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GOFFMAN, A LINGUAGEM E A ESTRATÉGIA COMPARATIVA

Howard Becker

O problema da linguagem convencional

1 . A relação problemática entre a formulação das estratégias e da apresentação dos


resultados da pesquisa com as formas tradicionais de produzir conhecimento e apresentar os
relatórios de pesquisas – os conteúdos políticos da pesquisa.

2 . Como evitar os fracassos e defeitos resultantes de nossa aceitação irrefletida das coerções
do pensamento convencional não acadêmico: a separação entre vilões e mocinhos, entre bobs
e maus, a tomada de partido – a tendência ao esquematismo, maniqueísmo e simplificação.

3 . Concepção da tarefa do cientista: compreender como as coisas funcionam e apresentar de


modo claro e interessante dessa compreensão.

4 . Os nomes que os nativos dão as coisas, processos, relações, instituições, elementos da vida
do grupo/comunidade estudados nunca são substantivos objetivos neutros – resultam das
situações, experiências, posições, interesses que os atores envolvidos têm em suas práticas e
representações das mesmas.

5 . Os riscos de adotar a linguagem dos nativos – adotar as perspectivas, atitudes e interesses


nela expressos – ao invés de tomá-la como algo a ser estudado e explicado.

6 . Os nomes que damos às coisas que estudamos têm consequências: o exemplo do estudo
sobre o uso de maconha – ao invés de utilizar a palavra viciado, utilizar usuários.

7 . Os atores em luta pela legitimidade de suas versões e interesses pressionam os


pesquisadores a adotarem suas maneiras de nomear as coisas.

8 . O exemplo das entidades que trabalham na recuperação de viciados em maconha e a


apresentação de estatísticas as mais alarmantes possíveis, para justificar o investimento
governamental e as doações privadas; o departamento de narcóticos da Polícia e o prefeito
podem se interessar pela divulgação de índices menores.

9 . Os interesses na produção dos problemas sociais.

10. Os juízos de valor versus os juízos de realidade.

11. O exemplo da maconha e as maneiras diferentes que os usuários e outros grupos


envolvidos têm de falar:

USUÁRIOS POLÍCIAIS, MÉDICOS, RELIGIOSOS

Erva, coisa, lombra, barato, contatos Cannabis, maconha, viciado, traficantes,


transe

12. O exemplo das escolas – ensino e aprendizagem é o que ocorre nas escolas.
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13. A aceitação de definições convencionais do que estudamos tem consequências técnicas e


morais:

 Técnicas – o predomínio de uma linguagem e das interpretações dos grupos que têm
poder de estabelecê-las – impossibilidade de generalizar.

 Morais – a aceitação das definições morais subjacentes às linguagens prevalecentes –


os viciados e o descontrole de suas ações e as escolas e o monopólio do ensino e da
aprendizagem.

14. Goffman e o estudo sobre manicômios: a armadilha de adotar a linguagem estabelecida


pelo grupo de atores que têm o poder de mandar pessoas para essas instituições – os
profissionais de saúde, que dirigiam essas instituições; os profissionais da lei, que serviam às
famílias e à polícia, que se livravam dos indisciplinados/rebeldes/inconvenientes.

Como Goffman enfrentou o problema

1 . A solução linguística

 Apesar das realidades revoltantes e repulsivas, que a maioria de nós conhece por
vivermos em sociedades nas quais elas existiram e continuam a existir, Goffman nunca
usa uma linguagem valorativa – não usa adjetivos qualificadores do que ele descreve
–, não as censura, embora suas descrições provoquem nos leitores reações de
qualificação e censura

 classe do pessoal, do escalão e classe dos membros internos


 controle de escalão ao invés de dominação
 Privação de papel
 Programação
 Kit de identidade
 Exposição contaminadora
 Efeito cascata (looping)
 Sistema de prêmios
 Ajustes secundários
 Recolhimento situacional
 Uso de uma linguagem negativa de forma não negativa, ao associar com outros casos
da série focalizada em que têm conotações positivas – mortificação nos manicômios e
no exército
 Os manicômios como um caso da série de instituições totais que lidam com o governo
de humanos e não com coisas inanimadas.
2 . A solução comparativa
 Compara organizações distintas, abstraindo suas características similares – famílias,
conventos, escolas, manicômios, prisões, partidos, clubes de tênis, campos de
concentração:
 Relação com o controle do tempo e do comportamento dos indivíduos que
dela participam
 Seleção excludente de participantes
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 Frequência com que mudam seu pessoal


 Seriedade ou frivolidade das atividades de que se ocupam
 Rejeição de pares convencionais como normais/anormais; funcionais/disfuncionais;
normais/desviantes; conservadores/progressistas; primitivos/evoluídos;
desenvolvidos/subdesenvolvidos; bem como termos valorativos como corruptos,
repressivos.
 Faz a sociologia das ciências utilizadas na classificação social construída e estabelecida
como legítima (o exemplo dos especialistas na natureza humana – os psiquiatras)
 Fornece uma caracterização que isola as instituições totais das outras instituições
sociais: o confinamento (para cuidar de si mesmas, porque representam um perigo
para os outros; para realizar um trabalho socialmente considerado importante)
 A linguagem neutra tem como efeito criar uma zona de suspensão avaliativa e produzir
uma compreensão dos mecanismos de funcionamento das instituições totais ao estilo
dos tipos ideais – para possibilitar a aproximação ou distanciamento dos objetos
empíricos estudados – quanto de total tem a instituição estudada?
 A multivocalidade/a polifonia (as falas dos psiquiatras, que pretendem justificar
cientificamente suas ações e as falas dos mortificados e humilhados.
 A instituição da necessidade de um trabalho mais complexo de interpretação dos
leitores.
3 . O resultado técnico e moral
 Clareza na definição de características estudadas
 A complexificação da abordagem, da atenção do leitor
 Privilegiamento do teste empírico de proposições sobre o mundo social
 O exemplo das marés de sorte e de azar referidas pelos jogadores em que embarca o
estudante, ao invés da compreensão do jogo das corridas como uma dinâmica na qual
para treinadores, donos de cavalos e jóqueis fosse interessante que seus cavalos
perdessem.
 Não culpar os indivíduos, e, ás vezes, nem as instituições, quando ações e processos
sociais são responsabilidade de toda uma sociedade, em todas as suas partes – do
arranjo estrutural subjacente a todas elas.

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