traduzidos para o português, agora se tor-
de difundir jogos de RPG de diferentes temáti- narão realidade. Esse é o nosso espírito, essa é
cas para o mercado brasileiro, sem se prender a nossa vontade, o novo, a “New Order”.
a nenhum tipo de padrão elitista, no que tange A Editora tem como principais objetivos: dar
às convenções do mundo RPGístico. Nosso suporte a seus clientes e explorar, ao máximo,
principal objetivo é importar jogos de qualida- cada jogo por ela publicado. E não paramos
de, existentes em países que ainda não foram por aqui. Os quadrinhos também estão em
explorados por outras editoras brasileiras, nes- nossos planos, e podem ficar atentos, porque
sa área, pois, sabemos, como editores e joga- vem muita coisa boa por aí! Os públicos de
dores, que há muita coisa para ser traduzida e HQ e RPG podem esperar. Muito!
apresentada ao público brasileiro. A New Order agradece o carinho de vocês.
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