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Caso Papaiz Port
Caso Papaiz Port
Publicação: 04/2011
1 Caso desenvolvido pelo professor Luiz Fernando Andreotti Turatti. O autor agradece a contribuição do
professor Sérgio Giovanetti Lazzarini, bem como aos sócios da empresa-caso, pela disponibilidade de tempo e de
informações. O caso é somente para fins de discussão em sala de aula: não se propõe julgar a eficácia ou a
ineficácia gerencial, nem tampouco deve servir como fonte de dados primários.
passavam a entrar em outras linhas importantes para a Papaiz, como fechaduras. Além
disso, o outro lado do mundo nunca pareceu tão perto: na visita à última feira mundial do
setor, quatro meses antes, executivos da empresa confirmaram que as principais marcas de
cadeados da Europa e dos EUA já faziam outsourcing da produção para fabricantes chineses,
que, por sua vez, aprenderam a produzir cadeados com baixo custo e alta qualidade. A
entrada de cadeados chineses no Brasil estava bloqueada por uma medida antidumping
válida até 2006, e não se sabia ao certo se a lei seria renovada. De todo modo, a empresa
havia resolvido investir numa fábrica nova na Bahia em 2000, para expandir sua capacidade
de produção de cadeados, operando ainda com considerável ociosidade.
Naquele momento, o gerente de Marketing, Luiz Alberto,2 entrou na sala e contou que
havia tido uma reunião com o diretor de Compras de uma grande cadeia de homecenters para
negociar a colocação de novos produtos no varejo. Relatou que, a certa altura da conversa, o
diretor de Compras do homecenter disse: “Afinal, cadeado não é tudo igual?” Ao
compartilhar suas preocupações com os vice-presidentes, Luiz Alberto desencadeou uma
acalorada discussão sobre temas que afligiam a todos: será que o consumidor não percebia
mais o valor entregue nas qualidades e nos benefícios do produto? Seria possível fortalecer a
posição no mercado premium, ou seria melhor entrar de vez no mercado popular, baixando
preços e qualidade mas recuperando o volume de vendas? O que aconteceria se as medidas
antidumping não fossem renovadas?
Sobre a Papaiz
O grupo Papaiz foi fundado em 1952, estando desde 2003 sob o comando da segunda
geração familiar (três sócios). Apesar da origem italiana do fundador, a empresa era uma
multinacional brasileira que exportava regularmente para mais de 25 países, com escritórios
ou representantes em quase toda a América do Sul, nos EUA, no Canadá, no Reino Unido, na
Austrália e na França, além de uma embrionária operação na Ásia.
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exemplo, desde que surgiram rankings setoriais, em 1999, a marca sempre apareceu entre os
primeiros lugares da categoria, como o prêmio Ibope/Anamaco,3 o Top Marcas da revista
Projeto Design4 e o Top of Mind da revista Casa & Mercado.5
Com fábricas em Diadema, SP, e em Salvador, BA, em 2005, o grupo contava com mais de
1.000 funcionários, em torno de 10 mil clientes ativos e faturava aproximadamente 180
milhões de reais.
Até por volta de 2000, o mercado de cadeados era disputado por duas marcas principais,
Papaiz e Pado, que juntas chegaram a representar cerca de 85% da categoria.6 Os portfólios
de produto das duas empresas eram muito similares. Os cadeados Papaiz custavam cerca de
3 a 7% a mais que os da Pado, que tinha uma participação de mercado de 45% (contra 40% da
Papaiz). O restante do mercado era disputado por pequenas marcas locais ou produtos
importados de diversas origens, que chegavam ao Brasil de modo inconstante, por alguns
distribuidores de ferragens e atacadistas.
A categoria cadeados sofreu muito poucas inovações tecnológicas nos últimos 40 anos.
Em meados de 1970, a Papaiz introduziu no mercado a versão com chave tetra, em adição ao
modelo de chave tradicional, incrementando a segurança do produto por conta do maior
número de combinações de segredo/chave e posição de pinos no sistema tetra. Alguns anos
depois, a Pado também lançou sua versão tetra de cadeados. Quanto ao aspecto visual,
praticamente nada mudou em todo esse tempo.
O tipo de material utilizado em cadeados (corpo de latão e haste de aço) tem boa
resistência mecânica e dureza, e é relativamente difícil rompê-lo ou cortá-lo com ferramentas
como alicates ou serras. Além disso, ambos os materiais têm boa resistência às intempéries,
isto é, não enferrujam e suportam longos anos de exposição ao tempo e ao clima.
6 Conforme dados da resolução 38/2001 da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Disponível em:
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O corpo desses novos cadeados era banhado ou pintado, para dar um aspecto amarelado,
imitando a aparência do latão. À primeira vista, eram muito parecidos com os cadeados
convencionais de latão e, dentro de sua embalagem plástica de autosserviço, sua semelhança
visual acabava levando os consumidores a confundirem os dois tipos.
Porém, numa análise mais criteriosa, as diferenças ficavam evidentes. Primeiro, esses
cadeados tinham um sistema mais simples de chave, com menos pinos, gerando menos
combinações e, portanto, menor segurança. Segundo, suas ligas metálicas tinham uma
resistência muito inferior às intempéries – em particular o zamack, que entra em corrosão
rapidamente quando exposto, travando o mecanismo de abertura – e também menor dureza
e resistência mecânica, tornando os cadeados mais vulneráveis a ferramentas e serras.
Enquanto um cadeado de latão chegava a durar 15 ou mais anos, um de zamack ou alumínio
raramente chegaria aos cinco anos sem apresentar algum problema de funcionamento.8
A categoria cadeados era distribuída por canais específicos. De 30 a 40% eram vendidos
pelo varejo tradicional de ferragens, como lojas de material de construção com balcão e
vendedores.10
7 Zamack é uma liga metálica feita de zinco, alumínio, magnésio e cobre, cerca de 30% mais barata que o latão
(tomando como base os preços da London Metal Exchange do final de 2005).
8 Conforme testes de laboratório realizados pela empresa-caso.
9 Dados aproximados e relativos a 2001 e 2005. com base nos valores publicados na Resolução n. 51/2007 da
Câmara de Comércio Exterior (Camex). Disponível em: <www.mdci.gov.br>. Acesso em: 5 jul. 2011.
10 Estimativas de participação de cada canal de vendas feitas pelo autor com base em mercados análogos, como
metais sanitários.
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Outra parte expressiva era vendida por canais de autosserviço como os homecenters e, em
menor intensidade, por supermercados, onde o consumidor escolhe produtos na gôndola e
leva ao checkout para pagamento. Esse era o canal que apresentava maior crescimento na
categoria, mas ainda muito voltado para os segmentos de renda A e B. Em 2005, esse canal
foi responsável por 20 a 25% das vendas de cadeados no Brasil.
Existia ainda a venda direta à indústria, para, por exemplo, trancar equipamentos,
armários, caminhões e estoques, mas representava pouco no consumo total da categoria
(aproximadamente 10%).
No início da década de 1990, com a abertura dos portos brasileiros, houve uma enxurrada
de cadeados chineses no mercado. Tais cadeados eram comercializados a valores muito
inferiores aos nacionais, e uma investigação da Câmara de Comércio Exterior concluiu, em
1995, que havia prática de dumping na venda dos produtos chineses (isto é, eram vendidos a
preços considerados abaixo do custo de produção). No mesmo ano, publicaram-se medidas
antidumping para proteger a indústria nacional, sobretaxando os produtos chineses num
patamar que inviabilizou sua comercialização no país.
Válidas inicialmente por cinco anos, essas medidas foram renovadas em 2001 por mais
cinco anos, expirando no fim de 2006. Não se sabia ao certo se seria possível estender a
proteção do mercado nacional mais alguns anos; de todo modo, os principais fabricantes
nacionais já haviam se mobilizado para entrar com um pedido de extensão da sobretaxa a
produtos chineses até ao menos o final de 2011. Tendo em vista cotações de preços dos
produtos chineses em outros mercados, estimava-se que os cadeados chineses poderiam
chegar ao Brasil a um preço 40% inferior ao dos concorrentes locais; sem a medida de
proteção, os produtores nacionais não teriam condições de competir e manter sua
Conforme dados da Resolução n. 38/2001, da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Disponível em:
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produção.12 Diferenças semelhantes de preço já haviam sido observadas antes das primeiras
medidas antidumping, nos anos 1990.
Comentava-se também no mercado que, dessa vez, o governo chinês intercederia junto à
Câmara de Comercio Exterior no Brasil em prol dos produtores chineses, adicionando à
discussão uma dimensão política que não existia em 2001. A estratégia comercial do governo
brasileiro era estreitar as relações com a China; portanto, seria um bom momento para o
pleito chinês.
Assim, fabricantes chineses, que até então produziam cópias grosseiras de produtos do
ocidente, adquiriram o know-how para produzir itens que atendiam ao padrão de qualidade
global exigido pelas grandes marcas europeias e estadunidenses, aprimorando sua
capacidade de oferta e seu patamar de serviços. Portanto, já havia na China produtores com
competência para produzir cadeados de qualidade semelhante aos cadeados convencionais
de latão das indústrias brasileiras.
A própria Papaiz já havia estabelecido bons contatos e negócios com fabricantes na China,
em busca de alguns itens para complementar seu portfólio de fechaduras a fim de atender a
clientes no mercado estadunidense. Esses mesmos fabricantes produziam cadeados de boa
qualidade para marcas da Europa e poderiam, hipoteticamente, fornecer também cadeados
com a marca Papaiz.
A fábrica na Bahia tinha um desenho de processos bastante enxuto; era orientada para a
produção em massa, com poucas SKUs, muita automação e foco em controle de custos de
produção. Trabalhava com 15 a 35% de ociosidade, dependendo da época do ano. Se
eventualmente decidissem descontinuar a produção no Brasil, o investimento – cerca de sete
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vezes o lucro líquido anual da empresa – seria praticamente perdido, pois não se
vislumbrava, de imediato, outra destinação ou utilização ou comprador para a maioria dos
equipamentos.
Em contraste, nos mercados europeu e estadunidense, havia uma gama muito maior de
cadeados disponíveis ao consumidor, com estratégias de segmentação tanto por aplicação
quanto por tipo de usuário.
Outro fato que incrementou a demanda de novos tipos de cadeado foi a crescente
necessidade de segurança nos grandes centros. Muitas pessoas passaram a trancar seu
armário, em academias, e mesmo sua mochila, na escola. Essas novas aplicações
demandavam produtos com características diferentes: agora eram “exibidos” pelos usuários
– o que implicava demanda de um apelo estético e de diferenciação visual, que antes não
existia.
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Assim como ocorreu em diversos outros mercados, nessa época também começou a se
delinear o consumo em classes mais populares. Com a estabilidade econômica e maior acesso
a renda, aumentava expressivamente a base de consumidores de renda C e D e, do lado dos
fabricantes, surgiam diversas marcas regionais e de preço mais baixo. Foram principalmente
esses novos consumidores que criaram espaço para o surgimento de cadeados em zamack a
partir de 2003. O anexo traz alguns dados relativos ao crescimento do consumo popular no
país entre 1995 e 2005.
O gerente de Marketing Luiz Alberto tem uma reunião marcada com os três vice-
presidentes, que formam o conselho da empresa, no fim da semana seguinte, para propor
caminhos que a Papaiz deveria tomar no mercado de cadeados.
Com base nas informações disponíveis, espera-se que suas recomendações procurem
responder a perguntas como:
O conselho aguardava essa reunião com grande expectativa, pois ali se apresentariam
respostas a essas questões, e as estratégias decorrentes seriam implantadas o quanto antes.
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Anexos
fonte: Veja, abr. 2006. Dados relativos a classes sociais em 2000 e 2003
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