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FUNDAMENTOS E

Educação METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE Ana Maria Soek


JOVENS E ADULTOS

Ana Maria Soek


DE JOVENS E ADULTOS
METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO
FUNDAMENTOS E
Fundamentos
e Metodologia
çã de
da Educacao
Jovens e Adultos
Ana Maria Soek

2ª Edição

Curitiba
2017
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501

S681f Soek, Ana Maria


Fundamentos e metodologia da educação de jovens e adultos / Ana
Maria Soek. – 2. ed. Curitiba: Fael, 2017.
176 p.: il.
ISBN 978-85-60531-83-7

1. Educação de adultos I. Título


CDD 374

Direitos desta edição reservados à Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

FAEL

Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo


Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Editora Coletânea
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Imagem da Capa Shutterstock.com/Rawpixel.com
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Dedico esta obra à minha filha Helena Maria e às pessoas
que amo. O amor é essencial à vida.
[...] Mas, desde o começo da civilização, as pessoas
tentam entender a ordem fundamental do mundo.
Deve haver algo muito especial sobre os limites do
universo. E o que deve ser mais especial do que não
haver limites? [...] Não deve haver limites para o esforço
humano. Somos todos diferentes! Por pior que a vida
possa parecer, sempre há algo que podemos fazer em que
podemos obter sucesso!
Enquanto houver vida, haverá esperanças!
Stephen Hawking
Apresentação

Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possi-


bilidades para sua produção e construção.
Paulo Freire

A tarefa de falar da obra da professora Ana Maria Soek nos


permite fazer uma retomada de sua trajetória de pesquisa, na qual
se percebe a responsabilidade acadêmica e científica aliada a uma
sensibilidade social com aqueles que, por diferentes fatores, não
tiveram a oportunidade de escolarização.
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos
permite não somente a ampliação dos conhecimentos, de maneira
prazerosa e significativa, acerca da história da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) no Brasil e suas diferentes políticas e encaminhamen-
tos, mas também contribui para uma reflexão sobre o educando da
EJA, que, muitas vezes, é visto como um trabalhador pobre, opri-
mido e excluído, mas que, no entanto, possui um papel atuante na
sociedade, sendo responsável pela produção social.
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

A autora traz diferentes metodologias que podem ser empregadas na


busca incansável de se enfrentar e superar os desafios da alfabetização, do
letramento, do desenvolvimento da oralidade e do raciocínio lógico, funda-
mentais para o indivíduo enfrentar o mundo moderno e construir a consci-
ência de sua condição na sociedade.
Esta produção didática busca, ainda, analisar a influência da mediação
sociocultural na aprendizagem, bem como o contexto em que se articulam as
experiências dos educandos da EJA na construção do conhecimento. Assim,
as especificidades do trabalho pedagógico são apresentadas de modo a valori-
zar os interesses individuais e o ritmo de aprendizagem do educando, levando
em consideração seus saberes e experiências adquiridos.
Para encerrar sua trajetória crítica, o livro dá destaque a um dos pontos
fundamentais no trabalho com a EJA: a formação do educador, ressaltando
que, além da necessidade de uma formação contínua, os educadores devem
perceber a realidade social e a condição de seus educandos, proporcionando-
-lhes um ensino que possibilite reflexão e criticidade, de modo que possam
compreender os múltiplos mecanismos sociais.
Sinto-me incorporado a esse trabalho, pois eu e Ana Maria Soek vivemos
ricas experiências educacionais durante o mestrado, no qual pudemos discutir
os diferentes encaminhamentos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil.
Assim, além de recomendar a obra, fico à vontade para dizer que ela contri-
buirá de maneira significativa para a formação dos profissionais que irão atuar
com jovens e adultos e que devem ter responsabilidade, comprometimento e
consciência de suas condições como educadores.
Francisco Carlos Pierin Mendes1

1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua na rede pública de
ensino e é professor do Curso de Pedagogia da FAEL nas modalidades presencial e a distância.

–  8  –
Sumário

Apresentação | 7

1. Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da


Educação de Jovens e Adultos no Brasil  | 11

2. Sistema Organizacional da EJA no Brasil  | 37

3. Especificidades do Trabalho Pedagógico


Frente ao Perfil do Educando da EJA  | 55

4. Metodologia: mediação Pedagógica na EJA  | 73

5. Relações de Ensino e Aprendizagem na EJA  | 91

6. Função Social da Leitura e da Escrita  | 103

7. Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico  | 119

8. Desenvolvimento Cognitivo e Social


dos Educandos da EJA  | 135

9. Teoria e Prática nas Relações Fundamentais


do Trabalho Docente  | 145

Gabarito | 159

Referências | 167
1
Aspectos Sócio-
Históricos e Filosóficos
da Educação de Jovens
e Adultos no Brasil
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Nesse capítulo, você conhecerá:


22 as primeiras iniciativas de Educação de Jovens e Adultos no Brasil,
desde a chegada dos Jesuítas;
22 a primeira grande campanha de Educação de Adultos proposta por
Lourenço Filho;
22 o modelo de alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire;
22 o Plano Nacional de Alfabetização de 1964 e o porquê de ter sido
interrompido antes mesmo de começar;
22 o impacto do Golpe Militar nas políticas de Alfabetização de Adultos;
22 a implantação e a importância do Movimento Brasileiro de Alfa-
betização (Mobral), como também as marcas sociais deixadas por
esse movimento;
22 um pouco mais do modelo de alfabetização de adultos em parcerias
com ONGs;
22 as dimensões contextuais atuais do analfabetismo nacional, bem
como as principais ações executadas no período.
Neste capítulo, será enfocada a história da Educação de Jovens e Adultos
(EJA), desde as primeiras iniciativas de educação da nação brasileira, até a cons-
tituição da EJA como uma modalidade educativa com especificidades próprias.
Para melhor compreender a trajetória histórica das lutas pela educação
de uma nação, é necessário estabelecer paralelos com a própria história do
país. Por isso, durante este capítulo, apresentaremos as principais iniciativas
da Educação de Jovens e Adultos no decorrer da história do Brasil, situando
os aspectos sociopolíticos e filosóficos que permearam as mais relevantes cam-
panhas educativas para essa faixa etária.

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Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

1.1 Primeiras iniciativas de


Educação de Jovens e Adultos1
Pode-se dizer que os primeiros educadores foram os jesuítas, que che-
garam ao Brasil com a pretensão de catequisar a população a partir de prin-
cípios religiosos, transmitindo normas de comportamento e ensinando ofí-
cios necessários ao funcionamento da economia colonial. Como a maioria
da população era analfabeta, o método de ensino dos jesuítas consistia em
um conjunto de regras e preceitos religiosos, denominado Ratio Studiorium,
transmitido, basicamente, pela oralidade.
As primeiras escolas apareceram bem mais tarde, ainda sobre influência
dos jesuítas, que se encarregaram de organizar escolas de humanidades, que
eram baseadas em princípios cristãos. De acordo com os estudos de Paiva
(1987, p. 58), ao se analisar os registros históricos, percebe-se que, no Brasil,
durante quase quatro séculos, prevaleceu o domínio da cultura branca, cristã,
masculina e alfabetizada sobre a cultura de índios, negros, mulheres e não
alfabetizados, o que gerou uma educação seletiva, discriminatória e exclu-
dente, que mantém similaridades até os dias atuais.

Reflita
Como vimos, o conceito de educação está fortemente atrelado ao
contexto e ao momento histórico vivenciado. Fazendo um paralelo
entre esse primeiro momento histórico do Brasil e o que você já sabe
sobre a Educação de Jovens e Adultos, que comparações podem
ser estabelecidas?
O que podemos analisar, por exemplo, sobre a situação que durou
quase quatro séculos na história do Brasil de “domínio da cultura
branca, cristã, masculina e alfabetizada sobre a cultura de índios,
negros, mulheres e analfabetos”, o que gerou uma “educação sele-
tiva, discriminatória e excludente”, conforme citado dos estudos de
Paiva (1987)?.

1 As principais ideias aqui apresentadas foram originalmente construídas para a dis-


sertação de mestrado de Ana Maria Soek (2009).

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Na primeira Constituição Brasileira (1824), encontramos registros sobre


a instrução primária gratuita para todos os cidadãos; no entanto, sabe-se que,
durante um longo período da história do Brasil, essa educação foi destinada
somente às elites, uma pequena parcela da população. Em consequência disso,
pouco a pouco, foi aumentando o percentual de pessoas não alfabetizadas. De
acordo com o censo do ano de 1920, havia um índice de 72% da população
com idade acima de cinco anos que nunca havia ido à escola.
A Revolução de 1930 deu início ao processo de reformulação da função
do setor público no Brasil, e a sociedade brasileira passou por grandes trans-
formações decorrentes do processo de industrialização.
Com a promulgação da Constituição de 1934, foi previsto o ensino
obrigatório, tanto para crianças, quanto para adultos, sendo a primeira vez em
que se apontou a necessidade de oferecer educação básica também para jovens
e adultos que não haviam frequentado a escola quando crianças, rompendo
com a ideia, predominante até então, de que a escola era necessária somente
a crianças. Foi mencionado, ainda, o direito de o estudante ter acesso ao livro
didático e ao dicionário de língua portuguesa.
No recenseamento geral de 1940, a divulgação de que 55% dos brasi-
leiros com mais de 18 anos não haviam sido alfabetizados despertou o país
para o combate nacional ao analfabetismo. Essa iniciativa, ligada às campa-
nhas de alfabetização propostas aos países com grandes desigualdades sociais
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) impulsionou o projeto de implantação, no Brasil, de uma rede de
ensino primário supletivo para adultos não alfabetizados.

1.1.1 Primeira grande campanha


de educação de adultos
A partir de 1945, com o fim da ditadura de Getúlio Vargas, o Brasil
viveu a efervescência política da redemocratização. Era urgente a necessidade
de aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central, integrar
as massas populacionais de imigração recente e, sobretudo, incrementar a
produção. Para tanto, era necessário oferecer instrução mínima à população.

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Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

Em 1947, foi lançado um projeto nacional intitulado Campanha de


Educação de Adultos, idealizado por Lourenço Filho e inspirado no método
de Laubach, que se fundamentava nos estudos de psicologia experimental
realizados nos Estados Unidos, nas décadas de 20 e 30 do mesmo século.

Saiba mais
Manuel Lourenço Filho nasceu em Porto Ferreira, São Paulo, em
1897, e faleceu em 1970. Educador do magistério público, foi res-
ponsável pela reforma do ensino público no Ceará e, em 1935, foi
nomeado professor de Psicologia Educacional e diretor da Escola de
Educação da Universidade do Distrito Federal. Em 1938, a pedido
do ministro Gustavo Capanema, organizou o Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos que, em 1944, lançou a Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos. Lourenço Filho defendeu a necessidade da ele-
vação dos níveis de instrução de toda a população como condição
para o desenvolvimento econômico da nação e foi protagonista da
Campanha de Educação de Adultos, em 1940, que visava instituir
políticas globais para solucionar os problemas da esfera educacional.
Em 1949, organizou e dirigiu o Seminário Interamericano de Alfabe-
tização e Educação de Adultos, realizado no Rio de Janeiro, sob
os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da
Unesco. Nessa ocasião, recebeu o título de Maestro de las Américas.

Saiba mais
Frank Charles Laubach nasceu na cidade de Benton, Pensilvânia, nos
Estados Unidos. Formou-se na Universidade de Princeton, especia-
lizou-se em Letras, Pedagogia e Teologia e doutorou-se em Sociolo-
gia, na Universidade de Columbia. Iniciou um trabalho de assistência
humanitária nas Filipinas, em 1915, e, em 1928, formulou um método
baseado no conhecimento prévio dos adultos, alfabetizando 60%
do total da população nativa. Seu método foi adaptado para os 17
dialetos falados nas Filipinas.

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

As experiências de Laubach chamaram a atenção de vários governos no


mundo, e ele próprio chegou a preparar lições e treinar pessoas em mais de
cem países. Em 1945, a convite de Lourenço Filho, Laubach esteve no Brasil
proferindo palestras e cursos sobre seu método de ensino.

A metodologia proposta por Laubach apresenta os


seguintes princípios (BRASIL, 2005, p. 36):
22 oferecer oportunidades e incentivos aos alfabetizandos, por-
que todos são capazes de aprender;
22 construir a educação de jovens e adultos a partir dos conheci-
mentos já existentes, cabendo ao educador a tarefa de ajudá-
-los a construir novos conhecimentos;
22 despertar no alfabetizando o interesse por assuntos que
fazem parte de seu cotidiano, para que ele possa estabelecer
relações entre o conhecido e o novo;
22 incentivar o alfabetizando sempre, mesmo que erre, obser-
vando que as correções devem ser feitas de modo a motivá-lo
a novas tentativas;
22 elogiar com palavras de ânimo e conscientização;
22 manter entre o educador e o alfabetizando, antes de tudo,
uma relação de amizade, na qual a confiança e o preparo
façam uma grande diferença;
22 propor um caminho para a escrita e a leitura sem grandes
dificuldades e abstrações, para que o alfabetizando sinta-se
capaz diante dos desafios, já que conseguirá ler palavras e até
um pequeno texto na primeira aula;
22 utilizar material de apoio com adaptações necessárias às
atividades que serão propostas em sala de aula;

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Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

22 orientar o processo de construção e compreensão da lingua-


gem oral e escrita, veiculando o significado e a representação
do objeto, além do domínio dos mecanismos do ler e do
escrever, evidenciando, dessa forma, que se deve trabalhar,
primeiramente, o significado do conhecimento;
22 criar condições para o reconhecimento do caminho mais
lógico da leitura, para, a partir deste estágio, ser possível a
elaboração de outros caminhos;
22 partir, sempre, do conhecido para o desconhecido, do geral
para o particular;
22 respeitar as diferenças individuais e o ritmo próprio de apren-
dizagem de cada alfabetizando;
22 ensinar os alfabetizandos em diferentes estágios, o que con-
siste em um ganho e não um problema;
22 oferecer o melhor para os alfabetizandos em todos os aspec-
tos; porém, se não houver material didático ou instalações
disponíveis, deve-se alfabetizar com os recursos existentes,
em qualquer lugar ou circunstância;
22 lembrar que a idade não importa, pois todos alfabetizandos
podem aprender.

Para Laubach, o adulto não alfabetizado não deixa de ser uma pes-
soa instruída pelo fato de não saber ler e escrever. Ele só não teve acesso ao
conhecimento formal. Para esse educador, promover a alfabetização é mudar
a consciência da pessoa, reintegrando-a ao meio em que vive e colocando-a
no mesmo plano de conhecimento de direitos humanos fundamentais.
No Brasil, a primeira Campanha de Educação de Adultos, inspirada nos
princípios do método Laubach, consistiu em um processo que contemplava
desde a alfabetização intensiva, com duração de três meses, passando pelo
curso primário, que era dividido em dois períodos de sete meses, e culmi-

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

nando na etapa final, denominada ação em profundidade, voltada à capacita-


ção profissional e ao desenvolvimento comunitário.
Em um curto período de tempo, foram criadas várias escolas supletivas,
mobilizando esforços das esferas administrativas e de diversos profissionais e
voluntários. Além disso, foi criado, pela primeira vez, um material didático
específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos.
O Primeiro guia de leitura, distribuído pelo ministério em larga escala
para as escolas supletivas do país, orientava o ensino pelo método
silábico. Consistia no uso de uma cartilha padronizada, com lições
de ênfase na organização fonética das palavras. As lições partiam de
palavras-chave selecionadas e organizadas segundo as características
fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões silábicos,
como foco de estudo. As sílabas deveriam ser memorizadas e remon-
tadas para formar outras palavras. As primeiras lições também conti-
nham pequenas frases montadas com as mesmas sílabas. Nas lições
finais, as frases compunham pequenos textos contendo orientações
sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens
de moral e civismo (RIBEIRO, 1997, p. 29).

Dessa forma, a educação de adultos desenvolveu-se a partir de atividades


de alfabetização, que forneciam, além dos códigos linguísticos, os valores cul-
turais que permitiam a participação social, pois essa alfabetização era orien-
tada para integrar os adultos iletrados ao meio em que viviam, ensinando-lhes,
fundamentalmente, a leitura, a escrita e o cálculo matemático. O educador,
em grande parte, era leigo, e o ensino resumia-se nas orientações da cartilha.
A avaliação da Campanha de Educação de Adultos mostrou-se vitoriosa
em sua primeira década, pois, além da ampliação das classes e escolas, possibi-
litou a elevação da taxa de alfabetização. No entanto, a execução da campanha
foi sendo cada vez mais descentralizada, e, com a mudança de governo, foram
se extinguindo as verbas, ficando as ações da campanha cada vez mais depen-
dentes de doações e dos trabalhos de voluntários da base popular.
Com o tempo, outras campanhas foram organizadas pelo Ministério da
Educação (MEC): em 1952, a Campanha Nacional de Educação Rural e, em
1958, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo. Ambas tive-
ram vida curta e pouco realizaram, pois a preocupação, mesmo que inserida
dentro da vertente da Educação Popular, era muito mais em diminuir índices

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Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

de analfabetismo, do que com a qualidade da educação e a emancipação polí-


tica e cultural da população.

1.1.2 Alfabetização de adultos


proposto por Paulo Freire
No final da década de 50 do século XX, as críticas à Campanha de
Educação de Adultos dirigiam-se tanto às suas deficiências administrativas
e financeiras quanto à sua orientação pedagógica. Denunciava-se o caráter
superficial do aprendizado, que se efetivava no curto período da alfabetização,
a inadequação do método para a população adulta e o uso do mesmo material
didático (cartilha) para as diferentes regiões do país.
Todas essas críticas convergiram para uma nova visão sobre o problema
do analfabetismo e para a consolidação de um novo paradigma pedagógico
para a educação de adultos, cuja referência principal foi o educador per-
nambucano Paulo Freire voltado, sobretudo, para uma proposta de Edu-
cação Popular.

Saiba mais
Paulo Reglus Neves Freire, grande educador brasileiro, nasceu em
19 de setembro de 1921, em Recife, Pernambuco. Inspirador da
Educação Popular, tornou-se referência para as gerações de edu-
cadores, especialmente na América Latina e na África. Sofreu a
perseguição do Regime Militar no Brasil (1964-1985), sendo preso
e forçado ao exílio.
Com a experiência em Angicos (Rio Grande do Norte), Freire alfa-
betizou trezentos trabalhadores em 45 dias, sem usar a tradicional
cartilha e com uma perspectiva de educação para a libertação dos
oprimidos, transcendendo as técnicas e centrando o processo de
alfabetização em elementos de conscientização.
O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua pro-
posta para a alfabetização de adultos, inspirou os principais programas

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

de alfabetização e de Educação Popular realizados no país no início


dos anos 60 do século XX e que trabalhavam com uma perspectiva
político-cultural, envolvendo Igreja, partidos políticos de esquerda,
estudantes e outros setores.
Em 1980, depois de 16 anos de exílio, Freire retornou ao Brasil,
onde escreveu dois livros tidos como fundamentais em sua obra:
Pedagogia da esperança (1992) e À sombra desta mangueira
(1995). Entre suas maiores obras está Pedagogia da autonomia,
publicada em diversos países.

Os programas de Educação Popular foram empreendidos em grande


parte por educadores leigos, estudantes e católicos engajados em uma ação
política junto aos grupos de vertentes populares. Esses diversos grupos de
educadores articularam-se e passaram a pressionar o governo federal para que
os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional para as iniciativas da
sociedade civil.

1.1.3 Plano Nacional de Alfabetização


Em janeiro do ano de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfa-
betização, que previa a disseminação de programas de educação de adultos,
orientados pela proposta de Paulo Freire, por todo Brasil. Contando, em
grande parte, com educadores populares, a preparação do plano, com forte
engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela
efervescência política da época, foi interrompida, alguns meses depois, pelo
Golpe Militar.

Reflita
Imagine como estaria o Brasil hoje se o Plano Nacional de Alfabe-
tização proposto por Paulo Freire não tivesse sido interrompido no
Golpe Militar?

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Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

O paradigma pedagógico proposto por Freire baseava-se em um novo


entendimento da relação entre as problemáticas educacional e a social. “Antes
apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo pas-
sou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada por uma
estrutura social não igualitária” (PAIVA, 1987, p. 216).
Freire (1996) criticou a chamada “educação bancária”, que considerava
o analfabeto como alguém que não possui cultura ou conhecimento, uma
espécie de banco onde o educador deveria depositar o conhecimento. Como
contraponto a esse modelo, Freire fez referência à educação problematiza-
dora. A educação apregoada por Freire não se caracteriza pela transmissão de
conhecimentos, como se o processo de ensino e de aprendizagem circulasse
em uma rua de mão única. Tomando o alfabetizando como sujeito de sua
aprendizagem, ele propunha uma ação educativa que não negasse a cultura,
mas que fosse transformando-a por meio de um diálogo ancorado no tripé
educador–alfabetizando–objeto do conhecimento.
Com uma proposta conscientizadora de alfabetização de adultos, pres-
cindindo da utilização de cartilhas, valorizando os saberes dos alfabetizandos,
dos quais se originavam os conteúdos de ensino, e considerando que “a leitura
do mundo precede a leitura da palavra”, Freire (1996) desenvolveu um con-
junto de ações pedagógicas, amplamente divulgadas e conhecidas.

A proposta de Freire previa uma pesquisa que deveria ser


realizada pelo educador, acerca da realidade existencial do
grupo junto ao qual iria atuar. Concomitantemente, deve-
ria ser feito um levantamento do universo vocabular, ou
seja, das palavras utilizadas por esse grupo para expressar
sua realidade, com o objetivo de levar o alfabetizando a
assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, valorizando
a cultura local. Desse universo, o educador deveria sele-
cionar as palavras com maior sentido, que expressassem
as situações existenciais mais importantes para o grupo.
Depois, seria necessário selecionar um conjunto que conti-
vesse os diversos padrões silábicos da língua, organizando-

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

-o segundo seus graus de complexidade. Essas seriam as


“palavras geradoras”, a partir das quais se realizaria tanto
o estudo da realidade, quanto a leitura e a escrita, ou seja,
a leitura de mundo e a leitura da palavra. Tratava-se tam-
bém de ultrapassar a visão ingênua da realidade e desmis-
tificar a cultura letrada, na qual o alfabetizando estaria
se iniciando, passando a uma visão crítica de mundo.
Utilizando a exposição escrita aliada a uma ilustração, o
educador deveria dirigir a discussão na qual fosse sendo
evidenciado o papel ativo dos seres humanos como produ-
tores de diferentes formas de cultura. A partir da situação-
-problema ou da “palavra geradora”, desencadeava-se um
debate dirigido e, em seguida, a palavra escrita era analisada
em suas partes componentes: as sílabas. Na sequência, era
apresentado um quadro com as famílias silábicas com as
quais os alfabetizandos deveriam construir novas palavras.
Com um elenco de dez a vinte “palavras geradoras”,
mantendo-se a seleção gradual das dificuldades fonéti-
cas, acreditava-se conseguir alfabetizar, ainda que em um
nível rudimentar. Em uma etapa posterior, as “palavras
geradoras” seriam substituídas por “temas geradores”, a
partir dos quais os alfabetizandos aprofundariam as aná-
lises dos problemas comunitários e sociais, sempre em
uma visão crítica do contexto em que estavam inseridos.

Nesse período, foram produzidos diversos materiais orientados por prin-
cípios freirianos para a alfabetização de adultos. Esses materiais, normalmente
elaborados regional ou localmente, procuravam expressar o universo vivencial
dos alfabetizandos. Para contextualizar esse universo, os materiais continham
as “palavras geradoras”, que eram acompanhadas de imagens relacionadas a
temas para debates, e os quadros de descoberta, com as sílabas derivadas das
palavras, acrescidas de pequenas frases para leitura. O que caracterizava esses

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Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

materiais não era apenas a referência à realidade imediata dos adultos, mas,
principalmente, a intenção de problematizar essa realidade.

1.1.4 Golpe Militar e seu impacto


na alfabetização de adultos
Com o reordenamento político para proporcionar condições de desen-
volvimento do modelo capitalista, a educação básica para jovens e adultos
ficou nas mãos de governos autoritários, a partir do ano de 1964, havendo
repressão direta aos trabalhos envolvidos com a Educação Popular proposta
por Paulo Freire.
Nesse momento, houve várias mudanças no campo das políticas sociais,
e, em especial, na educação de adultos. Pessoas e grupos que estavam, até
então, voltados para os trabalhos com a Educação Popular foram reprimidos,
e os responsáveis, expulsos do país, entre eles Paulo Freire.
A multiplicação dos programas de alfabetização de adultos, secun-
dada pela organização política das massas, aparecia como algo espe-
cialmente ameaçador aos grupos direitistas; já não parecia haver
mais esperança de conquistar o novo eleitorado [...] a alfabetização
e educação das massas adultas pelos programas promovidos a partir
dos anos 60 aparecia como um perigo para a estabilidade do regime,
para a preservação da ordem capitalista. Difundindo novas ideias
sociais, tais programas poderiam tornar o processo político incon-
trolável por parte dos tradicionais detentores do poder e a ampliação
dos mesmos poderia até provocar uma reação popular importante
a qualquer tentativa mais tardia de golpe das forças conservadoras
(PAIVA, 1987, p. 259).

Com o Golpe Militar de 1964, os movimentos de alfabetização foram


proibidos, e alguns livros, utilizados nesses programas, foram confiscados por
serem classificados como de teor comunista e uma ameaça à ordem instalada
pelo Poder Militar.
Em 1966, o programa de alfabetização encerrou-se em alguns estados
devido à pressão exercida pelo governo militar, que só permitia a realização
de programas de alfabetização de adultos com caráter assistencialista e con-
servador, até que, em 1967, assumiu o controle dessa atividade, lançando o
Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

1.1.5 Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral)


O Mobral foi a resposta do regime militar à grave situação de analfabe-
tismo no país. Criado em dezembro de 1967, com o objetivo geral de erradi-
car o analfabetismo e possibilitar a educação continuada aos jovens e adultos,
esse programa demonstrou a necessidade de dar continuidade à escolarização.
De acordo com Paiva (1987), com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional n. 5.692, de 1971, que foi, sem dúvidas, o evento de
maior destaque para a reinserção escolar daqueles que não tiveram oportu-
nidade de estudar na época certa, expandiu-se a necessidade de criação do
ensino supletivo.
Nesse contexto, passou-se a entender a política educacional de adul-
tos como a incorporação das práticas de temas ligados ao desenvolvimento,
como educação e investimento, teleducação e tecnologia educacional, eviden-
ciando que a educação deveria estar alinhada ao modelo global que buscava
racionalizar recursos e estabelecer metas. No decorrer desse mesmo período,
foram criados os Centros de Estudos Supletivos (CES), nos quais as ativida-
des desenvolvidas baseavam-se nos princípios do ensino personalizado, com
metodologia própria, que recomendava a adoção de estudo dirigido, a orien-
tação individual ou em pequenos grupos, a instrução programada e o uso de
rádio, televisão e multimeios.
No modelo de alfabetização proposto pelo Mobral, as técnicas utili-
zadas consistiam em codificações de palavras preestabelecidas, escritas em
cartazes com as famílias fonéticas, quadros ou fichas de descoberta, muito
próximos das metodologias anteriormente utilizadas no modelo de Paulo
Freire. No entanto, havia uma diferença fundamental: as “palavras”, tanto
quanto as fichas de codificações eram elaboradas da mesma forma para todo
o Brasil, a partir de problemáticas sociais particulares do povo. Tratava-se
fundamentalmente de ensinar a ler, a escrever e a contar, deixando de lado
a autonomia e a conscientização crítica e transformadora da linha iniciada
por Paulo Freire.
Para se atingir os objetivos do programa, foram criados materiais didáti-
cos constituídos de livro-texto, livro-glossário, livro para exercitar o cálculo,
livro do educador e um conjunto de cartazes. Esse material foi modificado em
1977 e passou a ser chamado de Conjunto Didático Básico.

– 24 –
Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

A capacitação dos educadores (também chamados de monitores ou edu-


cadores não profissionais) pautava-se na ideia de que o recurso da utilização
de pessoas da comunidade em geral para ensinar aos que sabiam menos era
válido, legítimo, natural e, também, uma grande opção para os países ou
regiões que possuíam escassez de recursos humanos qualificados para realizar
tal função (PAIVA, 1987). E o que se faz, então, para eliminar os proble-
mas decorrentes dessa decisão? O entendimento era de que um bom mate-
rial didático, acompanhado de um manual-guia para o educador, que tivesse
um “treinamento” e seguisse as recomendações didáticas, bastariam para a
qualidade do trabalho pedagógico vinculado ao processo de alfabetização.
Essa concepção deriva do modelo tecnicista, influência recebida dos Estados
Unidos e das pesquisas behavioristas baseadas nos mecanismos de estímulo-
-resposta propostos por Skinner.

No modelo tecnicista, o ensino é representado por padrões


de comportamento, que podem ser mudados por meio de
treinamentos. A aprendizagem consiste em um arranjo e
planejamento de continências de reforços (elogios, graus,
notas, prêmios, reconhecimento do mestre e dos cole-
gas, prestígios). É o educador quem deve dirigir o ensino
para assegurar a aquisição dos padrões da leitura, da
escrita e do cálculo e prever o repertório final desejado.
O behaviorismo refere-se a um conjunto de pressupostos
baseado nos padrões de comportamento, sendo Skinner
um dos principais representantes dessa corrente. Para os
behavioristas, o comportamento pode ser moldado.

Dessa forma, o método do Mobral não partia do diálogo e da reali-
dade existencial, mas de lições preestabelecidas pelo contexto militar. Con-
siderando as similaridades das propostas, podemos afirmar que o método
de Paulo Freire foi refuncionalizado com princípios metodológicos que não
respeitavam a conquista da autonomia e o desenvolvimento da consciência
crítica do alfabetizando.

– 25 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Com a emergência dos movimentos sociais e o início da abertura polí-


tica na década de 80 do século XX, as pequenas experiências de alfabetização
foram se ampliando, construindo canais de trocas de vivências e reflexões e a
articulação de novas ações pedagógicas. Projetos de alfabetização se desdobra-
ram em turmas de pós-alfabetização, em que se avançava no trabalho com a
língua escrita, além das operações matemáticas básicas.
Também as administrações de alguns estados e municípios maiores pas-
saram a ganhar autonomia com relação ao Mobral, acolhendo educadores
que se esforçaram na reorientação de seus programas de educação básica de
adultos. Desacreditado nos meios políticos e educacionais, pois, além de não
conseguir manter os programas educativos, propunha uma metodologia con-
siderada ultrapassada, o Mobral foi extinto em 1985. Seu lugar foi ocupado
pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos (Fundação Edu-
car), que abriu mão de executar diretamente os programas, passando a apoiar
financeira e tecnicamente as iniciativas não governamentais (ONGs), entida-
des civis e empresas conveniadas.
O Mobral esteve presente por um longo período na história recente do
nosso país e ainda hoje encontramos alunos e professores que vivenciaram
esse período da história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil.

1.1.6 Movimento de alfabetização em parcerias


A Fundação Educar foi criada em 1985, substituindo o Mobral. Subs-
tancialmente, a Fundação Educar promovia a execução dos programas de
alfabetização por meio do apoio financeiro e técnico às ações de outros
níveis de organizações não governamentais e de empresas, não havendo
uma unidade de esforços do governo para a alfabetização de jovens e adul-
tos. Havia, portanto, uma retirada das ações do Estado em relação a essa
modalidade de educação.
Com a Constituição de 1988, o dever do Estado com a Educação de
Jovens e Adultos foi ampliado ao se determinar a garantia de “Ensino Funda-
mental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os
que a ele não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 1988).

– 26 –
Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

Contudo, a partir de 1988, com as políticas de descentralização de poder


e descentralização administrativa, viabilizaram-se parcerias entre organizações
da sociedade civil e o Estado, nos mais diversos níveis, visando à definição
e execução das políticas sociais e municipalização das ações do Estado nas
diversas áreas, como saúde, educação e assistência social. Nas campanhas
de alfabetização de jovens e adultos, essas medidas refletiram nas iniciativas
privadas e não governamentais que, durante a década de 90 do século XX,
foram as maiores responsáveis pela atuação nesse setor. Mesmo assim, a taxa
de analfabetismo da população rural situava-se em um patamar bastante alto.

Em 1990, foi realizado em Jomtiem, na Tailândia, a


Conferência Mundial de Educação para Todos, que
explicitou a dramática realidade mundial de analfa-
betismo de pessoas jovens e adultas e propôs maior
equidade social nos países mais pobres e populo-
sos do mundo. Esse mesmo ano foi considerado pela
Unesco como Ano Internacional da Alfabetização.
A partir de então, têm-se intensificado em todo o mundo
as discussões em torno da alfabetização e da necessi-
dade de progressiva escolarização de pessoas adultas,
assim como uma série de ações tem chamado a aten-
ção do mundo sobre problemas internacionais cru-
ciais das áreas de alimentação, saúde e educação.

Adentrando a década de 90, no limiar do século XXI, o Brasil apresen-
tava um quadro com 20% da população total com 15 anos ou mais em estado
de analfabetismo. Esse quadro revela-se ainda mais severo considerando-se o
contingente de analfabetismo funcional, ou seja, aqueles, dessa faixa etária,
com escolaridade média inferior a quatro anos de estudos, ou que “não con-
seguem ler e escrever um bilhete simples”, conforme definição do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000).

– 27 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Ainda na década de 90, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional n. 9.394/96, na qual a EJA passou a ser considerada uma
modalidade da educação básica nas etapas dos ensinos Fundamental e Médio,
usufruindo de uma especificidade própria.
Na segunda metade dessa mesma década, evidenciou-se, também, um
processo de articulação de outros segmentos sociais, como Organizações Não
Governamentais (ONGs), Movimentos Sociais, Organizações Empresariais,
“Sistema S”, Alfabetização Solidária, Universidade, entre outros, buscando deba-
ter e propor políticas públicas para EJA. Nesse período, passaram a se articular
movimentos que deram origem aos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos,
denominados Enejas (Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos).
No Paraná, houve os Epejas (Encontros Paranaenses de Educação de Jovens e
Adultos), assim como outros estados passaram a articular seus próprios fóruns.
No final de 1990, foi implantado o Programa Nacional de Alfabetização
e Cidadania (PNAC), no governo do então presidente Fernando Collor de
Melo, com o objetivo de reduzir o índice de analfabetismo em 70%, em um
período de cinco anos. No entanto, o PNAC não durou nem um ano sequer.
Com a transição de governo, a atuação que mais se sobressaiu, no
cenário da alfabetização, foi a do Programa Alfabetização Solidária (PAS),
que contava com parcerias firmadas entre o governo e instituições públicas
e privadas, como as instituições de Ensino Superior. O PAS foi implan-
tado em janeiro de 1997 como uma meta governamental do presidente Fer-
nando Henrique Cardoso. O programa tinha como proposta inicial atuar
na alfabetização de jovens e adultos nas regiões Norte e Nordeste do país,
porém conseguiu abranger as regiões Centro-Oeste e Sudeste, inclusive
alguns países da África.
O PAS foi concebido em parceria entre o Conselho da Comunidade
Solidária e o Ministério da Educação. Quando de sua criação, o PAS tinha
como objetivo
[...] desencadear um movimento nacional no combate ao analfabetismo
no Brasil. Diferentemente de outros programas já desenvolvidos, o Pro-
grama Alfabetização Solidária tem, desde o seu nascedouro, a clareza de
que não pode resolver os problemas sozinho. Nesse sentido, incentiva a
parceria entre governo, a iniciativa privada, as universidades públicas e
privadas e as prefeituras para, no conjunto, somar esforços com vistas à

– 28 –
Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

redução dos índices de desigualdades e de condições subumanas, espe-


cialmente, nas regiões e populações mais necessitadas (PAS, 1997, p. 11).

O formato de parcerias proposto pelo programa é baseado em um


modelo solidário, em que “o empenho da sociedade como um todo é funda-
mental, quando se enfrenta um problema social tão grave quanto o analfabe-
tismo” (PAS, 1997, p. 11). A efetivação do programa ocorre na realização de
atividades educadoras nos municípios parceiros, sendo essas atividades orga-
nizadas em módulos, com duração de seis meses. O primeiro mês é destinado
ao curso de capacitação dos educadores, e os outros cinco meses são destina-
dos ao processo de alfabetização em sala de aula.
Na concepção do PAS, para se iniciar o processo de alfabetização é
necessário, inicialmente, “capacitar” o educador com cursos preparatórios.
Cabe ressaltar que nesse programa não há unicidade na recomendação nem
quanto à capacitação do educador, nem quanto à metodologia e recursos
didáticos que podem ser utilizados. Dessa forma, o modelo de alfabetização
e de “capacitação” ficava a cargo da instituição responsável por esse processo,
no caso, as universidades, às quais cabia o papel de selecionar e capacitar os
educadores e de realizar visitas mensais às turmas em andamento, para acom-
panhamento e orientação do trabalho.
Sobre o curso de capacitação de educadores, o documento do PAS destaca:
A fase de capacitação dos educadores é, sem dúvida, uma etapa
muito importante do Programa; pode-se mesmo afirmar que é nesse
momento que o sucesso ou fracasso da alfabetização se inicia, pois
muitas vezes, mesmo tendo concluído o curso de magistério, os pro-
fessores dos municípios apresentam carências de conteúdo bem rele-
vantes (PAS, 1997, p. 13).

Cabe ressaltar que, para uma atuação eficaz na alfabetização de jovens e


adultos, é necessário mais do que somente cursos de capacitação. São necessá-
rios projetos de formação inicial e, também, formação continuada.
Ainda no modelo de gestão do PAS, havia um coordenador municipal,
normalmente indicado pelo prefeito, e um assessor pedagógico, função criada
em 1999, com o intuito de auxiliar o coordenador municipal, que além do
acompanhamento às turmas e do gerenciamento de distribuição de merenda,
era responsável por todos os aspectos infraestruturais para execução do PAS
em seu município.

– 29 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

À empresa parceira, cabia a “adoção” de um ou mais municípios e, ao fazê-lo,


responsabilizava-se por despesas que se teria durante os módulos, como alimenta-
ção, transporte, hospedagem, merenda dos alunos e bolsas dos educadores.
Cada educador ficava encarregado por uma turma, com no mínimo 12
alunos e no máximo 25. Já o Conselho da Comunidade Solidária, por inter-
médio da coordenação executiva do PAS, definia os municípios, articulando
as entidades envolvidas e mobilizando novos parceiros. À coordenação cabia
o gerenciamento de todo o processo e o encaminhamento para o repasse dos
recursos obtidos junto às empresas parceiras.
Uma das publicações oficiais sintetiza o modelo de parceria adotado pelo PAS:
Um modelo simples de atuação, desenvolvido a partir do Conselho da
Comunidade Solidária, permite que o custo mensal para a manuten-
ção de um aluno do Programa Alfabetização Solidária seja de somente
R$ 34,00, ao longo de um semestre. Esse valor é dividido entre os
parceiros, empresas ou pessoas físicas, e o MEC. Cada parte contribui
com apenas R$ 17,00 por mês, o equivalente a cerca de dois ingressos
em cinemas das grandes capitais brasileiras (PAS, 2003, p. 4).

O PAS previa a realização periódica de avaliações das atividades desen-


volvidas nos municípios a partir da mediação das instituições de Ensino Supe-
rior envolvidas no processo. As informações obtidas eram, posteriormente,
tabuladas pela coordenação executiva do programa, responsável também pela
divulgação desses dados. As avaliações apresentavam dados sobre os alunos
do programa, como gênero, faixa etária, aprendizagem, e o número de alunos
atendidos, entre outros.

Até o ano de 2002 o Programa Alfabetização Solidária


desenvolveu, entre outros, os seguintes projetos: Projeto Ver
(1999) visava “reduzir uma das principais razões da evasão
dos alunos: os problemas de visão dos quais se queixam mais
de 18% dos alunos que abandonam a sala de aula”; Projeto
Grandes Centros Urbanos (1999) “para atender jovens e
adultos nas regiões metropolitanas, onde o índice percentual
de analfabetismo não é tão elevado, mas a concentração de
pessoas não alfabetizadas é grande; Projeto Rádio Escola:

– 30 –
Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

melhorando o trabalho em sala de aula, criado em 2001 a


partir de parceria com a Secretaria de Educação a Distância
do Ministério da Educação, baseava-se na utilização, tanto
na capacitação dos educadores quanto nas salas de aulas,
de programas radiofônicos que visavam “enriquecer as
aulas de alfabetização e estimular o interesse da participa-
ção de alunos e educadores”; Projeto Alfabetização Digital
(2001), atendeu a 20 municípios em projeto-piloto com
a finalidade de propiciar, aos municípios, computadores
para que os educadores tivessem contato com a tecnolo-
gia e estreitassem contatos com as instituições de Ensino
Superior; Projeto Promoção da Saúde (2001) desenvolvido
em parceria com o Ministério da Saúde, consistia na distri-
buição de cartilhas com as quais o Programa “não somente
melhora a qualidade de vida de seus alunos e educadores,
mas também agrega valor à aprendizagem da leitura e da
escrita, inserindo-a em um processo maior de introdução
social e exercício pleno da cidadania” (PAS, 2003, p. 6).

Com a mudança de governo, em 2002, assumindo o Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o PAS passou a se chamar Alfabetização Solidária (Alfa-
sol), uma organização não governamental (ONG) que continua a atender
os alfabetizandos por meio de recursos provindos de parceiros, entre eles o
Programa Brasil Alfabetizado, programa oficial de alfabetização de jovens e
adultos no Governo Lula.

1.2 Dimensões contextuais do


analfabetismo nacional
Na virada do século XX para o XXI, o Brasil ainda contava com cerca de
13% da população não alfabetizada. Além disso, existia um contingente de
33 milhões de brasileiros em estado de analfabetismo funcional.

– 31 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Na tabela a seguir, observa-se a evolução histórica dos índices de anal-


fabetismo de jovens e adultos no Brasil no último século e entre os últimos
anos da década de 90, em que é denotada uma relativa estagnação nas taxas
de analfabetismo.
Figura 1.1 – Tendência do analfabetismo no Brasil

Fonte: IBGE (2010).


Na tentativa de reduzir as taxas de analfabetismo, foi lançado no ano
2000 o Programa Brasil Alfabetizado, organizado em edições anuais, cada
uma com duração de aproximadamente sete meses. Os educadores são con-
tratados por meio do sistema de bolsas e não mantêm vínculos empregatícios.
Em grande parte, as pessoas contratadas são educadores populares e não pro-
fessores, pois não é exigida uma formação específica para atuar no Programa.
A gestão do Programa Brasil Alfabetizado é descentralizada, cada insti-
tuição parceira é responsável pela gestão de recursos, bem como pela seleção
e pelo acompanhamento dos educadores, que, por sua vez, são responsáveis
pela composição das turmas. Contudo, há a necessidade de prestação de con-
tas, e os dados do Programa são acompanhados pelo MEC por meio de um
“mapa do analfabetismo”, em que os dados cadastrais de alfabetizandos,
educadores e dos locais de alfabetização são compilados em um sistema ele-
trônico aberto para consulta dos parceiros e da comunidade.

– 32 –
Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

Na virada do século, além do redesenho do próprio Programa Brasil


Alfabetizado, um importante avanço diz respeito à incorporação da EJA no
Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o que garante
recursos próprios para oferta de EJA, e, com isso, há um estímulo à expansão
dessa oferta e de matrículas. Contudo, mesmo com os avanços perceptíveis,
ainda há muito que avançar, considerando que existe um grande contingente
de educandos a serem atendidos.

Dica de filme
Narradores de Javé (2003)

Os moradores de um pequeno vilarejo de Javé se deparam com


o anúncio de que a cidade poderia desaparecer sob as águas
de uma enorme usina hidrelétrica. Essa ameaça à própria exis-
tência pode mudar a rotina dos habitantes. Em resposta à notícia
devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide
preparar um documento contando todos os grandes aconteci-
mentos heroicos de sua história, para que Javé possa escapar da
destruição. Como a maioria dos moradores é analfabeta, a primeira
tarefa é encontrar alguém que pudesse escrever essas histórias.
O único habitante alfabetizado de Javé é Antônio Biá, um fun-
cionário do correio local que, para manter seu emprego, passou a
escrever cartas para várias pessoas de outros lugares, contando as
fofocas das principais figuras locais, fato que lhe rendeu incontáveis
inimigos. Porém, não restou outra opção ao povo de Javé senão
exigir que Antônio Biá escrevesse de “forma científica” o documento
que demonstrasse a importância histórica da região.

– 33 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

O filme Narradores de Javé retrata o perfil de muitas comunidades


carentes do Brasil e as dificuldades de suas lutas. De modo hilariante,
o filme nos mostra a dinâmica de transição da tradição oral para a
tradição escrita, e a graça reside no fato de a memória oral privilegiar
alguns detalhes em detrimento de outros. Como diz o próprio Biá:
“uma coisa é o fato acontecido, outra é o fato escrito”. Por isso, o
filme nos leva a refletir sobre a importância da leitura e escrita para o
desenvolvimento social do país e, consequentemente, para o exercí-
cio da cidadania.
No universo da Educação de Jovens e Adultos, ressalta-se a impor-
tância de que as histórias individuais e coletivas dos moradores de
tantas outras Javés que existem pelo Brasil sejam valorizadas e não
tenham as suas memórias esquecidas e destruídas. Isso demonstra
o quanto a história pessoal está intimamente ligada à história e ao
momento histórico do país.
NARRADORES de Javé. Direção de Eliane Caffé. Brasil: Bananeira
Filmes; Gullane Filmes; Laterit Productions: Dist. Riofilme, 2003. 1
filme (100 min.), sonoro, color.

Da teoria para a prática


Uma sugestão de atividades para se realizar com os educandos da EJA
é organizar uma roda de prosa, em que cada um relate os principais fatos
da história de suas vidas. Uma sugestão é que educandos tragam fotos ou
recortem figuras que representem esses acontecimentos, o que irá facilitar a
apresentação para os colegas.
Oriente os educandos a sentarem em forma de roda e inicie a conversa
deixando-os à vontade para falar. Você, como educador, pode começar a
exposição. Lembre-se de que o objetivo dessa atividade é conhecer melhor
seus educandos e possibilitar a interação entre eles. Por isso, é importante
criar um clima de confiança e respeito, destacando o quanto a história de vida
de cada um está relacionada a outras histórias e à história da comunidade, do

– 34 –
Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

município, do estado e da nação a que pertencem. Se possível, relacione os


fatos apresentados com pontos da história do país.
Com as fotos e figuras trazidas pelos educandos, crie um painel denomi-
nado “Imagens da vida” para deixar no mural da sala.

Atividades
1. Pesquise mais informações sobre o educador brasileiro Paulo Freire,
ícone da alfabetização de jovens e adultos no Brasil, destacando as
etapas da metodologia proposta por ele a partir de “palavras gera-
doras”. Faça o registro escrito da pesquisa.
2. No estudo desse capítulo, foi possível perceber que o conceito
de educação está fortemente atrelado ao contexto político e ao
momento histórico do país. Fazendo um paralelo entre o histórico
da EJA e analisando a história recente do Brasil, explique que com-
parações podem ser estabelecidas.
3. Analisando o cenário político das últimas décadas, como você ana-
lisa a participação de Comunidades Solidárias e das ONGs na edu-
cação brasileira? Argumente sua resposta.
4. Investigue mais sobre a incorporação da EJA ao Fundo de Desen-
volvimento da Educação Básica (Fundeb), relacionando os avan-
ços e as perspectivas atuais dessa modalidade educativa. Registre as
informações encontradas.

Síntese
Ao estudar a história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, percebe-
-se que o conceito de educação está fortemente atrelado ao contexto político e
aos momentos históricos vivenciados. Fazendo um paralelo entre o histórico
da EJA e analisando a própria história do Brasil, é possível fazer comparações
de acordo com os meandros sociopolíticos, que acabaram tomando corpo nas
questões culturais do país. Por isso, é importante conhecer tanto a história

– 35 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

do país a que pertencemos, como, também, enquanto profissionais da área,


conhecer a trajetória histórica da alfabetização do povo brasileiro, refletindo
sobre as influências que permearam e ainda permeiam todo esse processo.
Ao estudar esse capítulo, você obteve as seguintes informações:
22 os Jesuítas foram os primeiros professores de Jovens e Adultos da
nação brasileira e foram responsáveis também pelas primeiras esco-
las no Brasil;
22 a primeira grande Campanha de Educação de Adultos foi proposta
por Lourenço Filho, em 1947, baseada num modelo americano de
educação, fundamentado pela psicologia experimental difundido
por Frank Charles Laubach;
22 o modelo de alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire foi
interrompido pelo Golpe Militar e, em decorrência disso, Paulo
Freire exilou-se do Brasil;
22 o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) foi implantado
durante a Ditadura Militar e deixou profundas marcas sociais a
quem o vivenciou;
22 durante um bom período da história recente do Brasil, a Alfabeti-
zação de Adultos esteve a cargo de ONGs;
22 no ano de 2010, o Brasil ainda tinha quase 10% da sua população
adulta analfabeta;
22 existem filmes brasileiros que retratam essa triste realidade do
analfabetismo, como “Narradores de Javé” (2003) e “Central do
Brasil” (1998);
22 como educadores, podemos fazer a diferença na vida dos educan-
dos jovens e adultos que buscam na alfabetização uma forma de
inserção no mundo da leitura e da escrita.

– 36 –
2
Sistema Organizacional
da EJA no Brasil
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Nesse capítulo, você conhecerá:


22 a legislação e os fundamentos da modalidade EJA no Brasil;
22 as orientações e as diretrizes gerais para a EJA;
22 as funções da Educação de Jovens e Adultos;
22 as recomendações internacionais para as políticas de EJA;
22 os principais princípios da Educação de Jovens e Adultos;
22 alguns fatores estratégicos para a formação humana defendido
pelos Pilares da Educação do Futuro.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.
9.394/96, a Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade da educação
básica, nas etapas dos ensinos Fundamental e Médio, que usufrui de uma
especificidade própria que, como tal, deve receber um tratamento conse-
quente. Para tanto, além de adequações nas questões curriculares, deve-se
considerar a forma como os conteúdos/conceitos devem ser tratados e as aspi-
rações e interesses dos educandos.
No processo de seleção de conteúdos, o desafio que se apresenta é identifi-
car, dentro de cada um dos vastos campos de conhecimento das diferentes áreas,
quais são socialmente relevantes e em que medida contribuem para o desenvol-
vimento intelectual do educando. Em outras palavras, o desafio é identificar que
conteúdos permitem a construção do raciocínio, o desenvolvimento da criati-
vidade, da intuição, da capacidade de análise e de crítica, e a constituição de
esquemas lógicos de referência para interpretar fatos e fenômenos da sociedade.
Neste capítulo, serão apresentadas as orientações e diretrizes gerais para
a EJA, quanto à seleção de conteúdos, às funções e aos aspectos legais que
regem as políticas dessa modalidade de ensino, no Brasil.

2.1 Legislação e fundamentos


da modalidade EJA
A EJA, enquanto modalidade da educação básica, não pode ser pen-
sada como uma oferta melhor, pior, ou menos importante, mas sim como

– 38 –
Sistema Organizacional da EJA no Brasil

uma modalidade educativa, um modo próprio de conceber a educação básica


determinado pelas especificidades e interesses dos sujeitos envolvidos.
Em termos de legislação, as recomendações são claras e direcionam para
a necessidade de se buscar condições, alternativas e currículos adequados à
realidade desses sujeitos, ou seja, uma prática educativa que leve em conta
os saberes, os conhecimentos até então produzidos e as experiências de vida
dos educandos, considerando as características do alunado, seus interesses,
condições de vida e de trabalho.
A EJA é direcionada a todos àqueles que não tiveram acesso ou não com-
pletaram o processo de escolarização básica. Para ingresso nos cursos de EJA,
de acordo com a LDB n. 9.394/96, é necessário que o educando tenha mais
de 15 anos, para concluir o Ensino Fundamental, e mais de 18 anos, para o
nível de conclusão do Ensino Médio.
De modo geral, a EJA é dividida nas fases de alfabetização, geralmente
concebida em programas de curta duração – 1º e 2º segmento, correspon-
dentes respectivamente aos anos iniciais e finais dos Ensinos Fundamental
e Médio. Cada sistema de ensino, seja municipal, estadual, federal ou parti-
cular, pode usar diferentes nomenclaturas para a organização dos sistemas de
EJA, mas todos devem cumprir a carga horária mínima recomendada para
cada etapa educativa e observar os fundamentos e princípios dessa modali-
dade, descritos nos documentos oficiais e nas propostas pedagógicas.
Nas Diretrizes Curriculares de EJA (BRASIL, 2000), formuladas pelo
MEC, os conteúdos estão dimensionados não só em conceitos, mas também
em procedimentos e atitudes, apresentados em blocos de conteúdo ou em
eixos temáticos, de acordo com as áreas.
Os conteúdos de natureza conceitual envolvem a abordagem de con-
ceitos, fatos e princípios e referem-se à construção ativa das capacidades inte-
lectuais, para operar com símbolos, signos, ideias e imagens capazes de repre-
sentar a realidade.
Para concretizar essa aprendizagem, o educando precisa adquirir infor-
mações e vivenciar situações e generalizações que, mesmo sendo análises e
sínteses parciais, permitem verificar se o conceito está sendo aprendido. A
formulação dessas generalizações permitirá que o educando atinja conceitua-

– 39 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

lizações cada vez mais abrangentes que o levarão à compreensão de noções no


plano da abstração e da aprendizagem significativa.
A aprendizagem ocorre, em um primeiro momento, de maneira memo-
rizada. No entanto, a memorização não deve ser entendida como um pro-
cesso mecânico de representar as informações, mas sim como um estímulo
significativo, para que o educando se empenhe em estabelecer relações entre o
que já sabe (conhecimentos prévios) e os conteúdos que estão sendo sistema-
tizados pela escola. A abordagem dessas relações está diretamente relacionada
ao conteúdo procedimental.
Os conteúdos de natureza procedimental expressam um “saber fazer”,
que envolve a tomada de decisões e a realização de uma série de ações, de
maneira ordenada e não aleatória, para que se atinja uma meta. Os conteúdos
procedimentais sempre estão presentes nos projetos de ensino, pois realizar
uma pesquisa, desenvolver um experimento, fazer um resumo e construir
uma maquete são proposições de ações presentes nas salas de aula.
Na organização de uma pesquisa, por exemplo, é necessário planejar os
procedimentos, ou seja, pesquisar em mais de uma fonte, fazer entrevistas,
comparar os dados obtidos, registrar o que for relevante e organizar as infor-
mações obtidas para produzir um texto de pesquisa e, depois, apresentá-lo à
classe, elaborar a síntese do tema pesquisado.
No planejamento e na realização desses procedimentos, o educando
necessita da mediação do educador, pois a aprendizagem de um conteúdo
procedimental não é espontânea nem depende somente das habilidades indi-
viduais. Analisar, compreender e criar estratégias para comprovar hipóteses e
“saber fazer” são conteúdos procedimentais que devem ser mobilizados em
sala de aula pela mediação do professor.
No processo educativo, devem ser incluídos, também, os conteúdos
de natureza atitudinal, que incluem normas, valores e atitudes e permeiam
todo o conhecimento escolar. A escola é um contexto socializador, gerador de
atitudes relativas ao conhecimento, ao professor, aos colegas, às disciplinas, às
tarefas e à sociedade.
Atitudes são bastante complexas, pois envolvem tanto a cognição
(conhecimentos e crenças) quanto os afetos (sentimentos e preferências) e as

– 40 –
Sistema Organizacional da EJA no Brasil

condutas (ações e declarações de intenção). Por isso, é imprescindível que o


educador adote, em sala de aula, uma posição crítica em relação às atitudes e
aos valores éticos e culturais da sociedade em geral.
É preciso lembrar, no entanto, que nas relações interpessoais vivenciadas
no contexto escolar o grande desafio é conseguir se colocar no lugar do outro,
compreender seus pontos de vista e motivações e desenvolver a capacidade de
conviver com as diferenças. Nesse sentido, somente as informações do dia a
dia, apesar de necessárias para concretizar uma atitude de modo eficaz, não
são suficientes para o ensino de valores, atitudes e normas em sala de aula.
Na abordagem didática dos conteúdos atitudinais é necessário que a
equipe escolar vivencie essas práticas por meio de atitudes cotidianas, para que
o educando possa observá-las e incorporá-las em seu convívio social. Com essa
percepção, os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais devem ser
contemplados de maneira integrada no processo de ensino e aprendizagem.

Saiba mais
Para saber mais sobre as diretrizes da EJA, você pode ler os documen-
tos oficias disponíveis no site do Ministério da Educação (<http://
www.mec.gov.br/>), no link sobre essa modalidade educativa, ou
procurar conhecer as propostas pedagógicas do seu município ou do
seu estado para os programas de EJA.

Os desafios da EJA exigem do educador um olhar cuidadoso sobre as


questões que norteiam a relação entre professor, aluno e conhecimento e que
podem interferir no sucesso escolar. Essas questões implicam a consideração
de fatores importantes no processo de ensino e aprendizagem, como o con-
trato didático, a gestão do tempo, a organização do espaço, os recursos didáti-
cos, a interação e a cooperação, e a interação da escola com as práticas sociais.

Saiba mais
O contrato didático refere-se aos “combinados” feitos entre professor
e aluno. Parte de uma metodologia de trabalho, são os combinados
didáticos que vão garantir uma boa organização da aula, envolvendo

– 41 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

desde o processo disciplinar até mesmo a seleção e o modo de


passar os conteúdos.

[...] a inovação curricular não consiste apenas em mudar, ou tentar


mudar, o que se ensina e se aprende na escola. Tão importante quanto
o que se ensina e se aprende é como se ensina e como se aprende.
Na verdade, hoje sabemos que ambos os aspectos são indissociáveis.
O que finalmente os alunos aprendem na escola depende em boa
medida de como o aprendem; e o que finalmente nós professores
conseguimos ensinar aos nossos alunos é indissociável de como lhes
ensinamos. (COLL SALVADOR, 1999, p. 30).

Nesse sentido, o processo educativo não se caracteriza pelo recebimento,


por parte dos educandos, de conhecimentos prontos e acabados, mas pela
reflexão sobre os conhecimentos que circulam e que estão em constante trans-
formação. Educadores e educandos são produtores de cultura; todos apren-
dem e todos ensinam, são sujeitos da educação e estão permanentemente em
processo de aprendizagem.

2.2 Funções da Educação de Jovens e Adultos


As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adul-
tos (BRASIL, 2000, p. 15) destacam que a EJA, como modalidade da Edu-
cação Básica, deve considerar o perfil e a faixa etária de seus alunos ao propor
um modelo pedagógico, de modo a assegurar:
22 equidade – distribuição específica dos componentes curriculares,
a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e resta-
belecer a igualdade de direitos e de oportunidades em face do
direito à educação;
22 diferença – identificação e reconhecimento da alteridade própria
e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo,
da valorização do mérito de cada um e do desenvolvimento de seus
conhecimentos e valores.

– 42 –
Sistema Organizacional da EJA no Brasil

Reflita
Para você, qual deveria ser a real função da Educação de Jovens e
Adultos em um país como o Brasil?

As Diretrizes Curriculares da EJA (BRASIL, 2000, p. 18) determi-


nam, ainda, que essa modalidade educacional deve desempenhar as seguin-
tes funções:
22 função reparadora – preocupa-se em propiciar não só a entrada
dos jovens e adultos no âmbito dos direitos civis, pela restauração
de um direito a eles negado – o direito a uma escola de qualidade –,
mas também o reconhecimento da igualdade ontológica de todo ser
humano de ter acesso a um bem real, social e simbolicamente impor-
tante. Contudo, não se pode confundir a noção de reparação com a
de suprimento. Para tanto, é indispensável um modelo educacional
que crie situações pedagógicas satisfatórias para atender às necessida-
des de aprendizagem específicas de alunos jovens e adultos;
22 função equalizadora – diz respeito à igualdade de oportunidades,
que possibilita aos indivíduos novas inserções no mundo do tra-
balho, na vida social, nos espaços culturais e nos canais de parti-
cipação social. A equidade é a forma pela qual os bens sociais são
distribuídos, tendo em vista uma maior igualdade dentro de situ-
ações específicas. Nessa linha, a EJA representa uma possibilidade
de construir um caminho de desenvolvimento em todas as pes-
soas, de todas as idades, permitindo que jovens e adultos atualizem
seus conhecimentos, mostrem habilidades, troquem experiências e
tenham acesso a novas formas de trabalho e cultura;
22 função qualificadora – refere-se à educação permanente, com base
no caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de desenvol-
vimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou

– 43 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

não escolares. Mais que uma função, é o próprio sentido da Educa-


ção de Jovens e Adultos.

2.3 Recomendações internacionais


para as políticas de EJA
A Conferência Internacional da Unesco sobre Educação de Jovens e Adul-
tos (Confintea), realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na Alemanha,
orientou sobre determinados parâmetros, conforme apresentados a seguir:
22 seus objetivos visavam manifestar a importância da aprendizagem
de jovens e adultos e conceber compromissos regionais, em uma
perspectiva de educação ao longo da vida, que objetivasse facili-
tar a participação de todos no desenvolvimento sustentável e equi-
tativo, a promoção de uma cultura de paz baseada na liberdade, na
justiça e no respeito mútuo e a construção de uma relação sinérgica
entre a educação formal e a não formal;
22 os documentos produzidos na Confintea demonstram que, devido
às transformações socioeconômicas e culturais vivenciadas a partir
das últimas décadas do século XX, a EJA deve seguir novas orien-
tações, levando em conta que o desenvolvimento das sociedades
exige de seus membros a capacidade de descobrir e potencializar os
conhecimentos e aprendizagens de maneira global e permanente.

Saiba mais
A Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos
(Confintea) é um evento mundial promovido pela Unesco para dis-
cutir os rumos da Educação de Jovens e Adultos no mundo. A
Confintea ocorreu pela primeira vez na América Latina, especifica-
mente em Belém do Pará (Brasil), no ano de 2009, quando já estava
em sua 6ª edição. Para saber mais sobre a Confintea acesse <http://
www.unesco.org/pt/confinteavi/background/>.

– 44 –
Sistema Organizacional da EJA no Brasil

Segundo as recomendações da Confintea, a Educação de Jovens e Adul-


tos deve:
22 priorizar a formação integral voltada para o desenvolvimento de
capacidades e competências adequadas ao enfrentamento, no
marco do desenvolvimento sustentável, das novas transformações
científicas e tecnológicas e de seu impacto na vida social e cultural;
22 contribuir para a formação de cidadãos democráticos, mediante o
ensino dos direitos humanos, o incentivo à participação social ativa
e crítica, o estímulo à obtenção de solução pacífica de conflitos e à
erradicação dos preconceitos culturais e da discriminação, por meio
de uma educação intercultural;
22 promover a compreensão e a apropriação dos avanços científicos,
tecnológicos e técnicos, no contexto de uma formação de quali-
dade, fundamentada em valores solidários e críticos, tendo em vista
o consumismo e o individualismo;
22 elaborar e implementar currículos flexíveis, diversificados e partici-
pativos, que sejam definidos a partir das necessidades e interesses
do grupo, de modo a levar em consideração sua realidade sociocul-
tural, científica e tecnológica e reconhecer o seu saber;
22 garantir a criação de uma cultura de questionamento nos espaços
ou centros educacionais, contando com mecanismos de reconheci-
mento da validade da experiência;
22 incentivar educadores e educandos a desenvolver diversificados
recursos de aprendizagem, utilizar os meios de comunicação de
massa e promover a aprendizagem dos valores de justiça, solidarie-
dade e tolerância, para que se desenvolva a autonomia intelectual
e moral dos alunos envolvidos na Educação de Jovens e Adultos.

2.3.1 Princípios da Educação de Jovens e Adultos


A Confintea considera como princípios da EJA:
22 a inserção em um modelo educacional inovador e de qualidade,
orientado para a formação de cidadãos democráticos e sujeitos de

– 45 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

sua ação, valendo-se de educadores que tenham formação perma-


nente para respaldar a qualidade de sua atuação;
22 um currículo variado, que respeite a diversidade de etnias, de mani-
festações regionais e da cultura popular, em que o conhecimento
seja concebido como uma construção social, fundada na interação
entre a teoria e a prática, e o processo de ensino e aprendizagem,
como uma relação de ampliação de saberes;
22 a abordagem de conteúdos básicos, disponibilizando os bens socio-
culturais acumulados pela humanidade;
22 o acesso às modernas tecnologias de comunicação existentes, para a
melhoria da atuação dos educadores;
22 a articulação com a formação profissional: no atual estágio de glo-
balização da economia, marcada por paradigmas de organização do
trabalho, essa articulação não pode ser vista de modo instrumen-
tal, pois exige um modelo educacional voltado para a formação do
cidadão e do ser humano em todas suas dimensões;
22 o respeito aos conhecimentos construídos pelos jovens e adultos em
sua vida cotidiana.

2.4 Fatores estratégicos para


a formação humana
A produção de conhecimento e a aprendizagem permanente constituem
elementos essenciais na mudança educacional requerida pelas transformações
globais. Dessa forma, a Unesco, por intermédio do Relatório Educação para o
Século XXI (DELORS, 1998), recomenda fatores estratégicos para a formação
dos cidadãos, tendo por princípio quatro pilares básicos:
1. aprender a conhecer;
2. aprender a fazer;
3. aprender a conviver;
4. aprender a ser.

– 46 –
Sistema Organizacional da EJA no Brasil

De acordo com o relatório, para poder dar resposta ao conjunto de suas


missões, a educação deve se organizar em torno dessas quatro aprendizagens
fundamentais que, ao longo da vida, serão, de acordo com cada indivíduo,
os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instru-
mentos da compreensão; aprender a fazer, que possibilita exercer ação sobre
o meio envolvente; aprender a conviver, a fim de participar e cooperar com
os outros, em todas as atividades humanas; e, finalmente, aprender a ser, via
essencial que integra as três precedentes. Essas quatro vias do saber se consti-
tuem em apenas uma, tendo em vista que há, entre elas, múltiplos pontos de
contato, de relacionamento e de permuta.
Desse modo, de acordo com o relatório, aprender a conhecer visa não
tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domí-
nio dos próprios instrumentos de conhecimento, que podem ser considerado,
simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida humana.
Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que
o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver digna-
mente, para desenvolver as suas capacidades profissionais e para comunicar.
Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer
e de descobrir.
Aprender a fazer de modo que se possa adquirir não somente uma qua-
lificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, as competências que
tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe.
Envolve, também, um aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências
sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adultos, quer espontane-
amente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao
desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.
Aprender a conviver, sem dúvidas, é uma aprendizagem que repre-
senta, atualmente, um dos maiores desafios da educação. O mundo atual
é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por
alguns no progresso da humanidade. A história humana sempre foi con-
flituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente,
o extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade, no
decorrer do século XX.

– 47 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Quanto à aprendizagem aprender a ser, a Comissão Internacional sobre


Educação para o século XXI adere plenamente ao postulado do relatório de
que “O desenvolvimento tem por objeto a realização completa do homem,
em toda a sua riqueza e na complexidade das suas expressões e dos seus com-
promissos: indivíduo, membro de uma família e de uma coletividade, cidadão
e produtor, inventor de técnicas e criador de sonhos”. Esse desenvolvimento
do ser humano, que se desenrola desde o nascimento até à morte, é um pro-
cesso dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo, para se abrir, em
seguida, à relação com o outro. Nesse sentido, a educação é, antes de tudo,
uma viagem interior, cujas etapas correspondem às da maturação contínua
da personalidade. Na hipótese de uma experiência profissional de sucesso,
a educação como meio para tal realização é, ao mesmo tempo, um processo
individualizado e uma construção social interativa. É, dessa forma, aprender
a ser para melhor desenvolver a personalidade e estar à altura de agir cada vez
mais, com maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsa-
bilidade pessoal. Para isso, não se deve negligenciar, na educação, nenhuma
das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético,
capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.
Assim, a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pes-
soa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético e responsa-
bilidade pessoal. Todo ser humano deve ser preparado, especialmente graças
à educação que irá receber, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e
para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si
mesmo, como deverá agir nas diferentes circunstâncias da vida.

Saiba mais
Você pode acessar o relatório Educação para o Século XXI, que
contém o capítulo completo sobre os quatro Pilares da Educação
(capítulo 4), no link: <http://www.domibniopublico.gov.br/down-
load/texto/ue000009.pdf>.

Em geral, os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso


ao conhecimento em detrimento de outras formas de aprendizagem. Na EJA,
para uma educação comprometida, importa conceber o processo como um

– 48 –
Sistema Organizacional da EJA no Brasil

todo. Essa perspectiva deve inspirar e orientar a criação de reformas educati-


vas, tanto com relação à elaboração de programas quanto à definição de novas
políticas pedagógicas. Dessa maneira, os tempos e as áreas da educação devem
ser repensados, completar-se e interpenetrar-se, de maneira que cada pessoa,
ao longo de toda a sua vida, possa tirar o melhor proveito de um ambiente
educativo em constante ampliação.
Por fim, deve-se considerar que é fundamental que os envolvidos com
a EJA conheçam, discutam e aprofundem essas orientações, estabelecendo
princípios para que haja uma atuação coerente com sua realidade. Da mesma
forma, o conhecimento das especificidades de Educação de Jovens e Adultos
e o registro das ações desenvolvidas por essa modalidade da educação básica
precisam se constituir em uma preocupação das diferentes instâncias do sis-
tema educacional.

Dica de filme
Escritores da Liberdade (2007)

Erin Gruwell é uma educadora inexperiente que assume uma turma


considerada “problemática”, em uma pequena escola de um bairro peri-
férico dos EUA. Com muito empenho e carinho e por meio da leitura
de livros que relatam guerras racistas e separatistas e entre gangues, con-
segue ensinar a seus educandos valores como tolerância e disciplina,
além de fazer de sua turma uma grande e unida família. Escritores da
liberdade tem como um de seus objetivos mostrar o desafio que é
a educação, em qualquer lugar do mundo, e de como um educador
pode adotar novos métodos de ensino que levem seus alunos a apren-
der e a se tornarem cidadãos atuantes em suas comunidades.

– 49 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Diante da realidade local, da vida como ela é, Erin questiona sua


vocação e o papel do educador, principalmente quando não se
sente apoiada nem mesmo pelo seu pai. Por essa mesma situação
passam muitos educadores todos os dias. O desafio é, a exemplo de
Erin, fazer dos desafios diários a escalada para a transformação, e com
muita dedicação sensibilizar os educandos que a mudança é possível.
A história do filme é baseada em fatos reais, retratados no livro Diário
dos Escritores da Liberdade, publicado em 1999, a partir dos diá-
rios desenvolvidos pelos jovens, estimulados por Erin a representar
nestes textos suas trajetórias existenciais.
ESCRITORES da liberdade. Direção de Richard LaGravenese. Esta-
dos Unidos; Alemanha: Paramount Pictures; Double Feature Films;
MTV Films; Jersey Films; Kernos Filmproduktionsgesellschaft & Com-
pany: Dist. UIP; Paramount Pictures do Brasil, 2007. 1 filme (123
min.), sonoro, color.

Da teoria para a prática


O objetivo dessa atividade é confeccionar um painel com os educandos,
levando-os a refletir sobre o valor da vida, estruturador dos demais direitos,
vendo-o como direito primordial e básico de todas as pessoas e grupos huma-
nos, e a desenvolver uma visão crítica em relação aos direitos e deveres rela-
cionados às práticas sociais cotidianas que determinam as condições de vida
das pessoas e grupos sociais na sociedade brasileira.
Inicialmente, converse com os educandos sobre os direitos e deveres que
eles conhecem. Se necessário, oriente uma pesquisa sobre a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos ou sobre os principais estatutos.
Inicie um debate sobre o direito à vida, considerando-o como funda-
mental para constituição de qualquer sociedade. Questione: como o direito à
vida é respeitado na sua cidade, no Brasil e no mundo? Quando você acha que
ele é respeitado? Quais são as principais violações a esse direito? Que deveres
deve-se manter para garantia desse direito?

– 50 –
Sistema Organizacional da EJA no Brasil

A seguir, coloque na parede dois papéis pardos grandes, contendo em


um a palavra “direitos” e, no outro, “deveres”.
A partir do debate, solicite que os educandos registrem no painel as prin-
cipais conclusões sobre os deveres que devem exercitar para a garantia dos direi-
tos. Os participantes devem usar as canetas coloridas para destacar suas respos-
tas e, se desejarem, pode-se ilustrar com figuras disponíveis sobre o tema.
Para concluir, deve-se fazer uma síntese final e proporcionar um diálogo
que permita chegar a um compromisso concreto que todos possam assumir
no seu dia a dia, de modo a realizar os deveres para garantir os direitos.
Para se realizar essa atividade, pode-se usar como apoio o seguinte trecho
da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
O direito à vida
Art. 1º.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade
e direitos e, dotados que são de razão e consciência, devem
comportar-se fraternalmente uns com os outros.
[...]
Art. 3º.
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança de
sua pessoa.
[...]
O direito à integridade da vida
Art. 5º.
Ninguém será submetido a torturas, penalidades ou tratamen-
tos cruéis, desumanos ou degradantes.
[...]
O direito à vida privada e à honra
Art. 12.
Ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida pri-
vada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem

– 51 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

de ataques à sua honra ou reputação. Toda pessoa tem direito à


proteção da lei contra tais ingerências ou ataques.
Use, também, o seguinte trecho do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n. 8.069/90).
[...]
Art. 3º.
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos funda-
mentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de
lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual
e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º.
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e
do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efeti-
vação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cul-
tura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer cir-
cunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de rele-
vância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas rela-
cionadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 5º.
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação
ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

– 52 –
Sistema Organizacional da EJA no Brasil

[...]
Art. 7º.
A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à
saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que
permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmo-
nioso, em condições dignas de existência.

Atividades
1. Com base no relatório Educação para o Século XXI, proposto pela
Unesco e coordenado por Jacques Delors, teça um comentário
sobre a frase a seguir:
“Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficiente-
mente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um
pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a
aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela edu-
cação ao longo de toda a vida.”
2. Comente suas impressões sobre o seguinte trecho do relatório Edu-
cação para o Século XXI:
“Aprender a fazer, a fim de adquirir não somente uma qualifica-
ção profissional, mas, de maneira mais ampla, competências que
tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar
em equipe. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas
experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e
adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou
nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino
alternado com o trabalho”.
3. “Aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensão do outro
e a percepção das interdependências – realizar projetos comuns
e preparar-se para gerir conflitos – no respeito pelos valores do
pluralismo, da compreensão mútua e da paz”. O que isso pode
significar? Comente.
4. Aprender a ser é, talvez, o mais completo dos quatro pilares básicos
da educação. Com base nisso, comente a frase a seguir:

– 53 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

“Aprender a ser para melhor desenvolver a sua personalidade e estar


à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de
discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negli-
genciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indi-
víduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas,
aptidão para comunicar-se.”

Síntese
Ao estudar esse capítulo, você conheceu o que caracteriza a EJA como
modalidade educativa da educação básica, conforme definido pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96 e também compreen-
deu que a educação é um direito de todos. Também foi possível verificar que
existem orientações dos organismos internacionais para as políticas de EJA,
ressaltando a necessidade de uma concepção de educação ao longo da vida e
não só em fase escolar. Por fim, pôde conhecer os princípios e as funções da
EJA, bem como os seus fatores estratégicos para a formação humana, que
são baseados nos quatro pilares da educação, conforme descrito no relatório
Educação para o Século XXI.
No estudo desse capítulo, espera-se que o estudante compreenda:
22 o que propõe a Legislação de EJA no Brasil e quais são os princi-
pais fundamentos dessa modalidade educativa, bem como o que
diferencia-a das outras modalidade de educação básica;
22 quais as orientações e diretrizes gerais para a EJA, quanto à seleção
de conteúdos, às funções e aos aspectos legais que regem as políticas
de EJA no Brasil;
22 quais as funções da Educação de Jovens e Adultos;
22 quais as principais recomendações internacionais para as políticas
de EJA e em que elas se fundamentam;
22 como os Pilares da Educação do Futuro apresentados no Relatório
para o século XXI, influenciam e fundamentam a EJA, como moda-
lidade de educação estratégica para a formação humana.

– 54 –
3
Especificidades do
Trabalho Pedagógico
Frente ao Perfil do
Educando da EJA
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Nesse capítulo, você conhecerá:


22 o perfil sociocultural dos educandos da EJA, com base em dados
estatísticos e pesquisas da área;
22 como organizar o trabalho pedagógico frente a esse perfil, de modo
que venha a atender as demandas e interesses educacionais da área.
A Educação de Jovens e Adultos emerge de um movimento de lutas,
desafios e conquistas da Educação Popular. Esse dado se revela importante,
uma vez que permite a compreensão das condições limitadoras impostas pelo
modelo rígido da educação formal quando se pensa na EJA enquanto moda-
lidade educativa.
Diante disso, é preciso indagar: quem são os sujeitos da EJA situados
historicamente? Quais são as marcas sociais e o perfil desses sujeitos? Por que
e como foram se delineando na história da Educação de Jovens e Adultos do
nosso país? Como se constituiu a identidade desses sujeitos?
Perante tais questionamentos é necessário, por um lado, levantar as
dimensões que alicerçam a conjuntura e a constituição histórica desses sujei-
tos e, por outro lado, instigar a reflexão crítica sobre as necessidades que se
fazem presentes.
Desse modo, neste capítulo, é delineado o perfil sociocultural dos edu-
candos da EJA, com base em dados estatísticos e pesquisas da área. Além
disso, estão presentes algumas orientações para o trabalho pedagógico frente
a essa modalidade educativa.

3.1 Perfil dos educandos da EJA


“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para
sua produção e construção” (FREIRE, 1996, p. 47). Com essa fala, Freire
nos leva a refletir sobre as ações que contribuem para que a aprendizagem
de fato ocorra. Daí a importância de que os aspectos pedagógicos utilizados
na EJA considerem, além das questões estruturais e de organização, o perfil
socioeconômico dos educandos e assegurem as devidas inter-relações entre
as teorias e os aspectos didático-metodológicos do processo de Educação de
Jovens e Adultos.

– 56 –
Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA

Para compreender o perfil dos educandos da EJA, é necessário fazer uma


retrospectiva histórica do Brasil e contextualizar por que essas pessoas não
tiveram acesso à escolarização. Requer, também, conhecer suas histórias de
vida e culturas, entendendo-os como sujeitos que possuem diferentes experi-
ências de vida e que não tiveram acesso à escola devido a diversos fatores de
ordem econômica, social, política, geográfica e cultural.
Trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos exige um olhar cuidadoso
sobre as questões que podem interferir na motivação do educando em sala de
aula, uma vez que um dos fatores que dificultam a aprendizagem encontra-se
no fato de o aluno iniciar ou recomeçar a escolarização na fase adulta.
Grande parte dos educandos sente vergonha de voltar aos bancos esco-
lares depois de adulto, porque tem a impressão de que a escola é um espaço
de aprendizagem para crianças. Muitos desses alunos desconhecem o direito
constitucional de acesso à escolarização formal e gratuita para todo e qualquer
cidadão em idade escolar e, também, para aqueles que estão em distorção
idade/série. Em grande parte, acreditam que o fato de não terem estudado
é “culpa” deles mesmos e, caso venham a compreender a escola como um
direito, independentemente da idade, muito provavelmente aumentarão as
chances de que o processo de aprendizagem efetivamente aconteça, pois
Essas pessoas, mesmo que partam de condições menos favoráveis que
outras de mais formação, são capazes de atuar com competência em
contextos muito diversos, vinculados a suas necessidades cotidianas.
Ter presente as peculiaridades do seu pensamento, da sua forma de
enfrentar os problemas não deve levar a pensar necessariamente em
desvantagens intelectuais; seria conveniente reinterpretar todas essas
peculiaridades no contexto de um processo de desenvolvimento dife-
rente, com ritmos próprios e qualidades que situam a pessoa adulta
em uma dimensão particular (COLL SALVADOR, 1999, p. 191).

Por outro lado, para o aluno da EJA, o tempo de permanência na escola


constitui um importante fator para o seu desenvolvimento e sua manutenção
no ambiente escolar. Muitos deles trabalham fora e estudam, outros são res-
ponsáveis pela organização da casa e pelo cuidado da família. Sendo assim,
esses educandos necessitam que os encaminhamentos pedagógicos sejam
organizados conforme sua realidade temporal.

– 57 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Esses sujeitos possuem uma bagagem de conhecimentos que foram


adquiridos em outras instâncias sociais, visto que a escola não é o único
espaço de produção e socialização dos saberes. Tais experiências de vida são
significativas ao processo educacional e, portanto, devem ser consideradas.
Conforme Freire (1996, p. 30), “ensinar exige respeito a esses saberes e cul-
tura dos educandos”.

Reflita
Como você percebe o perfil dos educandos da EJA? Que aspira-
ções trazem para as salas de aula? O que os identifica como perten-
centes a essa modalidade educativa?

Para Arroyo (2001, p. 15), falar dos educandos da EJA é “falar, sobre-
tudo, do jovem, adulto, trabalhador, pobre, negro, oprimido e excluído”.
Identifica-se, assim, a estreita relação que se estabelece entre a incidência da
exclusão e as restrições ao acesso à educação, pois conforme afirmam Haddad
e Di Pierrô (2000), a história brasileira nos oferece claras evidências de que
as margens da inclusão e da exclusão educacional foram sendo construídas
simétrica e proporcionalmente à extensão da cidadania política e social, em
íntima relação com a participação na renda e o acesso aos bens econômicos.
Isso se evidencia nas estatísticas, visto que os percentuais abrangem, geral-
mente, determinados “tipos sociais”. Por exemplo, nas questões referentes a
gênero e raça, no Brasil, evidenciam-se as marcas sociais do preconceito em
relação aos negros e às mulheres.
As mulheres, em grande parte da história, foram discriminadas e eram
entendidas como pessoas que não necessitavam de escolarização, pois a pre-
paração delas deveria ser para o casamento e para cuidar dos filhos. Isso é
evidente nas classes de alfabetização. Quando perguntadas sobre a razão de
não terem estudado na infância, grande parte delas responde que seus pais
acreditavam que as mulheres não precisavam estudar.

– 58 –
Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA

Reflita
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) é o responsável pela realização do censo escolar. A
partir dos dados obtidos nesse levantamento, é possível identificar
estatisticamente o perfil dos educandos matriculados na EJA. Para
saber mais, acesse o site: <http://www.inep.gov.br/basica/censo/
default.asp>.

Outro fator relevante no perfil dos educandos da EJA é a localização


geográfica em que se encontram no país e a distinção entre regiões rurais e
urbanas. No meio rural brasileiro, a taxa de analfabetismo chega a ser três
vezes superior à da população urbana.
É evidente, também, a questão da renda. Em um país como o nosso,
em que a desigualdade social é tamanha, os anos de estudo estão diretamente
relacionados à renda familiar.
Falar do educando da EJA é falar de problemas que afligem a realidade
social e da forma como eles vêm sendo constituídos pelos modelos econômi-
cos vigentes. “É ainda falar da existência de jovens e adultos subescolarizados,
é falar da exclusão daqueles que ainda não tem acesso à escola pública, é falar
da evasão e do fracasso escolar” (ARROYO, 2001, p. 15).
Podemos dizer que o educando da EJA é o trabalhador que, desde muito
cedo, teve que ingressar no mundo do trabalho. São advindos das classes
trabalhadoras, são produtos da sociedade capitalista, que impôs desafios e a
busca pela sobrevivência. Essas pessoas são de origem humilde, de famílias
geralmente numerosas, que vivem com sacrifício, muito trabalho e pouco
lazer. Se observarmos suas casas, percebemos que são, em geral, pequenas
em relação ao espaço, de acordo com número de pessoas que nela residem,
com poucos móveis e utensílios. Geralmente são pessoas que acordam cedo,
dependem de ônibus coletivos ou de bicicleta ou que vão a pé para o trabalho
– quando têm trabalho. Alguns levam almoço, outros sobrevivem com uma
refeição diária – quando têm comida.

– 59 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

No Brasil, o perfil dessa população está diretamente relacionado a outros


problemas sociais graves que o país historicamente enfrenta, como a má dis-
tribuição de renda, a falta de empregabilidade, entre outros fatores agravantes.
Oliveira argumenta que, quando nos referimos a pessoas não escolari-
zadas na sociedade letrada, isto é, a esse sujeito que vive no mundo urbano,
escolarizado, industrializado e burocratizado e que não tem domínio da pala-
vra escrita, na realidade estamos nos referindo a uma pessoa que sabe coisas
sobre esse mundo, tem consciência de que não domina completamente o
sistema de leitura e escrita e está, ativamente, buscando estratégias pessoais
para lidar com os desafios que enfrenta nas esferas da vida que exigem com-
petências letradas (OLIVEIRA, 2001, p. 17-18).
Para Álvaro Vieira Pinto (2005), o analfabeto é alguém que não neces-
sita ler. De acordo com esse autor, são as condições do mundo do trabalho
que determinam a necessidade ou não da leitura. “O importante é compreen-
der que o analfabeto adulto atual, ao qual nos dirigimos, vive numa sociedade
letrada e por isso suas exigências culturais implícitas são as da linguagem
alfabética, que é a do seu meio” (PINTO, 2005, p. 92).
Sobre a construção do conhecimento por sujeitos em processo de esco-
larização, Oliveira afirma que
[...] parece haver um acordo sobre a existência de uma diferença entre
formas letradas e não letradas de pensamento; é importante reiterar,
entretanto, que essa diferença não está claramente definida na litera-
tura, não apenas pela falta de investigações mais específicas a respeito
do funcionamento cognitivo dos grupos ‘pouco letrados’, mas tam-
bém pela ausência de uma teoria consistente sobre os processos inte-
lectuais dos adultos plenamente inseridos na sociedade letrada. Nesse
sentido, a modalidade de pensamento à qual se opõe o pensamento
denominado pouco letrado é, em grande medida, uma construção
derivada do senso comum (OLIVEIRA, 1995, p. 157).

Nessa perspectiva, as características de cada ser humano são construídas


ao longo da vida do indivíduo por um processo de interação com o seu meio
social, que possibilita a apropriação da cultura elaborada pelas gerações pre-
cedentes. Cada indivíduo aprende a ser um ser humano. O que a natureza
lhe dá quando nasce não basta para viver em sociedade. Sendo assim, é
preciso que ele adquira o que foi alcançado no decurso do desenvolvi-
mento histórico da sociedade humana (LEONTIEV, 1978, p. 267).

– 60 –
Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA

Nesse sentido, Oliveira (2001, p. 18) acrescenta que, em relação à


compreensão do funcionamento psicológico do adulto pouco escolarizado,
normalmente o que se faz é uma comparação com um adulto abstrato,
supostamente universal, mas que na verdade é bastante específico e his-
toricamente contextualizado: ocidental, urbano, branco, pertencente às
camadas médias da população, com um nível instrucional relativamente
elevado e com inserção no mundo do trabalho em ocupações razoavel-
mente qualificadas.
Vóvio (1999, p. 23), em um estudo recente sobre narrativas autobiográ-
ficas realizadas por educandos de cursos para jovens e adultos, constata que
não se pode generalizar os efeitos da aquisição da linguagem escrita
sobre a linguagem oral e sobre o uso que as pessoas fazem delas. Sujei-
tos não ou pouco escolarizados que participam de situações comu-
nicativas que demandam o planejamento do discurso, dirigidas a
interlocutores desconhecidos que participam indiretamente dessas
situações (situações monológicas), estão lidando com problemas cog-
nitivos específicos.

Subjacente a isso está a concepção de que as pessoas aprendem a atuar


cognitivamente nos ambientes específicos onde vivem, e é nesses locais
que elas desempenham, repetidamente, tarefas significativas que envolvem
capacidades cognitivas. Logo, o indivíduo não nasce humano, torna-se
humano. Para Oliveira (1995, p. 24), “o homem se transforma de biológico
em sócio-histórico num processo em que a cultura é parte essencial da con-
dição humana”.
Nesse processo, deve-se considerar a importância da relação intersubje-
tiva para o crescimento individual e que o ato de educar só pode ser viven-
ciado pelo ser humano e se realiza apenas no meio social, ou seja, em uma
interação que realmente seja partilhada.
Dessa forma, as características de cada indivíduo vão sendo formadas a
partir das inúmeras e constantes interações com o meio, compreendido como
contexto físico e social, que inclui as dimensões interpessoais e culturais.
Nesse processo dinâmico, ativo e singular, o indivíduo estabelece, desde o seu
nascimento e durante toda a sua vida, trocas recíprocas com o meio, já que,
ao mesmo tempo em que internaliza as formas culturais, ele as transforma e
intervém no universo que o cerca.

– 61 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Freire descreve o homem como podendo transitar por


vários níveis de consciência, dependendo esse trânsito de
uma luta coletiva, uma práxis histórica que evolui atraves-
sando diferentes níveis. Detecta, inicialmente, um nível de
quase pré-consciência, de uma aproximação espontânea
do homem em relação ao mundo. Nesse nível, a realidade
objetiva não é oferecida ao homem como um objeto cog-
noscível de sua consciência crítica; é uma consciência em
que ele não se reconhece como um agente, mas como um
mero espectador. Trata-se, pois, do nível da consciência
ingênua ou consciência semi-intransitiva. Segue-se o nível
da consciência ingênuo-transitiva, que se caracteriza por
ampliar a capacidade de compreensão e de resposta aos
desafios do meio: as preocupações e os interesses projetam-
-se para além do cotidiano, para esferas mais amplas que
as da sobrevivência. Tem-se, finalmente, um terceiro nível,
o da consciência transitivo-crítica, que se caracteriza por
buscar a verdadeira causalidade dos fenômenos sociais,
pela profundidade na interpretação dos problemas que vive.
O sujeito aparece aqui como alguém que assimila critica-
mente a realidade, faz cultura e tem consciência histórica
dessas suas ações. Em meio à multiplicidade de relações,
tem consciência de sua singularidade. Cria e recria suas
ações. Não é mais objeto, é sujeito (BECKER, 1986, p. 58).

Em uma perspectiva ontológica, pode-se dizer que a educação significa
colocar o indivíduo em contato com os sentidos que circulam em sua cultura,
para que ele possa assimilá-los e nela viver. No entanto, isso não significa que
estará assimilando todas as informações com uma atitude passiva. Ao con-
trário, para que tenha uma boa aprendizagem, é necessário que o indivíduo
realize uma atividade que seja consciente, participativa e transformadora de
sua realidade interna e externa.

– 62 –
Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA

Considerando que o desenvolvimento psíquico é definido como um


reflexo ativo da realidade, produzido e desenvolvido a partir da prática social,
com a participação da prática do indivíduo, que orienta sua vida frente ao
mundo e aos demais indivíduos, a educação apresenta-se como um compo-
nente importante para o confronto de informações culturais, que possibilita
o continuum processo do conhecimento e da constituição do ser. Assim, reco-
nhecemos que o conhecimento é continuamente criado e recriado e que não
existe separadamente da consciência humana; é produzido por nós, coletiva-
mente, na busca de tentar dar sentido ao nosso mundo.
Vygotsky (1988) dá uma atenção especial à educação por considerar que
ela possibilita o desenvolvimento de modalidades de pensamento bastante
específicas, além de ter um papel diferente e insubstituível na apropriação
pelo sujeito da experiência culturalmente acumulada. Justamente por isso,
ela representa o elemento imprescindível para a realização plena do desenvol-
vimento psíquico dos indivíduos já que promove um modo mais sofisticado
de analisar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual.
Para Vygotsky, o universo da educação escolar torna acessível ao sujeito
o conhecimento formalmente organizado, que o desafia a entender as bases
dos sistemas de concepções científicas e a tomar consciência de seus próprios
processos mentais.
Ao interagir com esses conhecimentos, o ser humano se transforma:
aprender a ler e a escrever, obter o domínio de formas complexas de
cálculos, construir significados a partir das informações descontextu-
alizadas, ampliar seus conhecimentos, lidar com conceitos científicos
hierarquicamente relacionados, são atividades extremamente impor-
tantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento,
de inserção e atuação em seu meio. Isto quer dizer que as atividades
desenvolvidas e os conceitos aprendidos na educação escolar (que
Vygotsky chama de científico) introduzem novos modos de operação
intelectual: abstrações e generalizações mais amplas acerca da reali-
dade (que por sua vez transformam os modos de utilização da lin-
guagem). Como consequência, na medida em que o sujeito expande
seus conhecimentos, modifica sua relação cognitiva com o mundo
(REGO, 2002, p. 104).

Nesse sentido, o importante no processo educacional é a formação da


consciência, que é, de certa forma, determinada pela natureza das relações que
a engendram: trata-se das relações sociais com as quais cada sujeito realiza sua

– 63 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

atividade coletiva, em que o trabalho ocupa lugar central. Vygotsky, assim,


enfatiza que a relação ensino e aprendizagem é um fenômeno complexo, pois
diversos fatores de ordem social, política e econômica interferem na dinâmica
da sala de aula, isso porque a escola não é uma instituição independente, está
inserida na trama do tecido social. Desse modo, as interações estabelecidas
na escola revelam facetas do contexto mais amplo em que o ensino se insere.
Uma educação voltada para a realidade existencial do sujeito e funda-
mentada nela tem maior significado, pelo fato de que nossa compreensão está
radicada na vivência que temos do mundo.
E nisto reside a capacidade criadora: construir, a partir do existente,
um sentido que norteie nossa ação enquanto indivíduos. Ou seja:
reside na busca de nossos valores, dentre os inúmeros provenientes
da estrutura cultural. A educação que pura e simplesmente trans-
mite valores asfixia a valoração como ato. O ato de valoração e sig-
nificação somente se origina na vida concretamente vivida; valo-
res e significados impostos tornam-se, portanto, insignificantes. A
educação é, fundamentalmente, um ato carregado de característi-
cas lúdicas e estéticas. Nela procura-se que o educando construa
sua existência ordenadamente, isto é, harmonizando experiências
e significações. Símbolos desconectados de experiências são vazios,
são insignificantes para o indivíduo. Quando a educação não leva
o sujeito a criar significações fundadas em sua vida, ela se torna
simples adestramento: um condicionamento a partir de meros sinais
(DUARTE JUNIOR, 1981, p. 56).

A educação, tendo o seu papel de desenvolver pensamentos superiores,


auxilia no desenvolvimento psíquico do sujeito, pois a intersubjetividade exis-
tente nesse espaço e as relações ali estabelecidas ampliam o horizonte e a cons-
ciência, ou seja, modificam o modo de ver e de se relacionar com o mundo. É
um fator de enriquecimento para o desenvolvimento do ser humano.
Contudo, conforme afirma Becker (1986, p. 42),
a escola dentro do seu tradicionalismo, preocupa-se excessivamente
com os métodos, esquecendo-se do mais importante, o desenvolvi-
mento do aluno, sujeito que constrói o seu próprio conhecimento,
não levando em conta as experiências anteriores, de vida do aluno,
dando muitas vezes um tratamento de criança para o adulto.

Na mesma perspectiva, Kuenzer (2002, p. 25) argumenta que o processo


educativo, deve trabalhar no sentido de ser

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Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA

uma síntese entre a objetividade das relações sociais, produtivas e eco-


nômicas e a subjetividade, de tal modo que se dominem as diferentes
linguagens, se desenvolva o racíocinio lógico e a capacidade de desco-
brir os conhecimentos cientificos, tecnologicos e sócio-históricos, mas
também de manter a integridade humana.

Para tanto, é preciso ampliar a criticidade, a autonomia e a valorização


dos saberes dos educandos. Deve-se, primeiramente, possibilitar-lhes o acesso
à cultura letrada, que permita uma participação ativa nas esferas política, cul-
tural e do trabalho. Isso implica necessariamente a revisão do papel da escola,
do educador, nas diversas concepções de ensino e aprendizagem, e dos conte-
údos a serem abordados nesses processos.
Os adultos aprendem em diversas situações, formais ou não formais.
Nas situações formais, cabe ao educador desenvolver, além dos conhecimen-
tos científicos e para a vida, diversas modalidades de atividades, objetivando
a conscientização, a autonomia e responsabilidade dos educandos, tendo em
vista que, por mais que a aprendizagem se dê em situações formais, é através
da autonomia que ela será mais significativa, pois será centrada no aluno,
uma vez que ele poderá desenvolver a capacidade crítica, o pensamento inde-
pendente e a análise reflexiva. Quanto mais autônomo for o aluno, maior será
sua capacidade de tomar decisões e articular normas e limites da atividade de
aprendizagem, assim como sua capacidade de autogestão e de aprender com
a própria experiência ou em situações não formais.
Levar o aluno a exercer sua autonomia depende da capacidade de refle-
xão crítica do educador e de como ele administra os conteúdos. Como afirma
Martins (2000), um dos fundamentos da moderna teoria da aprendizagem
dos adultos é fazer com que eles aprendam por meio da análise de suas expe-
riências. Assim deverá acontecer com a estrutura da educação de adultos, na
capacidade de diálogo, na reflexão crítica e na ordem de um saber-fazer, ou
seja, superando o saber (somente relacionado ao conhecimento) para viven-
ciar o saber-fazer (relacionado à aplicação de conhecimentos adquiridos).
Para que a aprendizagem seja compreendida, o que se aprende deve
ter relação com a própria vida dos educandos e dos educadores. Em outras
palavras, deve ser interessante para ambos. A educação escolar deve possi-
bilitar a aquisição das estratégias que permitem ir além do mundo tal qual
estamos acostumados a perceber pelos códigos linguísticos e signos culturais

– 65 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

estabelecidos. O conhecimento escolar necessita basear-se na aprendizagem


da interpretação da realidade, orientada para o estabelecimento de relações
entre a vida dos educandos e dos educadores e o conhecimento que as disci-
plinas e outros saberes não disciplinares vão elaborando.
Sendo assim, é importante continuar pensando no sentido do conheci-
mento e das relações que se estabelecem com o saber acumulado e em cons-
tante transformação nas sociedades e culturas do final do século. É uma porta
aberta para repensar a função da escola no século XXI, o que se constitui no
desafio de mudar permanentemente e de continuar aprendendo.
No Brasil, é necessário assumir uma atitude diversa, pois a Educação
de Jovens e Adultos precisa estar orientada, prioritariamente, para o resgate
da dívida social em matéria de educação. É importante lembrar que os com-
ponentes de mudança dizem respeito à mudança de paradigmas, no que se
refere ao conhecimento, às crenças pessoais e às experiências prévias que per-
manecem na memória. E mais, “nos seres humanos a aprendizagem de novos
conhecimentos é inerente ao próprio processo de desenvolvimento e de trans-
formação do indivíduo” (DELVAL, 2001, p. 25).
O grande desafio, portanto, é criar possibilidades para a existência de
uma prática escolar capaz de minimizar as dificuldades que os educandos
trazem e de respeitar a autonomia de aprendizagem e as diferenças individu-
ais, assegurando o acesso e a permanência dos educandos jovens e adultos no
processo educacional.

3.2 Organização do trabalho pedagógico


frente ao perfil dos educandos da EJA
Após tecer análises sobre o perfil dos educandos da EJA, faz-se necessá-
rio discutir algumas estratégias de mediação pedagógica. A organização do
trabalho pedagógico na Educação de Jovens e Adultos deve valorizar os inte-
resses individuais e o ritmo de aprendizagem dos educandos e considerar os
saberes por eles adquiridos, na informalidade de suas experiências cotidianas
e do mundo do trabalho, criando espaços interativos que permitam vencer os
obstáculos de modo confiante, valorizando seus progressos.

– 66 –
Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA

No decorrer do processo de ensino e aprendizagem, a ação educativa


deve estar comprometida com uma metodologia de ensino que favoreça a
relação ação-reflexão-ação e que possibilite ao educando a compreensão de
suas experiências e a construção do conhecimento.
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo, pois o sujeito que se abre
ao mundo e aos outros inaugura, com seu gesto, a relação dialógica em que
se confirma como inquietação e curiosidade, como inclusão no permanente
movimento da história (FREIRE, 1996, p. 154).
Muitos jovens e adultos ainda têm sido submetidos a um currículo
adverso às suas especificidades histórico-culturais. Isso se dá, em grande parte,
pela predominância de propostas curriculares baseadas na fragmentação do
conhecimento, em uma perspectiva cientificista, excessivamente tecnicista e
disciplinarista, que dificulta o estabelecimento de diálogos entre as experi-
ências vividas, os saberes anteriormente construídos pelos educandos e os
conteúdos escolares.
Essa condição contrapõe o que se defende em uma educação que se
pretende emancipadora, pois, na medida em que se expropria desses sujeitos
todas as possibilidades de manifestação explicita na prática do diálogo, esta-
belece-se também um ciclo de dependência e submissão em relação às pessoas
que os cercam. Esse tipo de prática sem o objetivo da emancipação reforça
a ideia de incapacidade. As condições limitantes desses supostos contextos
de aprendizagem convertem-se em impeditivos ao seu propósito, tornando-
-a desestimulante e sem sentido, na medida em que aprender consiste em o
educador perguntar e o aluno responder.
É nesse contexto que se propõe repensar as práticas de ensino e
aprendizagem desenvolvidas na EJA. Há muito tempo, as teorias psicológicas
nos ensinam que as pessoas têm ritmos e formas diferenciadas para aprender.
Uma análise mais criteriosa e democrática das teorias que discutem a Edu-
cação de Jovens e Adultos desde seus intentos iniciais dá conta de mostrar e
reafirmar que é preciso considerar que
cada um tem uma forma própria e singular de tecer conhecimentos
através dos modos como atribui sentido às informações recebidas,
estabelecendo conexões entre os fios e tecituras anteriores e os novos.

– 67 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Esse entendimento coloca novas exigências àqueles que pretendem


formular propostas curriculares que possam dialogar com os sabe-
res, valores, crenças e experiências dos educandos, considerando-os
como fios presentes nas redes dos grupos sociais, das escolas/classes,
dos educadores e dos educandos e, portanto, relevantes para a ação
pedagógica (ARROYO, 2004, p. 104-105).

É evidente que alguns dos problemas históricos vivenciados na educação


são provenientes de uma organização escolar e curricular que, segundo análise
de Arroyo (2004), separa a pessoa que vive e aprende no mundo daquela que
deve aprender e apreender os conteúdos escolares. Diante da especificidade
da demanda da EJA esse fator se torna mais agravante. As vivências culturais
e sociais dos jovens e adultos são ignoradas e a isso articula-se a imposição de
propostas curriculares que possuem uma lógica infantil e que são destinadas
à educação regular. Nesse contexto, em vez de ser rompido e transformado, o
comum é ressaltado.
O fato é que há algum tempo temos diversos apontamentos de como se
deve aprimorar o currículo de modo a atender à especificidade da EJA. Paulo
Freire nos ensinou como podemos valorizar os sujeitos e suas experiências e,
ao mesmo tempo, implementar um modelo curricular consoante às deman-
das do povo.
A proposta de Freire, tomada a partir de um contexto mais atual, pode
ser equiparada a um processo pedagógico que tenha como base a metodolo-
gia dialética, nesse sentido não aplicada somente à alfabetização, como pro-
posto inicialmente, mas a qualquer prática educativa, pois a dialética contida
nessa metodologia pressupõe um movimento que se origina da prática social
e amplia-se para conceitos mais elaborados.
Priorizando-se, portanto, o diálogo, a formação ética e o desenvolvi-
mento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, a Educação de
Jovens e Adultos objetiva formar cidadãos capazes de lutar por seus direitos
e de se apropriar dos conhecimentos mediados pela escola para se aprimorar
no mundo do trabalho e na prática social. Com isso, é possível conciliar as
experiências cotidianas, a vida em sociedade e a atividade produtiva para o
enfrentamento de novas situações que ocorrem no dia a dia e dos inevitáveis
conflitos que se apresentam na sociedade contemporânea.

– 68 –
Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA

Dica de filme
O leitor (2008)

Na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial, o adolescente


Michael Berg se envolve, por acaso, com Hanna Schmitz, uma
mulher que tem o dobro de sua idade. Essa não é a única dife-
rença: as situações financeiras e culturais deles também são dife-
rentes. Apesar disso, os dois se apaixonam. Ele ganha a primeira
experiência sexual de sua vida. Ela ganha histórias. “Primeiro leia,
depois sexo”, ela dizia para ele. E entre as leituras estava a intrigante
história do filme. Ele trazia todo tipo de livros para ler para ela. Até
que um dia, ela some misteriosamente.
Oito anos depois, Berg, um então interessado estudante de direito,
surpreende-se ao reencontrar seu passado de adolescente, quando
acompanhava um polêmico julgamento por crimes de guerra cometi-
dos pelos nazistas. Nele, mulheres estavam sendo julgadas por terem
trabalhado em um campo de concentração. Entre elas, estava Hanna.
Muitos podem pensar que o conflito está em Hanna, por ela ter
trabalhado no campo de concentração e sobre o fato de ela estar
“apenas fazendo o seu trabalho”. Ela precisava de um emprego, mas
o desenrolar do filme revela muitas surpresas. Berg sabe um segredo
sobre ela, que pode livrá-la da condenação.
Ao assistir ao filme e descobrir qual é esse segredo, podemos refletir
sobre o perfil e os comportamentos dos educandos da EJA, diante

– 69 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

de algumas provas da vida, e sobre como as pessoas ignoram e se


posicionam diante dessas situações.
O LEITOR. Direção de Stephen Daldry. Alemanha; Estados Uni-
dos: The Weinstein Company; Neunte Babelsberg Film; Mirage
Enterprises: Dist. The Weinstein Company; Imagem Filmes, 2008. 1
filme (124 min.), sonoro, legenda, color.

Da teoria para a prática


Colcha de retalhos – identidade cultural
Esta é uma atividade que ajuda a reconhecer a identidade cultural, o que
significa buscar conhecer a própria história, conhecer a si mesmo e a tudo que
nos rodeia. Os materiais necessários para a realização da atividade são:
22 tecidos – TNT, lona ou quaisquer retalhos cortados em tamanho e
formatos variados;
22 tinta de tecido ou tinta guache;
22 linha e agulha ou cola de tecido.
1ª Etapa: história de vida
Peça a todos os participantes para relembrarem um pouco de suas his-
tórias pessoais e das histórias de suas famílias, pensando em suas origens,
sentimentos e momentos marcantes, em sonhos, enfim, em tudo aquilo que a
pessoa considerar representativo em sua vida. Depois disso, solicite que esco-
lham pedaços de tecidos para pintar símbolos, cores ou imagens relacionadas
às suas lembranças. Esse é um momento individual, que deve levar o tempo
necessário para que cada um se sinta à vontade para expressar o máximo de
sua história de vida. Quando todos terminarem, proponha a composição da
primeira parte da Colcha de Retalhos, que pode ser feita por meio da costura
ou da colagem dos trabalhos de cada um, sem ordem definida.
2ª Etapa: história da comunidade

– 70 –
Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA

Essa etapa exige muito diálogo entre os participantes, que devem cons-
truir a história da comunidade onde vivem. Uma boa dica é pesquisar junto
aos mais velhos. O grupo deve escolher alguns fatos, acontecimentos e carac-
terísticas da comunidade para representá-los também em pedaços de tecido
pintados. Pode-se reunir as pessoas em pequenos grupos para a criação cole-
tiva do trabalho. Todas as pinturas, depois de terminadas, deverão ser costu-
radas ou coladas, compondo um barrado lateral na colcha.
3ª etapa: história da cidade, do país, da Terra
A partir daqui, a ideia é dar continuidade à colcha de retalhos, criando
novos barrados, de forma a complementá-la com a história de vida da cidade,
do país, do mundo e até do universo. Não há limites nem restrições. O obje-
tivo principal é estimular, nos participantes, a vontade de conhecer e registrar
a vida, em suas diferentes formas e momentos. Desse modo, poderão se sentir
parte da grande teia da vida.
Fonte: Adaptado de Diskin e Roizman (2002).

Atividades
1. Descreva sucintamente as marcas que identificam os educandos
da EJA.
2. Elabore um breve projeto educativo que considere o perfil e as his-
tórias de vida dos educandos da EJA.
3. Faça um levantamento visando identificar por que os educandos da
EJA não tiveram acesso à escola na idade própria. Relacione as res-
postas com os diversos fatores de ordem econômica, social, política,
geográfica e cultural de sua região ou do país.
4. Os educandos da EJA têm uma bagagem de conhecimentos que
foram adquiridos em outras instâncias sociais, tendo em vista que
a escola não é o único espaço de produção e de socialização dos
saberes. Essas experiências de vida são significativas para o processo
educacional e devem ser consideradas. Como valorizar e incluir
essas experiências no processo educativo?

– 71 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Síntese
Ao estudar e refletir sobre o perfil desses educandos, como estudante e
futuro profissional da área, você deve tomar cuidado com os estereótipos e
marcas sociais que esses educandos carregam.
Para organizar um trabalho pedagógico eficiente com esses educandos,
é necessário:
22 levar em conta a história de vida e da comunidade em que o edu-
cando está inserido, identificando inicialmente o que levou ele a
não frequentar ou a abandonar os estudos;
22 identificar suas aspirações ao retomar os estudos, de modo a incen-
tivá-los sempre;
22 conhecer, estudar e preparar um rol de conteúdos ou propostas cur-
riculares a serem trabalhadas;
22 escolher a melhor forma de expor e ensinar esses conteúdos;
22 avaliar e fazer autoavaliação constante para saber se a aprendizagem
está ocorrendo como o esperado;
22 não esquecer que o diálogo é a melhor ferramenta didática com
esses educandos.

– 72 –
4
Metodologia:
mediação
Pedagógica na EJA
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Nesse capítulo, elencamos alguns exemplos de práticas pedagógicas e


vivências na Educação de Jovens e Adultos que podem servir de exemplo, de
metodologia ou auxiliar no encaminhamento do trabalho pedagógico.

Nesse capítulo, você conhecerá:


22 prática pedagógica significativa como prática social problemati-
zadora;
22 prática pedagógica baseada em temas geradores, proposta inicial-
mente por Paulo Freire;
22 práticas de intervenção pedagógica na EJA;
22 outras vivências nos espaços da EJA.
O processo educativo especificamente direcionado a jovens e adultos
adquire significado à medida que intrinsecamente se relaciona à prática de
vida desses sujeitos, nos diferentes modos de viver e atuar no mundo com seus
limites e possibilidades. Atender a essa demanda requer, necessariamente, um
trabalho pedagógico em que exista uma superação do conhecimento que o
educando traz do seu cotidiano, que é a expressão da classe social à qual per-
tence, não no sentido de anular ou de sobrepor um conhecimento ao outro,
mas no sentido de dar e construir novos significados.
Em outras palavras, o que se propõe é que o conhecimento com o qual
se trabalha na escola seja significativo para a formação do educando. Nesse
sentido, apresentaremos, nesse capítulo, alternativas para a realização de prá-
ticas pedagógicas significativas.

4.1 Prática pedagógica significativa


A prática educativa que compreende a precondição de emancipação
intelectual de qualquer sujeito deve ser precedida pelo conhecimento dos
educandos, de suas capacidades, limitações, necessidades e expectativas, assim
como da comunidade em que vivem. Essa prática é uma forma de interven-
ção no mundo que vai além do conhecimento de conteúdos pré-existentes:
ela implica um esforço de transformação da realidade.

– 74 –
Metodologia: mediação Pedagógica na EJA

Reflita
Em que consiste uma prática pedagógica significativa?

A proposta de Freire, tomada a partir de um contexto mais atual, pode


ser equiparada a uma prática pedagógica que tenha como base a metodolo-
gia dialética, nesse sentido não se aplicada somente à alfabetização, como
proposto inicialmente, mas a qualquer prática educativa, pois a dialética
contida nessa metodologia pressupõe um movimento que se origina da prá-
tica social e amplia-se para conceitos mais elaborados, conforme demons-
trado nas etapas seguintes:
22 prática social inicial;
22 problematização;
22 instrumentalização;
22 catarse;
22 prática transformada.
Com o intuito de continuar as reflexões acerca de como podemos enca-
minhar um trabalho pedagógico significativo em EJA, apresentaremos, a
seguir, exemplos de práticas pedagógicas.

4.2 Prática social problematizadora


Com base em uma metodologia dialética de educação, que pode ser
aplicada a qualquer processo educativo, uma vez que a dialética contida nessa
metodologia pressupõe um movimento que se origina da prática social e
amplia-se para conceitos científicos mais elaborados, apresenta-se a seguir um
exemplo a partir da temática “preservação do meio ambiente”.

22 Tema social: preservação do meio ambiente.


22 Prática social inicial: preocupação com problemas ambien-
tais (enchentes, alagamentos, poluição).
– 75 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

22 Problematização: questionar quais atitudes devem ser toma-


das para enfrentar os problemas ambientais e como preservar
o meio ambiente, evitando catástrofes ambientais.
22 Instrumentalização: o educador deve organizar o trabalho
pedagógico de modo a trazer informações e conhecimento,
elaborando as explicações para os questionamentos.
22 Catarse: a partir das reflexões acerca da prática inicial arti-
culadas ao conhecimento elaborado, ocorre, então, a tomada
de consciência. Espera-se que com a problematização e a
instrumentalização o educando compreenda como cada um
causa danos ao meio ambiente.
22 Prática transformada: após a tomada de consciência,
mediante as situações da prática inicial, o educando poderá
apresentar uma nova prática, transformada e ecologica-
mente correta.

A partir desse exemplo reforça-se a importância de se propiciar um ensino
dialógico, pautado na conscientização da importância de ser e de estar nesse
mundo, de maneira a realmente nele se inserir e não apenas adaptar-se como
um objeto. Deve-se ser um sujeito que conhece e tem poder de transformar a
realidade em que vive, por meio do trabalho e da participação livre e consciente.

4.3 Prática pedagógica baseada


em temas geradores
Baseado na proposta freiriana, o trabalho com temas geradores continua
bastante atual, ao preconizar que o processo educativo deve partir daquilo
que o educando já sabe, ou seja, do seu contexto e de suas histórias de vida.
Freire reforça a função social do aprendizado quando argumenta que “a lei-
tura de mundo precede a da palavra, daí que a posterior leitura desta não
possa prescindir da continuidade da leitura daquela” (FREIRE, 1996, p. 12).

– 76 –
Metodologia: mediação Pedagógica na EJA

O pensamento pedagógico de Freire tem influenciado uma concepção


de educação que dá sentido à educação permanente, quando assegura que o
processo educativo, que se inicia por meio da aquisição da leitura e da escrita,
prolonga-se pelo resto da vida, nas condições sociais da existência humana.
Com o uso de temas geradores, busca-se empregar processos mentais
de análise e síntese, juntamente com a problematização da situação existen-
cial em que vive o educando. Nessa reflexão, que alia conhecimento e polí-
tica, Paulo Freire motivou jovens e adultos a reconquistarem seus direitos
por meio de uma prática transformadora, que envolve o conhecimento sobre
a realidade existencial dos educandos e a escolha de palavras ou temas que
podem ser problematizados e discutidos. Após isso, trabalha-se os aspectos
escolares propriamente ditos, sempre com a mediação da prática dialógica.
As etapas da prática pedagógica baseada em temas geradores estão lista-
das a seguir.
a) Levantamento do universo vocabular dos educandos
No processo de dialogicidade, quando se busca conhecer o universo
vocabular dos educandos, surge o tema gerador, que é extraído da
problematização da realidade dos educandos e contextualizado na
prática social.
b) Seleção de temas ou palavras geradores
O tema gerador dá origem às várias palavras geradoras, que deve-
rão estar ligadas entre si para propiciar a relação entre as áreas do
conhecimento.
Por meio do tema gerador pode-se avançar para além do limite de
conhecimento que o educando possui de sua própria realidade. A
partir do tema gerador são selecionadas as palavras geradoras que
reúnem em si a maior porcentagem dos critérios sintático, semân-
tico e pragmático, uma vez que
[...] a melhor palavra geradora é aquela que reúne em si a porcenta-
gem mais alta de critérios sintáticos (possibilidade ou riqueza fonética,
grau de dificuldade fonética complexa, possibilidade de manipulação
de conjuntos de signos, de sílabas, etc.), semânticos (maior ou menor
intensidade de relação entre a palavra e o ser que designa), poder de

– 77 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

conscientização que a palavra tem potencialmente, ou conjunto de


reações socioculturais que a palavra gera na pessoa ou no grupo que a
utiliza (FREIRE, 1985, p. 43).

c) Problematização ou criação de situações existenciais típicas


do grupo
Esse momento visa à superação da visão ingênua do jovem e do
adulto diante da palavra apresentada, por meio de situações pro-
blematizadoras que conduzam à reflexão e ao desenvolvimento da
criticidade. Para isso, as palavras geradoras devem ser decodificadas,
com a mediação do educador, para que o educando perceba que
elas representam a síntese da ação e da relação dos homens entre si
e com o mundo.
d) Elaboração de fichas para roteiro de estudo
Cada uma das palavras geradoras deverá ter a sua ilustração (dese-
nho ou fotografia) significativa e crítica para suscitar novos debates
em sala de aula. Essa ilustração tem como objetivo a representação
de um aspecto da realidade ou de uma situação construída no jogo
das interações sociais.
A característica problematizadora do diálogo proposto por Freire
aproxima-se da concepção dialética de humanização dos homens e
das explicações da vida em sociedade. Podemos dizer que ele capta
o sentido histórico e político do conhecimento e da teoria educa-
tiva que têm papel crítico e revolucionário.
Dentre as obras de Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia
(1996) teve grande influência nas práticas educativas. Nela,
Freire critica a política neoliberal que se instalou na sociedade
contribuindo para uma ideologia fatalista e desumana e faz um
convite para a prática da ética universal do ser humano, que
liberta gerando melhores condições de vida e condenando a
exploração. Além disso, denuncia o ensino bancário, que tem
por finalidade a transferência de conhecimentos, e afirma que
o ensino deve ser democrático, no qual educadores e educandos
troquem conhecimentos.

– 78 –
Metodologia: mediação Pedagógica na EJA

Desse livro, pode-se extrair as ideias que denotam o caráter e até


a essência da pedagogia da autonomia, no sentido mais amplo do
termo que envolve a participação de toda a sociedade
Gosto de ser homem, de ser gente decente, porque sei que a minha
passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o
meu “destino” não é um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja
responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a
história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte
é um tempo de possibilidades e não de determinismo. O fato de me
perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa
posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com
ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta
mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser
objeto, mas sujeito também da história (FREIRE, 1996, p. 58-59).

De acordo com essa visão, o papel da escola deve ser selecionar e


organizar dados que possibilitem aos educandos uma reflexão sobre
a escrita que estão elaborando, facilitando e agilizando o processo
de construção do conhecimento que dá sentido à prática social.

4.4 Práticas de intervenção pedagógica na EJA


A construção de uma proposta de intervenção se dá na medida em que
conseguimos ler o que vemos, e geralmente analisamos nossas intenções
frente a todo esse processo. Para tanto, o educador deve se apoiar nas discus-
sões teórico-práticas, problematizando o fazer docente. Dessa forma, uma
prática diferente é construída a partir do fazer contínuo, ao longo da vida, das
experiências e vivências no habitus da escola.
Nesse sentido, é preciso observar e registrar as situações teórico-práticas
de ensino e aprendizagem vivenciadas junto aos alunos de EJA. A constru-
ção do documento elaborado pela tessitura do pensar-fazer, da reflexão-ação-
-reflexão, será o plano da ação pedagógica, que terá como constructos os
registros da observação da prática social, que deve se desenvolver em parceria
com a comunidade escolar, contendo os seguintes elementos:
22 plano de observação/diagnóstico da realidade;
22 projeto de intervenção pedagógica;

– 79 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

22 tema selecionado;
22 definição dos objetivos;
22 leituras das teorias de base sobre o tema;
22 seleção dos conteúdos;
22 estratégias de ação;
22 recursos didáticos;
22 avaliação do processo de ensino e aprendizagem.
É necessário elaborar um plano para se iniciar o processo de observação
e diagnóstico do espaço de EJA, pois olhar intencionalmente possibilita diag-
nosticar valores educacionais, cultura, formas de relacionamentos, conflitos,
enfim, a identidade do grupo.
A ação de planejar um projeto de intervenção exige o conhecimento da
realidade, senso crítico, vontade e necessidade de transformar. Para tanto, é
preciso estar inserido no espaço da escola, observando e conhecendo a prática
pedagógica da EJA. A partir dessa etapa, deve-se estabelecer os objetivos que
se quer alcançar, as estratégias ou caminhos para atingi-los (com fundamento
em teorias), bem como as atividades que serão desenvolvidas, os prazos e os
partícipes que estarão compromissados com o desenvolvimento do projeto.
Veja, a seguir, um exemplo de projeto de intervenção pedagógica.

Dados de identificação
22 Nome da escola
22 Caracterização da localização da escola
22 Professor educador
22 Perfil dos educandos (média de idade, sexo, localidade de
origem, atuação profissional, residência e proximidade da
escola ou local de trabalho, renda familiar, papel na família,

– 80 –
Metodologia: mediação Pedagógica na EJA

assuntos de interesse, entre outras questões que podem ser


levantadas)
Título
O título do projeto deve ser claro, conciso, explica-
tivo e coerente com o conteúdo e objetivos do plano
de trabalho, para possibilitar e garantir a identificação
da temática a ser abordada com o perfil, a demanda
da turma e o nível de aprendizagem dos alunos.
Tema a ser desenvolvido
É preciso selecionar o tema a ser abordado em conjunto
com a comunidade escolar ou educandos. O tema deve
abordar de maneira interdisciplinar as áreas de conhe-
cimento e deve estar articulado à realidade social.
Justificativa
Consiste na apresentação clara e objetiva das razões teórico-
-práticas que justificam o desenvolvimento do tema com
a comunidade. Deve indicar a relevância dos conteúdos
a serem abordados, assim como explicitar fundamen-
talmente o que colabora o estudo do tema para o desen-
volvimento cognitivo e a aprendizagem dos alunos.
Problematização
O trabalho docente deve se iniciar com uma situação
que gere dúvida ou que instigue os educandos, deno-
minada “situação problema”, que se origina a partir
da definição da situação a ser discutida, investigada e
solucionada. Dessa forma, o problema pode ser carac-
terizado/formulado através de uma “questão nortea-
dora”, o que facilita o direcionamento da objetivação.

– 81 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Objetivo geral
Os objetivos devem indicar o intuito das ativida-
des a serem realizadas, esclarecendo os fins que pre-
tendem ser atingidos com a intervenção. O objetivo
geral possui uma dimensão ampla, com a caracterís-
tica de ser único e com a função de ser atingido.
Objetivos específicos
Os objetivos específicos assumem uma dimen-
são mais restrita, com uma temporalidade mais
imediata (a aula), e delimitam as ações comple-
mentares para o alcance do objetivo geral.
Fundamentação teórica
Definido o tema, deve-se proceder a revisão biblio-
gráfica relacionada à temática em questão, a fim de
aprofundar e fundamentar o trabalho pedagógico.
Para tanto, deve-se procurar uma literatura relevante e
atualizada, com vistas a buscar compreender o tema e,
também, o que já foi produzido na área a ser trabalhada.
Estratégias de ação
Esse item deve materializar os desdobramentos do trabalho
de aprofundamento teórico-prático, no que diz respeito às
ações a serem desenvolvidas na sala de aula. Deve ser espe-
cificada a abrangência dessas ações, os sujeitos envolvidos, o
local e demais informações pertinentes às ações de docência.
Recursos didáticos
Na elaboração do plano, as atividades docentes de
intervenção na EJA devem ser estruturadas, pre-
vendo recursos e os seguintes momentos:

– 82 –
Metodologia: mediação Pedagógica na EJA

a) propor objetivos orientadores das ativida-


des de aprendizagem dos alunos de EJA;
b) selecionar conteúdos de aprendizagem a serem tra-
balhados em todas as áreas do conhecimento;
c) organizar as sequências e relações
contextualizadoras dos conteúdos selecionados;
d) distribuir os conteúdos de aprendizagem segundo o
tempo disponível para as atividades do projeto de ensino;
e) prever a utilização de procedimentos didáticos e recursos;
f) delinear as formas e momentos de ava-
liação da aprendizagem dos alunos;
g) listar as referências de apoio bibliográfico.
Avaliação do processo de ensino e aprendizagem
Em todo processo educativo, há necessidade de a ava-
liação ser constante e, quando necessário, deve haver a
abertura para o replanejamento. O importante é manter
uma postura aberta, sabendo que novos dados e obser-
vações são bem-vindos, porém sem perder de vista os
objetivos a serem atingidos. Nesse sentido, a avaliação
deve ser dirigida de acordo com os objetivos, sempre
validando o caminho a ser seguido.
Nem sempre a forma como está estruturado o conteúdo
e a avaliação é estimulante e incentivadora ao progresso
do educando. Pensar em formas de superar as dificulda-
des, como atendimento individualizado, disponibilidade,
colaboração com funcionários e equipe, envolvendo
comunidade escolar e família, é um modo de criar vín-
culos na prática pedagógica. Por outro lado, isso envolve
também a responsabilidade da escola diante da comuni-

– 83 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

dade e das discussões globais; por isso, é tão comum os


novos projetos contemplarem questões ecológicas, direitos
humanos, consciência coletiva e respeito às diferenças.

Esses passos são fundamentais para a construção de um plano de inter-
venção. O ato de planejar se caracteriza como um posicionamento consciente
político-pedagógico diante de uma realidade que precisa ser repensada, com
ações bem planejadas. Portanto, é preciso organizar os dados levantados junto
à comunidade escolar de EJA, analisá-los e interpretá-los, com vistas ao pla-
nejamento do projeto de intervenção.
A observação a ser realizada deve levar em consideração o cotidiano esco-
lar, os interesses e aspirações dos envolvidos, lembrando que para compreen-
der a complexidade desse cotidiano são precisos métodos de investigação.
Portanto, um diagnóstico bem feito, baseado em informações seguras, significa
ter um ponto de partida, que é a identificação dos elementos constituintes da
realidade escolar, importantes para estabelecer relações entre a situação obser-
vada (como ela se manifesta hoje) e a situação adequada (como ela deveria
ser). Assim, subsidia-se as decisões do planejamento.
Há aspectos importantes para se levar em conta nessa etapa de obser-
vação e diagnóstico: a escola, a prática que ela vem desenvolvendo, a forma
como está organizada e como se dá a convivência em seu interior e os resulta-
dos de aprendizagem dos educandos.
Conhecer o contexto da prática pedagógica da escola significa conhecer
o público alvo: para quem ensinamos? Por isso, é fundamental obter informa-
ções seguras sobre ela, levando em conta a diversidade local. Esse é o primeiro
passo do exercício da autonomia e da construção da identidade da escola.
Repensar a prática pedagógica contribui para impulsionar mudanças na
cultura docente, como de pensamento, atitude e revisão do repertório, de valo-
res, crenças e saberes. A revisão da prática tem proporcionado uma revisão da
ação pedagógica docente e dos pressupostos teórico-práticos que a norteiam,
possibilitando apoiar em outros referenciais a ação profissional dos partícipes.

– 84 –
Metodologia: mediação Pedagógica na EJA

4.5 Vivências nos espaços da EJA


Tomando como referência a vivência no espaço da EJA, o proposto é
aproximar os educandos dos objetos cognoscíveis, construídos a partir do
cotidiano pedagógico escolar vivenciado por eles. Para que se realize a cons-
trução de novos saberes, procurando elucidar a realidade social, econômica,
política, científica e educacional da escola e visando à educação do sujeito
cognoscente (aquele que produz conhecimento comprometido com a teoria
e a prática real, tornando-se produtor de novos saberes), “é preciso que o
educando vá assumindo o papel de sujeito da produção de sua inteligência do
mundo, [...] reconhecer-se como arquiteto de sua própria prática cognosci-
tiva” (FREIRE, 1996).
Para tanto, sempre que possível, esse trabalho deve ocorrer em parceria
com toda comunidade escolar, como uma forma tanto de ensinar quanto de
aprender, envolvendo todos os sujeitos do processo educativo. Assim, busca-
-se compreender a prática pedagógica, que se constitui em um momento de
síntese integradora de todo o processo educacional e que, por isso, demanda
uma consideração atenta quanto aos aspectos de:
22 reflexão da prática de docência;
22 observação e diagnose da realidade;
22 planejamento do trabalho pedagógico;
22 intervenção;
22 acompanhamento e avaliação.
Nessa perspectiva, a prática configura-se em um processo de investiga-
ção – ação pela qual se objetiva a formação do profissional professor educador
e a compreensão com uma maior efetividade da EJA.
Pode-se atribuir uma responsabilização de ações aos participantes do
processo didático-pedagógico. Todos deverão participar do planejamento, do
desenvolvimento e da avaliação dos projetos educacionais, de modo a assegu-
rar não apenas um acompanhamento, mas, sobretudo, uma reflexão contínua
sobre a prática docente.

– 85 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Do ponto de vista da organização, o delineamento do processo visa supe-


rar o mecanicismo de um planejamento meramente esquemático ou de mode-
los formais. Por isso, “considerar a vivência significa imergir e buscar identificar,
conhecer e compreender o significado e o sentido dos acontecimentos escolares.
Pressupõe conhecer as pessoas envolvidas e também o significado e o sentido
que elas dão aos acontecimentos vivenciados” (PENIN, 2001, p. 20).
O professor educador deve tomar conhecimento do espaço educacional
da EJA, buscando situar-se e informar-se sobre aspectos pedagógicos e dida-
ticamente significativos. Essa forma de ver é composta de diferentes olhares
sobre a realidade. Cada um, com o que pode e tem, vê o mundo, e de nada
adianta conceitos prontos e memorizados se a expressão do sujeito não estiver
relacionada ao que é visto e sentido por ele mesmo (FREIRE, 1996).
Entre as vivências dos atores que efetivamente produzem a EJA, deve-
-se levar em consideração a epistemologia da prática a partir da análise do
cotidiano, procurando captar o sentimento dos sujeitos em relação ao mundo
do conhecimento e buscando compreendê-los à luz do conjunto de teorias,
categorias, conceitos e noções, de modo a ampliar o entendimento sobre eles.

Dica de filme
A corrente do bem (2000)

Um professor de estudos sociais faz um desafio aos seus alunos em


uma de suas aulas: que eles criem algo que possa mudar o mundo.
Um de seus alunos, incentivado pelo desafio do professor, cria um
novo jogo, em que a cada favor que a pessoa recebe deve-se retribuir

– 86 –
Metodologia: mediação Pedagógica na EJA

a três outras pessoas. Surpreendentemente, a ideia funciona, e os


envolvidos encontram um novo sentido para a vida.
A CORRENTE do bem. Direção de Mimi Leder. Estados Uni-
dos: Warner Bros; Bel Air Entertainment, 2000. 1 filme (115 min.),
sonoro, legenda, color.

Da teoria para a prática


A seguir, apresentamos um exemplo de projeto de intervenção pedagó-
gica que poderá ser aplicado em sua sala de aula.

Título: “Saber com sabor”


Dados de identificação
22 Nome da escola
22 Caracterização da localização da escola
22 Professor alfabetizador
22 Perfil dos alfabetizandos
Tema: o saber e o sabor dos alimentos.
Justificativa do tema de estudo: esse tema deve ser abordado devido à
necessidade de discussão de temas aos quais os educandos são submetidos,
sem que a escola os ajude a compreender tais correlações, como saúde, plane-
jamento econômico familiar, tempo destinado para as refeições e o trabalho,
vale-refeição, tempo de validade dos alimentos, formas de preparo e conser-
vação dos alimentos, cadeia produtiva e comercialização.
Problematização: quais são os nossos alimentos de cada dia? Quais as
formas de obtenção? Como são produzidos? Quais os agentes da cadeia de
produção? O alimento e a situação econômica da família. Tempo de alimen-
tação X trabalho X saúde: quais as relações e prioridades? Qual a cultura do
consumo e a influência da mídia?

– 87 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Objetivos gerais: conscientizar os educandos sobre a importância de


conhecer os alimentos consumidos no dia a dia e o sabor do saber em dife-
rentes aspectos.
Objetivos específicos: identificar nas refeições dos educandos os ali-
mentos mais presentes no dia a dia, visando analisar, a partir do contexto de
cada um, as representações de fatos, momentos das refeições, pessoas, lugares
e situações envolvidas no ato de se alimentar, bem como as características
físicas e científicas dos alimentos.
Fundamentação teórica: livros de ciências, manuais de agricultura e
nutricionais, sites sobre alimentação correta, revistas e jornais de grande circu-
lação, entre outros materiais que tragam informações e conhecimentos sobre
o tema.
Estratégias de ação: exibição de filmes, palestras ou leitura de materiais
informativos, visando discutir questões relativas aos modos de produção e
obtenção dos alimentos, trabalho, a relação homem–humanidade–liberdade
de escolha–racionalidade, entre outras questões. Podem-se realizar também
palestras sobre alimentação saudável, valor nutricional ou aulas de culinária.
Recursos didáticos: livros, filmes, revistas, sites e recursos destinados à
execução da aula.
Avaliação do processo de ensino e aprendizagem: na medida em que
as ações relacionadas ao tema forem sendo executadas, a avaliação e a necessi-
dade de replanejamento devem seguir paralelamente. Podem-se realizar per-
guntas e respostas (orais ou escritas) dinâmicas e aulas práticas para saber se
o que está sendo ensinado é compreendido e, consequentemente, aprendido
pelos educandos.

Atividades
1. Que ações presentes na prática educativa do professor de EJA
podem ser expressas em uma nova prática pedagógica significativa?
2. A partir dos conhecimentos adquiridos no estudo deste capítulo,
elabore um plano de aula seguindo a metodologia problematiza-
dora citada no texto, conforme os itens a seguir:

– 88 –
Metodologia: mediação Pedagógica na EJA

a) prática social inicial;


b) problematização;
c) instrumentalização;
d) catarse;
e) prática transformada.
3. Com seu grupo de trabalho, relacione palavras ou temas que pode-
riam ser tratados como “geradoras”, conforme estudo do texto,
levando em conta a realidade existencial de seus educandos ou de
sua comunidade, justificando a escolha.
4. Relate algumas vivências nos espaços da EJA: pode ser alguma
reflexão da prática de docência, observação da realidade ou alguma
ação de planejamento e intervenção nesses espaços.

Síntese
Nesse capítulo, além dos exemplos de práticas pedagógicas e vivências na
Educação de Jovens e Adultos, você conheceu um pouco mais das metodolo-
gias que podem ser aplicadas à Educação de Jovens e Adultos:
22 prática pedagógica significativa como prática social problema-
tizadora;
22 prática pedagógica baseada em temas geradores, proposta inicial-
mente por Paulo Freire;
22 práticas de intervenção pedagógica na EJA;
22 outras vivências nos espaços da EJA.
22 Além dessas, que foram apresentadas nesse capítulo, como educa-
dor, você pode propor enquanto metodologia de EJA:
22 roda de prosa sobre diversos assuntos, incentivando o desenvolvi-
mento da oralidade;
22 passeios culturais e de conhecimento de outras realidades, como
museus, feira de ciências, observatórios entre outros;

– 89 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

22 promover palestras ou convidar outros profissionais a falarem de


suas áreas de atuação a partir de temas de interesse dos educandos;
22 entre outras novas e criativas ideias de como ensinar diferente.

– 90 –
5
Relações de Ensino e
Aprendizagem na EJA
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Na relação de ensino e aprendizagem, uma discussão importante implica


conhecer o que ensinar (rol de disciplinas ou conteúdos), como ensinar (meto-
dologias) e a avaliação (ver se o que foi ensinado está de fato sendo aprendido).

Nesse capítulo, você conhecerá:


22 a questão curricular na EJA;
22 o processo de avaliação na EJA e sua relação com o ensino e a
aprendizagem.
A historicidade da EJA é marcada pelo caráter compensatório de uma
relação em que se priorizam questões relativas ao ensino em detrimento da
aprendizagem. Nesse sentido, há de se considerar inúmeros fatores, como
concepções de ensino, aprendizagem, currículo e avaliação na EJA.
No âmbito curricular, deve-se considerar que não há um currículo defi-
nido para essa modalidade de ensino: o que temos em âmbito nacional são
diretrizes que apontam eixos articuladores que se aproximam ou não da rea-
lidade dos jovens e adultos. Já a questão da avaliação implica a reformulação
do processo didático-pedagógico, deslocando também a ideia da avaliação do
ensino para a avaliação da aprendizagem.

5.1 Questão curricular da EJA


O histórico curricular na EJA não difere do que se verifica na educa-
ção básica como um todo, ou seja, organiza-se por disciplinas escolares que
compõem a base nacional comum e, em algumas situações, os conteúdos se
relacionam com a disciplina científica de referência. Isso quer dizer que no
currículo há um misto entre conteúdos especificamente científicos, outros
que fazem parte das disciplinas escolares e outros originados na própria cul-
tura escolar, com veremos a seguir. O século XIX é um marco da organização
do currículo por disciplinas, recebendo forte influência de uma organização
escolar consolidada na visão tradicional escolástica, ou seja, “a questão não
era ensinar um certo montante de conhecimentos no menor tempo possível,
mas ter os educandos, entre as paredes da sala de aula, submetidos ao olhar
vigilante do educador o tempo suficiente para domar seu caráter e dar forma
adequada a seu comportamento” (ENGUITA, 1989, p. 115).

– 92 –
Relações de Ensino e Aprendizagem na EJA

Nesse contexto, a concepção educacional valorizava a cultura letrada e


os conteúdos como instrução, cuja função consistia em adaptar o trabalhador
aos interesses fabris, a fim de homogeneizar crenças, costumes e valores, alia-
dos à burguesia industrial. Nesse direcionamento, quanto maior o controle,
mais próximo se ficava dos padrões desejáveis pela fábrica e pelo mercado.
Muitos teóricos nos auxiliam a compreender o impacto desse tipo de
currículo na formação dos educandos. Dentre eles citamos Santomé (1998, p.
3), para quem “o problema das escolas tradicionais, nas quais se dá uma forte
ênfase aos conteúdos apresentados em pacotes disciplinares, é que não conse-
guem que os alunos e alunas sejam capazes de ver esses conteúdos como parte
de seu próprio mundo”, ou seja, os conteúdos são trabalhados de maneira
estanque, fragmentada e sem contextualização, de modo de que os educandos
não percebem o significado deles, o que dificulta a aprendizagem, pois sabe-
mos que só se aprende o que tem sentido e significado. Em outras palavras,
o educando precisa saber o que e por que está aprendendo. Nesse sentido,
é importante que seja preparado para o presente, que tenha condições de
formular hipóteses, buscar respostas para diferentes situações, interagindo e
expondo seu ponto de vista e fazendo críticas e indagações acerca do mundo.
O currículo, segundo análise de Moreira (1999), constitui-se em um sig-
nificativo instrumento, utilizado por diferentes sociedades, tanto para desen-
volver os processos de conservação, transformação e renovação dos conheci-
mentos historicamente acumulados, quanto para socializar as crianças e os
jovens segundo valores tidos como desejáveis.
Portanto, nessa linha de raciocínio, o currículo é uma construção social, na
medida em que está diretamente ligado a um momento histórico e a determi-
nada sociedade por meio das relações que ela estabelece com o conhecimento.
Assim, em diversos contextos, o currículo teve suas formas variadas, com des-
taque ora para modelos mais conservadores, ora para modelos mais progressistas.

O Currículo, para Moreira (1999), já foi definido como:


22 listagem de disciplinas a serem ensinadas e, dentro de cada
disciplina, os conteúdos;

– 93 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

22 currículo enquanto o conhecimento escolar, o conteúdo, a


grade, etc.;
22 conjunto de experiências que o aluno vive na escola sob a
orientação do educador;
22 currículo como um plano;
22 currículo associado à listagem de objetivos.

De acordo com cada formato, havia uma maneira de pensar a escola, o
ensino, o professor e o aluno. Trata-se de uma forma de posicionar-se, o que
reforça o fato de que a educação jamais será neutra.
Os diversos enfoques expressam ideais e valores também distintos. Quando
se associa o currículo à experiência, o foco sai do conteúdo que se ensina, do
conhecimento escolar que se aprende para a experiência vivenciada pelos sujei-
tos. Moreira (1999) define o currículo enquanto conjunto de experiências que
o aluno vive na escola e que se relacionam com o conhecimento escolar.
Essa visão não descarta o papel do conhecimento, pois não se pode pen-
sar a escola sem conhecimento. Contudo, a ideia defendida pelo autor traz
à tona outras ideias e reforça o fato de que o ser humano aprende e ensina
suas experiências para além das relações que estabelece na escola. No entanto,
o aprender escolar exige que seja organizado, pensado, planejado, ou seja,
não é algo que acontece de qualquer jeito, pois, conforme os pressupostos
vygotskyanos, o educador deve ser um mediador. Nesse sentido, Moreira
(1999) apresenta, ainda, alguns destaques acerca do currículo:
22 currículo é, simultaneamente, projeto e prática, um projeto polí-
tico-cultural;
22 currículo é o núcleo da escola;
22 currículo é necessariamente um conjunto de escolhas, é uma seleção de
cultura e uma seleção de um conjunto mais amplo de possibilidades.
No entanto, os destaques pontuados pelo autor somente se concretizam
pela ação mediada e compromissada ética e politicamente com o educando,
desde o planejamento até a efetivação desse plano em sala. Para Freire (1987),

– 94 –
Relações de Ensino e Aprendizagem na EJA

a ação de planejar implica escolhas, as quais descartam qualquer forma de


neutralidade. Nesse sentido, pode-se afirmar que se tratam de escolhas que são
permeadas por interesses de caráter político e, ao mesmo tempo, ideológico.
Pensar na organização curricular para a EJA implica explicitar as con-
cepções de educação, de sujeito, de escola, de currículo, de conhecimento e
de ensino e aprendizagem coerentes com as especificidades dessa demanda.
De modo bastante genérico, a proposta para a elaboração de currículos
da Proposta Curricular de EJA – 1º segmento (BRASIL, 2001) está organi-
zada somente em três áreas de conhecimento:
22 Língua Portuguesa;
22 Matemática;
22 Estudos da Sociedade e da Natureza.
Já a Proposta Curricular de EJA – 2º segmento (BRASIL, 2002) apre-
senta temas comuns às diversas áreas de conhecimento, bem como as especi-
ficidades curriculares para as disciplinas de:
22 Língua Portuguesa;
22 Língua Estrangeira;
22 Matemática;
22 História;
22 Geografia;
22 Ciências;
22 Arte;
22 Educação Física.

5.2 Processo de avaliação na EJA e sua


relação com o ensino e a aprendizagem
Avaliar exige que se defina aonde se quer chegar, que se estabeleçam os
critérios para, em seguida, escolher os procedimentos, inclusive aqueles refe-

– 95 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

rentes ao modo e ao contexto em que foram produzidos. “O ponto de partida


deste movimento está nos homens mesmos. Mas, como não há homens sem
mundo, sem realidade, o movimento parte das relações homens-mundo [...]”
afinal, “não se pode pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os
outros, mas sim com os outros” (FREIRE, 1996, p. 84).
É fundamental que o educador entenda as dimensões do ensino e da
aprendizagem, ou seja, como se deve ensinar para que os educandos aprendam,
e compreenda como ocorre a aprendizagem, tendo subsídios para avaliá-la.
Quando o educando da EJA chega à escola, ele traz consigo suas repre-
sentações de mundo e espera que a escola valorize seu modo de pensar e
ofereça condições de “ir além”. Em outras palavras, é papel da escola oferecer
subsídios para que os educandos possam se desenvolver intelectualmente,
ampliando a visão de mundo. Dadas essas condições, cabe ressaltar a impor-
tância de uma concepção de avaliação da aprendizagem condizente com a
postura adotada, compreendendo a necessidade de se conhecer o que o aluno
já sabe e o que ele ainda não sabe, pois somente assim será possível oferecer
ao alfabetizando desafios ao seu saber, para que em seu esforço intencional
transforme-os em novos saberes.
Modificar a forma de avaliar implica a reformulação do processo didá-
tico-pedagógico, deslocando também a ideia da avaliação do ensino para a
avaliação da aprendizagem. Afinal, “o sentido fundamental da ação avaliativa
é o movimento, a transformação” (HOFFMANN, 2006, p. 110).

Aprender não é a mesma coisa que copiar ou repetir aquilo


que foi ensinado. A cópia não faz ninguém aprender, pois
aprendizagem não é determinada por quem ensina, mas
por quem aprende. A aprendizagem é um processo cons-
trutivo, pessoal, em que cada um aprende por si, seguindo
seu próprio caminho. Contudo, um fator importante a ser
considerado é que a aprendizagem se concretiza nas relações
sociais, ou seja, é nas “relações dos homens com outros
homens que se constrói o conhecimento” (FREIRE, 1996).

– 96 –
Relações de Ensino e Aprendizagem na EJA

Essas reflexões sobre ensino e aprendizagem na EJA são de fundamental


importância para quem se propõe a ensinar nessa modalidade educativa. A
maneira como o educador concebe a relação de ensino e aprendizagem deter-
mina como serão os encaminhamentos didáticos, metodológicos e avaliativos
do processo educativo.
Uma concepção de avaliação comprometida com a inclusão e a plu-
ralidade vai além da visão tradicional, hierárquica, que focaliza o controle
do aluno e promove a seletividade, dentro do sistema socioeducacional, por
meio de notas e conceitos. É preciso alcançar outra concepção de avaliação
que tenha por objetivo compartilhar informações e subsídios que favoreçam o
desenvolvimento do educando e a ampliação de seus conhecimentos.
Nessa linha, Luckesi (1996, p. 69) conceitua a avaliação como: “um
juízo de qualidade sobre dados relevantes tendo em vista uma tomada de
decisão”. Nesse sentido, a avaliação deve ser orientada em razão dos resultados
da aprendizagem vinculados a um padrão ideal de conhecimento delimitado,
previamente organizado pelo educador, com a finalidade de adequar o seu
trabalho aos progressos e às necessidades do educando e de buscar alternativas
didáticas que os auxiliem no processo de aprender a aprender.
A avaliação, nessa perspectiva, é um meio e não um fim em si mesmo. É
um processo diagnóstico e contínuo no qual o conhecimento e a autonomia
do educando precisam ser respeitados e vivenciados pela escola. Para isso, é
preciso elaborar um conjunto de procedimentos investigativos que possibili-
tem o ajuste pedagógico para tornar possível o ensino de melhor qualidade.
Nesse sentido, a avaliação deve funcionar, por um lado, como instru-
mento que possibilite ao educador analisar criticamente sua prática pedagó-
gica e, por outro, como instrumento que apresente ao educando a possibili-
dade de saber sobre seus avanços e possibilidades no contexto escolar. Muitas
das ideias equivocadas que o educando enuncia resultam, muitas vezes, das
aproximações sucessivas que ele está tentando fazer em relação ao objeto do
conhecimento. Assim, tais equívocos devem ser interpretados pelo educador
como erros construtivos, próprios do verdadeiro sentido pedagógico compro-
metido com a emancipação crítica e mediador do processo avaliativo.
Dessa forma, o compromisso com o desenvolvimento das capacidades
do educando, que se expressam nos acertos e equívocos próprios do processo

– 97 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

de aprendizagem, deve ser concebido como um indicador para a reorientação


da prática pedagógica e nunca como um meio de estigmatizar o educando.
Para isso, a avaliação formativa, realizada por meio da participação e do
diálogo entre os agentes educativos, fornece os elementos necessários para a
revisão dos avanços e das dificuldades que se expressam durante as diferentes
etapas do processo escolar, devendo-se considerar como formativa toda prá-
tica de avaliação contínua. Assim, a avaliação formativa deve contribuir para
melhorar as aprendizagens em curso, qualquer que seja o quadro e a extensão
concreta da diferenciação do ensino.

As ideias de avaliação formativa nos mostram, conforme


descrito a seguir, os procedimentos que devem ser utilizados
pelos educadores para adequar a ação pedagógica aos pro-
gressos e às necessidades de aprendizagem dos educandos.
22 Considerar a aprendizagem como um amplo processo, em
que o aluno reestrutura seu conhecimento por meio das ativi-
dades que lhe são propostas.
22 Buscar estratégias e sequências didáticas adequadas às condi-
ções de aprendizagem dos educandos.
22 Ampliar os conhecimentos do educador sobre os aspectos
cognitivos do aluno: compreender como ele aprende, identifi-
car suas representações mentais e as estratégias que utiliza
para resolver uma situação de aprendizagem.
22 Interpretar os erros não como deficiências pessoais, mas
como manifestação de um processo de construção. A cons-
trução do conhecimento supõe a superação dos erros por
meio de um processo sucessivo de revisões críticas. Con-
siderar os erros como objetos de estudos, uma vez que eles
revelam as representações e estratégias dos educandos.

– 98 –
Relações de Ensino e Aprendizagem na EJA

22 Diagnosticar as dificuldades dos educandos e ajudá-los a


superá-las.
22 Evidenciar aspectos de êxito nas aprendizagens.

Dica de filme
Bicho de sete cabeças (2000).

No início do filme, é retratada a relação de alguns jovens com seus


professores, demonstrando os problemas desses jovens que geram
enormes dificuldades para o exercício da função docente. Em uma
das cenas, por exemplo, que se desenvolve em uma sala de aula, o
personagem central, Neto, está totalmente desvinculado daquilo que
está acontecendo na sala de aula, literalmente “no mundo da lua”,
desprezando a presença do professor.
Diante disso, várias questões sobre o saber fazer pedagógico são sus-
citadas. Entre elas, temos questões importantes que se referem à pró-
pria conduta da escola: a forma como as aulas são conduzidas, seus
métodos, a comunicação e sua significação dentro de uma classe, os
recursos que estão sendo utilizados, o diálogo entre os professores

– 99 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

e os alunos e entre a escola e os pais. Isso nos leva a pensar que


temos uma parcela de responsabilidade, enquanto educadores, pois
devemos fazer com que nossos educandos aprendam não só os con-
teúdos escolares, mas, também, assumam responsabilidades e tenham
posturas definidas quanto à vida, de modo que eles tenham condi-
ções de evitar as armadilhas do cotidiano.
BICHO de sete cabeças. Direção de Laís Bodanzky. Brasil: Colum-
bia, 2000. 1 filme (74 min.), sonoro, color.

Da teoria para a prática


Uma atividade que envolve a ideia de construção do currículo a partir
de questões advindas dos educandos e uma forma de avaliação das situações
vividas é a criação de cenários.
É muito divertido reunir um grupo e criar cenários. Além de praticar
a criatividade, a arte do planejamento e da distribuição de funções, o grupo
pode trabalhar diferentes conteúdos. Use a imaginação: aproveite sucata,
papel, jornal, revista, tinta, folhas secas, enfim, tudo que achar interessante.
Monte paisagens diferentes e antagônicas. Cenários de paz e de
guerra, um rio poluído e um rio repleto de vida, uma floresta e uma
cidade. Crie a paisagem de uma cidade violenta e de outra onde existam
justiça e inclusão social.
Convide os educandos para conversar sobre os dois cenários. Que sen-
sações e sentimentos eles desencadeiam? Quais são as causas da violência nas
grandes cidades? O que fazer para mudar os cenários de violência e trans-
formá-los em espaços de acolhimento?
Peça ao grupo para criar uma peça de teatro com os dois cenários, na
qual dramatizem as ações necessárias à transição de um cenário para outro.
Quais os personagens envolvidos (políticos, estudantes, padeiros, artistas,
etc.)? Qual o papel da juventude nesse processo? O que cada um de nós pode
fazer, na vida cotidiana, para criar espaços onde predominem – para o ser
humano e para a natureza – a paz e a solidariedade?
Fonte: Adaptado de Diskin e Roizman (2000, p. 63).

– 100 –
Relações de Ensino e Aprendizagem na EJA

Atividades
1. Faça um elenco dos conteúdos curriculares escolares e de como eles
podem ser relacionadas aos conteúdos do cotidiano.
2. Comente as frases a seguir:
“Aprender não é a mesma coisa que copiar e repetir aquilo que
foi ensinado.”
“A avaliação é um meio e não um fim em si mesmo.”
3. Escreva uma breve resenha deste capítulo, articulando: questões cur-
riculares, avaliação e as relações de ensino e aprendizagem na EJA.
4. Muitos professores consideram a avaliação como um “bicho de sete
cabeças”, assim como o nome do filme sugerido neste capítulo.
Após ler os itens sobre avaliação, discuta com seus colegas qual
nome de bicho você daria para o processo de avaliação.

Síntese
Tão importante quanto saber ensinar, questão inerente ao saber/
fazer do professor, é saber o que ensinar, ou seja, conhecer os conteúdos
relativos à sua área de ensino, e como ensinar, ou seja, dispor de diversos
recursos e metodologias de acordo com o perfil do alunado. Além disso,
é imprescindível para quem quer se tornar um bom professor saber como
esse aluno aprende e dispor de recursos para avaliar se a aprendizagem
está de fato ocorrendo.
Por isso, este capítulo abordou:
22 o rol de disciplinas do ensino básico da EJA;
22 a concepção de currículo;
as diversas formas de se pensar a avaliação, diretamente relacionada as
relações de ensino e aprendizagem.

– 101 –
6
Função Social da
Leitura e da Escrita
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Neste capítulo, trataremos do conceito de letramento, noção de enten-


dimento indispensável para a compreensão das práticas sociais de leitura de
escrita na EJA.
Diante do contexto histórico e social da realidade brasileira é preciso rever
teoricamente a concepção de alfabetização e sua relação com as tendências
recentemente discutidas pelo foco do letramento. Para tanto, faz-se necessário
revisitar o termo, constituído historicamente em diferentes momentos, princi-
palmente em se tratando da alfabetização de adultos, já que essa modalidade
desenvolveu-se tardiamente – até porque o ensino da leitura e da escrita era
pensado predominantemente para as crianças das elites dominantes.
Como ponto de partida dessa discussão, resgatamos o próprio conceito de
linguagem, pois ao longo da história da educação brasileira a tarefa de alfabetizar
reduziu-se ao “domínio do sistema gráfico”, isto é, tradicionalmente, a alfabetiza-
ção era vista como um código ou como uma habilidade que pudesse ser treinada.
Nesse sentido, apresentamos uma discussão da alfabetização como um
processo educativo que precisa ser pensado como resultante de um trabalho
coletivo e historicamente situado, sendo produto das relações entre os indi-
víduos. Por isso, ela está sujeita às mudanças, assim como a linguagem, que
não se presta somente para a troca de informações, nem é apenas um mero
instrumento de comunicação, seja ela oral ou escrita. A linguagem está muito
além disso, pois por seu intermédio o pensamento se organiza e é expresso.

6.1 Linguagem e o contexto da alfabetização


Ao longo do processo evolutivo, o ser humano foi aperfeiçoando as for-
mas de linguagem e de comunicação. Registros gravados em cavernas mos-
tram os vestígios de como a comunicação escrita surgiu e se desenvolveu.
Inicialmente, com desenhos denominados de pictogramas, que serviam basi-
camente para representação dos objetos da realidade, e ao longo do tempo
acabou se transformando em convenção da escrita (CAGLIARI, 1989).
Uma das maiores produções do homem ao longo de sua história, com
certeza, foi a invenção da escrita, que, com o passar do tempo, foi adquirindo
maior grau de complexidade. A prática e as funções da escrita foram sofrendo
modificações e evoluíram de acordo com as necessidades de cada sociedade
(CAGLIARI, 1989).

– 104 –
Função Social da Leitura e da Escrita

De acordo com Saviani (1994), em sociedades primitivas a aprendiza-


gem ocorria na própria prática social. A geração mais velha transmitia seus
saberes, sem existir uma instituição responsável por tal tarefa. Conforme o ser
humano foi se fixando na terra, surgiram as propriedades privadas e, conse-
quentemente, a divisão da sociedade em classes. A escola conforme conhece-
mos hoje surgiu a partir dessa divisão de classes.
Ainda de acordo com Saviani (1994), o saber difundido na escola era
dividido em manual e intelectual. O manual consistia em saberes voltados ao
trabalho e ao aprender fazendo e era executado pela classe trabalhadora; já o
intelectual era o saber da classe dominante.

Reflita
Qual a importância da linguagem escrita em sociedades letradas como a
nossa? Como é a vida de quem não tem acesso a esses conhecimentos?

Com o desenvolvimento das sociedades letradas foram se intensificando


as necessidades de domínio dos códigos que expressassem as relações sociais.
Dessa forma, a alfabetização passou, cada vez mais, a ser um requisito de
inclusão nessas sociedades.
No Brasil, é possível identificar a evolução do conceito e necessidade de
alfabetização da população em cada momento histórico. Analisando a his-
tória da alfabetização no país, percebe-se que ela se confunde com a pró-
pria história dos métodos de alfabetização, sendo possível identificar quatro
momentos distintos (MORTATTI, 2006, p. 8).
Para Mortatti (2006), o primeiro momento (1876 a 1890) é caracteri-
zado pela “metodização do ensino da leitura”, ou seja, o ensino da leitura
acontecia através dos métodos de marcha sintética (soletração, fônico e da
silabação), já o ensino da escrita se resumia a caligrafia e a ortografia.
No segundo momento (1890 a 1920), surge a “institucionalização do
método analítico”, implantado a partir de 1890 com a reforma da instrução
pública. É nesse momento que surge o termo “alfabetização”, sendo utilizado
para se referir ao “ensino inicial da leitura e da escrita”. Na base das reformas,
estava também a questão dos métodos de ensino, em especial a implantação
do método analítico, que se caracterizava na proposição do ensino da leitura

– 105 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

a partir da palavra, denominado “palavração”, isto é, palavra, sílaba até a letra,


partindo do “todo” para parte.
O terceiro período, que vai de meados da década 20 ao final da década
de 70 do século XX, é caracterizado como “alfabetização sob medida”, e
essa medida seria a realidade, com suas formas de expressão. Resistindo ao
método analítico, muitos professores começaram a buscar novas propostas
para resolver seus problemas de ensino, e nesse período o que se tem é uma
verdadeira “mistura de métodos” ou o uso de métodos mistos ou ecléticos
(analítico-sintético e vice-versa).
No quarto momento, que segundo Mortatti (2006) ainda estamos
vivenciando, caracteriza-se pela “desmetodização da alfabetização”, ou seja,
é caracterizado pela ausência de métodos. É nesse momento que eclodem
várias pesquisas sobre alfabetização, em especial as de Emília Ferreiro e cola-
boradores sobre a aquisição da leitura e da escrita pelas crianças, influenciadas
pelas teorias construtivistas, refletindo nas escolas como “ausência de méto-
dos de ensino”.

6.2 O conceito de alfabetização


de jovens e adultos
Quanto ao conceito de alfabetização de jovens e adultos, Soares (2003,
p. 9) destaca que até meados dos anos 80 do século XX, mesmo havendo
tendências diferentes, as palavras “alfabetização” e “alfabetizado” tinham um
significado relativamente consensual entre profissionais da educação e, até
mesmo, entre a população leiga: “alfabetizado era aquele que sabia ler e escre-
ver, alfabetização definia-se como o processo de ensinar e/ou aprender a ler e
a escrever”.
Porém, as pesquisas têm demonstrado que o conceito de alfabetiza-
ção vem sofrendo expressivas alterações ao longo das últimas décadas. Um
dos indicativos dessa mudança pode ser observado no conceito utilizado
pelos censos demográficos. Os questionários utilizados nos censos e a pró-
pria apresentação dos resultados revelam uma progressiva ampliação do
referido conceito.

– 106 –
Função Social da Leitura e da Escrita

Saiba mais
Até a década 50 do século XX era considerada alfabetizada a pes-
soa que tivesse a habilidade de ler e escrever um texto simples e que
dominasse o código alfabético. A partir da década de 70 do mesmo
século, a Unesco passou a utilizar o termo “analfabetismo funcional”,
que corresponde ao fenômeno no qual a pessoa sabe ler e escrever,
mas não alcança o domínio social da leitura e da escrita, alertando
para a necessidade de se estender a todos o acesso à escolarização
básica, a fim de se garantir tal domínio. Desde então, vêm sendo
adotados diversos acordos e planos internacionais que aprofundaram
esse entendimento, relacionando-o à diversidade cultural e à educa-
ção ao longo de toda a vida (SOARES, 2003, p. 9).

Para Soares (2003), a ampliação do conceito revela-se mais claramente nos


censos desenvolvidos a partir da última década, em que são definidos índices
de alfabetizados funcionais (e a adoção dessa terminologia já indica um novo
conceito que se acrescenta ao de alfabetizado, simplesmente), tomando como
critério o nível de escolaridade atingido ou a conclusão de determinado número
de anos de estudo ou de determinada série (em geral, equivalente ao 5º ano do
Ensino Fundamental), o que traz implícita a ideia de que o acesso ao mundo
da escrita exige habilidades para além do apenas aprender a ler e a escrever.
Ou seja: a definição de índices de alfabetismo funcional utilizando-se, como
critério, “anos de escolaridade” evidencia o reconhecimento dos limites de uma
avaliação censitária, baseada apenas no conceito de alfabetização como “saber
ler e escrever” ou “saber ler e escrever um bilhete simples”, e a emergência de
um novo conceito, que incorpora habilidades de uso da leitura e da escrita
desenvolvidas durante alguns anos de escolarização (SOARES, 2003, p. 10-12).
Ainda de acordo com Soares (2003), é essa ressignificação do conceito
que trouxe também a palavra “letramento”, usada basicamente com o mesmo
sentido de alfabetismo funcional.
Em todos esses novos termos − alfabetização funcional, alfabeti-
zado funcional, analfabeto funcional, alfabetismo funcional,

– 107 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

letramento − está presente o conceito de que a inserção no mundo


da escrita se dá através de dois processos: a aprendizagem do sistema
de escrita (o sistema alfabético e o sistema ortográfico) − o que se
poderia denominar alfabetização, em sentido restrito e o desenvol-
vimento de competências (habilidades, conhecimentos, atitudes) de
uso efetivo desse sistema em práticas sociais que envolvem a língua
escrita − a alfabetização (ou alfabetismo) funcional, o letramento
(SOARES, 2003, p. 15).

Nesse sentido, palavras novas aparecem quando novas ideias ou novos


fenômenos surgem. Para Soares (2003) as pessoas desenvolvem e humani-
zam-se quando a alfabetização adquire outra qualidade, em que a apropriação
da leitura se vincula com uma nova condição humana, com a capacidade de
se envolver e participar em novas práticas políticas, sociais e culturais. Na
concepção freiriana, a alfabetização tem um significado mais abrangente,
“na medida em que vai além do domínio do código escrito, pois,
enquanto prática discursiva possibilita uma leitura crítica da reali-
dade, constitui-se como um importante instrumento de resgate da
cidadania e reforça o engajamento do cidadão nos movimentos sociais
que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela transformação
social” (FREIRE, 1991, p. 68).

Freire defendia a ideia de que a leitura do mundo precede a leitura da


palavra, portanto a alfabetização do sujeito deve possibilitar uma leitura crí-
tica do mundo no qual está inserido. No trabalho pedagógico com alfabe-
tização, além de ensinar o código letrado, ensina-se uma maneira de ler e
interpretar o mundo, pela qual são repassados valores, ideologia e crenças.
Assim, mais do que ensinar a ler e a escrever, o alfabetizador deve ensinar seus
alfabetizandos a “leitura de mundo”, que precede a leitura das palavras.
Nesse sentido, é de fundamental importância que a opção metodoló-
gica leve em conta o alfabetizando jovem e adulto, ou seja, que considere
sua condição de falante competente da língua para os usos cotidianos. Além
disso, é importante considerar a riqueza e a variedade de suas experiências,
saberes e interesses; considerar sua origem regional, valorizando sua lingua-
gem, evitando a infantilização ou criação de linguagem artificial, e propiciar
o exercício da imaginação e da criatividade, tanto na oralidade quanto no uso
da palavra escrita.
Freire reforça a função social do aprendizado da leitura e da escrita
ao argumentar que “a leitura de mundo precede a da palavra, daí que a

– 108 –
Função Social da Leitura e da Escrita

posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura


daquela” (FREIRE, 1996, p. 12).
Nesse processo de troca de conhecimentos e de leitura da realidade, vai
se tornando possível a seleção dos conteúdos que se constituirão no objeto de
estudo do educandos jovens e adultos e que impulsionarão o educador para
a busca da reflexão e da autoavaliação permanente de sua prática pedagógica.
Nessa reflexão, que alia conhecimento e política, Paulo Freire motivou
os jovens e adultos a reconquistar os seus direitos por meio de uma prática
transformadora que envolve três momentos.
1. Investigação temática
No processo de dialogicidade, na busca por conhecer o universo
vocabular dos educandos, urge o tema gerador, extraído da pro-
blematização dessa realidade e contextualizado na prática social.
Convém, aqui, evidenciar que o tema gerador está ligado à ideia de
interdisciplinaridade, uma vez que a proposta freiriana tem como
princípio metodológico a promoção de uma aprendizagem global,
por meio da integração do conhecimento.
Nessa perspectiva, é o tema gerador que dá origem às várias pala-
vras geradoras, que deverão estar ligadas entre si para propiciar a
relação entre as áreas do conhecimento.
2. Tematização
Por meio do tema gerador pode-se avançar para além do limite de
conhecimento que o educando possui de sua própria realidade. Dele
são selecionadas as palavras geradoras que reúnem em si a maior
porcentagem dos critérios sintático, semântico e pragmático, uma
vez que “a melhor palavra geradora é aquela que tem poder de cons-
cientização, ou conjunto de reações socioculturais que a palavra gera
na pessoa ou no grupo que a utiliza” (FREIRE, 1980, p. 43).
Depreende-se, assim, que as palavras geradoras devem ser seleciona-
das de acordo com a representação da realidade do educando jovem
e adulto, de sua gradação fonêmica e produtividade silábica para a
formação de palavras. Cada uma das palavras geradoras deverá ter
a sua ilustração (desenho ou fotografia) significativa e crítica para

– 109 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

suscitar novos debates em sala de aula. Essa ilustração tem como


objetivo a codificação da palavra, ou seja, a representação de um
aspecto da realidade ou de uma situação construída no jogo das
interações sociais.
3. Problematização
Esse momento visa à superação da visão ingênua do jovem e do
adulto, diante da palavra apresentada, por meio de situações pro-
blematizadoras que conduzem à reflexão e ao desenvolvimento da
criticidade. Para isso, as palavras geradoras devem ser decodificadas,
com a mediação do educador, para que o educando perceba que
elas representam a síntese da ação e da relação dos homens entre si
e com o mundo.
As palavras estudadas devem obedecer à sequência gradual das
dificuldades fonéticas. Para isso, as sílabas trabalhadas em sala de
aula devem ser registradas em uma ficha ou no próprio caderno
dos educandos para, depois, serem incentivados a construir novas
palavras e a compará-las, para descobrir semelhanças e/ou dife-
renças entre elas.
Nesse processo de construção de novas palavras, a leitura e a escrita
devem acontecer simultaneamente, em sala de aula, para que o
educando possa perceber a articulação oral dos valores das vogais e
das consoantes nos fonemas e, assim, propiciar o reconhecimento
sonoro das letras que formam o nosso alfabeto, culminando com a
apropriação do sistema de linguagem escrita e o desvelamento da
leitura e da produção de textos.
No âmbito da pedagogia freiriana, é necessário assumirmos uma
concepção de alfabetização atrelada a uma concepção de linguagem
que leve em conta não apenas a apropriação de um código linguís-
tico, mas, também, a (re)inserção do educando jovem e adulto na
prática escolar e na vida cidadã.

– 110 –
Função Social da Leitura e da Escrita

6.3 O letramento traduz-se em função


social da leitura e da escrita
O letramento não se restringe ao aprendizado automático e repetitivo
dos códigos convencionais da leitura e da escrita ensinados tradicionalmente
nas escolas, mas denota trabalhar com os seus diferentes usos na sociedade e
na vida cotidiana. Assim, o letramento não acontece apenas dentro das classes
de alfabetização: acontece antes e durante a alfabetização e continua para o
resto da vida. As habilidades de leitura e escrita deixaram de ser vistas como o
simples desenvolvimento de habilidades motoras, para assumirem o papel de
habilidades culturais e sociais necessárias à vida de todo cidadão.

Reflita
Para ser letrada, a pessoa deve, necessariamente, ser alfabetizada?

Letramento, assim, é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe


ler e escrever, mas que exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circu-
lam na sociedade em que vive: sabe ler e lê jornais, revistas e livros; sabe ler e
interpretar tabelas, quadros formulários, sua carteira de trabalho, suas contas
de água, luz e telefone; sabe escrever e escreve cartas, bilhetes e telegramas
sem dificuldade; sabe preencher um formulário; sabe redigir um ofício e um
requerimento (SOARES, 2003, p. 10).
Para Soares (2003), o termo “letramento” é uma tradução da palavra
inglesa literacy, que deriva do latim littera, que significa “letra”, mais o sufixo
“cy” que significa qualidade, condição, estado; ou seja, literacy é o estado ou
condição do indivíduo que sabe ler e escrever e utiliza a leitura e a escrita de
forma competente.
Soares (1998) assegura que “um indivíduo pode não saber ler e escrever,
mas ser, de certa forma, letrado”, e assim também já dizia Paulo Freire. Sendo
assim, letramento está relacionado a práticas socialmente construídas que

– 111 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

envolvem o uso da oralidade, leitura e da escrita. Um indivíduo pode ser mais


ou menos letrado de acordo com seu grau de envolvimento nessas práticas
sociais de letramento, em contextos específicos.
Em conformidade com esse conceito, Scribner e Cole (apud KLEIMAN,
1995, p. 19) definem letramento como um conjunto de práticas sociais que
usam a escrita enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contex-
tos específicos para objetivos específicos.
Para Marcuschi (2005, p. 6) letramento é o uso da escrita na sociedade
que pode ir desde uma apropriação mínima da escrita, tal como o indivíduo
que é analfabeto, mas que sabe o valor do dinheiro, sabe o ônibus que deve
tomar, sabe distinguir as mercadorias pelos ícones das marcas e sabe muitas
outras coisas, mas não escreve e nem lê regularmente. Portanto,
[...] dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no
quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguís-
ticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto
analfabeto) no mundo da escrita se dá simultaneamente por esses dois
processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfa-
betização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema
em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a
língua escrita – o letramento (SOARES, 2003, p. 15).

Segundo Soares (2003), alfabetização e letramento não são processos


independentes, mas interdependentes e indissociáveis: a alfabetização se
desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e escrita,
isto é, através de atividades de letramento, que por sua vez, só pode desenvol-
ver-se no contexto da aprendizagem das relações fonema-grafema e por meio
dela, isto é, em dependência da alfabetização.

Saiba mais
Você pode baixar vídeos sobre os processos de alfabetização e
letramento no link: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
PesquisaObraForm.jsp>.

– 112 –
Função Social da Leitura e da Escrita

Dica de filme
Central do Brasil (1998)

A questão do analfabetismo e letramento no Brasil está presente no


filme Central do Brasil. No filme, há várias representações da figura
dos diferentes tipos de analfabetos, em situações que precisam recor-
rer ao uso da escrita para se comunicar – no caso escrever uma carta.
Dirigido por Walter Salles, lançado em 1998, tem em seu elenco
Fernanda Montenegro (Dora), Marília Pêra (Irene), Vinícius de Oli-
veira (Josué) e Soia Lira (Ana), como personagens principais. Dora
é uma professora aposentada que, na maior estação de trens do Rio
de Janeiro, ocupa-se de escrever cartas para as pessoas que não
sabem escrever. Com esse “trabalho” ela acaba conhecendo a vida
de seus clientes, ainda que em poucos minutos. No final do dia,
junto com sua amiga Irene, também professora aposentada, Dora faz a
“triagem” das cartas, decidindo para onde essas vão. Esse parece ser
um momento de diversão para Dora, porém sua amiga é mais centrada
e leva muito a sério os sentimentos dos “clientes” – no caso pessoas
analfabetas. A amiga interfere nas decisões de Dora e tenta mostrar a
ela seus erros ao decidir sobre o rumo das cartas.
Central do Brasil é um dos filmes brasileiro que mais recebeu pre-
miações – 42 ao todo e duas indicações ao Oscar: melhor filme

– 113 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

estrangeiro e melhor atriz, sendo a primeira vez que uma atriz bra-
sileira recebe tal indicação ao Oscar. Vale a pena ver ou rever
o filme, atentando o olhar para as marcas de caracterização das
pessoas analfabetas.
CENTRAL DO BRASIL, Direção de Walter Salles (1998). Brasil. Dis-
tribuído por Europa Filmes. 1 filme (145 min.), sonoro, legenda, color.

Da teoria para a prática


As atividades a seguir sugeridas favorecem a compreensão das formas de
representação. Com isso, os alfabetizandos saberão que uma mensagem só
será entendida se todos compreenderem seu significado e ficarão mais abertos
à ideia da convenção das letras para formar significados.
No ato de se comunicar, o indivíduo utiliza diferentes linguagens, sendo
a linguagem escrita mais uma forma de comunicação. É importante esclare-
cer aos alfabetizandos a necessidade de haver símbolos convencionados para
a comunicação, visto que antes da linguagem escrita já se usavam símbolos.
Trabalhar as logomarcas e as convenções universais, como os sinais de
trânsito, as placas de banheiro, as bandeiras e os hinos, é uma boa estratégia
para o alfabetizador levar o alfabetizando a compreender que objetos, situa-
ções e fatos podem ser representados por meio de símbolos.
Procure levar o alfabetizando a compreender o que é uma representação
e proporcione condições para que ele reflita sobre essas diferentes formas:
gestos, marcas, sinais, desenhos, entre outras. Inclua nessa aprendizagem o
conceito de que o símbolo relaciona-se com a ideia daquilo que ele representa
e, para isso, não é preciso que se recupere fisicamente a coisa representada.
Algumas sugestões de trabalho com símbolos, desenhos e códigos são:
22 descobrir símbolos que possam ser entendidos por todos os povos;
22 descobrir símbolos que sejam uma característica do local;
22 interpretar uma mensagem por meio de gestos;
22 descobrir os significados dos gestos em determinada figura;

– 114 –
Função Social da Leitura e da Escrita

22 descobrir, nas revistas, formas encontradas para comunicar expres-


sões, valores, sentimentos e ideias sem o uso de palavras;
22 dramatizar palavras ou ideias com gestos;
22 descobrir pela fisionomia das pessoas quais sentimentos expressam;
22 criar gestos para determinar palavras;
22 estudar os gestos usados pelos surdos-mudos;
22 relatar os gestos que se tornaram famosos na história;
22 descobrir que as ideias podem ser representadas por meio de
desenhos;
22 descobrir o enredo da história em livros de literatura que conte-
nham somente desenhos;
22 perceber a diferença entre dois desenhos que tenham o mesmo sig-
nificado, mas que sejam desenhados de modo diferente;
22 desenhar a mesma situação de maneiras diferentes;
22 desenhar determinadas expressões populares, sentimentos e valores;
22 montar um texto por meio de desenhos;
22 escrever palavras ao lado de cada desenho;
22 estudar algumas obras de pintores famosos e interpretá-los;
22 estudar os símbolos mais convencionais;
22 elencar símbolos que se transformaram em códigos;
22 trabalhar com as cores dos sinais de sinais de trânsito: mostrar as
placas de trânsito e solicitar que os alfabetizandos as interpretem;
22 mostrar a gravura de uma bandeira e ler (decodificar) o que ela
representa;
22 apresentar alguns logotipos.
Deve-se ter em mente que, quando falamos, emitimos sons, que, com-
binados, formam as palavras. Os sons da nossa fala podem ser representados,
o que se faz por meio da linguagem escrita. A linguagem escrita é uma repre-

– 115 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

sentação e, por isso, é importante trabalhar a questão do símbolo desde o


início do processo de alfabetização. É necessário comentar, nesse sentido, que
os indivíduos vivem mediados pelos símbolos e que há a necessidade de saber
usá-los conforme a convenção social estabelecida.

Atividades
1. Recorrentemente, os professores questionam quando consegui-
rão extinguir o analfabetismo em nosso país. No entanto, os
dados do IBGE/2008 nos mostram que, no Brasil, 11,5% das
crianças de oito e nove anos são analfabetas. O percentual supera
a média nacional entre adultos que, em 2007, era em torno de
10%. No Nordeste, o índice de analfabetismo de crianças em
idade escolar chega a 23%. Ou seja, precisamos entender e olhar
também para a alfabetização de crianças, para que não tenhamos
mais jovens e adultos não alfabetizados. Pensando nisso, sistema-
tize as informações sobre os momentos da história dos métodos
de alfabetização no Brasil.
2. É interessante observar a evolução do conceito de alfabetização de
jovens e adultos ao longo do tempo. Revendo esse conceito, situ-
ando-o historicamente, como você definiria:
a) pessoa alfabetizada;
b) pessoa não alfabetizada;
c) alfabetismo funcional;
d) pessoa letrada.
3. Após o estudo desse capítulo, o que você entende por letra-
mento? Comente.
4. O que significa dizer que “alfabetização e letramento não são pro-
cessos independentes, mas interdependentes e indissociáveis”? Jus-
tifique sua resposta.

– 116 –
Função Social da Leitura e da Escrita

Síntese
Nesse capítulo, foram abordados os seguintes aspectos:
22 o conceito de alfabetização atrelada aos métodos de ensino;
22 o conceito de alfabetização mudando ao longo do desenvolvimento
da história do Brasil, dependendo do contexto;
22 o entendimento de alfabetização de adultos segundo a concep-
ção Freiriana;
22 a associação entre os termos alfabetização e letramento.

– 117 –
7
Desenvolvimento
da Oralidade e do
Raciocínio Lógico
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Nesse capítulo, você conhecerá:


22 o conhecimento expresso no mundo letrado;
22 o desenvolvimento da oralidade em jovens e adultos de escolariza-
ção tardia;
22 o conceito de variedade linguística e sua importância enquanto
prática social;
22 o conceito de alfabetização matemática;
22 o desenvolvimento do raciocínio lógico matemático;
22 a importância dos jogos no ensino da matemática.
Os educandos jovens e adultos, por mais que não tenham frequentado
a escola regular, convivem no meio social com diferentes tipos de escrita,
como documentos, propagandas, rótulos, etc. Além disso, ao iniciarem o pro-
cesso de alfabetização, já trazem consigo diferentes hipóteses sobre o mundo
letrado, função da leitura e da escrita, assim como toda uma experiência com
a oralidade e com o raciocínio lógico matemático.
Contudo, o que trazem consigo não é suficiente para atuar eficazmente
nas sociedades letradas. A seguir, pautaremos as discussões no sentido de
ampliar as possibilidades de trabalho para o desenvolvimento da oralidade e
de discutir questões relacionadas à alfabetização matemática.

7.1 Conhecimento do mundo letrado


e o desenvolvimento da oralidade
A oralidade é uma prática social interativa, para fins comunicativos,
que se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na realidade
sonora: ela vai desde a realização mais informal até a mais formal, nos seus
vários contextos de uso (MARCUSCHI, 2001, p. 21).
O jovem ou adulto, ao dar início a seu processo de alfabetização, já
domina a fala e pode ser considerado um falante nativo com grande domínio
da língua. Contudo, há de se considerar as muitas maneiras diferentes de
falar, de usar a língua portuguesa.

– 120 –
Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico

Como considera Cagliari (1991), os modos diferentes de falar aconte-


cem porque a língua portuguesa, como qualquer outra língua, é um fenô-
meno dinâmico, isto é, está sempre em evolução. Pelo seu uso diferenciado ao
longo do tempo e nos mais diversos grupos sociais, as línguas passam a existir
como um conjunto de falas diferentes ou dialetos, todos muito semelhantes
entre si, porém cada qual apresentando suas peculiaridades com relação a
alguns aspectos linguísticos.
Para Cagliari (1991), o uso da variedade linguística não constitui um
erro, mas sim uma diferença pelo uso de um ou outro dialeto. Os dialetos
de uma língua, apesar de serem semelhantes entre si, apresentam-se como
línguas específicas, com sua gramática e usos próprios. Na medida em que se
diferenciarem muito uns dos outros, serão reconhecidos como línguas dife-
rentes. As variedades, do ponto de vista da estrutura linguística, são perfeitas
e completas em si. O que as torna diferentes são os valores sociais que seus
membros apresentam na sociedade.
Não nos esqueçamos de que os educandos da EJA fazem parte de uma
diversidade complexa. Ao chegarem à escola trazem consigo toda marca
social, inclusive linguística. O que deve ser levado em consideração nesse caso
é que ninguém fala errado, mas simplesmente fala de maneira diferente. Por
experiência própria, todos os falantes sabem disso, porém a escola insiste em
manter essa postura errônea diante dessa questão, definindo uma única forma
de expressão da oralidade – como se isso fosse possível.
Quando o educando chega à escola, abrem-se novas possibilidades de
interação verbal. A interlocução nessa nova instância implica o uso de uma
variedade linguística diferente daquela utilizada em seu grupo social, e a
inserção do educando nela implica um profundo respeito pelas formas de
expressão que ele trouxe de sua comunidade.

A escola deve constituir um ambiente que acolhe a diferença


e respeita a diversidade. Não se trata de substituir a variedade
que o educando utiliza por outra, mas se trata de construir
novas possibilidades de interação, em sala de aula, e promo-

– 121 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

ver atividades para o educando tornar-se um falante cada vez


mais ativo e capaz de compreender os diferentes discursos.

Considerar a variedade significa entender que, do ponto de vista exclusi-
vamente linguístico, as variedades se equivalem e não há como diferenciá-las
em termos de melhor ou pior, de certo ou errado; todas têm uma organização
própria e todas são eficientes para articular as experiências do grupo que as
utiliza e estabelecer as interações nas múltiplas relações sociais.
Assim, cabe à escola garantir o desenvolvimento da oralidade a partir das
experiências desses educandos. Por essa razão, alfabetização não é somente
aprender a ler e a escrever, ou melhor, não se insere simplesmente na tarefa de
transpor os sons da fala para a forma escrita.
Nessa perspectiva, faz-se necessária a busca de maior compreensão da
natureza do processo de alfabetização, visando especialmente chamar a aten-
ção para a necessidade de a escola assumir a existência de tipos de língua
falada e de compreender as variações, levando em conta a linguagem apresen-
tada pelo educando.

7.1.1 Propostas para o desenvolvimento da oralidade


Na Educação de Jovens e Adultos, o desenvolvimento da oralidade
processa-se a partir dos relatos da vida. No início, geralmente os educandos
omitem e/ou não explicam detalhes dos fatos narrados. Cabe ao educador
auxiliar, mediando as discussões, fazendo perguntas, apoiando e entusias-
mando, para que os educandos possam ampliar seu vocabulário e desenvolver
a capacidade de análise e argumentação, pelo planejamento das respostas e ao
emitir opiniões.

O desenvolvimento da oralidade, nesse sen-


tido, permite aos educandos:
22 expor novos conhecimentos por meio de definições e
exemplos;

– 122 –
Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico

22 argumentar selecionando informações que justifiquem


suas opiniões;
22 apresentar os resultados de pesquisa em pequenos grupos ou
para toda a turma.

É importante, também, desenvolver nos educandos a capacidade de
escuta, não só para o desenvolvimento da atenção sobre o assunto, mas, fun-
damentalmente, como atitude de respeito ao outro.
O educador deve ter em mente que o desenvolvimento da oralidade é
um processo em que o educando vai paulatinamente ampliando seus recursos
expressivos. Esse processo é guiado pela intervenção do educador e dos cole-
gas, à medida que estes pedem esclarecimentos, questionam e colaboram para
a adequação e o entendimento da mensagem.

A seguir, são elencadas ações que têm por finalidade


diagnosticar e/ou desenvolver a oralidade dos educandos.
22 Contar fatos e experiências cotidianas.
22 Recontar textos narrativos (contos, notícias de jornais).
22 Dramatizar situações reais ou imaginadas, contos, fatos,
experiências.
22 Descrever lugares, pessoas, objetos e processos.
22 Recitar ou ler em voz alta textos poéticos breves e trava-
-línguas previamente preparados.
22 Acompanhar leituras feitas em voz alta.
22 Dar instruções verbais ou compreender e seguir instru-
ções verbais.
22 Identificar lacunas ou falta de clareza em esclarecimentos
dados por outrem.
– 123 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

22 Pedir esclarecimentos sobre assuntos tratados ou ativida-


des propostas.
22 Responder perguntas.
22 Dar exemplos.
22 Definir conceitos (explicá-los com as próprias palavras).
22 Posicionar-se em relação a diferentes temas tratados.
22 Identificar a posição do outro em relação a diferentes
temas tratados.
22 Defender posições, fundamentando argumentos com exem-
plos e informações.
22 Respeitar a vez de se pronunciar.

Vale ressaltar que, no processo de alfabetização, o domínio da língua
não acontece por etapas fragmentadas e separadas, mas em uma perspectiva
de continuidade. Não é possível, portanto, separar a fala da leitura, da escrita
e da análise e reflexão sobre a língua. Sendo assim, essas práticas de oralidade
só farão sentido se trabalhadas de maneira contextualizada. Cabe ao educador
recorrer à melhor forma de organizá-las dentro do planejamento e de acordo
com os objetivos a serem perseguidos.

7.1.1.1 Sugestão de atividade oral: debate orientado


O debate é um dos gêneros orais mais valorizados socialmente. É bas-
tante conhecido na televisão em razão do interesse despertado pelos debates
realizados entre candidatos a cargos políticos em épocas de eleição. Mas há,
também, outras situações em que o debate é realizado, como escolas, comu-
nidades de bairro e sindicatos. A participação em debates públicos demonstra
que a pessoa está atenta ao que está acontecendo à sua volta.
Nessa atividade, o debate orientado tem por objetivo criar condições
para que o educando se posicione frente a um acontecimento vivenciado,

– 124 –
Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico

lido ou ouvido, utilizando argumentos claros e convincentes para defender


seu ponto de vista.
Para tanto, sugere-se:
a) escolher junto aos educandos um fato ou acontecimento para ser
debatido:
22 da comunidade;
22 da cidade;
22 do país;
b) propor o debate sugerindo questões para iniciar a discussão: vocês con-
cordam ou discordam desta situação? Por quê? Vocês agiriam dessa
mesma forma se estivessem na mesma situação? Sim ou não? Por quê?
c) agrupar os educandos conforme suas opiniões frente ao assunto a
ser debatido:
22 grupo que concorda/grupo que discorda;
22 grupo do sim/grupo do não;
d) solicitar para cada grupo preparar seus questionamentos e argu-
mentações, para defender seu ponto de vista;
e) convidar os grupos para a realização do debate. Durante a discus-
são, o educador deve:
22 explicar para a classe que o debate é uma criação coletiva e que
todos devem participar;
22 dar oportunidade para todos educandos explicitarem seus
pontos de vista;
22 lançar questões desafiadoras para propiciar a reflexão e a
ampliação do tema que está sendo debatido;
22 solicitar aos participantes que justifiquem suas opiniões com
ideias claras e convincentes;
22 orientar o desenvolvimento de técnicas de contra-argumenta-
ção e persuasão.

– 125 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

A postura do educador será de mediador do debate, acompanhando o


desenvolvimento de modo que todos possam se expressar.

7.2 Alfabetização matemática e o


desenvolvimento do raciocínio lógico
A matemática é um dos instrumentos necessários para uma participa-
ção consciente, organizada e crítica em uma sociedade em que pessoas, pela
apropriação desse conhecimento, desenvolvem um modo de conhecer a rea-
lidade e agir sobre ela, tornando-se agentes de mudanças do próprio meio. O
conhecimento matemático é um processo cumulativo, intencional, racional
e histórico, e o acesso a esse conhecimento pode e deve contribuir para as
transformações sociais.

Reflita
Qual a importância dos conhecimentos matemáticos em nossas vidas
e para nossos educandos?

Vivemos em um mundo de taxas e percentuais, coeficientes multiplica-


tivos, diagramas, tabelas, gráficos e verdades estatísticas. Para decodificar essas
informações e fazer uma leitura de mundo, é essencial ter alguma educação
matemática, pois, nas sociedades modernas, grande parte das informações é
veiculada em linguagem matemática.
Fazem parte da vida de todas as pessoas as experiências mais simples,
como contar, comparar e operar sobre quantidades. Nos cálculos relativos a
salários, pagamentos e consumo, na organização de atividades como agricul-
tura e pesca, a matemática se apresenta como um conhecimento de muita
aplicabilidade (BRASIL, 1997).
Na EJA, é necessária uma proposta para o ensino de matemática que dê
condições ao educando de pensar e atuar conscientemente em sua realidade,
contribuindo para a formação do cidadão. Para isso, é necessário desenvolver
hábitos de trabalho e persistência; autoconfiança; capacidade de resolver
problemas; percepção do valor matemático como construção humana; o

– 126 –
Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico

sentido de coletividade e cooperação; trabalhos com situações reais das


outras áreas do conhecimento, oportunizando que o educando pense, des-
cubra e crie; vivência de situações de investigação, exploração, interpretação
de textos, cálculo mental, estimativas, possibilidades e representações geomé-
tricas, argumentação e autonomia; entre outras.
Para desenvolver essas competências, o educando deve ser ativo no pro-
cesso de ensino e aprendizagem. As propostas que favorecem ação e reflexão
são muito úteis, como:
22 resolução de problemas – a capacidade para resolver proble-
mas cada vez mais se projeta como uma necessidade lógica a ser
desenvolvida pelo educando, levando em consideração que todos
os cidadãos convivem diariamente com problemas matemáticos.
É necessário trazer a realidade para a sala de aula e utilizar os
conhecimentos matemáticos como ferramenta para resolução
de problemas naturais e sociais;
22 jogos – o jogo justifica-se por si só. Por meio dele o educando
levanta hipóteses, cria regras e critérios, resolve situações-problema
e envolve-se nas suas experiências, construindo seu conhecimento
por meio da brincadeira;
22 utilização da calculadora – trabalhando a matemática da reali-
dade, não se pode deixar de lançar mão de um dos recursos que
está na ordem do dia. O educando criativo vai muito mais além do
que apenas apertar botões e, para usar calculadora corretamente, o
educando tem que saber pensar matematicamente.
O ensino de matemática com tais características dá condição para o edu-
cando da EJA pensar e atuar conscientemente em sua realidade social, além
de questionar, construir e estruturar o seu próprio conhecimento. E, como
acontece com outras aprendizagens, o ponto de partida para a aquisição dos
conteúdos matemáticos devem ser os conhecimentos de que os educandos da
EJA já dispõem.
O educando da EJA tem noções numéricas que são adquiridas nas
vivências, seja em seu meio familiar, social ou de trabalho. Essas noções são
bastante intuitivas e, normalmente, sem sistematização e organização do pen-
samento lógico. A sequência numérica é aprendida de maneira mecânica,

– 127 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

satisfazendo a necessidades imediatas. Portanto, compreender o significado


dos números e a sua construção é fundamental neste início de trabalho siste-
matizado da matemática.
Na sociedade atual, a todo o momento somos identificados por núme-
ros, seja pelos documentos pessoais e até mesmo por medidas que nos iden-
tificam. Desenvolver o estudo dos números e dos algarismos por meio da
identificação do educando faz com que a matemática se torne mais palpável
e mais agradável.
Outra situação com que o educando está acostumado a lidar é o dinheiro,
demonstrando já algum conhecimento do sistema monetário. Assim, muitos
cálculos são feitos mentalmente. Porém, quando o educando necessita regis-
trar as quantias, a dificuldade aparece. Por isso é importante propor ativida-
des em que ele precise registrar quantias e preços. Construir esses conceitos
matemáticos a partir da vivência é de extrema importância para facilitar a
compreensão dos seus registros.
Para tanto, é importante que a matemática desempenhe, equilibrada e
indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades intelectuais, na
estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio lógico, na sua apli-
cação a problemas, situações da vida cotidiana e atividades do mundo do
trabalho e no apoio à construção de conhecimentos em outras áreas.

7.2.1 A importância dos jogos no


ensino da matemática
O jogo é uma atividade lúdica que auxilia no desenvolvimento dos pro-
cessos psicológicos básicos, como aprendizagem, percepção, atenção, emoção,
motivação, memória, linguagem e raciocínio, independentemente da idade.
Por meio dos jogos aprendemos a lidar com símbolos e a pensar por ana-
logia, desenvolver uma linguagem própria, criar convenções, capacitando-nos
para lidar com regras e dar explicações, habilidades fundamentais no processo
de ensino e aprendizagem. Na EJA, deve-se tomar cuidado nessa abordagem
com jogos, pois em grande parte os adultos trazem a concepção de “jogos”
vinculados a ideia de “jogos de azar” ou “jogos” vinculados ao senso comum,
como um jogo de futebol, por exemplo. Então enquanto educador, em sua

– 128 –
Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico

abordagem, deixe claro os objetivos do jogo, esclareça também os objetivos da


aprendizagem ao utilizar um jogo.
Segundo Brenelli (1996), os jogos trabalhados em sala de aula devem ter
regras e são classificados em três tipos:
22 jogos estratégicos, nos quais são trabalhadas as habilidades que
compõem o raciocínio lógico. Com eles, os alunos leem as regras e
buscam caminhos para atingirem o objetivo final, utilizando estra-
tégias para isso. O fator sorte não interfere no resultado;
22 jogos de treinamento, os quais são utilizados quando o professor
percebe que alguns alunos precisam de reforço em determinado
conteúdo e quer substituir as cansativas listas de exercícios. Neles,
quase sempre o fator sorte exerce um papel preponderante e inter-
fere nos resultados finais, o que pode frustrar as ideias anterior-
mente colocadas;
22 jogos geométricos, que têm como objetivo desenvolver a habi-
lidade de observação e o pensamento lógico. Com eles consegui-
mos trabalhar figuras geométricas, semelhança de figuras, ângulos
e polígonos.
No jogo, mediante a articulação entre o conhecido e o imaginado, desen-
volve-se o autoconhecimento, até onde se pode chegar, e o conhecimento dos
outros, o que se pode esperar e em que circunstâncias, desenvolvendo-se,
assim, o raciocínio. Por isso, é importante que os jogos façam parte da cultura
escolar, cabendo ao professor analisar e avaliar a potencialidade educativa dos
diferentes tipos e o aspecto curricular que se deseja desenvolver.
Segundo Malba Tahan (1968), para que os jogos produzam os efeitos
desejados é preciso que sejam, de certa forma, dirigidos pelos educadores.
A participação em jogos de grupo também representa uma conquista
cognitiva, emocional, moral e social e um estímulo para o desenvolvimento
do seu raciocínio lógico.
Para Brenelli (1996) o trabalho com jogos matemáticos em sala de aula
nos traz alguns benefícios:
22 conseguimos detectar os alunos que estão com dificuldades reais;

– 129 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

22 o aluno demonstra para seus colegas e professores se o assunto foi


bem assimilado;
22 existe uma competição entre os jogadores e os adversários, pois alme-
jam vencer e, para isso, aperfeiçoam-se e ultrapassam seus limites;
22 durante o desenrolar de um jogo, observamos que o aluno se torna
mais crítico, alerta e confiante, expressando o que pensa, elabo-
rando perguntas e tirando conclusões sem necessidade da interfe-
rência ou aprovação do professor;
22 não existe o medo de errar, pois o erro é considerado um degrau
necessário para se chegar a uma resposta correta;
22 o aluno se empolga com o clima de uma aula diferente, o que faz
com que aprenda sem perceber.
Mas, como alerta Brenelli (1996), devemos, também, ter alguns cuida-
dos ao escolher os jogos a serem aplicados:
22 não tornar o jogo algo obrigatório;
22 escolher jogos em que o fator sorte não interfira nas jogadas, permi-
tindo que vença aquele que descobrir as melhores estratégias;
22 utilizar atividades que envolvam dois ou mais alunos, para oportu-
nizar a interação social;
22 estabelecer regras, que podem ou não ser modificadas no decorrer
de uma rodada;
22 estudar o jogo antes de aplicá-lo.
As situações de jogo são consideradas parte das atividades pedagógicas,
justamente por serem elementos estimuladores do desenvolvimento, daí a
importância de utilizá-los em sala de aula.

– 130 –
Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico

Dica de filme
Donald no País da Matemágica (1959)

Donald no País da Matemágica é um curta-metragem no qual a Disney


usa a animação para explicar como a matemática pode ser fácil e
como ela se manifesta em coisas muitos simples do cotidiano.
A história da Matemática é demonstrada nesse vídeo, ao longo do
tempo cronológico. Pato Donald demonstra as contribuições dos gre-
gos para a Matemática, apresentando nomes como Pitágoras, Arqui-
medes, Euclides, entre outros. Os princípios básicos da matemática
são apresentados de maneira divertida com imagens animadas que
ajudam no entendimento, de fórmulas clássicas a diversos tipos de
linguagem matemática, como números racionais e irracionais, número
Pi, entre outros conceitos.
As formas geométricas são apresentadas com imagens tridimensionais
que transmitem com clareza os elementos básicos de regiões planifi-
cadas, circulares, contornos e sólidos.
Várias são as situações relacionadas à matemática. Vale a pena ver
o vídeo, além de diversão com várias situações cotidianas, aborda
ainda conhecimentos sobre música, arquitetura, mecânica, esportes,
entre outros.
DONALD no país da matemágica. Direção de Hamilton Luske. Esta-
dos Unidos: Walt Disney Productions, 1959. 1 curta-metragem (27
min.), sonoro, color.

– 131 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Da teoria para a prática


A seguir, apresentamos um exemplo de um jogo de adivinhação do
número pensado. Essas atividades são problemas aritméticos disfarçados,
baseados no desenvolvimento de expressões matemáticas que levam a uma
identidade ou igualdade algébrica. Assim, a atividade reforça o cálculo mental
e permite aplicar as propriedades dos números.

Adivinhando a idade de uma pessoa


Podemos adivinhar a idade de uma pessoa pedindo-lhe que realize os
seguintes cálculos:
22 escrever um número de dois algarismos;
22 multiplicar o número escrito por dois;
22 somar cinco unidades ao produto obtido;
22 multiplicar a soma por cinquenta;
22 somar ao produto o número 1760 (com base do ano 2010);
22 subtrair o ano do nascimento.
O resultado que se obtém é um número de quatro algarismos “abcd”. Os
dois algarismos da direita, que correspondem às dezenas e às unidades, indi-
cam a idade da pessoa, e os dois algarismos da esquerda, que correspondem
às centenas e aos milhares, indicam o número que a pessoa havia pensado.
Vamos ver um exemplo.
22 O número pensado é 57.
22 O produto deste número por dois é: 57 x 2 = 114
22 Somando cinco unidades: 114 + 5 = 119
22 Multiplicando a soma obtida por 50: 119 x 50 = 5950
22 Somando o número 1760 (do ano de 2010): 5950 + 1760 = 7710
22 Subtraindo o ano de nascimento, suponhamos que a pessoa que
realizou os cálculos nasceu no ano de 1947, portanto, tem 53 anos
ou vai completar 53 anos: 7710 – 1947 = 5763

– 132 –
Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico

22 O resultado final (5763) é um número de quatro algarismos. Os


dois algarismos da direita (63) nos indicam a idade da pessoa (ou
quantos anos ela completará no corrente ano) e os dois algarismos
da esquerda (57) nos indicam o número de dois algarismos que a
pessoa havia pensado.
É interessante que o educador, nessa atividade de adivinhação de núme-
ros, desenvolva o exercício no quadro de giz de maneira coletiva, analisando
com os educandos as propriedades que aplicou e levando-os a descobrir o
‘’truque matemático’’ utilizado. Também pode solicitar aos educandos que
criem outros jogos utilizando as propriedades analisadas.
Fonte: Adaptado de Só Matemática (2010).

Atividades
1. O que você entende por oralidade?
2. No livro Preconceito linguístico – o que é, como se faz, Marcos Bagno
afirma que “o preconceito linguístico se baseia na crença de que só
existe uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a
língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogadas
nos dicionários [...]”. Comente essa afirmação.
3. Qual o papel da matemática no contexto escolar?
4. Qual a importância dos jogos no ensino da matemática?

Síntese
Com o estudo desse capítulo, espera-se que, como estudante da área, você:
22 valorize e entenda o conceito de variedade linguística e sua impor-
tância como prática social;
22 compreenda como o raciocínio lógico matemático é expressado
pelos alunos de EJA, independentemente da escolarização e se
aproveite desse conhecimento ao desenvolver suas aulas;
22 entenda as diversas formas de conhecimento expressas pela orali-
dade em jovens e adultos de escolarização tardia.

– 133 –
8
Desenvolvimento
Cognitivo e Social dos
Educandos da EJA
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Nesse capítulo, você conhecerá:


22 como o contexto social influencia a aprendizagem de jovens e
adultos;
22 as relações entre alfabetização, escolarização e o desenvolvimento
cognitivo social dos educandos;
22 como as experiências de vida podem favorecer o desenvolvimento
da aprendizagem.
As constantes transformações nas áreas econômica, política, social, tec-
nológica e cultural da sociedade atual têm forçado a escola a modificar seus
objetivos, adequando-os às exigências do mercado de trabalho e do trabalha-
dor. O indivíduo solicitado pela sociedade informatizada precisa ser mais fle-
xível, deve ter educação geral, com novas habilidades cognitivas, capacidade
de dominar a tecnologia e de aprender a aprender. E a escolarização tem sido
um requisito de inclusão nessa sociedade.
O objetivo deste capítulo é instigar a discussão sobre o desenvolvimento
cognitivo e social dos sujeitos jovens e adultos no processo de escolarização1.
Nesse sentido, discute-se a articulação entre o contexto vivido, ou seja, entre
as experiências dos educandos na construção do conhecimento e a influência
da mediação sociocultural na aprendizagem. Além disso, discutem-se tam-
bém as relações entre cultura e formas de expressão do pensamento.

8.1 Estudo empírico com jovens e


adultos em processo de escolarização
Analisar o desenvolvimento cognitivo e social dos educandos da EJA
implica analisar a influência da mediação sociocultural na aprendizagem, bem
como o contexto em que se articulam as experiências de tais educandos na cons-
trução do conhecimento. Dessa forma, surgem inúmeros questionamentos.

1 Este capítulo é fundamentado no artigo original de Ana Maria Soek, publicado em


inglês com o título “The alfabetization and the cognitive/social development of non-schooled
people”, presente no livro Developmental social cognitive neuroscience (2007), que é resultado da
pesquisa de Pós-graduação em Neuropsicologia.

– 136 –
Desenvolvimento Cognitivo e Social dos Educandos da EJA

Reflita
Como o contexto histórico e cultural interfere no desenvolvimento
cognitivo do aluno adulto? O que significa isso?

Desde o momento em que nascemos, a cultura age sobre nós de diferen-


tes formas, seja por intermédio das próprias pessoas ou dos artefatos culturais
construído por elas.
No contexto social e político brasileiro da atualidade evidenciam-se
muitos questionamentos quando se analisam as taxas de desemprego, anal-
fabetismo e os problemas sociais decorrentes da insuficiência na educação
brasileira. Compreendendo isso, questiona-se: na realidade sociocultural bra-
sileira, como os sujeitos não escolarizados se desenvolvem cognitivamente?
Como aprendem, pensam, organizam e sistematizam as experiências da vida
cotidiana? Qual é a relação existente entre a escolarização e o desenvolvi-
mento cognitivo/social desses sujeitos?
Nessa lógica, buscou-se em um estudo empírico discutir o papel, a natu-
reza, a abrangência e a dimensão da escolarização no desenvolvimento dos
sujeitos. O esforço em examinar tal temática pode significar uma importante
contribuição para o estudo das complexas relações existentes entre os sujeitos,
a educação e a cultura, pois na pesquisa também se levou em consideração a
significativa relação entre o que o educando é capaz de elaborar e sua história
de vida, na fase do desenvolvimento, e o contexto em que se situa.
Na análise dos dados da pesquisa, além do uso de referencial bibliográ-
fico consistente (identificando, no universo de referências existentes sobre essa
temática, pesquisas, artigos, revistas científicas, periódicos, livros, sites, dentre
outras fontes), foi realizada uma análise das falas e das produções textuais dos
educandos da EJA, em processo de escolarização, que evidenciam formas e con-
teúdos escritos, aspirações e os modos de pensamentos desses educandos.
No estudo, considerou-se a possibilidade de influência da escolarização
sobre os processos de funcionamento cognitivo, partindo de uma abordagem
que ressignifica o papel da escola no desenvolvimento dos sujeitos. Uma vez
que o desenvolvimento humano pode se dar por meio de uma multiplici-

– 137 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

dade de caminhos, considerar a possibilidade de influência da escolarização


sobre os processos de funcionamento cognitivo não implica aceitar que sujei-
tos escolarizados têm um modo de funcionamento cognitivo superior ao de
sujeitos pouco ou não escolarizados. Consideramos que a influência da esco-
larização ocorre sobre aspectos específicos do funcionamento cognitivo e não
sobre o funcionamento cognitivo global, não permitindo definir os sujeitos
escolarizados como mais avançados, em um suposto percurso linear de desen-
volvimento, com relação àqueles que são pouco ou não escolarizados.
A partir dos estudos das pesquisas da área e diante das evidências sociais,
no caso desse estudo em particular, ficou constatado que o grau de escolari-
dade está diretamente relacionado com a função social que o sujeito exerce,
e as experiências individuais estão intimamente relacionadas com o modo de
pensamento que o sujeito apresenta. Nesse sentido, tinha-se como pressu-
posto que o grau de abstração e generalização é resultante do modo de vida e
das experiências dele derivadas. Assim sendo, as experiências de vida no meio
urbano favorecem o desenvolvimento da compreensão da linguagem letrada,
visto que estão inseridas no meio letrado. Já os que não tiverem essa experiên-
cia terão mais dificuldade em reconhecer esses códigos, visto que a aquisição
da leitura e da escrita é mediado por símbolos.
A temática da pesquisa partiu do pressuposto de que cada sujeito pos-
sui uma configuração única das experiências vivificadas, devendo-se levar em
consideração aspectos histórico-sociais e diferenças individuais, uma vez que,
de acordo com as teorias marxistas, o homem é um ser histórico e se constrói
nas relações com os outros homens e com o mundo. No mesmo sentido,
Freire (1997, p. 73) defendia a ideia de que “na verdade, diferentemente dos
outros animais que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens
se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão.”
Dessa análise, podemos inferir que a condição de alfabetizado é uma
conquista que não beneficiará apenas o indivíduo, mas toda uma coletivi-
dade, no sentido de socialização, do viver em sociedade. Ainda tomando as
palavras de Freire (1997), é na relação com os outros que os indivíduos se
tornam indivíduos.
Sendo assim, as experiências de vida no meio social irão favorecer ou não
a compreensão da linguagem letrada, dependendo do meio em que se está

– 138 –
Desenvolvimento Cognitivo e Social dos Educandos da EJA

inserido, pois, segundo Luria (1990), as racionalidades estão intimamente


relacionadas com as vivências e práticas culturais dos sujeitos.
De acordo com essa visão, a escolarização desempenha, portanto, um
papel fundamental na constituição do indivíduo que vive em uma sociedade
letrada e complexa como a nossa. Sendo assim, a exclusão, o fracasso e o
abandono da escola por parte dos alunos são fatores de extrema gravidade. O
fato de o indivíduo não ter acesso à escola significa um impedimento da apro-
priação do saber sistematizado, de instrumentos de atuação no meio social e
de condições para a construção de novos conhecimentos.
No decorrer do estudo, foi possível caracterizar importantes elementos
metodológicos envolvidos no processo de escolarização, que ressignificam o
papel e a abrangência da aprendizagem a serviço do desenvolvimento pessoal
e da vida em sociedade,. Esse aprendizado deve partir de conceitos cotidia-
nos, da história e do contexto de vida dos educandos, para chegar a conceitos
científicos que contribui para o desenvolvimento pessoal e profissional dos
educandos, para o exercício da cidadania. Nesse sentido, a hipótese de que a
aprendizagem significativa depende substancialmente da metodologia empre-
gada na construção do novo conhecimento se confirma.
Na análise da produção textual dos educandos, foi possível constatar a
hipótese de que as primeiras escritas espontâneas de jovens e adultos não escola-
rizados partem de elementos já conhecidos ou próximos da experiência pessoal,
como o próprio nome ou de pessoas e lugares conhecidos. Em muitos tex-
tos, foi revelado um modo de pensamento baseado na experiência individual e
nas relações concretas da vida cotidiana, ao passo que nos textos daqueles com
maior tempo de escolarização, foi possível perceber elementos desvinculados
das situações concretas, demonstrando, assim, que o tempo de escolarização
está relacionado com a ampliação dos modos de pensamento abstrato.
Contudo, no estudo não foi possível identificar o impacto da escolari-
zação no desenvolvimento cognitivo e social dos educandos da EJA, já que
essa análise pressupõe um estudo mais detalhado. Vários estudos, inclusive os
realizados no Brasil (por autores como Oliveira, Kleimam, Ribeiro e Vóvio),
possibilitam afirmar, por exemplo, que a análise do impacto da escolarização
não pode prescindir do exame do contexto sociocultural mais amplo em que
o sujeito se insere, sobretudo das diferentes práticas culturais e atividades em

– 139 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

que ele está envolvido antes, ao longo e após sua vivência escolar. Permitem
afirmar, também, que a compreensão do impacto da escolarização não pode
deixar de tomar o próprio contexto da escola, metodologias, procedimentos,
estratégias e atividades da cultura escolar como objetos de estudo.
Dessa maneira, podemos afirmar que os traços de cada ser humano estão
intimamente relacionados ao aprendizado, seja ele escolar, quando se tem
acesso a ele, ou relacionado ao legado do seu grupo cultural (pelas experiên-
cias pessoais e por intermédio das pessoas mais experientes, da linguagem e
outros mediadores). Assim, o comportamento e a capacidade cognitiva de
determinado indivíduo dependerão de suas experiências e de sua história edu-
cativa, que, por sua vez, sempre terão relações com as características do grupo
social e da época em que ele se insere.
A singularidade de cada indivíduo não resulta de fatores isolados – por
exemplo, exclusivamente da educação recebida no contexto sociopolítico da
época, da classe social a que pertence –, mas da multiplicidade de influências
que recaem sobre o sujeito no curso de seu desenvolvimento individual e
coletivo, pois mesmo aqueles que não passaram por uma escolarização formal
não têm, por isso, seu desenvolvimento cognitivo e a capacidade de aprender
comprometidos, visto que a escola não é o único local em que se aprende.
Em uma perspectiva ontológica, pode-se dizer que a escolarização significa
colocar o indivíduo em contato com os sentidos que circulam em sua cultura,
para que ele possa assimilá-los e nela viver. Isso não significa que estará assimi-
lando todas as informações com uma atitude passiva; ao contrário, para que se
tenha uma boa aprendizagem é necessária uma atividade que seja consciente,
participativa e transformadora da realidade interna e externa do indivíduo.
[...] aprender a ler e a escrever, obter o domínio de formas complexas
de cálculos, construírem significados a partir das informações descon-
textualizadas, ampliarem seus conhecimentos, lidar com conceitos
científicos hierarquicamente relacionados, são atividades extrema-
mente importantes e complexas, que possibilitam novas formas de
pensamento, de inserção e atuação em seu meio. [...] Como conse-
quência, na medida em que o sujeito expande seus conhecimentos,
modifica sua relação cognitiva com o mundo (REGO, 1996, p. 104).

Nesse sentido, a educação, tendo o seu papel de desenvolver pensa-


mentos superiores, auxilia no desenvolvimento psíquico do sujeito, pois

– 140 –
Desenvolvimento Cognitivo e Social dos Educandos da EJA

a intersubjetividade existente nesse espaço e as relações ali estabelecidas


ampliam o horizonte e a consciência, ou seja, modifica o modo de ver e se
relacionar com o mundo. É um fator de enriquecimento para o desenvolvi-
mento do ser humano.
Nas últimas décadas, tem se tornado cada vez mais evidente o reco-
nhecimento da importância da educação na construção da democracia e da
modernidade. Em várias partes do mundo, o tema tem ocupado papel de
destaque, mobilizando a atenção não somente de pesquisadores, especialistas
e responsáveis pela definição de políticas públicas, como também dos cida-
dãos de modo geral.
Todos parecem concordar que, na chamada sociedade do conheci-
mento, a escolarização tem um valor inquestionável, já que é capaz
de proporcionar ao indivíduo experiências e informações de sua cul-
tura. A escola é então vista como portadora de uma função social
porque compartilha com as famílias a educação de crianças e jovens,
uma função política, pois contribui para a formação do cidadão, e
uma função pedagógica, na medida em que é local privilegiado para
a transmissão e construção de um conjunto de conhecimentos rele-
vantes e formas de pensar intelectualmente segundo padrões desse
contexto social e cultural (REGO, 2002, p. 48).

Para que isso ocorra, deve-se ampliar a criticidade, a autonomia e a valo-


rização dos saberes dos educandos. É necessário, primeiramente, possibilitar
o acesso à cultura letrada que leve o sujeito a participar ativamente da esfera
política, cultural e do trabalho. Isso implica necessariamente a revisão do
papel da escola, do professor, nas diversas concepções de ensino e aprendiza-
gem e dos conteúdos a serem abordados nesses processos.
Quanto mais autônomo o aluno, maior a capacidade de tomar deci-
sões e articular normas e limites da atividade de aprendizagem, assim como a
capacidade de autogestão e de aprender com a própria experiência.
Se a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, por um lado, a escola
tem um papel essencial na construção do intelecto dos indivíduos que vivem
em sociedades escolarizadas. Por outro lado, o desempenho desse papel se
daria na medida em que, conhecendo a situação de desenvolvimento cog-
nitivo dos alunos, a escola dirigisse o ensino, não para etapas intelectuais
já alcançadas, mas sim para estágios de desenvolvimento ainda não incor-

– 141 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

porados pelos alunos, funcionando dessa forma como um motor de novas


conquistas intelectuais. É nesse sentido que cabe a afirmação de que “o único
bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento” (VYGOTSKY; LURIA;
LEONTIEV, 1988, p. 114).
Sendo assim, não se trata apenas de como ensinamos a ler e escrever,
ou da otimização dos programas de capacitação, mas de como essas práticas
estão diretamente relacionadas ao desenvolvimento humano, no sentido
original da palavra.

Reflita
Como as experiências de vida podem favorecer a compreensão da
linguagem letrada em jovens e adultos não escolarizados?

Dica de filme
Forrest Gump – o contador de histórias (1994)

No filme Forrest Gump – o contador de histórias, são retratadas quatro


décadas de história norte-americana. O personagem principal, o con-
tador de histórias, com um jeito puro, perpassa pela luta no Vietnã, é
condecorado, conhece o presidente Kennedy, fala em uma grande
concentração pacifista em Washington e circula pela era da libertação
sexual. Assim, leva aos espectadores as transformações pelas quais a
sociedade local passou, desde a década de 60, levando-nos a perce-
ber como o meio sociocultural influencia na constituição do ser humano.
FORREST Gump – o contador de histórias. Direção de Robert
Zemeckis. Estados Unidos: Paramount Pictures: Dist.: Paramount Pic-
tures; UIP, 1994. 1 filme (141 min.), sonoro, legenda, color.
– 142 –
Desenvolvimento Cognitivo e Social dos Educandos da EJA

Da teoria para a prática


A dinâmica a seguir pode ser usada com qualquer grupo de diferentes
idades.

Histórias que me contaram


1. Objetivo: possibilitar a reflexão sobre o que é ser homem e ser mulher.
2. Material necessário: papel e lápis.
3. Desenvolvimento:
22 solicitar ao grupo que fique sentado em círculo;
22 pedir para que cada participante liste as histórias, provérbios,
ditos, ordens significativas que já ouviram sobre homens e
mulheres, sobre como se comportar em relação ao seu próprio
sexo e ao oposto, desde a infância até a fase atual;
22 depois que todos tiverem feito o trabalho individualmente,
forme subgrupos, nos quais deve-se ler o que escreveram, tro-
cando experiências;
22 no subgrupo, tentar encontrar os pontos comuns e as diferen-
ças, listando as conclusões a que chegaram;
22 cada subgrupo deve apresentar suas conclusões;
22 realizar um plenário – compartilhar com o grande grupo as
reflexões: de tudo o que ouviu, o que ainda é válido para você
hoje? É difícil para você mudar posturas e atitudes? Justifique.
Quais os mitos e tabus mais comuns no grupo?
Comentário: é necessário explorar todas as colocações, buscando a ori-
gem de cada mito ou tabu apresentado, desmitificando, dessa forma, as ideias
sobre a constituição do ser.
Fonte: Adaptado de Mundo Jovem (2010).

– 143 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Atividades
1. Reflita sobre o tema abordado neste capítulo e elabore uma síntese,
destacando o papel da linguagem no desenvolvimento humano.
2. Teça um comentário sobre a função da escola para o desenvolvi-
mento humano.
3. Com base nas informações deste capítulo, estabeleça as principais
semelhanças e diferenças entre as pessoas altamente escolarizadas e
as não escolarizadas.
4. Descreva sua percepção sobre os sujeitos jovens e adultos que não
tiveram acesso à escolarização, mas que têm diferentes saberes, que
devem ser valorizados independentemente do saber escolar.

Síntese
Vivemos em uma época marcada por incertezas e aceleradas transforma-
ções em todos os âmbitos sociais, o que determina algumas exigências para
que os indivíduos possam viver em sociedade e partilhar das riquezas e dos
conhecimentos socialmente produzidos, exercendo a cidadania, plenamente
inseridos no meio social. Dessa forma, a escolarização torna-se um requisito
mínimo de inserção na chamada “sociedade do conhecimento”.
A complexidade da vida no contexto social, assim como acúmulo de
informações veiculadas pelas diversas mídias, por um lado, torna necessária
a aquisição de certas competências e habilidades básicas, como contar, ler e
escrever. Por outro lado, não estar a par dessa necessidade, no interior de uma
sociedade predominantemente gráfica, onde o código escrito ocupa posição
privilegiada, revela-se um problema para todos que desconhecem esse meca-
nismo e não conseguem participar desse mundo.
Assim, é um desafio para todos os educadores pensar continuamente no
sentido do conhecimento e das relações com o saber acumulado em cons-
tante transformação nas sociedades contemporâneas. É uma porta aberta para
repensar a função da escola no século XXI, o que constitui assumir que a
mudança deve ser constante, e a aprendizagem, contínua.

– 144 –
9
Teoria e Prática nas
Relações Fundamentais
do Trabalho Docente
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Nesse capítulo, você conhecerá:


22 a formação do professor de EJA e os requisitos mínimos necessários
à ação docente;
22 o ato de constituir-se professor, o que não ocorre somente com o
ato de formar-se com a obtenção de um diploma, mas perpetua por
toda a vida de ação docente.
Neste capítulo, vamos refletir sobre o aspecto teórico e prático nas rela-
ções de trabalho docente do educador de jovens e adultos.
A Educação de Jovens e Adultos surgiu de um movimento de lutas, desa-
fios e conquistas da Educação Popular, não sendo necessária, nesse contexto,
a formação institucional do educador. Contudo, no decorrer da história da
EJA, na medida em que ela foi se institucionalizando, a necessidade de obten-
ção de formação especifica foi se intensificando.
Analisar o processo de constituição da identidade dos sujeitos envolvi-
dos na Educação de Jovens e Adultos, em específico dos educadores, é funda-
mental, porque possibilita a compreensão de como nos tornamos professores
de EJA. Como assinalou Freire (1985), trata-se de um olhar sobre a forma
como ocorre a ação e a reflexão no e sobre o mundo. Trata-se de tornar-se
sujeito de sua própria história.

9.1 Formação do professor de EJA


O professor, em geral, é percebido não como um técnico que se limita a
cumprir o que outros lhe ditam fora da escola, mas como um agente ativo do
seu próprio desenvolvimento, um profissional que, a partir da reflexão sobre
a sua prática, constrói conhecimentos e constrói a si próprio.
Para tanto, parte-se do pressuposto de que a constituição da identidade
do educador se dá pela possibilidade de se constituir como sujeito no meio
em que está inserido. Nessa perspectiva, ocorre que o professor de jovens e
adultos precisa se ver e se reconhecer como sujeito histórico e social da dinâ-
mica educacional.

– 146 –
Teoria e Prática nas Relações Fundamentais do Trabalho Docente

Reflita
O que significa ser professor no atual contexto brasileiro? Como
você se percebe sendo professor? Como acha que é percebido pela
sociedade como professor de EJA?

A EJA, como modalidade da educação básica, em termos de legislação,


apresenta recomendações claras que direcionam para a necessidade de se bus-
car condições e alternativas adequadas à realidade de seus sujeitos, ou seja,
práticas que levem em conta seus saberes, seus conhecimentos até então pro-
duzidos e suas experiências no mundo do trabalho.
Reconhece-se que é por meio dessas práticas, objetivas e subjetivas, que
os sujeitos têm a possibilidade de se formar conscientemente e, por meio
delas, aprendem e aprenderão conteúdos que determinam seus modos de
estar no mundo e de aprender novas coisas, que determinarão seus desejos de
saber e de ensinar. Mais que certificar-se, a formação consiste em aprender,
progredir e continuar a aprender.
Os professores envolvidos nessa modalidade de ensino têm uma forma-
ção voltada para a educação regular e não tiveram, na gama de disciplinas das
licenciaturas, matérias e conteúdos voltados para a EJA. Em virtude desse
processo de formação, não puderam conhecer o curso das aprendizagens dos
sujeitos jovens e adultos e reconhecer que tudo o que sabem até o momento,
que retornam ao ensino formal, é resultado de ação inteligente sobre o mundo
(FREIRE, 1996). Esse conhecimento poderá ampliar-se com o apoio do pro-
fessor, no que diz respeito a como se pode oferecer situações de aprendizado
para formalizar o que os educandos sabem e ampliar o que ainda não sabem,
mas que precisam saber.
Diante desse quadro, pode-se afirmar que o que se constata na realidade
são práticas direcionadas à educação de crianças, infantilizando e limitando
o processo de ensino e aprendizagem ao não proporcionarem discussões e
reflexões e, tampouco, criticidade. Isso nada mais é que o reflexo do processo
educativo pelo qual passou o próprio educador.

– 147 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Essas vivências podem ser consideradas como procedimentos de uma


educação popular, pois, como afirmam Gadotti e Romão (2005), esta acon-
tece quando as competências e habilidades dos docentes atendem às exigên-
cias de sensibilidade e conhecimento da realidade, contando com conteúdos
que fazem parte do cotidiano dos educandos.
Sendo assim, o processo de ensino poderia ser enriquecido com a com-
preensão e a adoção de práticas de educação popular, nas quais o professor
ensina os conteúdos sempre relacionando-os com a realidade do contexto de
seus educandos.
Nesse sentido, cabe ao educador da Educação de Jovens e Adultos ter
uma formação em que, além de incrementar e atualizar-se em um processo
de contínua aprendizagem, que lhe proporcione competências e habilidades
necessárias a cumprir seus objetivos, perceba a realidade social, a necessidade
de seus educandos, proporcionando-lhes um ensino que lhes possibilite refle-
xão e criticidade no processo de entendimento da sociedade, de suas condi-
ções, de mudanças que podem ser possibilitadas a partir de mudanças e de
ações conscientes perante a realidade posta. Conforme afirma Álvaro Vieira
Pinto (2005), o progresso não consiste na aquisição de novos dados de saber,
mas muito mais na aquisição da consciência de sua realidade como servidor
social, de seu papel como interlocutor necessário no diálogo educacional.
Em se tratando da aprendizagem de jovens e adultos, esse fato será consubs-
tanciado à medida que se possa “ver o homem na sua totalidade, no seu fazer-
-ação-reflexão, que sempre se dá no mundo e sobre ele” (FREIRE, 1995, p. 23).
Portanto, o educador, mediante sua formação, deve proporcionar muito
mais que saberes sistematizados, mas a valoração da cultura e das necessida-
des do indivíduo, em um processo de liberdade de pensar, questionar, acom-
panhando sempre os movimentos da realidade, onde educador e educando
estão juntos no processo de aprendizagem.

9.2 Constituir-se professor


Constituir-se educador de jovens e adultos é mais do que se constituir
meramente um professor que ministra aulas. O compromisso com os opri-
midos torna-o um agente com a possibilidade de instigar processos de cons-

– 148 –
Teoria e Prática nas Relações Fundamentais do Trabalho Docente

cientização que primem pela libertação em detrimento do aprisionamento,


junto aos seus educandos nas mesmas correntes da justiça social. Trata-se de
um posicionar-se que requer, acima de tudo, uma identidade conscientizada.
Assumir-se enquanto sujeito dessa história implica a necessidade de
assumir esses sujeitos, jovens e adultos, como indivíduos que apresentam
potencial para aprender, desenvolver-se, humanizar-se e, portanto, tornar-se
sujeitos de seu próprio destino.
Nesse sentido, o educador da EJA poderá constituir-se sujeito, autor e
intelectual reflexivo, que pensa, cria, transforma e produz conhecimentos a
partir de sua prática, pois ele é um importante agente no processo de transfor-
mação das condições subjetivas e objetivas do processo educativo. Portanto,
o educador teve e tem a sua importância histórica e é na sua ação consciente
que rompe com os ideais dominantes.
Entretanto, pensar na importância do educador como agente que con-
tribui para o processo de transformação social implica a compreensão da
necessidade que se tem de evidenciar que o educador não se forma educador
simplesmente com a obtenção de um diploma. Ele se forma, sobretudo, na
sua vida docente. Isso pressupõe que o processo de formação inicial amplie-se
para a formação continuada e por toda sua vida profissional.
Depreende-se, assim, que o educador de jovens e adultos, através de uma
atitude ética com os educandos, descobre-se aprendendo e toma ciência do
quão verdadeira é a premissa freiriana que afirma “ninguém ensina ninguém”.
Ambos, educador e educandos, encontram-se em processo de construção e
formação permanente.
As mudanças nos padrões de trabalho e nas relações sociais, mediante
o impacto gerado pelas novas tecnologias, originam novos nichos de exclu-
são cultural, mediada pela informação e pela comunicação. Desaparecem
os padrões trabalhistas em que uma pessoa permanece grande parte de seu
tempo em uma só instituição e/ou profissão e o padrão do tempo integral
e abre-se espaço para outras atividades sociais. Essas mudanças estão pre-
sentes também na formação de professores, que requer novas habilidades
cognitivas e sociais.
No Brasil, pouco vem sendo feito na qualidade de formação e em relação
à carreira dos docentes para que a situação educacional em geral e da forma-

– 149 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

ção seja revertida, inclusive porque muitos projetos não podem dar certo no
país por falta de formação adequada dos educadores.
Em relação ao educador de jovens e adultos, nota-se que há pouco cui-
dado com sua formação e carreira do profissional, sendo a educação básica
sempre a menor das políticas.
[...] as iniciativas têm sido, até aqui, mais que modestas, como se
o professor se fabricasse por um passe de mágica ou como se um
sistema educacional, que é a base de uma nação, pudesse funcionar
sempre através de quebra-galhos, dá-se um jeitinho. O resultado está
aí: analfabetismo funcional em todos os níveis, formação de várias
gerações comprometidas por baixa inserção cultural. Fica-se correndo
atrás do deficit, seja com programas compensatórios, supletivos, ou de
formação em serviço (GATTI, 1997, p. 4).

Por considerar a formação dos educadores como algo de fundamental


importância, Mialaret (1991, p. 96) alerta para o fato de que não se deve
processar uma formação idêntica de todos os educadores, para os levar a ser
exemplares do mesmo modelo, mas proporcionar-lhes condições de serem
bons educadores, em função de suas qualidades.
Zeichner (1993, p. 62-63) acrescenta a necessidade de que os candidatos
a educadores não acabem por incorporar novas informações ou experiências
a velhas estruturas. Por isso, afirma que “deve-se preparar o educador para
a investigação científica e reflexiva na condução e avaliação de sua própria
prática e dos meios para teorizar a experiência adquirida, evitando defeitos de
uma formação modelizante”. Novoa (1992, p. 54) afirma que a formação do
educador não é um conceito unívoco, por isso deve proporcionar situações
que possibilitem a reflexão e a tomada de consciência das limitações sociais,
culturais e ideológicas da própria profissão docente.
Nessa lógica, a constituição dessa identidade docente não se faz pela sua
própria consciência de reconhecer-se sujeito que pode e deve contribuir para
a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mas pela imposição de
sistemas e programas que, na maioria, funcionam como “remendos de bor-
racharia” (ARROYO, 2001). Embora a possibilidade de se constituir sujeito
passe pelo reconhecimento do outro, é necessário salientar que essa constitui-
ção passa também pela tomada de consciência de si mesmo; porém consiste
em uma consciência mediada.

– 150 –
Teoria e Prática nas Relações Fundamentais do Trabalho Docente

Contudo, não se trata de analisar esse processo da ótica de vitimização


do sistema, mas como a possibilidade de denúncia do fato de que o educador,
ao atuar sob as imposições de sistemas sem reflexão de seu papel na vida des-
ses educandos, deixa de se posicionar como sujeito e como tal não constitui
sua identidade de educador movido pelo diálogo com o mundo e não rompe
com os monólogos da escola (ALVES, 2003). Portanto, reproduz-se, produz
e reproduz a alienação de seus educandos.
Diante da gama de informações, mais do que nunca o professor se torna
um ator cujo papel é de inquestionável importância na mediação entre o
mundo das informações imediatistas e o conhecimento historicamente acu-
mulado, embora se presencie uma forte tendência à desvalorização até mesmo
dos conhecimentos universais.
No processo de formação do educador da EJA é urgente considerar que
conhecimento é o que propicia ao indivíduo a desalienação, em um mundo
dominado por uma elite que detém o poder do capital intelectual e material.
Conhecer é mais do que obter informações. Significa trabalhar as
informações, analisar, organizar, identificar suas fontes, estabelecer
as diferenças destas na produção da informação, contextualizar, rela-
cionar as informações e a organização da sociedade, como são uti-
lizadas para perpetuar a desigualdade social. Trabalhar as informa-
ções na perspectiva de transforma-la em conhecimento é uma tarefa
primordialmente da escola. Realizar o trabalho de análise crítica da
informação relacionada à constituição da sociedade e seus valores é
trabalho para professor e não para monitor. Ou seja, para um pro-
fissional preparado científica, técnica, tecnológica, pedagógica, cultu-
ral e humanamente. O que supõe sua sólida formação (PIMENTA,
2000, p. 18).

Isso requer que a formação do educador da EJA esteja comprometida em


desvelar o seu importante papel no processo de transformação das condições
subjetivas e objetivas do jovem e adulto trabalhador. Logo, essa formação não
pode desconsiderar a importância histórica desse sujeito, cuja ação consciente
pode romper com os ideais dominantes.
Desse modo, pensar na importância do educador como agente que
contribui para processos de transformação social implica a compreensão da
necessidade que se tem de que o professor não se forma professor quando
se forma na licenciatura, mas, sobretudo, na sua vida docente. Isso pressu-

– 151 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

põe que o processo de formação inicial amplie-se para a formação continu-


ada e, prioritariamente, que seja uma formação em serviço; nas palavras de
Cunha, (1997): “a ideia de que o educador se educa na prática da educação
é fundamental [...]”.
O trabalho docente do educador de jovens e adultos pressupõe um com-
promisso, acima de tudo, social. Segundo as Diretrizes da Educação de Jovens
e Adultos, uma das funções da EJA é ser reparadora, que se refere ao ingresso
no circuito dos direitos civis, pela restauração de um direito negado. Trata-se,
portanto, do resgate social e da garantia de acesso a inúmeros jovens e adultos
aos bens civis que lhes foram negados historicamente, na condição de dívida
social de uma situação que precisa urgentemente ser equiparada.
O educador de jovens e adultos, por meio de uma atitude ética com os
educandos, descobre-se aprendendo, a partir do diálogo. Contudo, o que
significa dialogar? Quais os temores, os riscos e as recompensas da transfor-
mação? O que é ensino “dialógico”?
Com o fim de procurar soluções aos questionamentos e de pensarmos na
postura docente do educador de jovens e adultos, buscamos o sentido mais
genuíno que explicita a tomada de consciência. Conforme nos ensina Álvaro
Vieira Pinto (2005) é saindo do plano da consciência ingênua, rompendo
com os conformismos, descobrindo-se explorado e oprimido, que se avança
para o patamar da consciência crítica.
Nesse sentido, um processo de formação consciente revela ao educador
o fato de que isso está em suas “mãos”, ao passo que assuma tal compromisso,
propiciando aos jovens e adultos os momentos de reflexão, discussão, debate
e a tomada de consciência. Para tanto, no processo de formação, o educador
deve sentir-se partícipe do diálogo, um diálogo que articule teoria e prática e,
acima de tudo, possibilite a reflexão-ação-reflexão sobre essa prática.

– 152 –
Teoria e Prática nas Relações Fundamentais do Trabalho Docente

Dica de filme
Adorável professor (1995)

Assista ao filme Adorável professor, que narra a história de um músico


que, em 1964, decidiu lecionar, para ter mais dinheiro e, assim, dedi-
car-se a compor uma sinfonia. Inicialmente, ele sentiu grande dificul-
dade em fazer com que seus alunos se interessassem pela música.
As coisas se complicaram ainda mais quando sua mulher dá à luz
um filho, que o casal vem a descobrir mais tarde que é surdo. Para
poder financiar os estudos especiais e o tratamento do filho, ele se
envolve cada vez mais com a escola e seus alunos, deixando de lado
seu sonho de tornar-se um grande compositor, mas ao mesmo tempo
mostrando a incrível arte de lecionar. Passados trinta anos lecionando
no mesmo colégio, há grandes surpresas mostradas no final do filme,
o que pode ter similaridade com a história de muitos professores.
ADORÁVEL professor. Direção de Stephen Herek. Estados Uni-
dos: Interscope Communications; PolyGram Filmed Entertainment;
Hollywood Pictures: Dist.: Buena Vista Pictures, 1995. 1 filme (140
min.), sonoro, legenda, color.

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Da teoria para a prática


O caso de Miguel
Essa dinâmica poderá ser realizada em diferentes contextos com a fina-
lidade de se discutir diferentes pontos de vista, julgamentos alheios e ava-
liações, com o objetivo de mostrar aos educandos que há diferentes versões
sobre um mesmo fato, dependendo da maneira como as pessoas o vivenciam,
de que relação elas têm com os envolvidos na história, de que momento do
ocorrido ela participou, etc.
O educador deverá ler um depoimento de cada vez, enquanto os edu-
candos escrevem em seus cadernos a impressão que eles formam de Miguel a
cada depoimento lido. Ao final de cada depoimento, cada um poderá comen-
tar as impressões gerais que teve do personagem Miguel. Pode-se solicitar
uma produção textual sobre o caso, destacando as características gerais do
personagem, antes da leitura da conclusão do caso.
Após a leitura da versão de Miguel sobre o ocorrido, o educador poderá
solicitar uma reflexão sobre as opiniões emitidas, pedindo que os educandos
comparem a versão de Miguel com as suas ideias formadas sobre ele, che-
gando à conclusão de que existem diversas formas de contar uma história e
diversas formas de interpretá-la.
A seguir, está o caso de Miguel, com os vários depoimentos e, ao final,
a versão dele.
Relato 1 – de sua mãe
Miguel levantou-se correndo, não quis tomar café e nem ligou
para o bolo que eu havia feito especialmente para ele. Só apa-
nhou o maço de cigarros e a caixa de fósforos. Não quis colocar
o cachecol que eu lhe dei. Disse que estava com pressa e rea-
giu com impaciência a meus pedidos para se alimentar e abri-
gar-se direito. Ele continua sendo uma criança que precisa de
atendimento, pois não reconhece o que é bom para si mesmo.
Relato 2 – do garçom da boate
Ontem à noite ele chegou aqui acompanhado de uma morena,
bem bonita, por sinal, mas não deu a mínima bola para ela.
Quando entrou uma loura, de vestido colante, ele me chamou

– 154 –
Teoria e Prática nas Relações Fundamentais do Trabalho Docente

e queria saber quem era. Como eu não a conhecia, ele não


teve dúvidas: levantou-se e foi à mesa falar com ela. Eu disfar-
cei, mas só pude ouvir que ele marcava um encontro, às 9 da
manhã, bem nas barbas do acompanhante dela. Sujeito peitudo!
Relato 3 – do motorista de táxi
Hoje de manhã, apanhei um sujeito e não fui com a cara dele.
Estava de cara amarrada, seco, não queria saber de conversa.
Tentei falar sobre futebol, política, sobre o trânsito e ele sempre me
mandava calar, dizendo que precisava se concentrar. Desconfio
que ele é daqueles que o pessoal chama de subversivo, desses
que a polícia anda procurando ou desses que assaltam motorista
de táxi. Aposto que anda armado. Fiquei louco para me livrar dele.
Relato 4 – do zelador do edifício
Esse Miguel não é certo da bola, não! Às vezes cumprimenta,
às vezes finge que não vê ninguém. As conversas dele, a gente
não entende. É parecido com um parente meu que enlouque-
ceu. Hoje de manhã, ele chegou falando sozinho. Eu dei bom-
-dia e ele me olhou com um olhar estranho e disse que tudo no
mundo era relativo, que as palavras não eram iguais para todos,
nem as pessoas. Deu um puxão na minha gola e apontou para
uma senhora que passava. Disse, também, que, quando pintava
um quadro, aquilo é que era a realidade. Dava risadas e mais
risadas... esse cara é um lunático.
Relato 5 – da faxineira
Ele anda sempre com um ar misterioso. Os quadros que ele
pinta, a gente não entende. Quando ele chegou, na manhã de
ontem, me olhou meio enviesado. Tive um pressentimento ruim,
como se fosse acontecer alguma coisa. Pouco depois chegou a
moça loura. Ela me perguntou onde ele estava e eu disse. Daí a
pouco ouvi ela gritar e acudi correndo. Abri a porta de supetão
e ele estava com uma cara furiosa, olhando para ela cheio de
ódio. Ela estava jogada no divã e no chão tinha uma faca. Eu saí
gritando: Assassino! Assassino!
Relato do próprio Miguel sobre o ocorrido nesse dia
Eu me dedico à pintura de corpo e alma. O resto não tem impor-
tância. Há meses que eu quero pintar uma Madona do século

– 155 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

XX, mas não encontro uma modelo adequada, que encarne a


beleza, a pureza e o sofrimento que eu quero retratar.
Na véspera daquele dia, uma amiga me telefonou dizendo
que tinha encontrado a modelo que eu procurava e propôs
nos encontrarmos na boate. Eu estava ansioso para vê-la.
Quando ela chegou fiquei fascinado: era exatamente o que
eu queria. Não tive dúvidas. Já que o garçom não a conhecia,
fui até a mesa dela, me apresentei e pedi para ela posar para
mim. Ela aceitou e marcamos um encontro no meu ateliê às
9 horas da manhã.
Eu não dormi direito naquela noite. Levantei-me ansioso, louco
para começar o quadro, nem pude tomar café, de tão afobado.
No táxi, comecei a fazer um esboço, pensando nos ângulos da
figura, no jogo de luz e sombra, na textura, nos matizes... nem
notei que o motorista falava comigo.
Quando entrei no edifício, eu falava baixinho. O zelador tinha
falado comigo e eu nem tinha prestado atenção. Aí eu perguntei:
o que foi? E ele disse: bom-dia! Nada mais do que bom-dia. Ele
não sabia o que aquele dia significava para mim. Sonhos, fanta-
sias e aspirações... tudo iria se tornar real, enfim, com a execu-
ção daquele quadro. Eu tentei explicar para ele que a verdade
era relativa, que cada pessoa vê a outra à sua maneira. Ele me
chamou de lunático. Eu dei uma risada e disse: está aí a prova
do que eu disse. O lunático que você vê não existe.
Quando eu pude entrar, dei de cara com aquela velha mexeri-
queira. Entrei no ateliê e comecei a preparar a tela e as tintas.
Foi quando ela chegou. Estava com o mesmo vestido da vés-
pera e explicou que passara a noite em claro, numa festa. Aí eu
pedi que se sentasse no lugar indicado e que olhasse para o
alto, que imaginasse inocência, sofrimento... que...
Aí ela me enlaçou o pescoço com os braços e disse que eu
era simpático. Eu afastei seus braços e perguntei se ela tinha
bebido. Ela disse que sim, que a festa estava ótima, que foi pena
eu não ter estado lá e que sentiu minha falta. Enfim, que estava
gostando de mim. Quando ela me enlaçou de novo eu a empur-
rei e ela caiu no divã e gritou. Nesse instante a faxineira entrou
e saiu berrando: Assassino! Assassino!

– 156 –
Teoria e Prática nas Relações Fundamentais do Trabalho Docente

A loura levantou-se e foi embora. Antes, me chamou de idiota.


Então, eu suspirei e disse: ah, minha Madona!
Fonte: O caso de Miguel (1995, p. 54).

Atividades
1. Procure relacionar falas de seus educandos que demonstram como
eles veem a figura do professor no processo educativo/escolar atu-
almente. Se ainda não for professor, a atividade pode ser realizada
como pesquisa em campo de estágio.
2. Com base na leitura do capítulo, como você descreve a constituição
do tornar-se professor de EJA?
3. Após analisar o texto sobre a constituição da identidade do edu-
cador de EJA, sistematize as informações considerando como as
ideias explicitadas nas citações destacadas a seguir interferem no
processo de constituição identitária do educador da EJA:
22 “Há de recuperar voz daqueles que, por muito anos, estiveram
silenciados.” (ARROYO, 2004, p. 14).
22 “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilida-
des para sua produção ou construção.” (FREIRE, 1996, p. 22).
4. Que tal parar um pouco e pensar no processo de formação dos pro-
fessores de EJA? Faça uma reflexão inicialmente sobre o seu próprio
processo de formação. Compare com a de outros educadores de
EJA da sua região. Cite o que para você é fundamental no processo
de formação docente.

Síntese
Tornar-se professor de EJA é muito mais que uma opção, é posicionar-se
frente àqueles que tiveram o direito à educação negado. Vai além de “dar uma
aula”, é saber que esse “posicionar-se” torna-se muito mais que um conteúdo
a ser ensinado e aprendido, mas um exemplo a ser seguido.

– 157 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Assim, já dizia Rubem Alves (2000), grande educador Brasileiro: que ser
professor, e que “o ato de ensinar, é um exercício de imortalidade. De alguma
forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo
pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais...”.

– 158 –
Gabarito
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

1. Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos


da Educação de Jovens e Adultos no Brasil
1. O objetivo da atividade 1 é levar os futuros profissionais da área
a conhecer a história de vida pessoal e profissional de Paulo Freire,
bem como a metodologia proposta por ele, de modo que possa usá-
-la em sala de aula e aplicar seus princípios de educação no processo
educativo como um todo.
2. Na atividade 2, muitas comparações podem surgir. Espera-se que
se chegue à conclusão de que muitas políticas voltadas para EJA no
Brasil na verdade são regidas por acordos internacionais. Ou seja,
quando se oferece um programa de alfabetização de adultos, não
há só o interesse em alfabetizar as pessoas, mas sim em diminuir
os índices de analfabetismo frente às demandas dos organismos
internacionais. Nas políticas recentes de educação profissional para
jovens e adultos, por exemplo, percebem-se claramente as neces-
sidades do mercado econômico industrial de obtenção de mão de
obra qualificada.
3. Na atividade 3, deve-se chegar à conclusão de que quando a educa-
ção fica a cargo de organizações não governamentais, há uma isen-
ção da responsabilidade do Estado, quando, na verdade, a educação
é um direito constitucional, sendo função do Estado sua oferta e
garantia de qualidade.
4. Na atividade 4, deve-se perceber que, ao se incorporar a EJA ao
Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), têm-se
recursos garantidos para a EJA, permitindo, assim, a ampliação da
oferta de matrículas, garantindo que mais educandos possam ter
acesso aos estudos e concluí-los.

2. Sistema Organizacional da EJA no Brasil


1. Na atividade 1, deve-se chegar à conclusão de que o conceito de
aprender a conhecer vai além do aprendizado enciclopédico das

– 160 –
Gabarito

disciplinas básicas. Deve-se, fundamentalmente, aprender a pes-


quisar e buscar novos conhecimentos sempre.
2. O objetivo da atividade 2 é levar a pensar acerca da formação pro-
fissional para além das técnicas e das necessidades do mundo do
trabalho. Os objetivos educativos visam a uma formação emanci-
patória e autônoma, traduzindo-se em novas relações trabalhistas e
novos sistemas de produção.
3. Na atividade 3, deve-se chegar à conclusão de que a afirmação em
questão significa trabalhar a inclusão. Esse pilar inclui a necessidade
de valorizar a diversidade e pluralidade cultural, aprender a com-
partilhar e conviver consigo e com os outros, sabendo respeitar as
diferentes opiniões.
4. Na atividade 4, para se atingir tal objetivo educacional deve-se
buscar o desenvolvimento do ser humano em todas suas poten-
cialidades.

3. Especificidades do Trabalho Pedagógico


Frente ao Perfil do Educando da EJA
1. O objetivo da atividade 1 é levar ao profissional da área elen-
car as principais características do perfil dos educandos, sem, no
entanto, discriminá-lo. É necessário percebê-los como sujeitos
diferentes, que necessitam de adequação nas metodologias e nos
programas educativos.
2. Na atividade 2, pode-se criar um projeto que vise identificar os
educandos da EJA, por meio de informações como: idade, gênero,
profissão, local de nascimento, local de moradia, número de filhos
ou dependentes (se tiver), hábitos e gostos e histórias de vida. Nesse
contexto, é interessante realizar dinâmicas para caracterizar o que
os identifica, levando-os à reflexão de que não são somente os
documentos pessoais, mas o que há em comum em suas histórias
de vida.

– 161 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

3. Na atividade 3, é necessário fazer uma retrospectiva histórica e


contextualizar o motivo que levou essas pessoas a não ter acesso à
escolarização, por exemplo, a necessidade de trabalhar desde muito
cedo, a falta de acesso à escola, entre outros. O objetivo é analisar
como o perfil dos educandos da EJA está relacionado à história de
desenvolvimento social de sua região e, até mesmo, do país.
4. Na atividade 4, deve-se chegar à conclusão de que, como afirmava
Freire (1996, p. 30) “ensinar exige respeito aos saberes e cultura dos
educandos” e, por isso, somente pelo dialogo é possível praticar uma
educação libertadora que leve em conta os anseios desses sujeitos.

4. Metodologia: mediação Pedagógica na EJA


1. Na atividade 1, o objetivo é refletir sobre aspectos da prática peda-
gógica cotidiana que podem ser ressignificados ou que podem
incluir aspectos que sejam significativos para os educandos.
2. Na atividade 2, deve-se realizar uma produção pessoal que leve em
conta aspectos sociais locais e de interesse da comunidade em questão.
A problematização e a instrumentalização também devem partir do
que se tem e aonde se quer chegar. Volte ao exemplo mencionado no
capítulo e relacione-o com o contexto, a realidade e a necessidade local.
3. Na atividade 3, a resposta é pessoal. Assim como descrito nesse
capítulo de trabalho, devem-se investigar as possíveis palavras e
temas geradores que façam sentido para os educandos. Por exem-
plo, usar temas da construção civil com um grupo de trabalhadores
dessa área. Usar temas relacionados à alimentação com mulheres ou
mães, ou seja, temas que suscitem o interesse dos educandos.
4. Na atividade 4, a resposta é pessoal. As experiências dos educa-
dores também devem ser valorizadas, por isso sugere-se descrever
alguma experiência bem-sucedida ou uma prática pedagógica que
possa servir de exemplo para outros educadores.

– 162 –
Gabarito

5. Relações de Ensino e Aprendizagem na EJA


1. Na atividade 1, pode-se pensar nos seguintes exemplos: as estações
do ano vinculadas às formas de plantio nas diferentes regiões, as
influências que causam no clima e na vida das pessoas, o uso de
equações matemáticas na compras do dia a dia.
2. Na atividade 2, o comentário é pessoal. Deve-se chegar à conclu-
são de que o aprendizado é um processo interno, que somente o
educando pode realizar, desde que se tenha um ensino condizente;
por isso, fala-se em relação de ensino e aprendizagem. Para tanto,
o conceito de aprender não deve ser somente copiar e repetir, mas
refletir, analisar, comparar, enfim, conhecer e aprender. Nesse pro-
cesso, só faz sentido uma avaliação que oriente o caminho a ser
seguido, isto é, que seja o meio, o norte, e não o fim ou a finalidade
de se obter notas, por exemplo.
3. Na atividade 3, o objetivo é verificar a articulação entre os conte-
údos tratados no capítulo. Deve-se identificar a relação existente
entre o que se ensina, o que se aprende e o conteúdo dessa apren-
dizagem que envolve as questões curriculares, sendo a avaliação a
mediadora de todo esse processo, pois, como o próprio conceito
diz, deve-se avaliar para saber se os objetivos estão sendo atingidos,
qual o caminho a ser seguido e se o que é ensinado de fato está
sendo aprendido.
4. A dinâmica da atividade 4 é muito interessante, pois a
correspondência com o nome do bicho demonstra a relação que
temos com a avaliação. Por exemplo, a maioria dos educadores
consideram avaliação como monstros ou bichos de sete cabeças,
devido a experiências escolares que tiveram, mas também é pos-
sível relacionar a avaliação com uma borboleta ou um pássaro,
por exemplo, como símbolo de liberdade. Essa é uma atividade
surpreendente, pois traduz as experiências pessoais em elemen-
tos simbólicos.

– 163 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

6. Função Social da Leitura e da Escrita


1. Na atividade 1, é preciso sistematizar os momentos da seguinte
forma: o primeiro momento é caracterizado pela “metodização do
ensino da leitura”, ou seja, o ensino da leitura acontecia através dos
métodos de marcha sintética (soletração, fônico e da silabação); o
segundo momento refere-se à “institucionalização do método ana-
lítico” e é quando surge o termo “alfabetização” utilizado para se
referir ao “ensino inicial da leitura e da escrita”; o terceiro período
é caracterizado como “alfabetização sob medida”, em que muitos
professores começaram a buscar novas propostas para resolver seus
problemas de ensino, e nesse momento o que se tem é uma verda-
deira “mistura de métodos”; por fim, o quarto momento caracte-
riza-se pela “desmetodização da alfabetização”, ou seja, não há um
método para se ensinar a ler e escrever.
2. Na atividade 2, deve-se definir pessoa alfabetizada como a que sabe
ler e escrever e que compreende um bilhete simples; por isso, refere-
-se à aprendizagem de habilidades do sistema de leitura e de escrita.
A pessoa não alfabetizada é a que não teve acesso ao processo de
escolarização ou que não sabe ler e escrever. O alfabetismo funcio-
nal corresponde ao fenômeno no qual a pessoa sabe ler e escrever,
mas não alcança o domínio social da leitura e da escrita. Pessoa
letrada refere-se a quem faz o uso efetivo dos códigos linguísticos
em práticas sociais.
3. A resposta da atividade 3 é pessoal e deve estar relacionada às habi-
lidades sociais no uso da leitura e da escrita, entendendo o letra-
mento como indissociável ao processo da alfabetização.
4. A afirmação presente na atividade 4 defende que um processo não
existe sem o outro, são dependentes entre si para ocorrer. Isso, no
entanto, não significa dizer que a alfabetização não possa ocorrer
sem o letramento ou vice-versa. Há muitos relatos de pessoas que
não sabem ler e escrever, mas são destaques como líderes comuni-
tários, por exemplo. O importante é entender que em contextos
escolares o interessante é que alfabetização e letramento caminhem
juntos, sejam indissociáveis.

– 164 –
Gabarito

7. Desenvolvimento da Oralidade
e do Raciocínio Lógico
1. Na atividade 1, deve-se salientar que a oralidade é uma prá-
tica social interativa para fins comunicativos. Expressão da
fala, apresenta-se de várias formas ou gêneros textuais nos vários
contextos de uso.
2. Na atividade 2, espera-se que se chegue à conclusão de que a
língua portuguesa, como qualquer outra língua, é um fenômeno
dinâmico, vivo, isto é, está sempre em evolução e que qualquer
forma de padronização da língua excluirá e estigmatizará outras
formas de comunicação.
3. Na atividade 3, deve-se frisar que a matemática deve desempenhar
seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação
do pensamento, na agilização do raciocínio lógico, na aplicação
a problemas, nas situações da vida cotidiana, nas atividades do
mundo do trabalho e no apoio à construção de conhecimentos em
outras áreas.
4. Na atividade 4, deve-se perceber que os jogos auxiliam no desen-
volvimento dos processos psicológicos básicos, como aprendiza-
gem, percepção, atenção, emoção, motivação, memória, linguagem
e raciocínio, e através deles se aprende a lidar com símbolos e a pen-
sar por analogia, desenvolver uma linguagem própria, criar conven-
ções, de modo a se capacitar para lidar com regras e dar explicações,
habilidades fundamentais no processo de ensino e aprendizagem.

8. Desenvolvimento Cognitivo e
Social dos Educandos da EJA
1. A resposta da atividade 1 é uma produção pessoal. O objetivo é
analisar como o meio social interfere nas formas de linguagem e
como a linguagem interfere no desenvolvimento das formas de
pensamento. Para se aprofundar no assunto, pode-se ler o artigo
completo no livro Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.

– 165 –
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

2. Na atividade 2, a resposta é pessoal. A função da escola é atuar nas


zonas de desenvolvimento potencial dos educandos. Dessa forma,
por intermédio da linguagem, a função da escola deve ser levar
conhecimentos aos educandos, dos mais próximos para os mais ele-
vados níveis.
3. Na atividade 3, o aluno deve chegar à conclusão de que não é o
grau de escolaridade em si que vai determinar o grau de desen-
volvimento dos sujeitos, mas o meio e o modo como eles usam
seus conhecimentos.
4. Na atividade 4, a resposta é pessoal. Deve-se levar em consideração
que a escola não é o único lugar de socialização de conhecimentos.
A família, a comunidade e a religião, por exemplo, são também
elementos formadores; por isso, todo o saber que o educando já
apresenta pode ser incorporado nas discussões para que, a partir
desses saberes, seja possível acrescentar outros.

9. Teoria e Prática nas Relações


Fundamentais do Trabalho Docente
1. A atividade 1 é livre e tem a finalidade de diagnosticar a visão que os
educandos têm do professor. Por exemplo, como um detentor de todo
o conhecimento ou como facilitador e mediador da aprendizagem.
2. Na atividade 2, a resposta é pessoal, pois leva em conta as experi-
ências e percepções pessoais, bem como a história profissional.
3. As duas citações da atividade 3 reforçam a importância de que o
professor seja consciente de sua identidade enquanto sujeito ativo
da história, que pode transformar a realidade em que atua por
intermédio da educação, dando voz e vez a seus educandos.
4. Na atividade 4, a resposta é pessoal. Além da formação técnica
científica e de especializações, é importante resgatar a autoestima
do professor e sua função social na formação humana, independen-
temente da disciplina que ministra.

– 166 –
Referências
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

A CORRENTE do bem. Direção de Mimi Leder. Estados Unidos: Warner


Bros; Bel Air Entertainment, 2000. 1 filme (115 min.), sonoro, legenda,
color.
ADORÁVEL professor. Direção de Stephen Herek. Estados Unidos: Inters-
cope Communications; PolyGram Filmed Entertainment; Hollywood Pictu-
res: Dist.: Buena Vista Pictures, 1995. 1 filme (140 min.), sonoro, legenda,
color.
ALVES, R. A escola com que sempre sonhei, sem imaginar que pudesse
existir. São Paulo: Papirus, 2003.
ALVES R. Alegria de ensinar. Campinas: Papirus, 2000.
ARROYO, M. A educação de jovens e adultos em tempo de exclusão. Revista
Alfabetização e Cidadania – Rede de Apoio à Ação Educadora do Brasil, n.
11, abr. 2001.
______. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de educandos e mestres.
Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
BABEL. Direção de Alejandro González-Iñárritu. Estados Unidos: Dune
Films; Zeta Film; Anonymous Content. Dist.: Paramount Vantage; UIP,
2006. 1 filme (142 min.), sonoro, legenda, color.
BAGNO, M. Preconceito linguístico – o que é, como se faz. 40. ed. São
Paulo: Edições Loyola, 2006.
BARBOSA, I.; SGARBI, P. (Org.). Fora da escola também se aprende. Rio
de Janeiro: DP&A, 2004.
BICHO de sete cabeças. Direção de Laís Bodanzky. Brasil: Columbia, 2000.
1 filme (74 min.), sonoro, color.
BECKER, L. da S. A psicopedagogia e a formação de adultos. Seminários
sobre ensino supletivo no Estado do Paraná. Paraná: Anais, 1986.
BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988.
______. Construção coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos.
Brasília: UNESCO/MEC/RAAAB, 2005.

– 168 –
Referências

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Já diziam os grandes mestres da educação que educar não é uma tarefa fá-
cil. Educar aqueles que não tiveram acesso ao ensino escolar, quando crian-
ças, é um desafio ainda maior, pois, originalmente, as escolas são pensadas
para crianças.
Assim, ao se preconizar a Educação de Jovens e Adultos, são incorporadas
inúmeras outras váriaveis, não só relativas à idade, como normalmente se
pensa, mas, também, relativas às condições biopsicossociais dos educan-
dos, às suas disponibilidades para a aprendizagem em um contexto escolar e
à prática pedagógica.
Esta obra, dentre outros pressupostos educacionais, trata fundamentalmente
da educação de jovens e adultos que depositam em seu retorno aos bancos
escolares muitos sonhos e expectativas. Espera-se que os educadores possam
compreender melhor o universo de tais educandos e, com isso, equalizar as
práticas pedagógicas no sentido de garantir uma formação digna, necessária
e socialmente comprometida com essas pessoas, que já possuem um grande
conhecimento de vida.

ISBN 978-85-60531-83-7

9 788560 531837

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