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A OBRA DE RAYMOND SOHIER

De Claude Braize

Apresentada na abertura do Congresso de Saint-Étienne, essa “introdução aos


princípios do método” pela própria história das obras escritas por Raymond Sohier
permite uma iniciação delicada a um pensamento rigoroso e variado.

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A obra de Sohier é de 40 anos de pesquisa fundamental, 40 anos de escolhas


terapêuticas no domínio articular e também de 40 anos de tratamentos terapêuticos. É
difícil falar da obra sem antes falar um pouco do homem.

A dedicatória de seu primeiro livro, sobre a fisioterapia do ombro, resume bem as


origens da trajetória desse “carvalho vigoroso”, que reuniu uma saúde física
impressionante a um vasto conhecimento intelectual, que abrange desde a
matemática à literatura:

“Este livro é dedicado:


-a todos aqueles que, desde a minha infância, me ensinaram alguma coisa;
-a Dr. René Goffin, diretor médico da Clínica de La Hestre. Obrigado por ter me
oferecido o maravilhoso campo de trabalho que é o serviço fisioterapêutico de La
Hestre;
-a Dr. Max Ruelle, meu patrão, a quem eu devo minha experiência com “ombros
reumáticos”;
Em uma palavra,
-a todos aqueles que me ajudaram a realizar esse trabalho, ou seja, a centenas de
ombros anônimos e a seus proprietários; a meu trabalho e,
-aos inúmeros colegas, conhecidos e desconhecidos, que desejam possuir
‘ferramentas que consideramos úteis’”.

Essa vida de fisioterapia analítica se concretizou em sete livros, que balizam seu
pensamento ao longo do tempo. No primeiro deles, sobre a fisioterapia do ombro, ele
afirma suas escolhas terapêuticas, a partir da análise biomecânica do ombro. E
também a descoberta das “vias de passagem” da articulação escapulo-umeral: a via
anterior em rotação interna (figura 1)1, a via postero-lateral em rotação externa (figura
2)2, a via posterior fisiológica. É também, no nível do ombro, que se afirma a definição
dos três planos do espaço das “descentralizações articulares” e as escolhas de
rearmonização articular dos “desvios da articulação”. No campo das algodistrofias
reflexas, Sohier utiliza a articulação como “centro reflexo” e busca regredir as distrofias
pelo ajuste indolor e preciso da articulação.

No nível do quadril, sob a influência do Dr. Max Ruelle, eminente reumatologista com
quem Sohier trabalhou, ele colacionou as posturas de liberação da interlinha articular,

1
Legenda da figura 1: Elevação do braço pela antepulsão em rotação interna (via anterior). / ESQUEMA
DO RÁDIO: A. acrômio. B. coracóide. C. troquiter. D. troquínio. E. goteira bicipital.
2
Legenda da figura 2: Elevação do braço pela abdução em rotação externa (via postero-lateral).
utilizando a classificação das coxartroses propostas por Max Ruelle em “expulsivas e
penetrantes”. Definiu as posturas de liberação da interlinha articular no eixo do
membro inferior para as expulsivas (figura 3)3 e no eixo do cólo femoral para as
penetrantes (figura 4)4.

O trabalho gerou técnicas alternadas de descoaptação ritmada da interlinha articular ,


bem como uma série de prêmios científicos e a criação de um material que, partindo
da técnica de liberação pelo paciente e pelo sistema “contenção, amarração, polia” ,
conduziu ao sistema Sohier e ao arthrocame.

Produziu também o diagnóstico de exames clínicos dos diferentes tipos de


descentralização; a definição das incongruências da cabeça femoral para cima; para
frente; para trás, em anteversão. E, naturalmente, as técnicas de reposicionamento e
de rearmonização da cabeça femoral, que seguem ao diagnóstico. E, por fim, a
análise dos mecanismos que modelam na infância os ângulos de inclinação e
declinação do colo femoral.

No nível da coluna vertebral, Sohier reinventou a fisiologia do estágio vertebral e


dedicou três livros a esse problema. A noção essencial é a função do tripé disco-
vertebral em “pinça descompressiva” (figura 5)5.

Antes, a noção da coluna vertebral era “sustentadora”. Sohier trouxe uma noção de
descompressão do disco pelo apoio posterior das articulações vertebrais. Essa terapia
articular é definida pela retificação da patologia das facetas apofisárias (pinçamento,
deslizamento, descoaptação) com uma alternância de apoios (figura 6)6.

“O grau de estabilização fisiológica do estágio vertebral é diretamente proporcional à


intensidade do duplo apoio das facetas apofisárias do estágio vertebral”. Vemos a
importância dessa nova regra fundamental da fisiologia do estágio vertebral.

A atividade da pinça descompressiva num estágio vertebral determina um grau de


extensão. Cada estágio assegura sua angulação pela atividade dos lamelares e dos
tirantes poli-articulares, que se apoiam e integram o conjunto das ações dos diferentes
estágios. É a justificativa da mobilidade da coluna vertebral em seu todo. Essas
noções, retomadas na coluna escoliótica, vão gerar o “paradoxo de Sohier”.

A “destorção em concavidade realizada por cima para baixo, sem ultrapassar o estágio
apical, reduz a gibosidade e estabiliza o empilhamento vertebral. Ao contrário, a
destorção em concavidade realizada de baixo para cima reduz a gibosidade e
instabiliza o empilhamento vertebral, provocando o afundamento nas colunas
corrigidas”.

3
Legenda da figura 3: Postura de liberação da interlinha. Para as expulsivas, no eixo do membro inferior.
4
Legenda da figura 4: Postura de liberação da interlinha. Para as penetrantes, no eixo do colo femoral.
5
Legenda da figura 5; Atividade bipodal.
6
Legenda da figura 6: Atividade unipodal.
Em seu sexto livro, as “justificativas fundamentais da rearmonização biomecânica das
lesões ditas osteopáticas das articulações”, Raymond Sohier alarga suas concepções
a todas as articulações e se aproxima de uma visão de síntese da concepção
analítica. São os sete estados patomecânicos das articulações e suas respostas
fisioterapêuticas.

Por fim, não podemos deixar de falar da obra do nosso colega sem exaltar sua técnica
e sua linguagem. A mão sempre suave e leve, quase uma brincante7, diz ele, solicita
articulação a partir de uma posição bastante sensível para uma posição média de
referência e não toca jamais as extremidades. É por isso que a fisioterapia analítica
nunca é manipulativa: ela nunca ultrapassa as normas fisiológicas. Ela se processa
em três tempos (figuras 7 e 8).

1- Imobilização .................................................................................... Mobilização


2- Liberação da interlinha articular ......................................................... Liberação
3- Incongruência das superfícies articulares .................. Devolver a congruência
4- Hiperpressão articular .............................................. Reduzir a intensidade das
constrições de apoio
5- Desarmonia da repartição das pressões ................... Redistribuição
homogênea das pressões
6- Perturbação das tensões periarticulares .............................. Reequilibrar as
tensões
7- Constância de apoio .................................................... Eliminar a constância de
apoio

Se a mão é mágica, se a leveza da técnica é silenciosa, a linguagem faz “cantar as


articulações e transforma a técnica em uma maneira de pensar”.

“Uma vida de análise por uma hora de síntese”. Essa frase de Claude Bernard8
resume a vida de Raymond Sohier, em busca do infinito da análise fisioterapêutica.

Os “bons ventos” e o “jóquei da máquina”9 são os heróis de seus últimos livros: “Duas
marchas para a máquina humana: aquela que vem de cima e a que vem de baixo”.

Os contestadores: eles não tem o direito de existir. Desejamos apenas que eles nos
leiam ou, mais completamente e profundamente, que eles alcancem a compreensão
vinda dos grandes silêncios monásticos, porque, lembrem-se vocês, o monge dentro
de seu habito, sereno e sorridente tem sua iluminação10.

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Raymond Sohier

7
No original, jeu de paumes. Tradução literal da expressão: jogo de palmas. Aqui, Sohier faz um
trocadilho com a antiga modalidade olímpica de “jeu de paumes”, espécie de tênis.
8
Fisiologista francês.
9
Prováveis metáforas utilizadas por Sohier em seu livro sobre a marcha humana.
10
Original, “ainsi allait déjà le moine sous sa bure, serein mais souriant a son enluminure”.
Nascido em 17 de maio de 1922, em Bruxelas.

-Diplomado em 1942.

-Graduado em fisioterapia, diplomado em 1945.

-Prêmio científico U.N.K.B. em 1959.

-Prêmio científico A.K.B. em 1965.

-Prêmio Vergauwen em 1969.

-Chefe do serviço de medicina física reeducacional no C.H.U. Tivoli, La Louvière,


Bélgica entre 1947 e 1987.

-Membro do Conselho Científico Belga de fisioterapia.

-Diretor do Instituto Internacional de Fisioterapia de Hainaut (Bélgica).

-Autor de sete livros científicos dedicados à fisioterapia analítica: ombro;


quadril; coluna escoliótica; coluna vertebral em reumatologia (2 volumes); e
duas marchas para a máquina humana, aquela que vem do alto e a que vem de
baixo. Um livro síntese das perturbações articulares (incluindo o joelho).

-Numerosos artigos científicos e, notadamente, um capítulo na Enciclopédia


médico-cirúrgica francesa.

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