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Capítulo

A dimensão discursiva
14 da linguagem

OBJETIVOS

Ao final do estudo deste capítulo, você deverá se r capaz de:

1, Reconhecer os diferentes elem entos em 3 Explicar qual o papel da interlocução nos


que se baseia a teo ria da com unicação. usos da linguagem.
2 , Id en tificar as diferentes fu n çõ es da Reconhecer m a rca s de autoria em tex to s
linguagem. de diferentes gêneros discursivos.

Os elementos da comunicação

Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


^ Leia atentamente a tira abaixo para responder às questões de 1 a 3.

A l in e A d â o It u r r u s c a r a i

proibida. Art.184 do Código


Reprodução
iI mà m k * 4 -4 1 4
! ITURRUSGARAI, Adão. Aline. Folha de S.Paulo. São Paulo, 17 nov. 200Q.

Que situação é representada nos quadrinhos?


2. A personagem masculina surpreende o leitor duas vezes. Por quê?
3. Muitos diálogos apresentados nas tiras poderiam perfeitamente ocorrer
fora do universo da ficção. A conversa entre Aline e Adão também poderia
ocorrer em um contexto não ficcional? Justifique sua resposta.

Como você deve te r percebido, e s s a tira re p re se n ta um insólito diálogo


entre Adão Itu rru s g a ra i, o autor, e Aline, uma personagem criad a por ele.
Uma co n versa como e s s a só pode a co n te ce r no esp aço da ficçã o , m as ajuda
a com preender que a linguagem , além de o co rrer em d ive rso s co n te xto s
co m unicativo s, perm ite re p re se n ta r d ife re n te s situ a ç õ e s de interlo cução.
0 estudo d e ssa s situ a çõ e s levou o linguista russo Roman Jakobson a criar
um modelo explicativo para a com unicação verbal a que deu o nome de teoria
da comunicação. Sua intenção era dem onstrar que a com unicação humana se
e stru tu ra a partir de alguns elem entos, atendendo a fin alid ades e sp e cífica s.

1 ) 180 C ap ítu lo 14
H oje, o s e s t u d o s da lin g u a g e m , e m b o ra re c o n h e ç a m a im p o rtâ n c ia da t e o ­
ria da com unicação para dar início à an álise das situ a ç õ e s de interlo cu ção , consideram
e s s a teo ria in su ficie n te para dar conta da com plexidade envolvida no uso da linguagem
pelos in te rlo cu to re s. Co nhecerem o s, a seguir, os princípios da te o ria da com unicação.
Na segunda parte d e ste cap ítulo , tra ta re m o s e sp e cifica m e n te das su a s lim itaçõ e s,
ap resen tand o uma p e rsp e ctiva m ais d iscu rsiva para t ra ta r do uso que os in te rlo cu to re s
fazem da linguagem .
A base da te o ria da com unicação e stá na id e n tificação de s e is elem ento s, p re se n te s,
segundo Jakobso n, em to d a s a s situ a ç õ e s de interlo cução.
São eles:
• Qs p a rtic ip a n te s de um ato com unicativo: e m isso r (tam bém cham ado de locutor
ou de rem etente) e receptor (lo cutário ou d e stin a tá rio ).
• 0 canal em que se dá a com unicação , ü canal é o meio físico por onde circu la a men­
sagem entre o e m isso r e o re cep to r (ondas so n o ras, papel, b y te s, e tc.). É tam bém a
conexão p sicológica que se e sta b e le c e entre e m isso r e re cep to r para que possam
se com unicar.
• A m ensagem a se rtra n sm itid a . A m ensagem é o conjunto de enunciados produzidos
pela se le ção e com binação de sig n os realizad as por um determ inado indivíduo.
• ü código em que a m ensagem é tran sm itid a . T ra ta -se do siste m a que é utilizado
Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pelos fa la n te s. A ssim , o código deve se r entendido como um conjunto de signos


convencionais e das re g ra s que determ inam sua organização.
• ü contexto a que a m ensagem se refere, ü co ntexto é o conteúdo, o assu n to da
m ensagem .
N essa p e rsp e ctiv a, toda m ensagem tem um objetivo predom inante, que pode s e r a
tra n s m issã o de inform ação, o estab e le cim e n to puro e sim p le s de uma relação com uni­
ca tiva , a exp re ssã o de em o çõ es, e a ssim por diante.
Reprodução proibida. Art.184 do Código

Esq u e m a do p ro ce sso de co m u n ica ção

A s f u n ç õ e s d a lin g u a g e m s ã o d c o n ju n to d a s f in a lid a d e s c o m u n ic a tiv a s r e a liz a d a s


por m eio d o s e n u n c ia d o s da lín g u a .
E n u n ciad o é tu d o aq uilo que é dito ou e s c r ito por m eio d e p a la v ra s , d e lim ita d a s por
m a rc a s fo rm a is : na fa la , p ela e n to a ç ã o ; na e s c r ita , p ela p o n tu a ç ã o . E s t á s e m p re a s s o c ia d o
ao c o n te x to em que é produzido.

As funções da linguagem
a Função referencial ou denotativa (ênfase no contexto]
Quando o objetivo da m ensagem é a tra n s m iss ã o de inform ação sobre a realidade
ou sobre um elem ento a s e r designado, diz-se que a função predom inante no te xto é a
referencial ou denotativa.
0 tre ch o a seguir, com um conteúdo e sse n c ia lm e n te inform ativo, exem p lifica e s sa
função.

A dimensão discursiva da linguagem 181


Semente do futuro
Essa construção, que lembra uma pelota felpuda, na realidade tem 20
metros de altura e é inteirinha coberta por varas de acrílico, que balançam
ao sabor do vento. O curioso é que em cada uma delas estão guardadas
algumas sementinhas — e são mais de 60 mil, vindas de plantas variadas.
O cubo faz parte do pavilhão do Reino Unido na Shangai World Expo, a
Feira Universal que acontece na China até outubro. A ideia do evento, que
ocorre desde 1851, é que países de todo o planeta compartilhem seus as­
pectos culturais, tecnológicos e econômicos. A edição de 2010 tem o tema
“Uma cidade melhor, uma vida melhor", e a construção, apelidada de “Seed
Cathedral" (Catedral da Semente) representa a importância da diversidade
Catedral da Sem ente na
da Terra. Durante o dia, cada vara de mais de 7 metros atua como fibra óp-
Expo Shangai 2G io , China. tica, levando luz ao seu interior. À noite as fibras se iluminam criando uma atmosfera
de respeito e devoção aos recursos do planeta. No fim da feira, os visitantes poderão
plantar as sementes ali guardadas e todo o material usado na construção do cubo
será reciclado e reutilizado.

Vida sim ples. São Paulo: Abril, p. 12, jul. 2G1Ü.

* Função emotiva ou expressiva


(ênfase no emissor)
Quando o objetivo da m ensagem é a e xp re ssã o d as em o çõ es, atitu d e s,
esta d o s de esp írito do e m isso r com relação ao que fa la, diz-se que a função
da linguagem predom inante no te xto é a emotiva.
No trecho abaixo, em que a função em otiva é predom inante, um rep ó rter
narra o que sentiu ao v is ita r, pela prim eira vez, o M useu Jud aico de Berlim ,
inaugurada em 2001.

Quando o passado é um pesadelo

Tomado pela costumeira pressa de repórter, eu tinha que fazer, a


toque de caixa, imagens do museu para compor a minha matéria. [...]
Quando [...] chegamos ao primeiro corredor, o eixo da continuidade,
tentei pedir algo a Bárbara, funcionária do museu que nos acompanha­
va. Não consegui falar. Tudo foi se desfazendo, todos os sentimentos e
emoções, e também as racionalizações, reflexões ou desalentos mediados
pelo intelecto. Tudo foi se desvanecendo dentro de mim — e um grande
vazio, um vácuo que sugava a si próprio, se formou qual redemoinho em
meu peito, até explodir num jorro de pranto, num colapso incontrolável.
Não tive condições de prosseguir com o cinegrafista Fernando Calix-
to. Procurei um lugar onde esgotar as lágrimas e tentava me explicar,
A Vista da entrada do M useu Judaico repetindo, aos soluços: “Pela metade, não. Não vou conseguir fazer meia
de Berlim , na Alemanha, 2001. visita. Pela metade, não. Ou encaro todo o périplo ou vou embora”.
Não consegui nem uma coisa nem outra. Nem parei de chorar, nem me recompus;
não me atrevi a percorrer todos os corredores, nem tampouco resisti a penetrar nos
espaços desconcertantes do Museu Judaico de Berlim.

BIA L, Pedro. Almanaque Fantástico.


São Paulo: Globo, n. 1, p. 61-62, nov. 20Q5. (Fragmento).

18E Cap ítulo 14


GRAMÁTICA

• Função conativa ou apelativa


(ênfase no receptor]
Quando o objetivo da m ensagem é persuadir o destinatário , influenciando
Lembre-se
seu com portam ento, diz-se que a função predom inante no te xto é a conativa
ou apelativa. É importante ressaltar que
A função conativa pode s e r id entificad a em te x to s nos quais se faz uso um mesmo texto pode ter
de e xp re ssõ e s lin g ü ística s com vo cativo s e fo rm as ve rb a is no Im p e rativo , diferentes funções.
como a s p re ce s e os an úncios p ub licitário s. Veja o exemplo a seguir.

São Paulo está em baixo d'água.


A culpa não é da chuva.
É de quem coloca lixo fora do lugar.
Pense nisso. Faça a coisa certa.
Jogue o lixo no lixo.
Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
proibida. Art.184 do Código

<
Clube de Criação de São Paulo.
Disponível em: <http://ccsp.com.
br/pecas/36769/resultado-busca>.
Reprodução

Acesso em: 20 mar. 2013.

0 te xto do anúncio, por meio de e xp re ssõ e s no Im p e rativo (Pense nisso.


Faça a co isa ce rta . Jogu e o lixo no lixo.), fa z um apelo para que os m oradores
da cidade de São Paulo evitem jo g ar lixo nas ruas, porque isso fa vo re ce a
o co rrência de alag am ento s na época das chuvas m ais fo rte s .

Função fática (ênfase no canal)


M acanudo L in ie r s

/ CKANWEUV A&ORA EU ME LEMSRO, NEM


ÉRAMOS MUITO AMI&OS.

CERTO... ACHO QUE


EXAGERAMOS...
"T
u m u i QUANTO T EW O j
NEM
N Q V O L fS ã T ME
UM
ABRA

^ LIN IE R S. M acanudo, n. 2. Cam pinas: Zarabatana Books, 2 0 0 9 . p. 30.

A dimensão discursiva da linguagem 183


Quando o objetivo da m ensagem é sim p le sm e n te o de e sta b e le c e r ou
m anter a com unicação , ou se ja , o contato entre o e m isso r e o recep to r, diz-
-se que a função predom inante é a fática.
As fó rm u las de ab ertu ra de diálogos, q uase sem p re fra s e s fe ita s , são
exem plos típ ic o s da fun ção fá tic a da linguagem . N este caso , su a fin ali­
dade é m arcar o início e/ou o e ncerram ento de um diálogo. Na tira , o efeito
de hum or é criado pela rep etição de fó rm u las (“Que bom te ve r de novo!”,
A m etalinguagem e os “Rapaz, há quanto tem p o!”) sem que haja um diálogo efetivo entre a s per­
tex to s não verbais so nag en s que, após e s s e encontro efusivo, se dão conta de que não eram
Diferentes linguagens fa­ tão bons am igos como a s fa la s in iciais, de função e sse n c ia lm e n te fá tic a ,
zem uso da metalinguagem. pareciam indicar.
Grandes a r tis ta s , como o
no rte-am ericano Norman
Rockwell [1894-1978], produ­ * Função metalinguística (ênfase no código)
ziram obras em que refletem
sobre o próprio fazer artís­ Quando o objetivo da m ensagem é fa la r so b re a própria linguagem , diz-se
tico. Em Triple s e lf portrait que predom ina no te xto a função m etalinguística.
[Autarretrato triplo, 1960), Um exem plo evidente da função m e talin g u ística são a s d efin içõ e s de
a imagem de um pintor que ve rb e te s en co n tra d as nos dicionários.
pinta seu retrato a partir da
visão de seu rosto refletido

Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


em um espelho é uma forma
de metalinguagem. pronome [...] palavra que representa um nome, um termo
us. com a função de um nome, um adjetivo ou toda uma oração
que a segue ou antecede. [...]
HOUAISS, Antônio; V ILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da
língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2 0 0 9 . p. 1.560.

proibida. Art.184 do Código


• Função poética (ênfase na mensagem]
Quando o objetivo da m ensagem é cham ar a atenção para a própria men­
sagem , sugerindo que ela é o resultad o de um trab alho de elab oração feito
sobre sua form a, diz-se que a função predom inante é a poética.
A função poética é m arcada por uma maior liberdade no uso das p alavras,

Reprodução
<ROCKWELL, N. Autarretrato exp lo rad as m ais pelo seu potencial em evo car im agens e produzir e fe ito s
triplo. 1960. Óleo sobre sonoros. N esse s ca so s, há um trabalho com os próprios signos, cujo objetivo
tela, 113 x 88,3 cm.
é provocar algum efeito de sentido no recep to r.

Das utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
QUINTANA, Mário. Nova antologia poética.
Utopia: fantasia, 7. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 108.
desejo irrealizável

0 poema revela o trabalho com a linguagem próprio da função poética.


Além das rim as [ora/fora, q u erê-la s/estreta s), que d e sta ca m os so n s das
palavras, o poeta constrói uma imagem (cam inhos ilum inados pelas e stre la s)
para defender o direito ao sonho, por m ais difícil que se ja realizá-lo.
A função poética tam bém pode se m a n ife sta r nos jo g o s de linguagem ,
na propaganda e m esm o nos te x to s em prosa.

1 i m Cap ítu lo 14
GRAMÁTICA

l)
Leia o anúncio abaixo e responda às questões de 1 a 4.

Por que viajar de


outro je ito se você
pode voar?

Gol. Aqui todo mundo


pode voar.
Dos 30 milhões de
passageiros que já
viajaram pela Gol,
muitos nunca tinham
voado antes. Para a
Gol,essa é a realização
de um sonho. Agora
voar não é mais um
privilégio de poucos.

* AlmapBBDO [Cannes 2 0 0 6 ). In : Clube de Criação de São Paulo. Disponível em:


<http://ccsp.com .br/pecas/135í l9/resultado-busca>. A cesso em: 20 mar. 2013.

O anúncio chama a atenção por apresentar uma cena inusitada. Que cena é essa?
a) A im agem , o enunciado que aparece no canto superior direito e o logotipo de um a
com panhia aérea, no canto inferior esquerdo, sugerem o objetivo do anúncio.
Qual é esse objetivo?
bj Explique qual a relação estabelecida entre a im agem , o enunciado do canto
superior e o objetivo do anúncio.
Para convencer seu público-alvo, os anúncios levam em consideração o perfil de
seus interlocutores preferenciais. No caso desse anúncio, como se caracteriza seu
público-alvo? Justifique.
3. Releia o texto apresentado na parte inferior do anúncio e transcreva no seu caderno
os elementos que procuram convencer o leitor de que todos podem voar com essa
companhia aérea.
Qual função da linguagem é predominante no anúncio analisado?
a) Transcreva no cadem o as passagens do texto que perm item reconhecer essa função.
bj Por que é com um a m anifestação dessa função da linguagem em anúncios?
5. Os trechos a seguir foram extraídos de um livro infantil chamado Mania de explica­
ção. Leia-os atentamente e transcreva no caderno as funções da linguagem neles
presentes, justificando sua resposta.

[...] Solidão é uma ilha com saudade de barco. [...]


Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele. [...]
FALCÃO, Adriana. Mania de explicação. São Paulo:
Salamandra, 2001. p. 17 e 27.

A dimensão discursiva da linguagem 185 « €


^ Observe agora as seguintes definições e responda à questão 6.

solidão [...] estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento [...]
vontade [...] faculdade que tem o ser humano de querer, de escolher, de livremente praticar
ou deixar de praticar certos atos [...]

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.


1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2 0 0 9 . p. 1.766 e 1.959.

6. Qual é a função da linguagem predominante nessas definições? Por quê?


►Compare as definições de solidão e vontade no livro e no dicionário e explique as
diferenças entre elas com base nas funções da linguagem.

O trabalho dos interlocutores


com a linguagem

^ Observe o cartum abaixo.


A n c eli

A F LO R A B R A S ILIE N S E
Fraudulência (Vegetale corruptus) - Árvore da família das Maracutaias,
suas sementes chegaram ao país com as caravelas e hoje, mesmo com raízes
espalhadas por todo o território nacional, o seu caule espesso e sua copa
frondosa estão fincados no Planalto Central, bem no coração do Brasil.

tk ANGELI. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 abr. 2001.

1. O cartum é um desenho que satiriza comportamentos humanos. Geralmente


publicado em jornais e revistas, esse gênero promove a reflexão crítica por meio
do humor. Faça uma breve descrição dos elementos presentes nessa imagem.
2.. O texto que aparece acima da imagem tem características típicas de um gênero
discursivo muito conhecido. Que gênero é esse?
►Que características desse gênero podem ser identificadas no texto do cartum?

1 186 Cap ítulo 14


GRAMÁTICA

3. A escolha do “nome” da árvore desenhada é muito importante. Por quê?

4 . Como as imagens ajudam o leitor a compreender o sentido do nome


escolhido pelo cartunista?
5. Observe, agora, o nome em latim (Vegetale corruptus) e a identificação
da família a que pertence essa árvore (Maracutaias). O que teria levado
o autor do cartum a escolher esses nomes?

□ cartum de Angeli ajuda a com preender por que a língua não pode se r
v is ta ap e n as como um “código”. Pense nas se is fu n çõ e s da linguagem pro­
p o sta s pela te o ria da com unicação : algum a d elas é cap az de c a ra c te riz a r
o trab alho com a linguagem realizado por A ngeli? A re sp o sta é negativa.
Is s o a co n te ce porque não te m o s como “enquadrar” os e fe ito s de sentido
d e se n cad e a d o s pelo cartum dentro da d e scriçã o das fu n çõ e s re fe re n cial,
m e talin g u ística, apelativa, fá tic a , po ética ou em otiva. Aliás, podem os reco ­
nhecer, no te xto , fin alid ad e s a s so c ia d a s a vá ria s d e s s a s fun çõ es.
Um exem plo como e s s e torna m ais c la ra s a s lim itaçõ e s da te o ria da co­
m unicação para exp licar o funcionam ento da linguagem . E s s a te o ria adota
uma visão m ais “m e câ n ica ” da com unicação , atribuindo aos in te rlo cu to re s
Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

papéis fixo s e objetivos e sp e c ífic o s, o que re p re se n ta uma sim p lificação Lembre-se


muito grande do funcionam ento da linguagem . A lin g u a g e m é a n t e s de
Quando interag im o s com o u tras p e sso a s, tro cam o s de p ap éis (ora ouvi­ tu d o um a a tiv id a d e hu m ana,
mos, ora fa lam o s], m udam os de objetivo à medida que o diálogo a co n te ce , um lug ar de in te ra ç ã o e n tre os
levam os em co n sid e ração a s situ a ç õ e s e x tra lin g u ístic a s (tudo o que e stá m e m b ro s de um a so c ie d a d e ,
que pod em usá-la ta n to p a ra
“fo ra ” da própria linguagem , como o co ntexto so cial, histó rico, etc.], dizem os
s u g e r ir co m o p a ra e s c o n d e r
uma co isa quando querem os que se ja entendida outra e a ssim por diante.
s u a s v e rd a d e ira s in te n ç õ e s.
Tudo isso faz com que a linguagem te n h a um c a rá te r dinâm ico.
proibida. Art.184 do Código

A indeterminação da linguagem
A linguagem pode s e r v ista como um “palco” no qual os a to re s (interlo ­
cu to re s] co ntracenam , confrontando d ife re n te s in te n çõ e s e e x p e c ta tiv a s
Reprodução

o p o stas. No palco da linguagem , os fa la n te s são os a to re s de um dram a


que se desenro la continuam ente. Particip and o de d iv e rsa s situ a ç õ e s de
interlo cu ção, eles assu m e m d ife re n te s papéis ou lugares discu rsivo s.

L u g a r d is c u r s iv a é a p o s iç ã o o c u p a d a no d is c u rs o p e lo s in t e rlo c u t o re s ,
q u e o ra a s s u m e m o p a p e l de f a la n t e s , o ra o d e o u v in te s .

* 0 papel do falante: ocultar ou revelar


su as intenções
Em uma determ inada situ a çã o de interlo cu ção , cab erá sem p re ao fa la n ­
te e sco lh er os enunciados que m elhor se aju ste m ao s se u s pro p ósito s. Se
d e se ja r co lab orar com o seu interlo cu to r, e sco lh erá enunciados que não
o confundam , que deixem cla ro s se u s pontos de v ista , que respondam às
p erg untas fe ita s .
Caso a intenção do fa lan te seja deixar subentendido o que pensa, ou seja,
perm itir a dupla interp retação de su a s palavras, u sará a linguagem para criar
e fe ito s de sentido que levem o interlo cu to r a p erceb er e s s a s am bigüidades,
sem que ele ten h a de exp licitá-las.

A dimensão discursiva da linguagem 187


No cartum de Angeli, é e xata m e n te e s s e o trab alho com a linguagem .
Para su g e rir a p re se n ça da corrupção no meio político b rasileiro , ele produ­
ziu um te xto em que su p o stam en te d e scre via um novo esp écim e veg etal.
Lido o te xto , concluím os que su a intenção era denunciar a corrupção como
uma p rá tica negativa que, desde os tem p os da colonização, m arca o cenário
político nacional.
Vejam os agora um outro exemplo, no qual a indeterm inação da linguagem
é explorada intencion alm ente para su g e rir que a fala das m ulheres pode
s e r inco m p reensível para quem não tem conh ecim en to de um co ntexto
com partilhado ap e n as por elas.

A vaguidão específica
As mulheres têm uma maneira de falar
que eu chama de vagoespecífica.
Richard Gehman

— Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.


— Junto com as outras?
— Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir

Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


alguém e querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar
do outro dia.
— Sim senhora. Olha, o homem está aí.
— Aquele de quando choveu?
— Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
— Que é que você disse a ele?
— Eu disse pra ele continuar.
— Ele já começou?
— Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde qui­

Reprodução proibida. Art.184 do Código


sesse.
— É bom?
— Mais ou menos. O outro parece mais capaz.
— Você trouxe tudo pra cima?
— Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe
porque a senhora recomendou para deixar até a véspera.
— Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo.
É melhor, senão atravanca a entrada e ele reclama como na
outra noite.
— Está bem, vou ver como.

FERNANOES, Millôr. Amostra bem-humorada.


Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 14-15.
(Publicado originalmente em O Pif-Paf / 0 Cruzeiro, 1956],

A leitura do te xto sug ere que e s s a s duas m ulheres sabem m uito bem
sobre o que e stão falando. 0 leitor, porém, não é cap az de id e n tifica r as
re fe rê n c ia s que podem atrib u ir um sentido e sp e cífico aos enunciados do
diálogo. Is s o aco n te c e porque ele não tem conhecim ento do con te xto em
que se produziu e s s a interlo cu ção . ü humor do te xto n a sce da im p ossib ili­
dade de com preensão da co n ve rsa d as duas m ulheres.
Esse texto é um exemplo extrem o da exploração de uma c a ra c te rístic a
m arcante da linguagem: ela é indeterminada. Is s o sign ifica que a resp o nsa­
bilidade por dizer ou não dizer algo, pelo grau de exp licitação a que se quer
chegar, pela escolha de enunciados am bíguos ou não am bíguos, é do falante,
que tem sem pre um trabalho a realizar a p artir das p ossibilidades que a língua
coloca à sua disposição.

188 C ap ítulo 14
GRAMÁTICA

Leia a tira abaixo para responder às questões de 1 a 3.


V id a b o a Fá b io Z im b r e s

f E M M T E F. PRESTE ATEfOÇÃO N(\


EU RESPoiüáO R tS p o S T fl E E S ô O E fA ,.
fi PERfoWTA-
ZIMBRES, Fábio.
Vida boa.
Disponível em:<http://
grafar.blogspot.
com/ 2010 /02 /vida-
VOU TER '
boa-fabio-zim bres_ 12 .
PRObtWjJS
Com voC-tv. html>. Acesso em:
14 jul. 2010.

1. A tira apresenta um suposto diálogo entre um homem e uma mu­


lher. Descreva brevemente o que ocorre na tira.
2. As personagens da tira não agem da forma esperada em uma si­
tuação de interlocução. O que, no contexto, causa estranhamento
no comportamento dos dois interlocutores?
3. Considerando o que você aprendeu, neste capítulo, sobre lugar
discursivo, explique por que a personagem feminina compromete
qualquer possibilidade de diálogo ao afirmar, no primeiro quadri-
nho, "Pergunte e eu respondo".

^ Leia os dois textos abaixo para responder às questões de 4 a 8.

Texto 1

A d ju d icia : exp ressão latina utilizada


Procuração adjudicia em docum entos legais que significa
para fin s ju d iciais.
Através do presente instrumento particular de mandato, (Nome do
Outorgante), (Nacionalidade), (Profissão), (Estado Civil), portador da
Carteira de Identidade n2 (xxx), inscrito no CPF sob o na (xxx), residente e
domiciliado à Rua (xxx), ns (xxx), Bairro (xxx), Cidade (xxx), Cep (xxx),
no Estado de (xxx), nomeia e constitui como seu procurador (Nome do
Outorgado), outorgando-lhe amplos poderes, inerentes ao bom e fiel
cumprimento deste mandato, bem como para o foro em geral, conforme
estabelecido no artigo 38 do Código de Processo Civil, e os especiais para
transigir fazer acordo, firmar compromisso, substabelecer, renunciar, de­
sistir, reconhecer a procedência do pedido, receber intimações, receber
e dar quitação, praticar todos os atos perante repartições públicas Fe­
derais, Estaduais e Municipais, e órgãos da administração pública direta
e indireta, praticar quaisquer atos perante particulares ou empresas
privadas, recorrer a quaisquer instâncias e tribunais, podendo atuar em
conjunto ou separadamente, dando tudo por bom e valioso, com fim
específico para (descrever finalidade, tais como propor ação de (xxx)
em face de (x x x )).

(Local, data e ano).


(Assinatura do Outorgante)

Disponível em: <http://www.boletim juridico.com .br/pecas/peticao.asp?id=31>.


Acesso em: 31 out. 2012. (Fragmento adaptado).

A dimensão discursiva da linguagem 189 « f


Texto 2

Ad ju d icia e t e x tra : exp ressão latina Poderes


utilizada em docum entos legais
que sig nifica para fin s ju d iciais e
Através do presente instrumento particular de mandato, a Outorgan-
extrajudiciais.
te nomeia e constitui o Outorgado como seu procurador, concedendo-
-Ihe plenos e gerais poderes, incluídos os da cláusula ad ju dicia e t extra,
ou qualquer outra que exista em latim, em português, inglês, italiano,
francês, que é tão bonito, na língua do P, alemão ou esperanto, como eu ia
dizendo, plenos e gerais poderes para procurá-la, encontrá-la e, em nome
da Outorgante, fazer dela o que quiser, querer, requerer, beijar, abraçar,
satisfazer todos os seus desejos, ou pelo menos a maioria deles, aliená-
-la, seduzi-la, enlouquecê-la loucamente, apaixonar-se perdidamente
por ela, receber e dar quitação, casar, se estiver a fim, ou efetuar todo e
qualquer tipo de contrato consensual que tenha a palavra amor em cada
artigo, promover alterações, estranhamentos, risos, lágrimas, soluços,
frios na barriga, arrepios ou furacões, declarar o seu amor diariamente,
[...] representar a Outorgante perante quaisquer órgãos, apropriar-se
do seu coração, firmar escrituras públicas ou particulares desta posse,
gritar no meio da praça, publicar no jornal, mandar escrever no céu com
fumaça de avião, fixar acordos, limites, valores, fotos em cortiças ou
quadros nas paredes, fazer loucuras, graças, brincadeiras e besteiras em
geral, estabelecer condições favoráveis a beijos, e variar de ações (se for o
caso), intervir sempre que necessário em seu destino, interpor atos, bra­
ços, pernas, mãos, usar, enfim, qualquer recurso para que os dois fiquem
sempre juntos, bem juntinhos, [...] podendo o Outorgado apresentar e
retirar documentos, docemente, ou não, satisfazer exigências, pedidos
e súplicas, ceder (quando puder ceder) ou transferir responsabilidades
chatas, datas, encontros, aceitar ou rejeitar modificações, subversões e/
ou restrições, replicar aos interpostos por terceiros e praticar, enfim, to­
dos os atos previstos em lei, [...] agindo em conjunto ou separadamente,
defendendo os interesses da Outorgante em Juízo ou fora dele, podendo
ainda propor demandas judiciais, propor coisas demais, projetos, medi­
das, mudanças, absurdos, doidices, extravagâncias, sei lá, o que julgar
conveniente para executar todos os atos necessários a fim de que nós
dois sejamos felizes, no bom e fiel desempenho deste mandato.

FALCÃO, Adriana. Veja RJ, 13 ago. 20 03 . Disponível em: <http://veja.abril.uol.com .br/


vejarj/130803/cronica.htm l>. Acesso em: 31 out. 2012.

4. O texto 1 pertence a um determinado gênero discursivo muito co­


mum em cartórios e outros contextos legais. Qual é esse gênero?
5. O que há de semelhante e de diferente entre os dois textos?
6. Podemos afirmar que o texto 2 apresenta um trabalho com o gênero
representado pelo texto 1 para promover a reflexão do leitor sobre
uma questão de natureza pessoal. Explique.
7. A partir de que recursos lingüísticos Adriana Falcão “subverte” o
gênero discursivo apresentado? Justifique.
8 . A subversão do gênero é intencional e revela um interessante tra­
balho da autora do texto com a linguagem. Qual pode ter sido a
intenção de Adriana Falcão ao escrever uma crônica que apresenta
características da estrutura e do estilo de um outro gênero?

1 190 C ap ítu lo 14
PRODUÇÃO DE TEXTO
UNIDADE

7
O discurso
Em diferentes contextos e situações, nós
produzimos e lemos textos. Cada um desses
textos nasce da relação entre diferentes agentes
e assume uma configuração tem ática e estrutural
que os associa a gêneros do discurso específicos.
Nos capítulos desta unidade, descobriremos
quais são e sses agentes, o que são gêneros
discursivos e de que modo expressam
características ideológicas próprias do contexto
em que são produzidos.

2 2 . D iscurso e texto, 272


• As marcas ideológicas dos textos
• Discurso e texto: dois conceitos essenciais

2 3 . A interlocução e o contexto, 2 8 5
• Os leitores dos textos
• 0 texto e seu contexto

2 4 . ü s gêneros do d iscu rso , 3 0 5


• Uma definição de gênero
• Os tipos de composição
OBJETIVOS

Ao final do estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

1. Definir ideologia, form ação ideológica, fo rm ação d iscu rsiva, d iscu rso e texto.
S . Reconhecer de que maneira as m a rca s ideológicas se m anifestam na linguagem.
3 . Id en tificar os fato res que participam da constituição de uma form ação ideológica.
4 . Explicar como a fo rm ação d iscu rsiv a se relaciona com a form ação ideológica.
5. Analisar a relação entre d iscu rso e texto.
6 . Exp licar por que o d iscu rso é de natu reza so cial, enquanto o texto é uma
m an ifesta ção individual.

Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Leitura

Ao longo da história da música popular brasileira, muitos compositores procu­


raram definir, em suas letras, um perfil de mulher ideal. A seguir você conhecerá
duas delas.

Reprodução proibida. Art.184 do Código


Texto 1

Ai que saudades da Amélia


Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz

Você só pensa em luxo e riqueza


Tudo o que você vê, você quer
Ai, meu Deus, que saudades da Amélia
Aquilo sim é que era mulher

Às vezes passava fome ao meu lado


E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado
Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!”

Amélia não tinha a menor vaidade


Amélia é que era mulher de verdade

ALVES, Ataulfo; LAGO, Mário. Ai que saudades da Amélia, 1941.


Disponível em: <http://ataulfo-alves.m usicas.m us.br/
letras/1 65 62 0/>. Acesso em: 25 out. 2012. 10 Copyright 1941 by Irm ãos
Vitale S.A. In d ú stria e Comércio. Todos os direitos reservados para todos os palses.

1) 272 C ap ítu lo 25
Texto 2 História das
co n q u istas
o fem ininas
Emília o

Primeiros jornais
Eu quero uma mulher que saiba lavar e cozinhar femininos aparecem no
Que, de manhã cedo, me acorde na hora de trabalhar Rio de Janeiro (Jornal das
Só existe uma e sem ela eu não vivo em paz Senhoras, O Belo Sexo, A
Família, Voz Feminina),
Emília, Emília, Emília, eu não posso mais feitos pore para mulheres;
Nísia Floresta (republicana
Ninguém sabe igual a ela
e abolicionista) traduz o
Preparar o meu café livro Defesa dos direitos da
Não desfazendo das outras mulher.

NACIONAL, RIO DE JANEIRO


Emília é mulher
Papai do céu é quem sabe
A falta que ela me faz
Emília, Emília, Emília, eu não posso mais...

VASSOURINHA [LOBO, Haroldo; BATISTA, Wilson). Emília. Rio de Janeiro: Columbia,


out. 1941. Disponível em: <http://haroldo-lobo.m usicas.m us.br/letras/691754/>.

BIBLIOTECA
Acesso em: 25 out. 2012. © Copyright by Mangioni, Filhos 6 Cia. Ltda.
Todos os direitos reservados para todos os países do mundo.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

* Ilu stra ç ã o do Jornal


o
o\ da s Senhoras, 1852.
00
Análise ó Operárias brasileiras
00
00 são empregadas em
1. Em 1941, o Brasil foi apresentado a uma mulher “inesquecível”:Amélia, tecelagens, com jornadas
personagem da música de autoria de Mário Lago e Ataulfo Alves. A de trabalho de até 16
popularidade desse samba, no carnaval de 1942, foi tão grande que o horas; primeiros registros
de assédio sexual (patrões
substantivo amélia entrou para o dicionário como sinônimo de “mulher e capatazes).
amorosa, passiva e serviçal”. No caderno, copie do texto 1 os trechos

ICONOGRAPHIA
que autorizam a construção dessa imagem.
►Explique, com base nesses trechos, o que faz com que Amélia seja
vista com o “am orosa, passiva e serviçal”.

ACERVO
2. Após a leitura atenta do texto 2, podemos construir uma imagem da
mulher nele apresentada como ideal. Que características definem o
perfil de Emília?
►Se você considerar a im agem associada a Emília, diria que ela é um a
m u lh er independente? Por quê? * O perárias da
Tecelagem
3. Há, no texto 2, uma passagem que sugere que as características “pas­ M ariângela, das
siva e serviçal”, identificadas em Emília, são representativas, para o In d ú s tria s Reunidas
F. Matarazzo,
autor, do perfil da mulher ideal. Copie no caderno essa passagem.
São Paulo, na
a) Explique por que essa passagem perm ite ao leitor concluir que o década de 1920.
au to r da m úsica recorre a Emília para criar a im agem do que con­ o m.
o\ Primeira greve da
sidera a m ulher ideal. indústria têxtil no Rio
b) Podemos afirm ar que, no texto 1, Amélia tam bém é apresentada de Janeiro organizada
por mulheres; tem como
com o referência para a m ulher ideal. Justifique.
motivo a demissão de
uma operária pelo mestre
que a engravidou.
Texto e contexto histórico vo
5 As Ordenações Filipinas, leis
» À primeira vista, os textos 1 e 2 podem levar o leitor a crer que do século XVI que davam
poder de vida e morte aos
apenas seus autores têm como expectativa de mulher ideal alguém maridos sobre esposas
como Amélia e Emília. No entanto, se considerarmos que as duas suspeitas de adultério,
letras de música foram escritas em 1941, talvez seja possível afir­ deixam de vigorar. Primeiro
mar que era esse o perfil de mulher tomado como referência pela Código Civil Brasileiro.
A mulher ainda é vista
sociedade da época. Consulte a linha do tempo e explique por que
como incapaz de exercer
essa hipótese é verdadeira. uma profissão sem o
consentimento do marido.

Discurso e texto 273 ( €


----------------------------------------
1932

O Brasil é o segundo Uma m usa com nome de guerreira


pais latino-americano
□s compositores Ivan Lins e Fran­
(Equador foi o primeiro) a
admitir o voto feminino. cisco Bosco inspiraram-se em Dandara
Guerra, filha da atriz Cláudia Ohana e
do cineasta Ruy Guerra, para compor a
1949

A filósofa francesa letra de “Dandara”. Atriz como a mãe, ela


Simone de Beauvoir é a protagonista do filme 1972, de José
publica 0 segundo sexo, Emflio Rondeau e Ana Maria Bahiana, em
obra de referência para o que interpreta umajovem idealista numa
movimento feminista.
trama que tem como pano de fundo a
ditadura militar e a cena do rock carioca
dos anos 1970.
1950

Começa a ser vendida


nos EUA a pílula
anticoncepcional,
desenvolvida nos
anos 1950 por Cregory
Goodwin Pincus.

Leitura
1962

0 Estatuto da Mulher
Casada permite que as Autores contemporâneos apresentam, em suas letras de música, uma mulher
muito diferente daquela dos anos 1940. Um bom exemplo é "Dandara", de Ivan

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


brasileiras nessa condição
exerçam livremente uma Lins e Francisco Bosco.
profissão; a pílula chega
às farmácias brasileiras. Texto 3

Dandara
1966

Nos EUA, Betty Friedan


organiza a NOW (National Ela tem nome de mulher guerreira
Organization for Woman), E se veste de um jeito que só ela
dando início à segunda
Ela vive entre o aqui e o alheio
onda feminista.
As meninas não gostam muito dela
1970

Em agosto, milhares Ela tem um tribal no tornozelo


de mulheres saem às E na nuca adormece uma serpente
ruas de várias cidades
O que faz ela ser quase um segredo
americanas para
reivindicar oportunidades É o ser ela assim, tão transparente
iguais de acesso a trabalho
e instrução, paridade de Ela é livre e ser livre a faz brilhar
salários para tarefas iguais,
legalização do aborto e
Ela é filha da terra, céu e mar
abertura de creches em Dandara
tempo integral.
Ela faz mechas claras nos cabelos
E caminha na areia pelo raso
Eu procuro saber os seus roteiros
Pra fingir que a encontro por acaso
Ela tem nome de mulher guerreira;
Ela fala num celular vermelho o primeiro verso da m úsica faz
referência a Oandara, guerreira
Com amigos e com seu namorado
negra do século X V II. Mulher de
1 P a sse ata de Ela tem perto dela 0 mundo inteiro Zumbi, com ele lutou para defender
m ulheres realizada E à volta outro mundo, admirado 0 quilombo de Palm ares.
em 26 ago. 1970, em
d iversas cidades
am ericanas, na
Ela é livre e ser livre a faz brilhar
com em oração do Ela é filha da terra, céu e mar
5Gfl aniversário Dandara
da passagem da LIN S, Ivan; BOSCO, Francisco. Dandara, 2004.
19a em enda, que Disponível em: <http://letras.terra.com .b r/ivan-lins/258960/>.
reconheceu direitos Acesso em: 25 out. 2012. © 2001 by Sony Music Edições M usicais Ltda.
das m ulheres Av. das Am éricas, 3 .4 3 4 - Bloco 4 - S a la s 519 a 5 2 1 - Barra da Tijuca - RJ.
am ericanas.

274 Cap ítulo 22


P R O D U Ç Ã O DE TE X TO

» B _______________________________________________
1. Em “Dandara”, vemos surgir uma imagem de mulher a partir da des­
crição de alguns de seus aspectos físicos. Que aspectos são esses?
a) Algumas características e com portam entos tam bém são usados
pelos autores para “definir” D andara. Copie-os no caderno.
b) Que im agem de m ulher é criada por essa descrição? Explique.
2. Além de apresentar uma imagem de Dandara, a letra da música tam­
bém faz referência ao modo como, segundo seus autores, ela é vista
pelos outros. Que reações ela provoca em homens e mulheres?
a) De todas as características atribuídas a D andara, um a delas é des­
tacada como a que causa m ais im pacto. Que característica é essa?
b) Que trechos da letra se referem ao efeito provocado por tal característica?
3. Podemos afirmar que o primeiro verso — “Ela tem nome de mulher
guerreira” — oferece uma “chave” para a compreensão do perfil de
mulher que será apresentado no texto. Explique por quê.

Texto e contexto histórico


» A comparação entre o perfil de mulher apresentado nas letras das
m úsicas da década de 1940 (textos 1 e 2) e na de “Dandara” revela
uma transformação na imagem que se faz da mulher. O que pode
explicar essa mudança? Consulte a linha do tempo para elaborar
a sua resposta.

As marcas ideológicas dos textos


Todas a s c la s s e s so cia is deixam a s m arcas de su a visão de mundo, dos
se u s valo re s e c re n ça s, ou se ja , de sua ideologia, no uso que fazem da lin­
guagem. M as o que é ideologia? Se fo rm o s ao dicionário, enco ntrarem o s a
seg uinte definição para o term o:

A l d . U 8 . HU-Ü
Ideologia é um s is t e m a de id e ia s ( c r e n ç a s , t r a d iç õ e s , p r in c íp io s e
m ito s ] in t e rd e p e n d e n te s , s u s t e n t a d a s por um g ru p o s o c ia l de q u a lq u e r
n a tu re z a ou d im e n s ã o , a s q u a is re fle te m , ra c io n a liz a m e d e fe n d e m o s
p ró p rio s in t e r e s s e s e c o m p ro m is s o s in s t it u c io n a is , s e ja m e s t e s m o ra is ,
r e lig io s o s , p o lít ic o s ou e c o n ô m ic o s .
HOUAISS, Antônio; V ILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss
da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 20 09 . p. 1.043.

Como se re s hum anos, recorrem os à linguagem para e x p re ssa r no sso s


se n tim e n to s, opiniões, d esejo s. É por meio dela que in terp retam o s a reali­
dade que nos cerca . E s s a inte rp re tação , porém, não é to talm e n te livre. Ela
é construída h isto ricam e n te a p artir de uma sé rie de filtro s ideológicos que
todos nós tem o s, mesm o sem nos darm os conta de su a e xistê n cia .
E s s e s filtro s co n stitu e m uma form ação ideológica, ou se ja , um con­
junto de va lo re s e c re n ç a s a p artir dos quais julg am o s a realidade na qual
e sta m o s inserid os.

Imagens de mulher: os valores de uma época


Na abertura d e ste capítulo, tom am os contato , prim eiram ente, com duas
le tra s de m úsica e s c rita s no início da década de 1940. Embora tenham sido
co m p o stas por a u to re s d ife re n te s, c o n sta ta m o s que ap resen tam uma im a­
gem de m ulher b asta n te sem elhante.

Discurso e texto E75


Q fa to de Am élia e Em ília, c a ra c te riz a d a s como su b m is sa s , boas com ­
Uma disputa acirrada p an h e iras, donas de c a s a co m p ete n te s, d e d icad a s a s a tis fa z e r à s n e c e s s i­
dades de s e u s m arido s, serem a p re s e n ta d a s de modo tão se m e lh an te não
é uma coin cid ê n cia. Os a u to re s das le tra s dos sa m b a s e x p re ssa m a visão
de am plos s e to re s da so cie d a d e da época so b re a s q ualid ades da m ulher
ideal. E s s a visão de m ulher faz p arte da fo rm ação ideológica da so cied ad e
b ra sile ira na década de 1940.
N esse sentido , a s le tra s d e s s a s m ú sica s revelam m a rcas ideológicas
e sp e c ífic a s, que perm item re c o n stitu ir um modo tam bém e sp e cífico de ver
a realidade no m om ento em que os te x to s foram e sc rito s.
Gutra evidência disso é a letra da m ú sica “D andara”, de 2 0 0 4 . A imagem
de m ulher nela ap re se n ta d a é com p letam ente d iferen te daquela p resen te
nos te x to s da década de 1940. A c a ra c te rís tic a m ais louvada em "D andara”
é a liberdade da personagem .
Se o ideal fem inino construído em “Ai que sa u d a d e s da A m élia” e “Em ília”
é o da dona de c a sa su b m issa que vive para s a tis fa z e r à s n e c e ss id a d e s e
^ Mário Lago. Rio de Janeiro, RJ.
ao s d esejo s de seu com panheiro, o brilho e a sedução de Dandara decorrem
“Ai que saudades da Amé­ do com p ortam ento oposto: ela é independente, livre, e o fa to de s e r a ssim
lia” (de Mário Lago e Ataulfo
fa z com que os hom ens fiquem fa sc in a d o s por ela. É a m ulher que, a p artir
Alves) e “Praça Onze” (de Heri-
de m eados do século XX, saiu da e sfe ra privada, d o m é stica, para reivind icar
velto Martins e Grande ütelo)
seu lugar no esp aço público.
eram os favoritos do concurso
que elegeria o melhor samba A letra de “D andara” corresp o nd e a um novo perfil de m ulher que re su l­
do carnaval de 1EWE. Durante tou da luta de ta n ta s m ulheres pela co nq u ista de um esp aço na so ciedade.
a apresentação de “Praça Hoje, independência, autonom ia, liberdade são c a ra c te rís tic a s avaliad a s
Onze”, a platéia, no estádio como p o sitivas.
do Fluminense, foi ao delírio.
Mário Lago, ao apresentar sua
música, subiu ao palco e fez As “pistas” da formação ideológica
um discurso apaixonado, pro­ Do m esm o modo como id e n tificam o s m a rca s da fo rm ação ideológica da
clamando Amélia o símbolo
so cied ad e b rasile ira da década de 1940 nas le tra s so b re Am élia e Em ília, e
da mulher brasileira. Quando
da sociedade contem porânea na letra de “Dandara", podemos fazer o mesmo
Ataulfo Alves e suas pastoras
começaram a cantar, o está­ com q u a lq u erte xto . Para isso, b asta sa b er que tipo de inform ações procurar
dio praticamente veio abaixo. no momento de ler e a n a lisa r um te xto .
Como a vitória seria definida Se a ideologia é definida como um siste m a de ideias, p re cisam o s identi­
por aclamação, os dois sam­ fic a r, no te xto , a s ideias b á s ic a s que, nele p re se n te s, podem se r a s s o c ia d a s
bas saíram vitoriosos. aos va lo res, ao s princípios, à s c re n ç a s de um determ inado grupo so cial.
Assim , quando os com p osito res buscam exem plos do que consideram
c a ra c te rís tic a s louváveis em uma mulher, eles estão explicitando valo res e s­
pecíficos. Se e ss e s valores coincidem com a s inform ações disponíveis sobre o
que é avaliado positivam ente, em uma determ inada época, podemos concluir
que e s s e s valores são rep resentativo s de uma form ação ideológica particular.

Formação ideológica e formação discursiva


Como vim os, é por meio da linguagem que e xp licitam o s n o ssa visão de
mundo. No uso que fazem o s da linguagem enco ntram o s a s p ista s da fo r­
m ação ideológica.
A linguagem , p o rtanto, é a m a terializa çã o da n o ssa ideologia. Nas dé­
ca d a s de 1 94 0 , 1 950 e 1 9 6 0 , por exem plo, quando a im agem da m ulher
como dona de c a s a p e rfe ita era muito valo rizada, os te x to s p ub licitário s
ap re sen ta va m e x p re s s õ e s como a rainha da lar, o anjo do lar, a fada do lar, a
m ãe exem plar, a e sp o sa p e rfe ita , a sa n ta sen h o ra . E ss e vocabulário trad u zia
a s c a ra c t e rís t ic a s fe m in in a s v is ta s como p o sitiva s na época e era usado
para e nco b rir o fa to de que a m ulher era, na verd ade, a “e s c ra v a ” que devia
m a n e ja rto d o s os e le tro d o m é stico s para m anter sua c a sa p erm anentem en­
te limpa e sua fam ília feliz.

S76 Cap ítulo 22


PRODUÇÃO DE TEXTO

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1 Anúncio de 1958. Disponível em: <http://www.propagandasantigas.biogger.com.br/>.


A cesso em: 28 se t. 2 0 0 9 .

Por t rá s de todo s e s s e s term o s, podem os id e n tifica r uma m esm a ideo­


logia no que diz resp eito ao papel destinado à mulher. É por isso que a cada
fo rm a çã o ideológica co rresp o nd e uma form ação d iscu rsiva e sp e c ífic a ,
Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

c u ja s m a rcas podem s e r id e n tifica d as nos te x to s.

A formação discursiva é um c o n ju n to de t e m a s ( c a t e g o r ia s o rd e n a -
d o r a s do m u n d o n a t u r a l: a le g ria , m e d o , v e r g o n h a , s o lid a r ie d a d e , h o n ra ,
lib e r d a d e , o p r e s s ã o , e t c .) e d e t e r m o s (e le m e n t o s q u e e s t a b e le c e m
u m a r e la ç ã o c o m o m u n d o n a t u r a l: m e s a , c a r r o , á r v o r e , m u lh e r, e t c .) que
c o n c r e t iz a m u m a v is ã o de m u n d o e s p e c íf ic a .
proibida. Art.184 do Código

Sem pre que for possível identificar, em um conjunto de te x to s, uma regu­


laridade (recorrência de te m as e term o s], e stare m o s diante de uma mesm a
form ação d iscu rsiva. Observe.
Reprodução

Dirigir um lar

REPRODUÇÃO
24 de fevereiro de 1960

Somente uma mulher, e dona de casa, sabe e reconhece a grande tarefa que é
bem dirigir uma casa. A dona de casa tem de ser, antes de tudo, uma
economista, uma "equilibrista" das finanças, principalmente com
as dificuldades da vida atual. O lar é o lugar onde devemos en­
contrar a nossa paz de espírito num ambiente limpo, sadio e
agradável e cabe à mulher providenciar isso. [...]
A boa dona de casa é a que sabe dar ordens e acompanha
de perto a sua execução. É a que mantém a limpeza, a ordem,
o capricho em sua casa, sem fazer desta um eterno lugar de
cerimônias, de deveres, onde tudo é proibido. É a que faz de
sua casa o lugar de descanso, da felicidade do marido e dos
filhos, onde eles se sentem realmente bem, à vontade, e são
bem tratados. O melhor lugar do mundo. - i , 9 4-
■'* x ....

LISPECTO R, Clarice. Correio feminino.


i Anúncio de enceradeira e aspirador
Aparecida Maria Nunes (Org.).
de pó, 1958. Disponível em: <http://
Rio de Janeiro: Rocco, 2 0 0 6 . p. 45, [Fragmento).
w ww .propagandasantigas.blogger.
com.br/>. Acesso em: 25 out. 2012.

Discurso e texto 277


§ Pequeno manual Bilhetes às leitoras
1 da futura dona [...] Muitas são as mulheres que invejam as amigas, pela harmonia que estas
de casa" ** *01 conseguem em seus lares. Chegam a perguntar qual o segredo de viver bem a dois,
qual a receita da felicidade conjugal. Não sabem que, em poder delas mesmas, está
quase sempre a chave que abre todas as portas que dão para o reino sereníssimo de
uma perfeita vida em comum. É que a receita de felicidade pode ser, apenas, uma
receita... de cozinha.
[...] Pode haver uma infinita poesia na família reunida à volta de uma mesa. E há
sempre essa doce poesia que emana de você — esposa, mãe e dona de casa. Você
mesma é poesia, minha amiga!
SANGIRARDI, Helena B. A alegria de cozinhar.
19. ed. São Paulo: M artins, s. d. p. 12. (Fragmento).

T e m a s: harm onia d o m éstica [paz de esp írito , limpeza, ordem , capricho,


d esca n so , felicidade], felicidade fam iliar [harmonia, viver bem a dois, felicidade
^ Capa de um livro de receitas, conjugal, p e rfe ita vida em com um ).
publicado em agosto de 1968. Term os relacionados aos te m a s: mulher, dona de ca sa , casa , lar, am biente
limpo, sadio e agradável, marido, filhos, m ulheres, lares, re ce ita ... de cozinha,
filme família, e sp o sa , m ãe e dona de ca sa .
Um sorriso perturbador: Os dois te x to s ap resen ta m co n se lh o s dirigidos à s e sp o sa s so b re como
a em ancipação feminina alca n ça r a felicid ad e na vida fam iliar. N essa form ação d iscu rsiva e sp e cífica ,
<*
|o o bservam o s um encadeam ento te m á tico introduzido pelos co n ce ito s de
felicid ad e, harm onia, tranq üilidad e. Todos e s s e s co n ce ito s correspondem a
uma fo rm ação ideológica que define a felicid ad e conjugal como decorrente
de uma vida em comum em que cab e à m ulher a organização do contexto
fam iliar, de modo a cria r um lar perfeito para seu marido e se u s filhos.
Tanto Clarice Lispector, em sua coluna no jornal Correio da Manhã, quanto
m o n a lisa sm ile Helena Sangirardi, em seu livro de receitas, m anifestam adesão a e ssa form a­
* Cartaz do filme
ção ideológica e isso fica evidente nas m arcas, em seus texto s, de uma mesma
O sorriso de Mona Lisa, de form ação discursiva.
Mike Newell. EUA, 2003. É im portante lembrar que, ao longo das últim as décadas, a participação
Quando K atherine Wat- feminina na sociedade mudou bastante. A realização profissional e a autonomia
son, uma idealista professo­ econômica foram im portantes conquistas d esencadeadas pelo movimento
ra de história da arte, chega
fem inista e significaram o questionam ento do estereótipo da esposa ideal, ü
ao prestigioso Wellesley Col-
lege, surpreende-se com o casam ento deixou de se r um ideal de felicidade para a mulher. Os te xto s pro­
perfil de suas alunas. Embora duzidos a partir da década de 1970, por isso, passaram a ap resentar m arcas de
estejam em uma universida­ outras form ações discursivas.
de, muitas delas acalentam o
sonho de se tornarem espo­
sas dedicadas, responsáveis
por garantir a seus maridos
uma vida confortável, ainda
que fe ita de a p a rê n c ia s . ^ Leia o texto e responda às questões de 1 a 4.
0 co nflito entre os ideais
fe m in istas e libertários da
p ro fe s s o ra W a tso n e as
Sou eu que começo? Não sei bem o que dizer sobre mim. Não me sin­
expectativas conservadoras
to uma mulher como as outras. Por exemplo, odeio falar sobre crianças,
de su as alunas torna esse
filme um interessante painel empregadas e liquidações. Tenho vontade de cometer harakiri quando me
representativo do momento convidam para um chá de fraldas e me sinto esquisita à beça usando um
em que o perfil da esposa lencinho amarrado no pescoço. Mas segui todos os mandamentos de uma
como mulher ideal começou boa menina: brinquei de boneca, tive medo do escuro e fiquei nervosa com
a se r questionado so c ia l­ o primeiro beijo. Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delinea-
mente (anos 1940 e 1950].
dor, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu
hermafroditismo cerebral. Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa.

278 Cap ítulo 22


PRODUÇÃO DE TEXTO

Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de
nada. Sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu
arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos.
[...] Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora,
porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que
sou promíscua, doutor Lopes. São muitas mulheres numa só, e alguns homens
também. Prepare-se para uma terapia de grupo.
MEDEIROS, M artha. Divã. Rio de Janeiro: Objetiva, 2 0 0 2 . p. 9-11. (Fragmento).

1. No primeiro capítulo do romance Divã, de Martha 3. O que quer dizer a personagem quando afirma
Medeiros, a personagem Mercedes conversa com sofrer de “hermafroditismo cerebral”? Justifique.
o seu analista. Qual é o tema dessa conversa? ►Por que tal característica não é percebida pelos
2. “Sou tantas que mal consigo me distinguir.” A outros?
partir dessa afirmação podemos identificar o 4 . Ao longo do texto, M ercedes nega u m a série de
problema que atormenta a personagem. Qual valores tradicionalm ente associados à im agem
é ele? de m ulher com o esposa e m ãe, característicos
►Um “problem a” com o esse poderia ser consi­ de u m a outra form ação discursiva. No caderno,
derado típico de u m a m ulher que vivesse, por copie os trechos em que isso ocorre.
exemplo, n a década de 1940? Explique.
►A n e g a ç ã o d e s s e s v a lo re s
sugere que a form ação d is­
^ Releia.
cursiva n a qual se insere o ro ­
m ance de M artha M edeiros é
Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e diferente daquela identificada
delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras:
n as letras de m úsica da d é ­

ELOAR GUAZZELLI
cada de 1940 e nos anúncios
ninguém desconfia do meu hermafroditismo cerebral.
das décadas de 1950 e 1960.
Explique por quê.

Discurso e texto:
dois conceitos essenciais
Quando co nsid eram o s os fa to re s e xtra lin g u ístic o s a sso c ia d o s ao con­
te xto de produção de um te xto , percebem os a im portância de sua p artic i­
pação na co n stru ção de sentido , na definição de uma fo rm ação ideológica
e d iscu rsiva.
Como m em bros de uma so cied ad e, tom am os contato com a form ação
d iscu rsiva própria do no sso grupo so cia l. Ela se torna a base dos d isc u rso s
que co n stru ím o s, m esm o que não tenham o s co n sciê n cia d isso . Por re fle tir
a p e rsp e ctiv a ideológica de um grupo, o d iscu rso é so cial. A ssim , falam o s,
por exemplo, no d iscu rso dos oprim idos ou no d iscu rso da c la s s e dom inante.

0 termo discurso refere-se ao uso da língua em um contexto histórico e


social específico, em que desempenham papel relevante fatores de natu­
reza extralinguística (como faixa etária dos interlocutores, gênero, nível de
escolaridade, classe social e outros] presentes no momento em que esse
uso ocorre. Por isso, o discurso é o espaço da materialização das formações
ideológicas, sendo por elas determinado. Nesse sentido, pode ser visto como
uma abstração, porque corresponde à “voz" de um grupo social.
0 texto é o espaço de concretização do discurso. Trata-se sem pre de
uma m anifestação individual, do modo como um sujeito escolhe organizar
os elem entos de expressão de que dispõe para veicular o discurso do
grupo a que pertence.

Discurso e texto 279


A relação entre discurso e texto
Há uma relação n ecessária entre discurso e texto, porque todo texto vincula-
-se ao d iscu rso que lhe deu origem. 0 modo como um te xto e sp e cifico ma­
n ife sta um determ inado d iscu rso é o que define o seu c a rá te r sub jetivo:
ele n a sce do olhar e sp e cífico de um autor, que tom a d e cisõ e s p a rticu la re s
sobre como fa la r sobre d eterm inado s te m a s .
A liberdade do au to r de um te xto , porém, nunca se rá to tal, já que todos
os m em bros de um grupo so cial e xp re ssa m , em algum a m edida, a form ação
d iscu rsiva que re fle te a sua ideologia.

O discurso no tempo: imagem do jovem

1. Pesquisa e análise de dados


Ao longo deste capítulo, você entrou em contato com d iferen tes im agens
de mulher. A presentam os, a seguir, algum as m ú sicas, e s c rita s em diferentes
momentos, que constroem im agens do jovem .
Sua tare fa será, em equipe, m ontar um painel ilu strativo das diferentes
im agens do jovem . Comecem analisando a s m ú sicas propostas aqui.

1973
Sangue latino

Jurei mentiras
E sigo sozinho
Assumo os pecados
Uh! Uh! Uh! Uh!

Os ventos do norte
Não movem moinhos
E o que me resta
É só um gemido Rompi tratados
Traí os ritos
Minha vida, meus mortos Quebrei a lança
Meus caminhos tortos Lancei no espaço
Meu sangue latino Um grito, um desabafo
Uh! Uh! Uh! Uh!
Minh’alma cativa E o que me importa
É não estar vencido
Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Meu sangue latino
Minh'alma cativa

RICARDO, João; MENDONÇA, Paulinho. Disponível em:


<http://letras.m us.br/ney-m atogrosso/4773B/>.
Acesso em: 20 abr. 2013.

28 G Capítulo 22
PRODUÇÃO DE TEXTO

7985
Geração Coca-Cola
Quando nascemos fomos programados Vamos fazer nosso dever de casa
A receber o que vocês nos empurraram E aí então, vocês vão ver
Com os enlatados dos U.S.A., de nove às seis Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis
Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial Somos os filhos da revolução
Mas agora chegou nossa vez Somos burgueses sem religião
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola
Somos os filhos da revolução
Geração Coca-Cola
Somos burgueses sem religião
Geração Coca-Cola
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola
proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Depois de 20 anos na escola RUSSO, Renato; LEMOS, Fê. Geração Coca-Cola.


Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/legiao-urbana/
Não é difícil aprender
geracao-coca-cola.htm l>. Acesso em: 25 out. 2012.
Todas as manhas do seu jogo sujo © EM I/1985/Edições M usicais Tapajós Ltda.
Não é assim que tem que ser?
Reprodução

7999
Minha alma (a paz que eu não quero)
A minha alma tá armada e apontada Me abrace e me dê um beijo
Para cara do sossego Faça um filho comigo!
Pois paz sem voz, paz sem voz Mas não me deixe sentar na poltrona
Não é paz, é medo No dia de domingo, domingo
As vezes eu falo com a vida Procurando novas drogas de aluguel
As vezes é ela quem diz Nesse vídeo coagido
Qual a paz que eu não quero conservar É pela paz que eu não quero seguir admitindo
Pra tentar ser feliz? É pela paz que eu não quero seguir
As grades do condomínio É pela paz que eu não quero seguir admitindo
São pra trazer proteção
YUKA, Marcelo. Disponível em: http://www.orappa.com.br/
Mas também trazem a dúvida discografia/lado-b-lado-a.html. Acesso em: 7 abr. 2013.
Se é você que tá nessa prisão

Discurso e texto 281


Escolhem os exem plos que perm item identificar d iferen ças no perfil
filme do jovem em trê s décadas. Sua tare fa, agora, é selecio n ar m ú sicas que, a
partir da década de 1970 até os dias de hoje, ilustrem a m udança sofrida
Diário de c la s s e : ce n a s por e sse perfil.
de e sc o la s b rasileiras
Após selecionarem os textos que participarão do painel, procurem tam ­
bém imagens (fotografias, propagandas, cenas de film es, etc.) que possam
complementar os texto s escolhidos. Lembrem-se de que um mesmo discurso
pode se m anifestar por diferentes meios de expressão (linguagem verbal,
cinematográfica, musical, etc.).
PRO DIA 0 resultado da sua pesquisa deverá se r um painel intitulado A imagem
NASCER do jovem na m úsica popular brasileira entre o s anos 1970 e P010.
FELIi
2. Elaboração
► Organizem a s in fo rm a ç õ e s c o le ta d a s d urante a p e sq u is a : que
* Cartaz do film e Pro dia
d é cad a s e stão re p re se n ta d a s pelas le tra s de m ú sica e sc o lh id a s?
n a sce r feliz, de João
Jardim . Brasil, 2007. Vocês co n se g u iram in fo rm açõ e s so b re como a so cie d a d e via o
jovem n e s sa s d é ca d a s?
Para fazer o que chamou
► No momento de a n a lisa r a s m ú sica s, procurem d eterm inar, a p artir
de um “diário de observação
da vida do adolescente no
de inform ações p re se n te s no te xto , a que c la s s e so cial pertencem
Brasil", João Jardim entre­ os jo ven s n elas ap resen tad o s.
vistou jovens de 14 a 17 anos • A m ú sica e sta b e le c e algum projeto de vida asso cia d o ao com por­
em diferen tes e sco las. Do tam ento dos jo ve n s? Que projeto é e s s e ?
interior de Pernambuco à pe­
riferia de São Paulo, as vozes Montagem do painel
que emergem d esse docu­
m entário perm item tra ç a r No momento de montar o painel, vocês deverão seguir os passos abaixo:
o perfil de adolescentes de ► Organizar cronologicam ente a ap resentação dos texto s, para permitir
diferentes c la sse s so ciais, que o leitor do painel p o ssa acom panhar a s m udanças ideológicas e
com distintas perspectivas d isc u rsiv a s ao longo do período de tem po considerado.
de vida e de futuro.
► Id e n tific a r cada m ú sica escolh id a (título, com positor, ano de com ­
posição).
► Transcrever a letra da m úsica, destacando os te m as e term os co rre s­
pondentes à form ação ideológica por ela rep resen tad a.
► Fazer um quadro analisando, brevem ente, e ssa form ação ideológica
e explicitando a relação entre a m ú sica selecio n ad a e a imagem
e scolh ida para com plem entá-la, quando for o caso .

Apresentação oral do painel


No dia combinado para a ap resen tação, os vários painéis re su lta n te s
do trabalho de cada turm a deverão se r exp osto s, lado a lado, em um local
previam ente escolhido e divulgado.
Representantes dos vários grupos deverão expor oralmente o resultado'
da pesquisa realizada e tam bém e sclare ce r as p ossíveis dúvidas que surjam
por parte dos visita n te s da exposição.

internet
Nos sites abaixo, você poderá fazer pesquisas so^re-letras de músicas e tam­
bém obter informações sobre seus compositores e o contexto em que escreveram:
• http://letras.terra.com.br/ • http://www.webletras.com.br/ .
• http://www.vagalume.com.br/ • http://www.lyrics.com.br/
• http://www.musicas.mus.br/

1> 2 8 2 Capítulo 22
A interlocução
e o contexto

OBJETIVOS

Ao final do estudo deste capítulo, você deverá se r capaz de:

1. Definir interlocução.
2. Reconhecer as m arcas textu ais que permitem identificar
o perfil de interlocutor preferencial de um texto.
3 . Saber como o perfil de interlocutor u niversal se diferencia
do perfil de interlocutor esp ecífico .
4 . Compreender como o perfil de interlocutor afeta a estrutura de um texto.
5. Definir contexto.
Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

6 . Reconhecer e analisar, em tex to s específico s, os fa to re s


extralin g u ístico s que participam da construção do sentido.

Leitura

Todos os textos, orais ou escritos, são produzidos levando em consideração


o leitor/ouvinte a quem se dirigem. Ao ler o texto transcrito a seguir, observe
de que modo essa característica determina a maneira como ele fo i elaborado.
Reprodução proibida. Art.184 do Código

Do lugar onde a vida é de


mentira e dos muitos papéis
Amados irmãos do vasto mar, muito teria o vosso Papalagui: term o utilizado pelos
humilde servo a vos contar para conhecerdes a verdade sam oanos para designar o homem
branco, o estrangeiro.
sobre a Europa. Para tanto, minha fala precisaria ser tal
qual a cachoeira que corre da manhã à noite e, mesmo
assim, não seria possível contar tudo pois a vida do
Papalagui assemelha-se à vida do mar cujo princípio e
fim jamais se pode ver com exatidão. A vida do Papa­
lagui tem tantas ondas quanto o mar, a grande água,
e pode ser tempestuosa, movimentada, sorridente,
sonhadora. Tal qual homem algum conseguiria retirar
a água do mar com o oco da mão, também não me é
possível trazer-vos o grande mar que é a Europa com
a pequenez do meu espírito.
Mas não quero deixar de vos contar, pelo menos,
que assim como o mar não existe sem água, assim não
pode haver vida na Europa sem a vida de mentira [...].
O lugar da vida de mentira! Não é fácil explicar­
mos como é esse lugar que o Branco chama cinema;
explicar-vos tão claramente que vos seja fácil com­
preender. Em todas as aldeias da Europa, existe este
lugar misterioso, mais procurado do que a casa do
missionário; que faz sonhar até as crianças e ocupa o
seu espírito.

A interlocução e o contexto 285

*
O cinema é uma cabana maior do que
0 Papalagui: verdade a maior cabana de chefe de Upolu; muito
ou fic ç ã o ? maior até. Escura, mesmo durante o dia, e
tão escura que ninguém conhece quem está
perto; tão escura que se fica cego quando se
0 PAPALAGUI entra e mais cego ainda quando de novo se
sai. Por esta cabana as pessoas arrastam-se
ao iongo das paredes, às apalpadelas, até
vir uma moça com um fogo na mão a fim
de levá-los até onde há lugar. Os Papala-
guis ficam sentados uns junto dos outros,
na escuridão, sem se enxergarem; e a sala
escura fica cheia de gente, todos calados;
cada um sentado numa tábua estreita; e todas as tábuas estão dispostas na direção
de uma mesma parede.
Desta parede, embaixo, digamos assim, de uma garganta profunda, vem um
zumbido, um barulho; e assim que os olhos se acostumam à escuridão, vê-se um
Papalagui que, sentado, luta com um baú, batendo nele com os dedos abertos,
* Capa da edição brasileira batendo numas linguetas brancas e pretas, muitas linguetas, que o grande baú
de O Papalagui. vai apresentando; e cada lingueta range alto, com vozes diferentes cada vez que
é tocada, de tal forma que produz guinchos selvagens, desordenados, tal qual

Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Em 1914, □ escritor alemão
E ric h S ch e u rm a n n (1878- uma briga na aldeia.
-1957) foi para as ilhas Samoa, Este barulho todo é para desviar nossos sentidos, para enfraquecê-los, a fim
fugindo da Prim eira Guerra de acreditarmos no que estamos vendo e não duvidarmos de que é verdade. Na
Mundial. Quando voltou para parede brilha um raio de luz, dando a impressão de uma lua cheia, onde se veem
a Alemanha, publicou 0 Pa­ pessoas, pessoas de verdade, que parecem Papalaguis de verdade, vestidos como
palagui, livro em que dizia eles, movendo-se, andando para cá e para lá, correndo, rindo, saltando, tal qual
ap re sen ta r os com entários
existem em todos os lugares da Europa. É como se fosse a imagem da lua na lagoa,
de um chefe samoano sobre
é a lua e não é; é apenas cópia. [...]
a Europa. Até hoje há quem

proibida. Art.184 do Código


Mas é certo que estes homens na parede são homens de mentira, não são
afirme que os textos de Tuiávii
(o termo significa chefe) foram homens de verdade. Se se pudesse agarrá-los, ver-se-ia que são feitos apenas de
criados pelo próprio Scheur­ luz, que não é possível pegar neles. Servem somente para mostrar ao Papalagui
mann. 0 livro fez muito suces­ todos os seus prazeres e pesares, suas tolices e fraquezas. [...]
so ao ser lançado e tornou-se Estas imagens sem vida, que não respiram, dão ao Papalagui muito contenta­
uma espécie de “bíblia” para mento. Nesta sala escura, ele pode se iludir com uma vida de mentira, sem sentir

Reprodução
comunidades alternativas da vergonha, sem ser visto pelos outros. O pobre faz-se de rico, o rico faz-se de pobre;
década de 1970. o enfermo julga-se sadio, o fraco julga-se forte. Na escuridão, cada um vive uma
vida de mentira, que jamais viveu, nem viverá na realidade.
Entregar-se a esta vida de mentira tomou-se uma verdadeira paixão para o
Papalagui. Tão grande, às vezes, que o faz esquecer de sua vida de verdade. É
doentia esta paixão porque o homem saudável não vive a vida de mentira numa
sala escura; vive a vida real, com calor, ao sol claro.

SCHEURMANN, Erich. O Papalagui: com entários de Tuiávii,


chefe da tribo Tiavéa, nos m ares do sul. 7. ed. São Paulo:
Marco Zero, s. d. p. 79-81. (Fragmento).

Análise

1. O texto apresenta a fala de um chefe samoano, Tuiávii. A quem ele se


dirige?
a) No caderno, copie do texto as passagens em que se pode identificar
a quem se dirige Hiiávii.
b) Que term os, n essas passagens, m arcam a presença dos ouvintes de
Tuiávii no texto?

1 286 Cap ítu lo 53


PRODUÇÃO DE TEXTO

Tuiávii procura descrever, de modo minucioso, algo que viu na Europa.


O que está sendo descrito por ele? No escurinho do cinem a
a) Ttiiávii utiliza um a expressão criada por ele para

BETTMANN/CORBIS/LATINSTOCK
fazer referência àquilo que descreve. Que expressão
é essa?
b) Essa expressão traduz algum juízo de valor? Por quê?
Um mesmo recurso é utilizado por Tuiávii em várias
descrições. Leia.
[...] minha fala precisaria ser tal qual a cachoeira que corre
da manhã à noite e, mesmo assim, não seria possível contar
tudo pois a vida do Papalagui assemelha-se à vida do mar cujo
princípio e fim jamais se pode ver com exatidão.
►Que recurso é esse? Transcreva no caderno os trechos
em que o recurso é em pregado.
* Prim órdios do cinem a
4. Além do recurso identificado na questão anterior, um outro também
com platéia e pianista
está muito presente na fala do chefe samoano. Observe o trecho ao vivo. 1913.
destacado.
As primeiras sessõ es de ci­
[...] não me é possível trazer-vos o grande mar que é a Europa [...] nema, mudas até 1929, eram
►Que recurso foi usado? docum entários e narrativas
proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

rudimentares acompanhados
5. Os dois recursos lingüísticos utilizados por TUiávii são figuras de lingua­ por um piano [ou até mesmo
gem. Por que ele recorre com tanta frequência a essas figuras, em seu por uma orquestra, nas gran­
texto? des salas) que pontuava as
.
6 A leitura do texto permite concluir que Tuiávii tem um objetivo claro cenas mais emocionantes.
ao descrever, para seus irmãos samoanos, o “lugar onde a vida é de
mentira”. Que objetivo é esse?
Podemos afirm ar que a opinião de Tnávii explicita um conflito de
valores. Explique.

Os leitores dos textos


Talvez você não tenha parado para p en sar so b re isso , m as todo texto ,
Reprodução

oral ou e sc rito , dirige-se a um interlocutor com c a ra c te rís tic a s e sp e c ífic a s.

G termo interlocutor designa cada um dos participantes de um diálogo.


□s interlocutores de um texto, portanto, são os leitores/ouvintes em quem
o autor pensa no momento de elaborá-lo.

Nos te x to s e sc rito s, a p articip ação dos leito res no diálogo com o au to r


é sem pre indireta, pois ele e scre ve s e u s te x to s com base ap e n as na im a­
gem que faz de se u s in te rlo cu to res. No te xto tra n s c rito na ab ertu ra deste
cap ítulo , por exem plo, o au to r com eça saudando se u s "am ados irm ãos do
v a sto m ar”. Ao fa ze r isso , id entifica os in te rlo cu to re s que imaginou quando
e sta v a escrevendo .
Uma vez definidos os in terlo cu to re s de um te xto , o auto r deve levar em
co n sid eração a s c a ra c te rís tic a s e sp e c ífic a s deles, ou se ja , seu perfil, de
modo que g aranta a ele s a com preensão do que irá dizer.
No caso do te xto lido, por exem plo, o perfil dos in te rlo cu to re s leva o
au to r a fa ze r uma série de co m p araçõ es e m e táfo ra s, tom ando como base
elem en to s da natureza para d e sc re ve r o funcionam ento de uma s e s sã o de
cinem a. Observe, no trech o a seguir, a d e scriçã o fe ita por Tuiávii do piano
que acom panhava a s exib içõ es de film e s no cinem a mudo.

A interlocução e o contexto 287 < f


Desta parede, embaixo, digamos assim, de uma garganta
No trecho , Tuiávii apresenta o lo­
profunda, vem um zumbido, um barulho; e assim que os
cal de onde saem os sons do piano
co m o u m a g a r g a n t a p ro f u n d a . olhos se acostumam à escuridão, vê-se um Papalagui que,
Desse m om ento em diante, explora sentado, luta com um baú, batendo nele com os dedos
a im agem da garganta que produz abertos, batendo numas linguetas brancas e pretas, muitas
sons (zum bido, barulho, Tangidos,
linguetas, que o grande baú vai apresentando; e cada lingue-
vozes, guinchos), expandindo as re­
ferências utilizadas para descrever o ta range alto, com vozes diferentes cada vez que é tocada,
efeito provocado pela ação do homem de tal forma que produz guinchos selvagens, desordenados,
sobre o piano. tal qual uma briga na aldeia.
A liás, para e xp licar como os sons
são produzidos, ele recorre a um a Como sab e que s e u s in te rlo cu to re s - nativo s sam o an o s - nunca a s ­
outra m etáfora, a da luta, que dá lu­
gar a uma segunda série de im agens s istira m a uma s e s s ã o de cinem a e tam bém não tive ram nenhum tipo de
exploradas para m elhor descrever o contato com um piano, o au to r p re cisa e n co n tra r re fe re n te s na realidade
funcionam ento do piano (lu ta com conhecida por e le s para co n stru ir im agens que lhes perm itam re p re se n ta r
um baú, b ate com os dedos, briga na
aldeia). O resultado dessas im agens o que e stá sendo d e scrito .
é cria r para os sam o an os alg um as E s s e p ro cedim ento revela que, no m om ento de co n ce b e r o te x to , o co­
referên cias do un ive rso conhecido nhecim en to do perfil dos in te rlo cu to re s m otivou não só muito daquilo que
por eles,que perm itam elaborar uma
representação sensorial (visual e a u ­
foi dito pelo au to r, m as tam bém a m aneira como e xp re sso u s u a s id e ia s e
ditiva) de como funciona um piano. co n stru iu su a s im agens.

Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


0 interlocutor universal
M uitos dos te x to s com os q uais e n tra m o s em co n tato , por meio de
re v is ta s e jo rn a is, não podem se dirigir a in te rlo cu to re s muito p a rticu la re s.
De modo geral, se u s a u to re s e scre ve m para um grande número de le ito res
e isso fa z com que o perfil de in te rlo cu to r por ele s re p re se n tad o te n h a de
se r m ais genérico. Observe o te x to a seguir.

proibida. Art.184 do Código


Vidas e costumes sob o risco de extinção
Isoladas, tribos indígenas da Etiópia, que m antêm práticas culturais inusitadas,
são vítimas de invasões de terra e obras de infraestrutura

A África despede-se aos poucos de um de seus estereótipos mais fortes, suas tribos

Reprodução
primitivas. Grupos indígenas desaparecem à medida que surgem quilômetros de as­
falto e novas torres de celular. As áreas mais isoladas do continente são conquistadas
e não há mais refúgios para as populações nativas. Uma barragem no sul da Etiópia, a
maior do país e a mais alta da África, modificará para sempre a paisagem que abriga
as diferentes tribos do vale do rio Omo.
Durante um percurso de 40.000 quilômetros,
IMAGES

por 18 países do continente, conheci comunidades


nativas que caminham a passos lentos em dire­
MEIGNEUX/SIPA/NEWSCOM/GLOW

ção ao século XXI. De todas as etnias, as tribos


do vale foram as que mais me impressionaram.
A região é enclaustrada: os primeiros ocidentais
conheceram o rio e suas etnias há apenas pouco
mais de um século. Tribos como hamer, karo,
ari, banna ou mursi são os últimos arquétipos de
povos nativos com (quase) nenhuma influência
da vida moderna. Falam somente seus idiomas,
vestem roupas de couro de animais e (ainda) não
têm telefones celulares.
Turmi é um vilarejo dentro da área hamer que
ganha vida às segundas-feiras, dia de mercado.
O movimento só engrena às 11 h30: os locais
1Habitante do vale do rio Omo, Etiópia, 2 0 0 8 . precisam de três a seis horas para chegar a pé

288 Cap ítu lo 2 3


PRODUÇÃO DE TEXTO f l
até o lugar. Turmi está fora das rotas de comércio e aqui não existem objetos de Estereótipos: ideias preconcebidas
plástico "made in China”. As mercadorias são básicas: alimentos para sobreviver. É sobre alguém ou algo, resultante
de julgamento baseado em
um mercado africano como eram todos os outros há 50 anos. Há mais mulheres que generalizações que não
homens e quase todas usam vestimentas nativas. Elas levam um longo pedaço de correspondem necessariamente à
pele de cabra pendurado no pescoço, cobrindo a frente do corpo. A borda da pele do realidade.
Enclaustrada: enclausurada.
animal é decorada com búzios. As laterais estão abertas, deixando transparecer os
Arquétipos: modelos que funcionam
seios. As costas estão nuas. Estou em território nativo, num dos últimos bastiões de como essência e princípio
tribos de tradição pastoril. “Você pode entender a base da economia dos hamers pelos explicativo para todos os objetos da
produtos do mercado", afirma Adimas Cenebo, um intérprete. “Além da manteiga, realidade material. Representações
compartilhadas pelo inconsciente
eles trazem leite, mel e animais vivos. E voltam com sorgo, milho e folhas de tabaco." coletivo.
Sorgo: grão semelhante ao milho,
CASTRO, Haroldo. É p o ca . São Paulo: muito cultivado na África, índia e
Globo, n. 730,14 maio 2012, p. 50-52. (Fragmento), China.

0 autor do texto descreve, para leitores de uma revista semanal de atua­


lidades, aspectos da vida de tribos indígenas da Etiópia que mantêm inalte­
rados seus rituais e não incorporaram as influências culturais e tecnológicas
do mundo em que ele vive. Ele se preocupa, por exemplo, em indicar que as
tribos mencionadas em seu texto ficam na Etiópia. Também informa ao leitor
que a proximidade de uma barragem “modificará para sempre a paisagem
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que abriga as diferentes tribos do vale do rio Orno”. Em outra passagem,


descreve brevemente o mercado do vilarejo de Turmi, destacando o fato de
que as atividades ali realizadas permanecem inalteradas há décadas: “É um
mercado africano como eram todos os outros há 5G anos. Há mais mulheres
que homens e quase todas usam vestim entas nativas.”.
Pelas referências fe ita s no texto, podemos supor que os leitores da
revista em que foi publicado são pessoas de idade variada, com diferentes
graus de escolaridade, que se interessam por assunto s de cultura geral. É,
portanto, um perfil genérico de interlocutor.

aHBBW W CT
Dizemos que um texto se dirige a um interlocutor universal (ou gené­
rico] quando não é possível identificar um perfil de leitor específico que
justifiqu e determ inadas escolhas fe ita s no texto. Normalmente, texto s
jo rn alístico s de caráter mais geral dirigem-se a interlocutores universais.

^ im e
Gerewol: a beleza m asculina
Um in teressa n te ritual africano é
retratado no episódio “D esertos-A vida
na fornalha”, parte do documentário
Planeta Humano, da BBC. No sul do de­
serto do Saara, na Nigéria, os homens
Wodaabe reúnem-se, ao final da e sta­
ção das chuvas, para o Gerewol, quando
membros de diversos clãs dessa tribo
nômade enfeitam -se para participar Cena do documentário
de um curioso concurso de beleza. □ P la n e ta Hum ano (BBC,
venced or é escolhido por m ulheres 20 11 ) que mostra dois
que avaliam não só seu desempenho Wodaabe preparados
para o ritual Gerewol,
na dança ritu a l, m as tam bém su a s
na Nigéria, em 2009.
coloridas pinturas faciais.

A interlo cu çâo e o contexto 289 « f


Considerando a grande diversidade de assu n to s e tem as
FOLHAPRESS

■ FOLHA DE S P U LO

I .X “ • abordados nos te xto s com os quais convivemos diariamente,


é freqüente que os leitores façam a seleção do que será lido
t lG Ü C If t + s a ú d e em função de seus in te resses pessoais. Is s o não significa,
porém, que os te xto s escolhidos por alguns leitores, e não
por outros, tenham sido elaborados para interlocutores com
um perfil particular. Eles podem ser texto s voltados para o
interlocutor universal que, pela natureza do tema abordado,
V • interessam a um número reduzido de leitores.
üs texto s de divulgação cientifica publicados em seções
especificas de jornais e revistas são exemplo disso. Q obje­
Grupo acha gêmea da Terra ‘na esquina’ tivo dos autores de ta is texto s é tornar compreensível, para
O planeta, com quase a mesma massa que o nosso, está era Alfa Centauri, o conjunto estelar mais próximo do Sol
o maior número de leitores possível, algumas descobertas e
Uines-bufeSistcau te desenvolvimentos recentes da ciência. Justam ente por isso,
trabalham com um perfil de leitor universal. Apenas uma par­
cela do total de leitores dos jornais e revistas costuma ler
texto s de divulgação científica, mas isso não quer dizer que
eles sejam escrito s para interlocutores com perfil específico.
^ Capa do Caderno Ciências, da Textos científicos publicados em revistas acadêm icas são exemplo da
Folha d e S .P a u lo , 17 out. 2012.
situação contrária. Nesse caso, os autores dos texto s dirigem-se a inter­
locutores com um perfil mais particular e, por isso, podem pressupor um
conjunto de conhecimentos compartilhados no que diz respeito aos tem as
abordados, aos conceitos discutidos e ao vocabulário utilizado.

• Textos criados para interlocutores específicos


Alguns gêneros textuais têm a sua concepção inteiramente definida pelo
perfil do interlocutor a que se dirigem. É o caso, por exemplo, dos textos
publicitários.
Como a finalidade d esses texto s é produzir um efeito específico em seus
leitores (convencê-los a “comprar” um produto ou uma ideia), precisam ser
concebidos de modo que explorem as ca ra cte rística s m a ism arca n te s do
público a que se dirigem. Observe.

* Capa da edição da revista P e sq u isa


F A P E S P de fevereiro de 2013.

^ O
Gabi
to legal nas fotos???
Lili
taaaahü seu quarto ta mto lokoü
Gabi
curtiu?!
Lili
demaaaisssüü!
mas qm tirou as fotos??
Gabi <
nem t conto... rsrs C a prich o.
Gabi São Paulo:
adivinhaaaa!!!!!... hehe Abril, ed. 1.006,
26 nov. 2006.

E9G C ap itulo 23
PRODUÇÃO DE TEXTO

A análise do texto permite que sejam identificadas ca ra cte rística s a s­


sociadas a interlocutores de perfil muito específico.
0 título faz referência ao quarto de alguém (“No seu quarto pode acon­
te ce r de tudo. Menos tédio.”). A intenção do texto é promover a identifi­
cação entre o leitor do anúncio e o quarto que está sendo apresentado.
Para alcan çar e sse objetivo, é reproduzida, no centro da página, a imagem
de uma “jan ela ” de um programa de computador que permite a troca de
m ensagens instantâneas.
Nessa “janela”, aparece um trecho de uma conversa entre duas amigas,
Gabi e Lili. As am igas falam sobre o quarto da Gabi, que, segundo Lili, “ta mto
lokoü”. A escolha de um programa de troca de mensagens instantâneas, o
modo como aparecem e scrita s as falas de Gabi e Lili, o uso de em oticons e
a estam pa da roupa de cama são todos elem entos que sugerem um mesmo
perfil de interlocutor: adolescentes que fazem uso freqüente de tecnologia
informatizada e passam muito tempo “teclando”, ou seja, conversando por meio
de programas de mensagens instantâneas nos computadores ou enviando
torpedos por celulares. Esse é o perfil das leitoras da revista Capricho, em
que o texto publicitário foi publicado.
É importante não confundir o conceito de interlocutor e sp e cífico com o
conjunto de leitores reais que de fato lerão determinado texto, ü trabalho
com um perfil de interlocutor específico, como vimos, afeta a organização ge­
ral do texto (tema abordado, conceitos apresentados, vocabulário utilizado],
□s exemplos apresentados mostram a importância de, no momento
de elaboração de um texto, fazer a melhor representação possível dos
interlocutores a quem ele será dirigido. Com base nessa representação, o
autor decidirá que tipo de informação deverá apresentar e quais recursos
lingüísticos utilizará para alcançar os objetivos do texto.

# # ) g m m 4- *
Leia o texto abaixo para responder às questões 1 e 2.

YSR
AGÊNCIA
1
DODGERAM.
UM CARRO PARA
MACHO.
CONCtSilONÁRJO.»
DÊ UMA PORRAM
NAMESA E PECA PARA
.CONHECER ANOVA
■KWGERAM.

^ 3 0 a A nuário. São Paulo: Clube de Criação de São Paulo, 2G05. p. 97.

A interlo cu ção e o co ntexto 291


► I 1. Esse anúncio foi criado para “falar” com um interlocutor de perfil bem
específico. Que interlocutor é esse?
► Quais são as marcas textuais de que esse é o interlocutor a quem se
dirige o autor do texto?
2. Considerando a finalidade do texto, explique por que se trabalhou
com esse perfil de interlocutor.

» O anúncio a seguir refere-se às questões 3 e 4.

www.fruthos.com.br

— O
fnilhos O casaco, só tenho
na cor caramelo...
o casaco, só TíNho
Na eoi^ eaRaMELo_ caRgMao? £ ouaNTas
eaLORjas tem isso. (ieín? —

;X >
Caramelo? E
quantas calorias
tem isso, hein?

A vida anda cheia de


"não coma isso","não
o MUNDo Tá FieaNDo coma aquilo”,"faça
isso","faça aquilo".
muíto ehaTo. Oue chato. Dá para ser
saudável sem exagerar.
Seja feliz. E, para ajudar
nessa felicidade, tome
Prove também os sabores
A vid a anda cheia de “ não com a isso”, laranja c pêssego.
um gole de Fruthos. Ele
“ não com a aquilo”, “ faça isso”, Conheça nossa linha líghi é feito com frutas colhi­
nos sabores uva, pêssego,
“ feça aquilo”. Q ue chato.
manga e maracujá.
das com todo o carinho
Dá para ser saudável sem exagerar.
Seja feliz. E, para a judar nessa
e vai fazer o maior
felicidade, tom e um gole d e Fruthos. sucesso na sua casa.
He é feito c om frutas colhidas
com tod o o carinho e v a i fazer
o m aior sucesso na sua casa.

R§Lü*a. O
ToMâ UM FRyThos. Disponíveis nas
embalagens de
200 ml e 11 .

* M a rie Claire. São Paulo: Globo, n. 213, p. 111, dez, 2008.

3. Qual a finalidade do anúncio acima?

► O que, no texto, permite que essa finalidade seja identificada?


4 . Leia.
"O mundo tá ficando muito chato. Dá para ser saudável e feliz ao mesmo
tempo."
► Que imagem de mulher é sugerida por esse texto no anúncio?

292 Cap ítu lo 53


PRODUÇÃO DE TEXTO

5. Na tira abaixo, o cartunista também parte de uma imagem de mulher


para criar o efeito de humor. Que imagem é essa?

A l in e A d ã o It u r r u s g a r a i

SIMPATIA WRA PÉ6AR pE-éOé-C/M CAK-TÃÒoe A toM éSO'


at-Gorro eipenA*....

* ITURRUSGARAI, Adão. Aline. Folha d e S .P a u lo , São Paulo, 19 ago. 2004.

a) Que elementos do texto participam da construção dessa imagem?


b) Por que podemos afirmar que essa imagem é estereotipada?
6. Qual é o perfil do interlocutor da tira?
Reprodução proibida. Art.184 do Codigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

0 texto e seu contexto


Além de se dirigir a interlocutores com perfil definido, todo texto faz re­
ferência a circunstâncias de natureza cultural, social, política, que precisam
ser conhecidas pelos leitores/ouvintes para que o sentido do texto possa ser
construído. Dbserve.
<
Veja. São Paulo:
Abril, ano 41,
ed. 2.056, n. 15,
16 abr. 2008.

1968 na Globo News.


Conheça todos os lados
dessa história. Dias 16,23 Globo News. A vida em
e 30 de abril e 7 de maio, tempo real.www.gi.com.
às 23b, no Arquivo N. br/globonews

0 anúncio publicitário traz, em destaque, palavras de ordem e scritas em


um muro: “Abaixo a ditadura!”, “É proibido proibir” e “Faça amor, não faça
guerra”. Ao lado d essas palavras de ordem vê-se 0 símbolo ®, criado para uma
campanha inglesa pelo desarmamento nuclear e posteriormente adotado
pelos hippies am ericanos nas m anifestações contra a Guerra do Vietnã, 0
que fez com que p assa sse a ser utilizado como símbolo da paz a partir dos
anos 1960. ü boxe vermelho dá a entender que e ssa s palavras de ordem
fazem parte de acontecim entos associados ao ano de 1968.

A interlo cu ção e o co ntexto 293


0 autor do anúncio apostou que os elementos apresentados são suficientes para
| garantir que as pessoas interessadas no programa anunciado (Arquivo N) reconhe-
| cerão um conjunto de referências evocadas pelo símbolo da paz e pelas palavras
I de ordem escritas no muro. Para reconhecer tais referências, o leitor do anúncio
| precisaria dispor de um conjunto de informações associadas a um período marcante
| da história do século XX, em geral, e do Brasil em particular, que, entre os anos de
1964 e 1968 foi governado por militares. Q mês de maio de 1968 foi marcado por uma
série de manifestações estudantis no mundo ocidental. Na França, os jovens gritavam
palavras de ordem como “É proibido proibir”, “A imaginação no poder”, “Corra, o velho
mundo quer te pegar”. Nos Estados Unidos, os hippies proclamavam “Faça amor, não
faça guerra”. No Brasil, mais de 1QÜ mil pessoas saíram às ruas do Rio de Janeiro,
aos brados de “Abaixo a ditadura", para protestar contra a morte de um estudante.
^ Palavras de ordem Para entender esse anúncio, o leitor precisaria não só conhecer todos e sse s fatos,
contra a ditadura, mas também estabelecer uma relação entre os enunciados que aparecem escrito s no
São Paulo, 1972.
anúncio e o período de intensa turbulência social que marcou o ano de 1968 no mundo.
Somente com base no estabelecim ento d essas relações é possível compreender o con­
vite feito, no texto do boxe vermelho: “conheça todos os lados dessa história”.
0 autor do anúncio espera, portanto, que o leitor recupere, a partir da imagem das
palavras de ordem e scritas no muro, uma série de fatores extralinguísticos, ou seja,
acontecim entos, datas, símbolos que não fazem parte do sistem a da língua, mas cuja
identificação é fundamental para que o sentido do texto possa ser compreendido. Esses
elem entos constituem , portanto, o contexto desse texto.

ara— Contexto é □ conjunto das circunstâncias (sociais, políticas, históricas, culturais,


etc.) a que um texto se refere.

A identificação do contexto de um texto depende inteiramente do conhecimento de


mundo dos leitores.
Os texto s, escrito s ou orais, não têm existência autônoma, porque sua significação
depende do reconhecimento de um contexto e da relação que os leitores/ouvintes es­
tabelecem com ele.

A relação entre contexto e interlocução


Como o contexto de um texto é constituído por fatores extralinguísticos, sempre
que produzimos um texto, precisam os decidir quais informações contextuais devem
ser fornecidas para que o sentido dele possa se r construído por seus interlocutores.
D anúncio analisado pressupõe que o leitor seja capaz de reconhecer referências a
um contexto político-cultural específico. As palavras de ordem “Abaixo a ditadura”, “É
proibido proibir” e “Faça amor, não faça guerra”, asso ciadas ao ano de 1968, oferecem
elem entos necessários para a compreensão do contexto que o anúncio pretende evo­
car. G convite para a ssistir a um programa de televisão dedicado aos acontecim entos
m arcantes do ano de 1968 sugere que os autores tenham, de seus interlocutores, a
imagem de pessoas capazes de relacionar os elementos contextuais apresentados a
um período importante da história do século XX. Esses elementos têm a função de des­
pertar, nos leitores do anúncio, o desejo de a ssistir à série de programas dedicados ao
ano de 1968. A intenção persuasiva do texto só será realizada se o leitor compreender
e ssa s referências contextuais.
Portanto, de agora em diante, lembre-se: todas as vezes que for escrever um texto,
pense primeiro nos leitores a quem você irá se dirigir. Procure estabelecer uma imagem
que defina, para você, o perfil d esses leitores e, em função dessa imagem, decida quais
são os argumentos, as informações, os dados e os fato s capazes de atender melhor à
finalidade do texto.
As observações que fizem os sobre contexto e sobre os interlocutores têm por
objetivo e sclare cer que não é possível escrever bons texto s sem controlar muito bem
e sse s dois aspectos, presentes em qualquer situação de interlocução.

2 9 4 C ap itulo 2 3
Ao final do estudo deste capí­ É freqüente encontrarmos, espalhados por outdoors, muros e paredes
tulo, você deverá ser capaz de: das cidades, imagens que, acompanhadas de um texto curto, nos convidam
1. Definir gênero discursivo. a participar de campanhas, fazer doações, adquirir um produto específico.
A seguir, reproduzimos algumas delas.
2 . Id e n tifica r as
c a ra c te rís tic a s que
diferenciam os gêneros Texto 1
d iscu rsivos.

REPRODUÇÃO
3 . Explicar por que os
gêneros se modificam
ao longo do tempo.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

4 . Definir e identificar os
tipos de composição.
5 . Compreender a relação entre
os tipos de composição e UM AMMAL Di tST(MAC*0 PoD£ MUWW A SUA <ÍTOA. Atx>TE UM.
os gêneros d iscursivos.

O
Um animal de
estimação pode
mudar a sua vida.
Adote um.

Saiba mais sobre


adoção e posse
responsável em
www.prefeitura.
* Disponível em: <http://ccsp.com.br/novo/367B8/Tesouro-CANNES-2Clll>.
sp.gov/secreta-
Acesso em: 12 maio 2012.
rias/sms/probem

Os g ên ero s do d iscu rso 305 < f


Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
0 acúmulo de
plástico nos
oceanos ameaça
milhares de espé­
cies marinhas a
cada ano.

Instituto akatu
Pelo consumo
consciente
www.akatu.org.br

* Disponível em: <http://ccsp.com.br/novo/37460/Golfinho-CANNES-2011>.


Acesso em: 12 maio 2012.

> n __________________________ _____ _________________________


1. Descreva, de modo breve, a cena apresentada na primeira imagem (texto 1).
2. No centro dessa imagem lê-se o seguinte enunciado: “Um animal de estimação
pode mudar a sua vida. Adote um”. Que relação pode ser estabelecida entre esse
texto e a cena representada pela ilustração que o acompanha?
►A descoberta feita pelo cãozinho deve ser interpretada de um modo figurado.
Explique por quê.
3. É possível atribuir um objetivo bem específico ao texto 1. Que objetivo é esse?
► Explique por que a associação entre imagem e enunciado desempenha um papel
importante para garantir que o texto cumpra sua função.
4 . O que está representado na segunda imagem (texto 2)?
5. Também no texto 2 pode ser identificada uma relação entre a imagem e o texto que
aparece no boxe do canto inferior direito. Explique como essa relação se estabelece.
►Abaixo do logotipo da ONG Instituto Akatu, lê-se: “Pelo consumo consciente”. Há, na ima­
gem, algum elemento que esteja diretamente relacionado a esse enunciado? Justifique.

3) 306 Capítulo 2 4
PRODUÇÃO DE TEXTO

6. Como pode ser definido o objetivo do texto 2?


7. Tanto o texto 1 quanto o texto 2 foram concebidos para desempenhar funções
semelhantes. A comparação entre eles, no entanto, revela diferenças formais
significativas. Observe atentamente as duas imagens e explique essa diferença.
► Você considera eficaz a estratégia formal utilizada pelos autores dos dois textos
para persuadir seus interlocutores? Por quê?

Leitura

Veja mais dois exemplos de textos como os reproduzidos na abertura do capitulo. O objetivo
desses textos, contudo, é diferente dos dois anteriores.

Texto 3

QUALQUER Qualquer coisa


COISA
PARA para qualquer
QUALQUER lugar.TAM Cargo
LUGAR

r/m
CARGO
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

<
Disponível em: <http://ccsp.
com.br/novo/38766/Viol-o>.
Acesso em: IS maio 2012.

Texto 4

C
Disponível em: <http://
-O ccsp.com.br/novo/37654/
IttKES Hamburger-SHORTLIST-
Gustavo Borges -IDD™*.
Academia ________________________________ I 0UTD00R-CANNES-2011>.
Acesso em: 12 maio 2012.

□ s g ên eros do d iscu rso 307


WM ^ Análise |
1. O texto 3 apresenta uma imagem que obriga o leitor a reconhecer uma intervenção
feita a partir de formas que ele costuma ver apresentadas de outro modo. Que
formas são essas?
►Por que essa intervenção foi feita? Justifique.
2. O texto 4 é composto por uma imagem insólita. Descreva essa imagem.
a) Para que possa entender o significado dessa imagem, o leitor do texto 4 precisa
levar em conta o logotipo que a acompanha. Quais informações são necessárias
para que o leitor compreenda o sentido do logotipo?
b) Imagem e logotipo pretendem criar uma mensagem impactante. Que mensagem
é essa?
3. O objetivo dos textos 3 e 4 é semelhante. Explique.
► Podemos afirmar que a função dos quatro textos analisados é a mesma, mas o
objetivo específico dos textos 1 e 2 é diferente do dos textos 3 e 4. Por quê?
4. Releia os quatro textos apresentados. Há características semelhantes em todos
eles. Quais?

Uma definição de gênero

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Os texto s reproduzidos na abertura deste capítulo apresentam algumas ca ra cte rís­
tica s comuns:
• em todos eles há uma imagem associada a um enunciado breve;
• todos cumprem uma mesma função: persuadir;
• com relação ao objetivo específico, os textos se agrupam entre aqueles que pro­
movem uma campanha e aqueles que procuram vender algo;
• todos são divulgados em espaços públicos nos quais há uma grande circulação de
pessoas (painéis, muros e paredes).
As características comuns dizem respeito à estrutura, ao estilo, à função e ao contex­
to de circulação d esses textos. Quando identificam os, em um conjunto de textos, uma
série de elementos comuns, como acabamos de fazer, estam os diante de um gênero
d iscursivo.

ara i—
Gs gêneros discursivos co rre sp o n d em a c e rto s p a d rõ es de co m p o sição de te x to
d e term in ad o s pelo co n te xto em que são produzidos, pelo público a que e le s s e d e s ti­
nam, por su a fin alid ad e, por seu co n te xto de circu la çã o , e tc . São exe m p lo s de g ên ero s
d isc u rsiv o s o co nto, a h istó ria em quadrinhos, a c a rta , o bilh ete, a re c e ita , o anúncio, o
en saio , o ed ito rial, e n tre o utro s.

Gêneros literários, como o poema e o romance, também são gêneros discursivos.


Tradicionalm ente, organizamos alguns dos gêneros literários em “fa m ílias”, por isso
nos referim os, de modo mais abrangente, a texto s épicos, líricos e dram áticos.
As pessoas reconhecem sem dificuldade os gêneros com os quais estão fam ilia­
rizadas. Não é necessário se r um médico, por exemplo, para reconhecer uma bula de
remédio, ou um jo rn alista para reconhecer uma notícia de jornal. Is s o acontece porque
muitos d esses gêneros estão p resen tes na nossa vida. Sabem os, inconscientem ente,
quais são as suas ca ra cte rística s (estrutura, tem as abordados, contexto de circulação,
finalidade) e é isso que nos faz reconhecê-los facilm ente.
Textos como os que foram reproduzidos neste capítulo são encontrados principal­
mente ao ar livre, afixados em muros, por exemplo. São os ca rta ze s.

308 Cap ítulo 2 4


PRODUÇÃO DE TEXTO

m m m f ilm e
0 cartaz é um gênero discursivo que tem como finalidade divulgar
uma mensagem publicitária com função persuasiva. Pode ser im presso Das c a rta s de amor à s
em papel ou pintado diretam ente sobre madeira, metal ou outro tipo de m en sagen s eletrô n icas
m aterial. Por ser uma peça de comunicação gráfica, o cartaz apresenta
uma imagem associada a um texto breve ou ao logotipo de uma marca.
Os cartazes costum am se r afixados em muros, paredes, pontos de venda,
etc. Os que são afixados em painéis próprios e têm grandes dim ensões
são cham ados de a u td oo rs .

Nesta obra, conheceremos melhor a estrutura de alguns gêneros. Apren­


deremos não só a reconhecer suas características, mas também a dominar os
recursos que permitem produzir textos com essas mesmas características.

A evolução dos gêneros


Qualquertexto, oral ou escrito, organiza-se em um gênero discursivo. Como
estão diretamente relacionados ao uso que as pessoas fazem da linguagem
em diferentes situações, os gêneros não são estáticos, pois surgem e se ^ Cartaz do filme M e n s 0 g e m
p a ra v o cê , de Nora Ephron.
modificam em função de necessidades específicas. EUA, 1998.
Um bom exemplo são os gêneros que circulam na internet. Durante cen­
Nora Ep h ro n a d ap to u
tenas de anos as pessoas recorreram a cartas para se comunicarem, quando
para os tem pos atuais um
distantes umas das outras. Com o aparecimento e a difusão de novas tecnolo­
clássico do cinema, A loja da
gias, as cartas escritas foram, aos poucos, sendo substituídas por mensagens esquina [1940], de Ernst Lu-
eletrônicas (os e-mails]. bitsch, baseado na peça de
Hoje, é muito mais freqüente recorrermos às mensagens eletrônicas do Miklos Laszlo. As cartas tro­
que às cartas. Mas esse gênero continua existindo, porque há muitas pessoas cadas pelos protagonistas,
sem acesso à internet que ainda escrevem cartas e as enviam pelo correio. no l fl filme, passam a ser, na
segunda versão, mensagens
eletrônicas.
Os tipos de composição
Como já foi dito, os gêneros discursivos relacionam-se com a situação
comunicativa (contexto de produção, público a que se destina o texto, finali­
dade com que é escrito, etc.). Os textos representativos dos vários gêneros
são expressos por meio de diferentes “tipos de composição”: a narração, a
exposição, a argumentação, a descrição e a injunção. Assim, em função dos
objetivos a serem alcançados por um texto, poderemos precisar narrar algum
acontecimento, expor ideias, apresentar informações, argumentar, descrever
alguma situação ou cena, dar instruções ou ordens. Em cada um desses casos,
utilizaremos os diferentes tipos de composição mencionados.
Existem texto s em que recorrem os a mais de um tipo de composição. Na
crônica a seguir, por exemplo, encontram os trechos de natureza narrativa,
descritiva e expositiva. Observe.

Crônica de uma morte à toa


Para perdera vida no trânsito, você só precisa andar na linha
No dia em que se tornaria estatística de trânsito, Adriano da Fonseca Pereira, de
20 anos, acordou mais agitado que de costume, às seis e meia da manhã. Se sonhou,
não comentou. Sentado à pequena mesa redonda da sala, de costas para a máquina de
costura da mãe e de cara para a parede, engoliu o pãozinho com manteiga de todos os
dias e tomou chá com açúcar. Nunca gostou de café. Sua figura alta e esguia enchia
o minúsculo e mal ventilado apartamento do Conjunto Habitacional Haia do Carrão,
ex-favela, ex-Projeto Cingapura, periferia da zona leste paulistana. Em menos de 24
horas Adriano estará morto, jogado no asfalto, o tronco voltado para o meio-fio, as
pernas finas retorcidas para trás e os olhos abertos, vítima de mais um atropelamento
em São Paulo. Em 2008, informam os gráficos frios da Companhia de Engenharia

Os g ên ero s do d iscu rso 309


de Tráfego (CET), foram 7602, mais de 20 por dia, quase 30% de todos os acidentes de trânsito
registrados na cidade. As tabelas também marcam 670 pedestres mortos no período (2 por dia),
mas o número pode ser maior. A CET conta apenas os que perecem no local, como Adriano, não
os que se vão mais tarde, no hospital.
Já vestido com a mesma camisa verde-clara com a qual encontraria o fim, naquela manhã de
sábado, 29 de agosto, Adriano só pensava em estrear seu novo xodó - uma Kodak C1013R, 10
megapixel, recém-comprada no carnê das Casas Bahia: nove parceias de R$ 97, incluindo o segu­
ro de vida que encerra o débito automaticamente se o cliente morrer. Algo que ele certamente
pagou pensando em jamais precisar, mas não teve chance de combinar isso com o produtor de
eventos Fábio Melgar, de 29 anos. Às 4h20 da madrugada do sábado para domingo, ao volante
de um BMW 330i prata que roncava seu motor de 231 cavalos em altíssima velocidade segundo
testemunhas, Melgar ignorou o farol vermelho e surpreendeu Adriano numa faixa de pedestres da
Avenida Itaquera, zona leste paulistana. Fugiu sem prestar socorro, sem querer saber o destino
da camisa verde-clara que lhe espatifara o para-brisa antes de tombar no asfalto, sem desconfiar
que uma testemunha ocular do atropelamento o seguia e entregaria seu paradeiro à polícia. Melgar
vinha de uma festa de formatura.
CRUZ, Christian Carvalho. E n treta n to , fo i a ssim que a c o n te c e u . Quando a noticia é sú o começo de uma boa
história. Porto Alegre: Arquipélago Editorial Ltda., 2011. p. 33-34. (Fragmento).

No fragmento da crônica de Christian Cruz, os trechos narrativos foram destacados


em rosa, os descritivos em verde e o expositivo em azul.
Embora seja possível identificar algumas passagens descritivas e uma passagem
expositiva no trecho, percebemos que há a predominância da narração, porque a intenção
do autor é contar o que aconteceu no último dia de vida de Adriano da Fonseca Pereira,
mais uma vítima do trânsito em São Paulo.
Ao longo d esta obra, tom arem os co ntato com te x to s re p re se n ta tivo s de vário s
gêneros d iscu rsivo s. A análise da sua e stru tu ra perm itirá id en tifica r os tipo s de
com posição neles predom inantes.

Diversidade de gâneros: produção de painel

1. Pesquisa e análise de dados Cada grupo deverá elaborar um painel intitulado Os gê­
neros que circulam na revistaX(nome da revista analisada).
Neste capítulo, você aprendeu o que são gêneros
discursivos e descobriu que os textos representativos
de cada um dos gêneros apresentam características
2. Elaboração
comuns relativas à sua estrutura, aos temas abordados, ► Organize os exemplos de texto coletados durante
ao estilo e à sua finalidade. a pesquisa: que gêneros discursivos estão repre­
Jornais e revistas são espaços de circulação de sentados pelos textos selecionados?
um conjunto de gêneros diferentes. Em equipe, vocês ► No momento de analisar os textos, procurem de­
deverão analisar o conjunto de textos que compõem as terminar quais são suas características comuns.
• Há algo na estrutura desses textos que os iden­
revistas de grande circulação. 0 objetivo é identificar os
gêneros discursivos presentes na publicação. tifique do ponto de vista da sua organização?
■Qual é o tipo de tem ática abordada?
Deverá ser realizado um sorteio para definir que
revista cada um dos grupos analisará. Após o sorteio, • Qual é a finalidade desses textos?
os membros do grupo deverão fazer a leitura conjunta Montagem do painel
e, com base nas características dos textos, separá-los,
procurando agrupar aqueles que apresentam caracterís­ No momento de montar o painel, sigam os p a sso s
ticas semelhantes. Se quiserem, podem trabalhar com abaixo:
mais de um número da mesma revista. ► Propor um nome para cada gênero discursivo
Nesse momento, será muito importante a experiência identificado.
de leitura de cada um, porque isso permitirá a identifi­ ► Fazer um quadro apresentando, brevemente, as
cação dos gêneros discursivos presentes na publicação características dos textos pertencentes a cada
analisada. um dos gêneros exemplificados.

1 310 Cap ítu lo 24


\\\\Y
Gêneros da internet

A novidade da blogosfera é que não há barreiras à entrada


em um mundo que oferece uma platéia quase ilimitada.
Ponto fundamental: oferecer; não garantir. Qualquer um
pode inserir um post, e, se merecer ser lido, será lido.
HEWITT, Hugh. Por que os blogueiros blogam e por que isso interessa a você.
Síog: entenda a revolução que vai mudar o seu mundo.
Tradução de Alexandre Martins Morais. Rio de Janeiro:
Thomas Nelson Brasil, 20D7. p. 137.

A apresentação e a análise dos diferentes gêneros discursivos feitas neste


livro têm deixado clara a forte relação entre três elementos: a finalidade de
um gênero, seu contexto de circulação e o perfil dos seus leitores. Essa re­
lação determina as ca ra cte rística s estruturais e de linguagem que definem
os diferentes gêneros.
A possibilidade de interligar computadores de todas as partes do mundo
em uma única rede provocou uma revolução nos contextos de circulação
de textos escritos. Oesde o século XV, com a invenção da prensa de tipos CTI
V
móveis por Johannes Gutenberg, os seres humanos não eram surpreendidos 0*C
1 Surgimento da primeira
por novas possibilidades de comunicação escrita. rede de computadores,
a Arpanet, organizada
Se Gutenberg abriu espaço para livros e jornais, a internet descortinou a pelo Departamento de
fronteira do espaço virtual e, com ela, novos gêneros discursivos começaram Defesa americano para
a ser utilizados. Entre eles, destacam-se os e-mails [já estudados no capítulo garantir a comunicação
emergencial.caso o país
25 do vol. 1), as entradas (posts] dos blogs, os scra p s e p o sts dos site s de fosse atacado pela
relacionamento social e, mais recentem ente, os tw ee ts do Tw itter. União Soviética.
N estas páginas especiais, apresentam os um pouco da história do surgi­
RayTomlinson, um
mento e da evolução da rede mundial de computadores, para que se com­ cientista computacional
preenda o contexto que levou ao desenvolvimento desses gêneros. de Cambridge
(Massachusetts),cria a
mensagem eletrônica
O primeiro e-mail (ie-mail) e usa o símbolo
@ para distinguir o nome
RayTomlinson era um engenheiro da computação na empresa Bolt, Bera- do emissor da mensagem
do nome da rede no
nek and Newman e colaborava com o Departamento de Defesa americano
endereço eletrônico.
no desenvolvimento de sistem as de comunicação entre computadores. 0
texto do primeiro teste com as mensagens eletrônicas foi enviado por Ray do Desenvolvimento do
seu computador para uma máquina próxima à dele. Como se tratava de um protocolo TCP/IP, que
permitia a interligação
teste, esse e-mail consistiu de uma seqüência aleatória de letras do teclado. de diversas redes de
computadores e o
estabelecimento de
comunicação entre elas.
00
Ol A BITNet (Becauíe lt’s Time
N etW ork-em português,
“Porque É Tempo de
NetWork") inicia uma
colaboração entre as
universidades de Nova
York e Yale, permitindo
a troca de mensagens
eletrônicas e transferência
de arquivos.

C
OO
l 0 termo internet é
utilizado pela primeira
1 Ray Tomlinson, inventor do símbolo 0 para endereços de e-mail, em Massachusetts, em 1999. vez.

Os g ên eros do d iscu rso 311 < f


1984

São estabelecidos os Inglês, a língua dos BBSs


DNSs (Domain Name
S y ste m s-e m português,
Na “era” dos BBSs, os usuários precisavam ter um conhecimento mínimo
"Sistemas de Nome de de inglês, porque essa era a Ifngua utilizada pelos programas que gerencia-
Domínio”) e os endereços vam os Bulletin Board System s. Aliás, como os programas que viabilizavam a
na rede passam a
ser identificados
comunicação entre computadores eram todos escritos em inglês, 0 domínio
por extensões como dessa língua passou a ser uma condição necessária para os brasileiros se
.com,.org, .edu, .gov, aventurarem, naquele momento, pelo espaço virtual.
diferenciando a finalidade
das redes; o escritor
tote: A H neu u s e r s u s e 191 f o r vai
William Gibson cria o
termo cyberspace (“espaço
virtual",em inglês) no
[11 Change Fassuord IHJ Check f o r H a il
romance Neuromancer. IZ 1 Screeri Length ER] Read Messages
[3 ] Tin e S t a t i s t i c s ESI Scan H essages
1988

£4] C ity / S ta t e ET1 Quick-Scan


Muitos computadores, [51 Screen C le a r in g EA) A rea Change
ao redor do mundo, Í6J Page Pausing H is c e lla n e o u s íDJ D e le t e R essage
[71 G raph ics ÍE ] E n ter a Hessage
conectam-se através das £81 T o ggle E d ito r EB] E u lle t in s £C1 Sysop Comnent
BBSs (Bulletin EQ] Survey
EU1 U se r L i s t
Board Systems - em EU] U e rs io n
EP] Page Sysop
português, “Sistemas de EM Log ü f f
Boletim Eletrônico”); no
Brasil, o Mandic foi um dos Tela do Mount
BBSs a contarcom grande nt Olympus (H a in ): Olympus BBS, 1998.
número de usuários; a 2 de
novembro, surge o primeiro
worm ("verme”, em inglês)
A "netiqueta": como se comportar
da internet, chamado no
Brasil de vírus, que afeta
no espaço virtual
cerca de 6 mil máquinas Como acontece em qualquer espaço coletivo, a web também tem algu­
das 6o mil existentes.
mas regras de comportamento. E ssa s regras começaram a se definir no
1991

Início da World Wide Web momento em que o cidadão comum teve a cesso a provedores de conexão
(www, a "rede mundial
de computadores”), nos
discada, üe modo geral, referem-se ao que deve se r evitado na troca de
Estados Unidos; o Brasil se e-mails:
conecta à BITNet por meio • Seja objetivo ao definir o assunto (su b je ct, em inglês] da mensagem.
da Fapesp (Fundação de
Amparo à Pesquisa do • Procure escrever mensagens curtas.
Estado de São Paulo), e as • Evite mandar anexos grandes, porque o seu destinatário pode ter uma
universidades passam a
ter acesso aos serviços de
conta de e-mail com limite de espaço.
mensagens eletrônicas e • Não crie mensagens coletivas divulgando o e-mail dos destinatários. Use
transferência de arquivos o recurso da cópia oculta (Cco - “Cópia carbono oculta” - ou Bcc - Blind
com a velocidade de
conexão de 9600 bauds carbon copy).
(a taxa de bauds é a • Evite mandar mensagens inúteis e reenviar imagens e piadas que você
medida de quantas vezes
recebe para todos os contatos da sua lista.
em um segundo um
sinal-enviado por um ■ Não escreva em MAIÚSCULAS. Na internet, isso eqüivale a um “grito”.
modem, por exemplo-é
alterado; 0 nome é uma
homenagem a Emile
Baudot, o inventor da
Blogs, os "diários" virtuais
impressora telegráfica Uma das possibilidades criadas pela internet foi a de usuários compar­
assíncrona).
tilharem suas ideias, sentim entos e comentários em verdadeiros diários
1992

0 World Bank ("Banco virtuais. Nasciam, assim , os weblogs (termo formado pelas palavras web,
Mundial”,em inglês)
entra na rede mundial de
“rede”, em português, e log, “anotação diária”, em português], mais conhe­
computadores. cidos como blogs.
Em 1999, havia cerca de uma dúzia de blogs na rede. Esse número multiplicou-
-se assustadoram ente e, em cinco anos, chegou a 4,12 milhões. Em nenhum
outro momento da história da humanidade se conheceu uma explosão tão
grande de texto s em um mesmo tipo de plataforma virtual em tão curto
espaço de tempo. Essa co nstatação leva a uma pergunta: o que torna os
blogs tão in te ressa n te s?

312 C ap ítu la SH
cora rónai I internETC. Os Marc Andreessen.do
NCSA (National Center
fo r Supercomputing
Applications
“Centro Nacional
de Aplicativos para
Supercomputadores"),
desenvolve o Mosaic,
primeiro programa de
navegação para a rede
mundial de computadores:
somente i% do tráfego da
Pagina de um internet ocorria pela World
Pyongyang S T O Q S S D
Wide Web-, a Casa Branca
PjWGfcK«rr 1*0*8013 wr Ocn
1t 1 « S I ? blog. Disponível
« * to
h mni« >
w es w
h
<n *i em: <http://cronai. inaugura um site na rede
Nc começo do ara. a n »s de decidir ir k> Egfta, pensoí em ir à Conte do Norte. K ào é a » » » n tr m
mordpress.com>. mundial de computadores;
uma wagom impossM* por cerca do USS 2 5 i r i por cinca notes. <xrsk do q u ík j m l *»»
a jns^ canrrbem opessaporaerriPyor^ w igaraurtíw e - desde que nfc> sajam Acesso em: o presidente Bill Clinton
foa&yatasouiamalisas Descobri e s& d o !a> tia q u a^ »^ » *w e ar a waaompeaKaivo 21 abr. 2013. e o vice-presidente Al
Gore têm seus endereços
üs blogs são plataform as que permitem aos seus donos compartilharem eletrônicos divulgados
no site.
te xto s com todos os internautas que se interessarem pelos assun to s OI
abordados, ü p o st (entrada] é o gênero discursivo predominante nos blogs. Oi Dois alunos do curso de
engenharia elétrica da
Os p o sts se caracterizam por apresentar as observações pessoais de seu Universidade Stanford
“dono” (o criador do blog). Os tem as abordados variam de acordo com os (Califórnia) criam o
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

site de busca Yahoo!; a


interesses do blogueiro e também de acordo com o tipo de blog. Há blogs
primeira versão do browser
pessoais, polfticos, culturais, esportivos, jornalísticos, de fotografias (cha­ ("navegador”, em inglês)
mados de fotologs ou flogs), de vídeos [videologs], etc. Netscape é disponibilizada.
<T1
Em português, o termo p o st deu origem a um novo significado do verbo o\ Surgem, nos Estados
Unidos, os primeiros
p ostar: “escrever uma entrada em um blog". Os p o sts são cronológicos, porém provedores para conexão
apresentados em ordem inversa: sempre do mais recente para o mais antigo. discada com a internet; o
Os internautas que visitam um blog podem fazer comentários aos p osts. jornal norte-americano
The Wall Street Journal
Outra característica dos blogs é oferecer uma seção de links para os blogs cria o personaljournal
favoritos do autor. ("jornal pessoal", em
inglês), entendido como
As fortes m arcas subjetivas dos p o sts dão aos blogueiros uma grande o primeiro jornal com
liberdade no uso da linguagem. 'tiragem de um único
0 site http://www.technorati.com, que faz e sta tística s periódicas sobre a exemplar (os usuários
escolhem que ti pode
blogosfera (o universo virtual dos blogs), registrava, em 2008, mais de 133 notícias desejam receber
milhões de weblogs (175 0 0 0 blogs criados diariamente, em uma proporção por correio eletrônico), e, no
de 2,02 blogs por segundo]. Porém, com o advento das redes sociais, houve Brasil, começa a funcionar
o primeiro jornal eletrônico
uma diminuição no número de novos blogs (principalmente pessoais] e nas do país, o JB Online.
VO
atualizações de conteúdo, de fotografias e de videos dos já existentes. CT
l
O número de usuários
da internet chega a 56
milhões de pessoas no
Redes sociais: um mundo conectado mundo; nos Estados
Unidos, 95 bilhões de
Em uma época em que o individualismo parece ser a tendência comporta- mensagens eletrônicas
mental dominante, surgem as redes sociais: ferram entas que possibilitam foram enviadas contra
83 bilhões de cartas
o relacionamento entre pessoas de diferentes lugares do mundo, que se
convencionais postadas
conhecem ou não, mas que compartilham algum tipo de afinidade. No Brasil, nos correios. O grupo
tornaram-se muito populares e, entre as mais acessad as estão: Facebook, Folha lança 0 Universo
Online (UOL), e a Nutec,
Youtube, Grkut, Twitter, In stag ram , Linkedin, Skoob, Tumblr, entre outras.
o ZAZ; o Brasil tem 10 mil
usuários de internet.

• Orkut: ponto de encontro virtual


Linkedin: Rede social voltada para
0 engenheiro turco Orkut Büyükkõkten foi o responsável pela criação da contatos profissionais.
rede social que leva o seu nome, o Orkut. Skoob: Rede social para pessoas
interessadas em leitura.
Concebida como espaço de estabelecim ento de novas amizades, reencon­
Tumblr: Microblog que permite ao
tro de pessoas e participação em fóruns de discussão, a rede reunia, até usuário compartilhar conteúdo
2012, mais de 33 milhões de usuários ativos. como em uma rede social.

Os g ên eros do d iscu rso 313 C < €


Perfil individual
1997

John Barger,“dono”do
Para participar do Orkut, 0 internauta precisava inicialmente receber um
site RobotWisdom.com,
usa, pela primeira vez, convite, enviado por alguém que já fazia parte dessa rede social. A partir
o termo weblog, uma de outubro de 2006 0 Orkut passou a permitir a criação de contas sem a
página da web na qual
necessidade de um convite. Uma vez registrado, 0 usuário deveria criar um
uma pessoa registra
todas as outras páginas perfil individual que se compõe de trê s partes: social, profissional e pessoal.
interessantes que Quem decide quantas e quais informações serão oferecidas é o usuário,
encontrou na rede: o
termo blog é uma versão
que também pode estabelecer diferentes graus de acesso a elas, a depender
abreviada de weblog. da classificação que faz dos seus amigos de Orkut.

0 s c ra p b o a k
1998

Dois estudantes de
0 gênero discursivo característico do Orkut é 0 scrap (“comentário”]. Cada
doutorado em ciência da
computação de Stanford usuário tem um scrapboak, no qual seus amigos, conhecidos e pessoas
que haviam criado,em que desejam conhecê-lo ou adicioná-lo como amigo “scrapeiam ”, ou seja,
1995, um sistema de busca
escrevem mensagens curtas.
chamado BackRub lançam
0 que se tornará 0 sistema E ssas mensagens se caracterizam , na maior parte das vezes, pelo tom
de busca mais utilizado no pessoal e por um uso bastante informal da linguagem. 0 “internetês”, ou seja,
mundo:oGoogle.
a linguagem característica dos programas de bate-papo (ch a ts], costuma
ser utilizado, principalmente, pelos jovens e adolescentes.
1999

0 estudante Shawn

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Fanning inventa 0
Napster, um programa de a Facebook: a rede de um bilhão de amigos
computador que permitia
a troca de músicas pela Quando Mark Zuckerberg criou uma rede social para integrar alunos da
internet. O número de renomada universidade de Harvard (Cambridge, EUA), provavelmente não
usuários da rede mundial
de computadores chega a imaginava que, menos de dez anos mais tarde, 0 Facebook alcançaria a gi­
150 milhões, com mais de gantesca marca de mais de um bilhão „
5 0 % nos Estados Unidos. de usuários em todo 0 mundo.
0 apelo dessa rede parece estar
2000

0 vírus Love letter afeta associado às diversas formas de in­


milhões de computadores teração oferecidas a seus usuários,
em todo o mundo,
disseminando-se nas
que podem p o star se u s próprios
mensagens eletrônicas; textos, curtir 0 que é divulgado por
0 número de usuários da seus amigos, convidá-los a p artici­
internet chega a
par de eventos, com partilhar fotos,
304 milhões.
notícias, m úsicas e vídeos. Todas as
atividades das pessoas são organi­
2001

Cerca de 9,8 bilhões de


zadas em linhas do tempo [timelines]
mensagens eletrônicas
são enviadas diariamente; individuais, que permitem reconstruir
criação da Wikipédia não só a h istó ria da p articip ação ^ Mark Zuckerberg, Califórnia,
(http://pt.wikipedia.org/),
dos usuários nessa rede social, mas EUA, em 21 de julho de 2010.
uma enciclopédia virtual
escrita pelos próprios também eventos e fatos m arcantes
usuários da rede. da vida de cada um.

Mural e feed de n o tícias: e s p a ç o de in teração


2003

Estima-se que seja feito


No Facebook, os usuários dispõem de dois espaços preferenciais para
ilegalmente 0 download
de cerca de 2,6 bilhões circulação e leitura de textos: 0 mural e o feed de notícias. 0 mural aparece
de músicas por mês; associado ao perfil individual e é ali que os participantes dessa rede social
correntes de mensagens
organizam suas postagens.
eletrônicas não solicitadas
para divulgação de O
<
produtos, g [ Stâtut í S i Foto ^ Local í3 Evento cotidiano
os SPAMs, tornaram-se o
um problema mundial, |slo que você está pensando?
pois, segundo estimativas,
correspondem de 6 0 % a
7 0 % das mensagens que JL+ © Ç 5 1» Amigos m E S l Caixa de
circulam na rede. postagem. 2013.

1 ) 314 Cap ítulo 2 4


Post é a denominação que se dá ao gênero discursivo característico do
O
Facebook. Assim que criam seus perfis e começam a fazer parte dessa rede, O Em janeiro, o grupo
as pessoas se deparam com perguntas. Este é o estímulo inicial para que se Google. Inc lança o
Orkut, uma rede social
escreva algo a ser compartilhado com os amigos. G texto, geralmente curto, criada pelo turco
que nasce em resposta a perguntas como “0 que está acontecendo?", “No que Orkut Büyükkõkten.
você está pensando?”, “Como você e stá?”, é considerado o sta tu s do usuário. Rapidamente virou uma
febre entre os brasileiros,
ü grau de formalidade da linguagem utilizada nos p o sts varia de acordo que se tornaram, junto
com o perfil dos amigos com quem as pessoas interagem. De modo geral, aos indianos, os maiores
predomina um registro bastante informal, com uso freqüente de gírias e usuários dessa rede.
Em fevereiro de 2004,
recursos lingüísticos associados à internet. Por outro lado, em páginas vol­
Mark Zuckerberg, um
tadas para a divulgação de m arcas e produtos, observa-se uma preocupação ex-estudante de Harvard,
maior em utilizar as variedades de prestígio da língua. cria o Facebook para
ser uma rede social dos
estudantes daquela
"§5O universidade. Dentro
mUlTAS V£2ÊS O QUÉ se CAL* de dois meses, o uso do
çaz m \ ü r im p a c to v o q u z o s é £ £ £ ,, |8 Facebookjá havia sido
ã| expandido para as mais
5 <
importantes universidades
\ SAO TANTAS I norte-a merica nas. Aberto,
._ m ji- - ■ FRASeS Que em setembro de 2006,
NÃO C0NSI60
para a participação de
MAIS N6M
T ê R A MINHA qualquer internauta maior
PRÓPRIA OPINIÃO. de 13 anos, 0 Facebook
/ alcançou, em outubro de
2012, a espantosa marca de
- ca E 1
as 1 bilhão de usuários ativos.
< Em maio de 2012, já havia
Cartum de 46,3 milhões de brasileiros
«
T3 i Guilherme Bandeira. (23% da população do país)
O® £ participando dessa rede
Frases de efeito,
citações célebres social.
A AM IZADE É I « AMOR - o ê £ se e provérbios são
Z
O L E M X C A M ÜKUK. ’ £RJ tão freqüentes nos o Surgimento do site
murais do Facebook YouTube, em que
ilULHERMEBAMlBRA
que já viraram os usuários tornam
FACEBOOK.COM OBJETOSINANIMAOOSCARTOON
motivo de humor. disponíveis vídeos para
visualização gratuita por
É possível asso ciar os p o sts a imagens (fotografias, tiras, cartuns, etc.), outros usuários.
inserir links para vídeos ou textos disponíveis na internet, m arcar o local
onde se está ou de onde se escreve e registrar eventos cotidianos, como o A rede mundial de
computadores conta com
início de um novo emprego, mudança, casam ento, novo hobby, etc. mais de 92 milhões de
Além do mural, os usuários também podem visualizar o feed de notícias. websites.
Neste espaço são organizadas as postagens feitas por todos os amigos Os norte-americanos
Jack Dorsey, Biz Stone e
e páginas de interesse e é aí que cada membro dessa rede social tem a Evan Williams (fundador
oportunidade de interagir de modo mais amplo, comentando os sta tu s que do site Blogger) criam 0
aparecem e são atualizados ao longo do dia. Twitter, um microblog
para envio de mensagens
Ao comentar um p o st de um amigo ou de uma página de interesse, as (conhecidas como
pessoas acabam entrando em contato com outras que não conhecem, mas tweets, ou "pios”) com, no
têm em comum esse amigo ou o interesse pelotema da página. Quando esse máximo, 140 caracteres.
A limitação de caracteres
contato se torna mais freqüente, cria-se uma interlocução que pode evoluir se explica pela intenção
para uma nova amizade virtual. de facilitar o envio
de tweets a partir de
A te c la cu rtir e o s emoticons telefones celulares e de
smartphones. Embora
Muitas vezes, em lugar de comentar um sta tu s, opta-se por simplesmente
não se tenham dados
“curtir” o que foi postado. Essa opção acaba por adquirir diferentes sentidos: precisos sobre 0 número
tanto pode indicar que quem curtiu leu o p o st do amigo, como também que de usuários do Twitter, um
levantamento feito em
gostou do que leu.
maio de 2009 indicava a
Gutras vezes, o comentário aparece na forma de um “emoticon”. 0 uso existência de mais de 11
desses símbolos, aliás, tornou-se uma ferramenta importante para expressar, milhões de contas nessa
plataforma.
de modo rápido e claro, emoções e sentim entos no espaço das redes sociais.

Os g ên ero s do d iscu rso 315


• Twitter: o microblog de 140 caracteres
2010

Em outubro,o brasileiro
Mike Krieger e o americano
A criação da plataforma Tw itter fez surgir um novo gênero discursivo no
Kevin Systrom lançaram
um aplicativo para espaço virtual: os m icrotextos. Gs tw ee ts [ou “pios”) são texto s compostos
Smartphones chamado por, no máximo, 140 ca ra cte re s e apresentam aos usuários dessa plata­
Instagram, desenvolvido
para permitir o tratamento
forma o desafio de condensar as inform ações que desejam com partilhar
e compartilhamento de em um número tão reduzido de ca ra cteres. Os usuários do T w itter criam
fotografias em diferentes contas que são “seguidas” por outros usuários. Quanto maior o número de
redes sociais, como Twitter,
Facebook, Foursquare e seguidores, maior impacto terão os tw e e ts gerados pelo dono da conta.
Tumblr.O próprio aplicativo A plataform a também oferece a possibilidade de replicação de um tw eet,
funciona como uma rede
indicada pelas letras RT (retw eet) precedendo a indicação da conta do
social que, em julho de 2012,
chegou a 80 milhões de usuário criador do tw ee t original.
usuários em todo 0 mundo.
No Twitter, a marcação do tópico que se está discutindo em tempo real
é feita pelo uso de “hashtags” (palavras-chave ou m arcadores), sempre
2011

No mês de julho, o Google


precedidas pelo símbolo #.
lançou uma rede social-0
Google+ - para agregar 0 maior apelo dessa rede social parece ser o ritmo frenético com que os
os serviços oferecidos pelo usuários trocam as micromensagens. Na página de abertura da plataforma,
Google Contas, Google
Buzz e Picasa Web. Visto por uma pergunta tentadora é feita: “0 que você está fazendo?”. Os usuários
muitos como uma tentativa respondem, reproduzindo no espaço virtual suas ações mais corriqueiras
de deter 0 crescimento
(acordar, tomar café, almoçar, ir ao cinema, etc.).
mundial do Facebook, 0
Google+trouxe algumas Uma grande utilidade do T w itter tem sido divulgar fatos im portantes
características novas para o
no exato instante do seu acontecim ento. Por constituírem uma série de
universo das redes sociais,
como a possibilidade de m icronarrativas do cotidiano, os tw eets tornam-se arm as poderosas para
reunir amigos e contatos denunciar, por exemplo, a violência cometida em estados totalitários.
em grupos organizados, os
Círculos. No final de 2012,
ultrapassou a barreira de
250 milhões de usuários no
• Instagram: o nascimento de milhões de fotógrafos
mundo.
Oentre os muitos aplicativos disponíveis para usuários de Smartphones,
um conquistou a preferência de milhões: o In stagram . A ideia por trás desse
aplicativo é sim ples: oferecer às pessoas uma ferramenta de edição rápida
de fotografias para melhorar a qualidade das imagens capturadas pelas
câm eras dos celulares, geralmente de baixa definição. 0 segundo grande
atrativo do programa é a facilidade para compartilhar as fotos, enviando-as
para o próprio In stag ra m ou para outras redes sociais.
□ celular inteligente Enquanto os textos verbais predominam como linguagem de interação na
Definido como um celular maior parte das redes sociais, no Instagram o que estabelece a comunicação
que oferece recursos avan­ entre os usuários é a fotografia.
çados, com funcionalidades
semelhantes às de um com­ Uma rede social para os amantes da fotografia
putador e a capacidade de Com o crescim ento do número de usuários do aplicativo - mais de 80
fazer download de aplica­
milhões em 2012 -, fortaleceu-se o funcionamento do In stag ram como uma
tivos, o Smartphone é um
fenômeno global. Em julho de rede social voltada para fotógrafos amadores e profissionais.
2012, 0 número de “celulares A associação com outras redes sociais de maior alcance dá ao novo usuário
inteligentes” ultrapassou a a possibilidade de entrar para a comunidade do In stag ram e imediatamente
barreira do bilhão em termos identificar vários amigos que também fazem uso do mesmo programa. A
globais. A possibilidade de
contar com acesso rápido à ideia é que, como no Twitter, as pessoas sigam umas às outras e, assim ,
internet, navegar por redes vejam as novas fotos dos amigos. A interação entre amigos ocorre por meio
sociais, fazer pesquisas, as­ de “cu rtid as” e/ou comentários nas fotos.
sistir a vídeos, entre outras Outra sem elhança com o Tw itter é a possibilidade do uso das “hashtags”.
muitas utilidades, tornou esse
E sses m arcadores identificam a categoria ou a especificidade de uma foto,
aparelho indispensável para
muitas pessoas. permitindo que ela possa ser localizada portodas as pessoas interessadas
por determinados tem as.

31B Capítulo 2 4

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