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2.1
O mundo não tão
maravilhoso da
EuroDisney1
BONJOUR, MICKEY!
Em abril de 1992, a EuroDisney SCA abriu suas portas para os visitantes europeus.
Localizada às margens do rio Marne, a 32 quilômetros de Paris, a EuroDisney foi pro-
jetada para ser o maior e mais opulento parque temático que a Walt Disney Company
(Disney) já construiu – maior que a Disneylândia de Anaheim, na Califórnia; a
Disneylândia de Orlando, na Flórida; e a Disneylândia de Tóquio, no Japão.
Para a surpresa da administração da Disney, os europeus não ficaram tão deslum-
brados com o Mickey quanto os fãs japoneses. Entre 1990 e o início de 1992, em torno
de 14 milhões de pessoas visitaram a Disneylândia de Tóquio, sendo três quartos delas
visitantes frequentes. Uma família de quatro pessoas que pernoita em um hotel pró-
ximo gasta facilmente US$ 600 em uma visita ao parque. Em contraposição, na
EuroDisney, as famílias não estavam dispostas a gastar os US$ 280 por dia necessários
para curtir as atrações do parque, valor que incluía hambúrgueres e milk-shakes. Passar
a noite estava fora de questão para muitos deles, pois os quartos de hotel eram muito 1
O nome oficial foi mudado de
caros. Por exemplo, os preços variavam entre US$ 110 e US$ 380 por noite no Newport “EuroDisney” para “Disneyland
Resort Paris”.
Bay Club, o maior entre os seis novos hotéis da EuroDisney e um dos maiores na
TEMPESTADE À VISTA
A Disney e seus conselheiros não conseguiram ver os sinais da recessão europeia no
final da década de 1980. Outro acontecimento drástico foi a Guerra do Golfo em 1991,
que freou bruscamente as viagens de férias no restante daquele ano. Outros fatores
externos citados pelos executivos da Disney foram as altas taxas de juros e a desvalori-
zação de várias moedas em relação ao franco. A EuroDisney também enfrentou dificul-
dades ligadas à concorrência – a Exposição Mundial de Sevilha e a Olimpíada de 1992
em Barcelona foram atrações de peso para os turistas europeus.
A convicção da administração da Disney de que sabia melhor do que ninguém o que
estava fazendo foi demonstrada pela proibição extremamente alardeada do uso de bebi-
das alcoólicas no parque. Essa regra se revelou insensível à cultura local, porque os
franceses são os maiores consumidores de vinho do mundo. Para eles, uma refeição
sem um verre de rouge (copo de vinho tinto) é impensável. A Disney se arrependeu da
decisão e foi obrigada a abrandar também as regras quanto à aparência pessoal dos 12
mil membros do elenco – os funcionários do parque. As mulheres tiveram permissão
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para usar nas unhas um esmalte vermelho mais vivo do que o permitido nos Estados
Unidos, mas no caso dos homens a proibição à barba foi mantida. “Queremos a aparên-
cia de barba feita, bem cuidada e certinha”, comentou o diretor da filial da Universidade
Disney em Paris, que transfere aos funcionários em treinamento os valores e a cultura
da Disney. Entretanto, a administração da EuroDisney fez concessões quanto aos ani-
mais de estimação dos visitantes, construindo abrigos especiais para eles. A ideia de
deixar um animal de estimação em casa durante as férias é considerada insensata por
muitos franceses.
Os planos de maior crescimento da EuroDisney depois de 1992 eram ambiciosos. A
princípio, foi prevista a construção de 5.200 quartos de hotel, número superior ao da
cidade de Cannes, na Côte d’Azur. Estavam programados também shopping centers,
apartamentos, campos de golfe e casa de férias. A EuroDisney projetaria e construiria
tudo, com a expectativa de vender e obter lucro. De acordo com um executivo da Disney,
“em vários pontos, a Disney poderia ter tido parceiros para dividir o risco ou então
comprar os hotéis imediatamente, mas ela não queria abrir mão do lucro”.
“Desde o início, o chairman Eisner e o presidente Wells nunca haviam dado um
passo em falso, cometido um erro, uma falha”, afirmou um ex-executivo da Disney.
“Havia uma tendência a acreditar que todas as coisas que eles tocassem seriam perfei-
tas.” O inacreditável crescimento obtido alimentou essa crença. Nos sete anos que pre-
cederam a abertura da EuroDisney, eles aumentaram as receitas da empresa controla-
dora de US$ 1 bilhão para US$ 8,5 bilhões, principalmente por meio de crescimento
interno.
Narrar e vender contos de fadas As suposições errôneas da equipe de administração
da Disney afetaram o projeto de construção, as políticas de marketing e de determina-
ção de preços e a administração do parque, bem como o financiamento inicial. Os
executivos da Disney foram incorretamente informados de que os europeus não tomam
café da manhã e por isso cortaram proporcionalmente esse serviço nos restaurantes,
mas tiveram uma surpresa. “Todos compareciam para o café. Tentávamos servir 2,5 mil
cafés da manhã em um restaurante com 350 lugares [em alguns dos hotéis]. As filas
eram terríveis. E eles não queriam apenas croissants e café; queriam também bacon e
ovos.”
Diferentemente dos parques americanos da Disney, em que normalmente o tempo de
permanência dos visitantes é de pelo menos de três dias, na EuroDisney esse tempo é
de dois dias, quando muito. Os visitantes mais animados precisam de um tempo ainda
menor. Um analista afirmou ter realizado todos os passeios da EuroDisney em apenas
cinco horas. Geralmente, muitos hóspedes chegam bem cedo, correm para o parque,
voltam para o hotel tarde da noite e pagam a conta na manhã seguinte, antes de volta-
rem ao parque.
Os hábitos de férias dos europeus também não foram levados em conta. Os executi-
vos da Disney previram que a abertura desse novo parque temático incentivaria os pais
franceses a levar os filhos para férias de curta duração durante os recessos escolares.
Contudo, isso não ocorreu, exceto quando um feriado público caía no fim de semana.
De modo semelhante, a Disney previa que as viagens com a família no estilo ameri-
cano, que são curtas, mas frequentes, substituiriam a tradição europeia de um mês de
férias, normalmente tiradas em agosto. No entanto, o calendário dos escritórios e das
fábricas na França se manteve igual.
Ao promover o novo parque aos visitantes, a Disney não ressaltou a importância do
entretenimento, mas sim o tamanho do parque, e isso “quebrou a magia”. Para combater
Case 2.1 O mundo não tão maravilhoso da EuroDisney 5
QUESTÕES
1. Quais fatores contribuíram para o péssimo desempenho da EuroDisney em seu primeiro
ano de funcionamento? E para o péssimo desempenho da Disneylândia de Hong Kong?
2. Em sua opinião, até que ponto esses fatores eram (a) previsíveis e (b) controláveis pela Eu-
roDisney, pela Disneylândia de Hong Kong ou pela empresa controladora – a Disney?
3. Qual papel o etnocentrismo desempenha na história do lançamento da EuroDisney?
4. Como você avalia as habilidades de marketing transcultural da Disney?
5. Por que o sucesso em Tóquio predispôs a administração da Disney a ser tão otimista com
relação ao sucesso que poderia obter na França? E na China? Discuta essa questão.
6. Em sua opinião, por que a experiência na França não ajudou a Disney a evitar alguns pro-
blemas em Hong Kong?
7. Agora que a Disneylândia de Hong Kong funciona satisfatoriamente, o empreendimento de
Xangai se beneficiará da experiência de Hong Kong?
8. A Disney inaugurou a Disneylândia de Hong Kong e constrói a de Xangai. Suponha que
você seja um consultor contratado para dar conselhos à Disney sobre a data de abertura e a
localização de um novo parque. Selecione três locais e escolha aquele que, em sua opinião,
é ideal para a nova “Disneylândia X”. Discorra sobre sua sugestão.
9. Com base na localização que você escolheu para a mais nova Disneylândia, cite as impli-
cações operacionais da história da EuroDisney e da Disneylândia de Hong Kong para esse
novo parque.
Este estudo de caso foi preparado por Lyn S. Amine, PhD, professora de marketing e negócios
internacionais, membro ilustre da Academia de Ciência do Marketing e presidente da organização
Mulheres da Academia de Negócios Internacionais, Universidade Saint Louis, e pela estudante de pós-
graduação Carolyn A. Tochtrop, Universidade Saint Louis, como base para discussão em sala de aula, e
não para mostrar se a situação foi abordada de maneira eficaz ou ineficaz. O estudo de caso original
que aparece em edições anteriores foi revisto e atualizado para refletir acontecimentos recentes.
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Fontes: “An American in Paris”, BusinessWeek, 12 de março de 1990, p. 60-61, 64; Asahi Shimbun,
“Tokyo Disney Prospers In Its Own Way”, Asahi Evening News, 22 de abril de 2003; Chester Dawson,
“Will Tokyo Embrace Another Mouse?”, Business-Week, 10 de setembro de 2001; “Euro Disney Gets Its
Rights Issue Thanks to Underwriting Banks but Success in Balance”, Euroweek, 11 de fevereiro de
2005; “EuroDisney’s Prince Charming?”, BusinessWeek, 13 de junho de 1994, p. 42; “Saudi to Buy as
Much as 24% of EuroDisney”, The Wall Street Journal, 2 de junho de 1994, p. A4; Bernard J. Wolfson,
“The Mouse That Roared Back”, Orange County Register, 9 de abril de 2000, p. 1; “Disney Applies Feng
Shui to Hong Kong Park”, AP Online, 27 de junho de 2005; Michael Schuman, “Disney’s Great Leap into
China”, Time, 11 de julho de 2005; Michael Schuman, “Disney’s Hong Kong Headache”, Time, 8 de
maio de 2006; “A Bumpy Ride for Disneyland in Hong Kong; Despite Fixes, Some Observers Say
Troubles Could Follow Company to Shanghai”, The Washington Post, 20 de novembro de 2006; Dikky
Sinn, “Hong Kong Government Unhappy with Disneyland’s Performance”, AP Worldstream, 4 de
dezembro de 2007; Elaine Kurtenbach, “Reports: Shanghai Disneyland May be Built on Yangtze Island;
City Officials Mum on Talks”, AP Worldstream, 4 de dezembro de 2007; Lauren Booth, “The Wonderful
World of Mandarin Mickey...”, The Independent on Sunday, 22 de julho de 2007; Mark Kleinman,
“Magic Kingdom Fails to Cast Its Spell in the Middle Kingdom...”, The Sunday Telegraph, Londres, 25
de fevereiro de 2007; Paula M. Miller, “Disneyland in Hong Kong”, China Business Review, 1º de janeiro
de 2007; Jeffrey Ng, “Hong Kong Disneyland Seeks New Magic”, The Wall Street Journal, 19 de
dezembro de 2007; Geoffrey A. Fowler, “Main Street, K. K.; Disney Localizes Mickey to Boost Its Hong
Kong Theme Park”, The Wall Street Journal, 23 de janeiro de 2008; “A Chinese Makeover for Mickey
and Minnie”, The New York Times, 22 de janeiro de 2008; “Mickey in Shanghai”, BusinessWeek, 16 de
novembro de 2009, p. 6; Chester Yung, “Hong Kong Says Loss at Theme Park Shrank”, The Wall Street
Journal, 20 de janeiro de 2010, p. B4.