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Resumo
Baseando-se em escritos de Paulo Freire, o texto apresenta uma reflexão sobre o
fato de não haver educação eticamente isenta e ideologicamente neutra,
consequentemente, no processo de formação de um indivíduo não é possível
dissociar a questão educacional dos atributos éticos. O texto trata, ainda, da
correlação entre ética, política e educação, refletindo sobre a natureza e a função
do ato educativo, tendo em vista as implicações e os resultados do processo
pedagógico. Defende que cabe ao educador explorar temas que motivem e tenham
proximidade com as condições existenciais do educando, instigar a mentalidade da
pesquisa e da busca autônoma do saber, motivar o diálogo e a escuta e, sobretudo,
assumir a responsabilidade ética com o desenvolvimento de uma cultura
esclarecida.
Palavras-chave: ética, educação reflexiva, responsabilidade, liberdade, diálogo.
1 Tendo presente o fato de que a ética é um conceito entendidos, indicamos, para efeito de
muito caro à filosofia, e que o seu ponto de partida é aprofundamento do presente texto, a leitura do artigo
aristotélico, para não incorrermos em um Ética e educação: caráter virtuoso e vida feliz em Aristóteles
desconhecimento deste princípio e evitarmos mal (ALVES, 2014).
uma pedagogia que seja capaz de produzir no criatividade, nasce a brutalidade; no lugar da
educando condições de perceber, sentir e se liberdade, surge a autoridade. Assim revelado, o
engajar no projeto social de sua própria docente deixa de representar uma alternativa
formação. Se isso é importante, deve-se, então, para o desvendar, e passa a ser o repressor
concluir que o docente, o agente da educação, institucional para a execução de currículos
deve estar preparado para desafiar, o que previamente impostos pela administração escolar
pressupõe a importante tarefa de e pelo sistema formal de ensino. Desestimulado,
autocondicionar-se a pensar diferentemente. o docente é, também, desestimulante, porque se
Parece que prática ética, prática educativa e converteu em burocrata do ensino, em
prática política (prática cidadã) estão imbricadas reprodutor de conhecimentos estabelecidos; em
no ato de ensinar, e isso num sentido seus olhos não há a chama da curiosidade, mas
democrático; o que vale dizer, não num sentido se esfria o cinza-nebuloso do desgosto oriundo
de que as aulas devam se converter em ‛lavagem das amarguras de sua profissão.
cerebral’ do educando por ideologias políticas Paulo Freire define a autoridade deste
determinadas. Isso porque o sentido da docente, como “mandonista, rígida, não conta
consciência cidadã, aqui trabalhado, não é o de com nenhuma criatividade do educando. Não
uma consciência político-partidária, ou muito faz parte de sua forma de ser, esperar, sequer,
menos o de uma consciência exclusivista, que o educando revele o gosto de aventurar-se”
refratária e impermeável a novas demandas (FREIRE, 1996, p. 104). Nesse sentido, este
políticas (HENZ, 2007). Ou seja, a ‛consciência’ educador é frustrado e ao mesmo tempo
(STRECK et al., 2010) reflexiva-crítica é frustrante. Que tipo de atitude cultiva? Que tipo
sinônimo de preocupação com o social, com as de sentimento desperta nos educandos? Quais
carências reais que envolvem certa comunidade e suas atitudes perante a sociedade? Quais suas
suas demandas, com o momento histórico concepções em sala de aula? Que pensa da
vivido, com os projetos sociais em andamento e formação educacional? Será que carrega esses
as grandes e pequenas questões que incomodam estigmas de pensar a educação de uma forma
uma sociedade em dado contexto. Aqui, como descrita a seguir?
‛política’ (STRECK et al., 2010) não significa Suas práticas educativas se convertem,
clausura ou unilateralidade político-partidária, portanto, em práticas esterilizadoras da
mas sim liberdade, isto é, reconexão do pessoal e jovialidade do conhecimento, do despertar de
do político, ‛democracia’ (STRECK et al., 2010). novos olhares, da criação de diferentes
E disso não pode o educador democrático se consciências. Ora, nas palavras de Paulo Freire,
esquivar. se há uma prática exemplar como negação da
Portanto, educador democrático não é experiência formadora esta é a que:
somente aquele que é capaz de se tornar
permeável a práticas pedagógicas permissivas, Dificulta ou inibe a curiosidade do
mas, sobretudo, aquele que fazendo de sua tarefa educando e, em conseqüência, a do
um importante instrumento de ‛criticidade’ educador. É que o educador, entregue a
(STRECK et al., 2010) é capaz de interagir entre procedimentos autoritários ou
paternalistas que impedem ou dificultam o
o senso comum, a ciência, a politicidade do
exercício da curiosidade do educando,
saber, as necessidades cotidianas, despertando termina por igualmente tolher sua própria
em seus educandos esse interesse no saber, no curiosidade (FREIRE, 1996, p. 94).
conhecer e no agir. Ao contrário, o educador
autoritário traz consigo o estigma da docência O educador autoritário não percebe no
como transmissão de informações, o educando diálogo a possibilidade de construção de algo
visto como o depósito de dados e informações, a conjunto com o educando, pois suas concepções
sala de aula como o grande container onde todos de mundo são verticalistas (GHIGGI, 2008).
os dias se lançam e ruminam as velhas nuances e Nisso tudo há uma profunda diferença de
fórmulas de sempre. conceito e percepção da função educativa. O
O educador autoritário não está interessado não-diálogo é uma atitude simplificadora da
na liberdade, mas sim na concepção segundo a realidade, pois torna a passividade de uma sala
qual se lança informação, até para que a sensação de aula o repasto perfeito para a não-criação,
de dever cumprido lhe satisfaça (GHIGGI, para o não-fomento; nisso mora certo medo do
2008). No lugar da aventura, brota a amargura; diferente, do novo, do inusitado, do inesperado.
no lugar da leveza, nasce a aspereza; no lugar da Educação, se é formação, pressupõe diálogo,
para o que se deve estar aberto para construir estimulante e produtiva. Isso porque os
por meio dele. Nesse sentido, pela via do diálogo pressupostos de uma educação bancária se
a educação pode significar libertação. Para isso, assentam em uma narrativa alienada e alienante,
ela deve estimular: cuja perspectiva é educar para a submissão, para
a crença em uma realidade estática,
a pergunta, a reflexão crítica sobre a compartimentada, para uma visão de sujeito
própria pergunta, o que pretende com esta acabado e concluso. Ou seja, a educação
ou com aquela pergunta em lugar da bancária tem como propósito a reprodução da
passividade em face das explicações consciência ingênua e acrítica.
discursivas do professor, espécie de
No lugar da fixação, da reprodução, do
respostas e perguntas que não foram
feitas. Isto não significa realmente que continuísmo surgem a revolução, a renovação, a
devamos reduzir a atividade docente em libertação, a abertura, a criação, enfim, o jogo
nome da defesa da curiosidade necessária, dialógico (ALVES, 2011). Será que as políticas
a puro vaivém de perguntas e respostas, públicas estão preparadas para tanto? Será que
que burocraticamente se esterilizam. A educadores estão prontos para esse desafiador
dialogicidade não nega a validade de projeto de educação? Será que as instituições
momentos explicativos, narrativos, em que educacionais estão prontas para receber e abrigar
o professor expõe ou fala do objeto. O essa concepção de educação? Será,
fundamental é que professor e alunos principalmente, que a pedagogia ensinada aos
saibam que a postura deles, do professor e
professores está preparada para isso? Se isso é
do aluno, é dialógica, aberta, curiosa,
indagadora e não apassivada, enquanto fala praticado, o fruto não é outro senão a
ou enquanto ouve. O que importa é que o imbricação, a relação entre educador e educando.
professor e os alunos se assumam Portanto, cabe ao educador, como
epistemologicamente curiosos (FREIRE, profissional da educação e investido da função
1996, p. 95-96). de desenvolver no educando a dimensão crítico-
reflexiva: explorar temas de motivação e
A verdadeira função da educação reside e proximidade com as reais condições vivenciais e
evidencia-se como prática de liberdade existenciais do povo; instigar a mentalidade de
(FREIRE, 2002a). Nesse sentido, a educação pesquisa e de busca autônoma pelo saber;
comprometida eticamente não pode se deixar demonstrar as causas e as razões da opressão;
representar pela simplicidade e comodidade das motivar o diálogo e ouvir o que o educando tem
concepções bancárias pelas quais o a dizer; assumir eticamente sua responsabilidade
conhecimento se faz, se transmite e se reproduz, profissional e social com a cidadania e a
inaugurando a inatividade, a charlatanice e a responsabilidade política; demonstrar e agir para
apatia de gerações inteiras. Devem mesmo ser a vida e negar a morte abortiva das mentalidades;
exterminadas as tentativas de conversão ou permitir que a liberdade invada os modos pelos
assimilação da educação com a concepção quais as práticas pedagógicas se fazem; assumir
bancária de mundo (FREIRE, 2005). atitudes democráticas na condução dos trabalhos
acadêmicos; tornar-se um educador-investigador
para trazer sempre novos estímulos aos alunos e
Considerações finais a si mesmo; combater toda forma de exclusão
social que se possa instaurar na escola ou na sala
Com esta investigação pudemos constatar, de aula; instaurar e assumir a politicidade do
com base no pensamento de Paulo Freire, que a mister educativo; formar e informar o educando
análise da função do educador envolve o pensar quanto à sua própria realidade histórico-social;
nele desempenhando uma tarefa humanista veicular paixão pela mobilização que a educação
(ético-responsável), o que também significa é capaz de proporcionar; vivenciar por suas
desperta o educando, que se encontra na atitudes o compromisso assumido com a sala de
condição de oprimido, para a libertação por aula. Tudo isso são algumas formas de dar
meio de práticas convenientes e adequadas. Para passos em direção à liberdade do oprimido de
que isso ocorra, a educação que se quer sua condição, bem como em direção à
humanizante precisa andar no sentido contrário formatação de uma nova conjuntura educacional
de qualquer concepção bancária de educação, e capaz de motivar a superação de todos os
verte-se no sentido criativo da educação percalços pelas suas próprias forças.
conscientizadora, engajadora, habilitante,