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RESUMOS - 7ª AULA
I. Maria Paula dos Reis Vaz Freire – Eficiência econômica e restrições verticais
1. Introdução: (p. 21) A autora inicia seu texto discutindo as visões ideológicas sobre o
papel do Estado na Economia, na qual ela entende que o capitalismo regulado, a
depender das circunstancias, pode se aproximar do socialismo. [...] (23) Desde já se
pode adiantar que os mais valiosos contributos para a conformação das decisões de
política econômica não provêm de uma dicotomia analítica rígida entre regulação versus
desregulação, mas sim da assunção de que concorrência e regulação são vitais para a
economia de mercado. 2. Conceito: (p.24) A atividade reguladora no domínio
econômico corresponde a uma manifestação circunscrita do poder regulador do Estado,
isto é, da sua actuação juridificante, ordenadora dos mais dos mais diversos aspectos da
realidade social. A regulação pressupõe, portanto, a utilização de instrumentos
normativos emanados de uma estrutura de poder, dotada de força coerciva e orientada,
designadamente, para a prossecução de objetivos de política econômica e social. [...] (p.
24) O Estado assume-se como instituição vocacionada para a prossecução de
acréscimos de bem-estar, que o mercado, por si so, não consegue obter. A intervenção
reguladora encontra os seus fundamentos legitimadores, alternativa ou
cumulativamente, em razões de eficiência, de redistribuição, de proteção de objetivos
sociais e culturais afectados pela atividade econômica, ou de conformação de incentivos
capazes de contribuir para a sua prossecução. [...] (p. 25) Atento a um critério funcional,
torna-se possível fazer derivar, deste conceito genérico de regulação econômica, dois
aspectos distintos de atuação publica neste domínio: a regulação social, incidente sobre
múltiplas áreas como o ambiente, as condições de exercício do trabalho e a defesa dos
consumidores e a regulação econômica strcto sensu estruturante do mercado e
modeladora de determinados comportamentos dos agentes econômicos. Além disso, a
autora trabalha com os conceitos de regulação estrutura, comportamental, regulação por
diretivas e incentivos, bem como regulação de comando e controle. (p. 27) Em síntese, a
regulação pública da atividade econômica corresponde ao conjunto de medidas
legislativas, administrativas e convencionadas através das quais o Estado,
genericamente considerado, determina, controla ou influencia o comportamento dos
agentes econômicos, a fim de alcançar objetivos socialente desejáveis e de evitar efeitos
lesivos de interesses socialmente legítimos. [...] (p. 28) Numa perspectiva mais
benevolente, atribui-se à regulação a função de moldar incentivos, a formação de
preferências, por forma a conferir uma efectiva confiança aos participantes do mercado.
[...] No entanto, pode dar-se como assente que a regulação econômica corporiza sempre
uma intervenção no mercado que o sistema de preços se mostra incapaz de resolver, ou
de fazer sem colidir com valores e interesses merecedores de proteção. 2.1. Capacidade
auto-reguladora do mercado (p. 29) A crença na regulação espontânea do mercado
radica na concepção smithiana sobre o funcionamento desse espaço de encontro de
vontades, o qual desempenha uma função conciliadora entre distintos e, aparentemente,
contraditórios interesses individuais bem como entre estes e o interesse geral. A defesa
da não regulação tem assim, por base, a concepção de que existe uma ordenação pré-
social e pré-política, gerada a partir da racionalidade das decisões e da interacção, capaz
de assegurar as formas mais eficientes de produção e distribuição. (p. 30) A sua teoria
de mercado, dominada por essa mão providencial, sintetiza a incorporação dos valores
do indeividualismo e dos valores universais da racionalidade, ao demonstrar que o bem
comum é o resultado espontâneo do modo como cada um, individual e egoisticamente,
procura realizar seus objetivos próprios. [...] O natural devir dos eventos exige que o
poder político limite a sua intervenção a áreas onde a sociedade reclama
imperativamente a sua presença, o que só acontece “para a defesa nacional, para
administração da justiça e para a produção de bens públicos em caso de ineficiência dos
mercados. 2.2. O triunfo da hetero-regulação. (p. 37) Numa economia dominada por
uma crescente concentração, o pressuposto da concorrência perfeita é remetido à sua
condição de modelo analítico, devendo a análise do funcionamento dos mercados
alargar o seu âmbito, por forma a integrar a concorrência imperfeita. (p. 39) As críticas
ao modelo neoclássico e o desenvolvimento de novos modelos de análise econômica
representaram uma forte justificação teórica para a intervenção reguladora dos
mercados. No entanto, se a regulação se afigura como incontornável, a discussão
subsume relativamente à forma e à amplitude que ela deve se revestir. 2.3. A afirmação
da não regulação. (p. 44) Com base nas ideias de Hayek, reforça-se a ideia de que o
sistema concorrencial, apesar das suas vicissitudes, é de entre todas as formas
conhecidas e ensaiadas, aquele que permite um desenvolvimento mais eficiente da
atividade econômica, sendo impossível obter um resultado idêntico através da
intervenção autoritária coerciva e, frequentemente, arbitrária e redutora da liberdade
individual. [...] (p. 45) Nesta medida, a regulação deve limitar-se aos aspectos que não
encontram sujeitos à disciplina das forças competitivas do mercado. [...] Como melhor
se verá, Stigler contraria a visão da regulação determinada pelo interesse público, até aí
dominante no pensamento econômico, ao afirmar que, em regra, a regulação é adquirida
pela indústria, pelo que é concebida e funciona, essencialmente, em seu próprio
benefício. De acordo com esta teoria, os legisladores e os agentes reguladores
consubstanciam a oferta de um bem valioso – o poder de regular – sendo a procura
representada pelos grupos de interesse sobre os quais ele se exerce. (p. 46) Assim
sendo, não é a estrutura de mercado, em si mesma, que introduz disfunções à eficiência
econômica, mas sim o maior ou menor grau de regulação, logo, uma excessiva carga
reguladora das práticas anticoncorrenciais terpa efeitos mais perversos doque uma
intervenção minimalista nesse domínio, uma vez que aquela amplia, potencia e perpetua
as falhas de mercado que alegadamente, visa a combater. [...] (p. 48) Por outras
palavras, não deve haver lugar a atuações regulatórias quando delas resultem custos
sociais superiores àqueles que decorrem do funcionamento dos mercados livres de
interferências reguladoras. [...] As entidades reguladoras podem ser criadas com intuito
de prossecução do interesse público mas, com o decurso do tempo, acabam por ser
dominadas ou capturadas pela influencia que sobre elas exerce o setor de atividade que
regulam.
São, por assim dizer, mais facilmente adaptáveis às contingencias do momento por
serem reguladas pela vontade dos envolvidos, de modo que são igualmente capazes de
influenciar nos comportamentos empresariais. Contudo é preciso reconhecer que,
isoladamente, nenhuma dessas instituições são capazes de “determinar” o
comportamento empresarial. (p. 69) O jogo de pressões entre grupos com interesses
antagônicos, ou concorrência entre grupos de pressão, permite estabelecer a forma mais
eficiente de regulação, sem que daí decorram efeitos negativos para o crescimento e
para a produtividade. Os resultados dessa concorrência são eficientes enquanto forma de
alcançar a regulação adequada. 3.2. Captação de renda. A escola da Virgínia da
Escolha Pública avança igualmente um importante contexto teórico de compreensão da
regulação economica. A procura de maximização da renda (rente seeking) assume-se
como conceito central explicativo da atividade política dos indivíduos e das empresas,
enquanto esforço de afetação de recursos escassos com vista a obtenção de direitos de
monopólio. (p. 70) [...] A atividade decisória está sempre associada a faculdade de
distribuir, de forma diferenciada, as vantagens e os rencargos dela decorrentes, pelo que
a atuação de alguns será justamente como incentivo a oportunidade de apropriação de
um benefício diferenciado. O estabelecimento de quadros normativos diferenciados
pode traduzir-se na atribuição de direitos, por exemplo sob a forma de autorização para
o exercício de determinadas atividades de onde decorrem benefícios diretos, mas
também podem definir vantagens indiretas decorrentes de uma menor carga de custos a
suportar por alguns grupos, à custa de uma sobrecarga de outros, assumindo assum a
forma de subsídios cruzados. [...] (p. 71) A afetação de recursos escassos com vista à
captação de rendas instaça a percepção de que o sistema de preços não assegura a
prossecução de objetivos de bem-estar social, gerando-se, a partir daí, um consenso
sobre a necessidade de uma maior intervenção reguladora. Surge, assim, um ciclo
vicioso, pois um instrumento da regulação induz ao aumento do esforço de captação de
renda, cujos efeitos, em termos de convicção sobre o deficiente funcionamento do
mecanismo de mercado, desencadeiam o clamor por maior intervenção pública. [...] (p.
72) O total das ineficiências associadas à procura de obtenção de privilégios resulta não
só do somatório das perdas geradas pelo dispêndio de recursos por parte dos agentes
privados – isolada ou concertadamente através de grupos de interesse-, interessados na
sua obtenção e manutenção, mas também dos recursos dispendidos por agentes da
administração pública, interessados em ocupar uma posição que lhes permita atribuir
aqueles benefícios especiais. [...] (p.73) A consciência do valor da regulação e o
incentivo a captação de renda titam a complexidade do jogo de intervenção,
determinando que os agentes políticos procedam uma prudente ponderação entre custos
e benefícios. (p. 74) Em síntese, a escolha pública evidencia a par de falhas de mercado,
a presença de falhas políticas ou de intervenção, originadas pelas imperfeições das
políticas econômicas reais e com efeitos, frequentemente, mais perversos do que os
daquela, traduzidos em maiores perdas de bem-estar. 3.3. Aquisição de direitos de
monopólio. As teorias do interesse privado desenvolveram-se, em grande parte, a partir
da regulação dos monopólios. Sintetizando alguns dos principais argumentos, atrás
referenciados, foi possível empreender análises inovadoras e avançar soluções
normativas alternativas à regulação. No que respeita à natureza do monopólio podem
equacionar-se duas concepções essenciais: a teoria da autossuficiência e a teoria do
intervencionismo. De acordo com a primeira, o poder de monopólio é adquirido em
virtude da atividade produtiva da empresa, enquanto que para a segunda esse poder
resulta da intervenção pública. [...] (p. 75) a essência do poder de monopólio é definida
como a capacidade de obstar a um aumento da capacidade produtiva, isto é, de restringir
e de retardar a sua expansão e utilização. [...] A intervenção do Estado fornece aos
agentes poderes coercivos suscetíveis de permitirem que os objetivos de obtenção ou
reforço do poder de mercado sejam mais facilmente alcançados. Ora, se uma empresa
estabelecida no mercado procurar, por si mesma, dificultar a entrada de novos
concorrentes, por exemplo, através da prática de preços predatórios, sofrerá ela própria
perdas de lucro. Por seu turno, se existir um enquadramento regulador restritivo da
entrada de novos agentes no mercado expressa, designadamente, através de exigências
de licenciamento ou certificação, a empresa estabelecida obterá o mesmo resultado de
forma mais eficaz, isto é, sem as mencionadas perdas. (p. 76) A cooperação
governamental representa um precioso auxílio a empresas com potencialidades
produtivas para adiquirirem posições de mercado relevantes, pois garante a dentenção
de poderes de controle. Esta situação tem como efeito a restrição da capacidade
produtiva por parte das referidas empresas, afastando a produção de níveis ótimos. Em
suma, a intervenção governamental constitui a principal ameaça à economia
competitiva. [...] Se não é possível existir concorrência no mercado, é necessário
fomentar a concorrência pelo mercado. 3.4. Assimetrias de informação. (p. 78) O
processo regulatório desenrola-se num complexo cenário de relações agente-principal: a
entidade com poder para regular (agente), em colusão com os grupos de interesse
visados pela regulação, oculta e distorce a informação que fornece ao decisor político
(principal), interessado na prossecução do bem estar coletivo. O funcionamento dos
organismos de regulação – tendencialmente criados e vocacionados para a obtenção de
informação – obedece, portanto, a incentivos particulares dos seus titulares que
subvertem a promoção do interesse geral. A captura da regulação resulta, assim, da
existência de assimetrias de informação. Deste modo, quanto maiores forem as
assimetrias de informação, maiores serão a ineficiência da regulação e o poder dos
grupos de interesse que dela se beneficiam. 3.5. Algumas conclusões. (p. 80) Uma das
mais notórias deficiências da teoria do interesse público resulta da mesma ignorar a
presença de falhas e de custos de informação, de custos de transação e de custos
administrativos associados à atividade reguladora. [...] (p. 81) A própria determinação
do interesse úblico encerra múltiplas dificuldades, pois, como argumentam Buchanan e
Tullock, mesmo que se associe essa definição a uma função de bem-estar, ela
corresponderá sempre a uma ordenação subjetiva de diversas alternativas,
representando, por isso, a prevalência de um juízo individualizado. [...] A invocação do
interesse público subordina a regulação ao dilema entre eficiência e a equidade. (p. 82)
Em suma, as teorias do interesse público afiguram-se incompletas, pois falham em
fornecer uma explicação sobre a forma como o interesse público é transposto para
normas jurídicas maximizadoras do bem estar econômico. [...] Outra objeção essencial,
e virtualmente intransponível, associada às concepções do interesse público decorre do
fato de estas assumirem o pressuposto da benevolência do regulador. A assunção do
altruísmo do servidor público cede lugar à constatação de que nos processos de decisão
e de execução se combinam vários participantes com interesses específicos e distintos,
ficando assim por explicar como, a partir da conjugação desses interesses, é possível
alcançar a melhor solução. (p. 84) Na atualidade, a assunção de que o mercado pode
conduzir a níveis ótimos de benefícios individuais e coletivos é temperada pela
necessidade de determinar em que circunstancias, de que forma e com que amplitude tal
pode vir a acontecer. Trata-se , portanto, de perceber quando é que o mercado pode
funcionar por si mesmo e em que circunstancia tal não ocorre, o que reclama uma
cuidadosa ponderação da medida da ordenação externa que deve coexistir com o
mercado. Regular ou não o fazer implica uma nálise dos efeitos dessas opções, uma
ponderação de valores conflituantes e, em última instância, uma decisão de cariz
político.
(p. 73) 2.1. Direito da Concorrência e mercados como construções sociais, políticas
e jurídicas. Segundo a autora, a experiência ocidental desde a Idade Média mostra que
nunca houve um mercado espontâneo, cuja formação e o funcionamento independesse
de instituições, sociais, políticas e jurídicas. [...] a escola fisiocrática começou a
difundirm já na metade do século XVIII, a ideia de que os mercados obdecem a leis
naturais e espontâneas, pensamento cuja repercussão, de certo modo, se certo modo, se
estende até os tempos atuais. [...] (p. 74) Apesar do significado histórico do princípio da
mão invisível, que destacou a importância da interação espontânea entre os agentes
econômicos como a principal estrutura de alocação de recursos e de crescimento
econômico, ele acabou eclipsando o fato de que as forças de mercado não existem de
forma independente das instituições, especialmente do direito. Por outro lado, o
pressuposto de equilíbrio do mercado depende da assunção de algumas premissas, como
a de que as pessoas são racionais, sabem o que querem e têm poder de barganha em suas
transações. Somente sob essa perspectiva é possível defender que o resultado final da
interação autointeressada entre diversos agentes será o equilíbrio pretendido. [...] (p. 75)
No entanto, um exame mais aprofundado do assunto mostra que, mesmo no século XIX,
a intervenção estatal na economia foi maior do que normalmente se supõe, de forma que
a atividade economica não teria como prosperar se não fosse o arcabouço jurídico que
lhe foi propiciado pelo Estado. A ideia de laissez-faire e de uma economia que se
desenvolveu e progrediu sem qualquer participação relevante do Estado é
completamente irreal, ou, como diria Sustein, uma grotesca e má descrição da realidade.
Com efeito, a simples instituição do modelo do mercado já exige uma estrutura legal
coercitiva mínima, a fim de assegurar a propriedade, a vida e o cumprimento dos
contratos. [..] (p. 77) Tais colocações são ora trazidas para mostrar que, assim como
ensina Natalino Irti, o mercado não é um locus naturalis e sim um locus artificialis,
derivando de uma técnuca de direito que, em dependência com decisões políticas,
confere forma à economia. É o direito que constrói estrada e a disciplina do comércio e
introduz critérios de obediência e de uniformidade, sem o que seria impossível a
interação entre os agentes econômicos. (p. 78) [...] A regulação jurídica do mercado não
só é compatível, como é imprescindível para o seu funcionamento, motivo pelo qual a
grande discussão não deveria ser sobre a necessidade e a importância desta regulação,
mas sim sobre como, em que medida e para que ela deveria existir. [...] Se os mercados
são construções sociais, políticas e jurídicas, obviamente precisam ser compreendidos e
regulados de acordo com os valores e as preocupações que resultam dessa interação
institucional. Ainda que haja muitas controvérsias em torno do assunto, um ponto em
relação ao qual existe certo consenso é o de que o Estado precisa intervir menos para
assegurar a preservação do próprio mercado, objetivo para o qual o Direito da
Concorrência tem um importante papel, ao possibilitar que exista um ambiente no qual
os agentes econômicos passam a entrar e permanecer em razão do seu mérito. [...] De
fato, a concentração de capital e a criação da legislação antitruste apontaram para duas
verdades que eram constantemente ignoradas no Estado liberal: (i) a de que o exercício
absoluto e descontroladoo de liberdades individuais e direitos subjetivos teria
consequências nefastas para a sociedade e para o Estado; (ii) a de que, diante do poder
econômico e das desigualdades entre os agentes econômicos, os mercados não poderiam
funcionar adequadamente por si mesmos, dependendo de alguma institucionalização por
parte do Estado, ainda que este fosse mínima e voltada exclusivamente para a própria
manutenção do livre mercado. [...] (p. 79) Em face das considerações ora expostas, a
tese da aproximação entre o Direito da Concorrência e a Constituição, já delineada no
capítulo anterior, longe de ser inexequível ou ilusória, é a consequência necessária de
que os mercados, por dependerem das instituições, precisam ser também avaliados e
regulados no contexto destas, assim como em face da ordem economica constitucional
que lhes dá suporte. 2.2 Os critérios econômicos tradicionais para a regulação dos
mercados: perspectivas e limitações. Esclarecido que a regulação jurídica não apenas
é possível, como é pressuposto da existência dos mercados, resta discutir qual deve ser a
medida e os objetivos desta, bem como os instrumentos que poderão orientar juristas,
economistas e políticos na conformação dos mercados. [...] (p. 80) Entretanto, o modelo
neoclássico de maximização de utilidades é estático: toma a situação dos consumidores
e a das empresas como dados não questionados, não fazendo qualquer reflexão sobre os
pontos de partida. Assim, estão abstraídas da análise questões cruciais como as
diferenças entre as pessoas, as relações de poder e as desigualdades de riqueza. (p. 81)
A proposta neoclássica é de maximizar riquezas a partir de uma visão completamente
abstrata dos agentes econômicos envolvidos. Daí o amplo recurso a equação
matemáticas nas quais os agentes são analiticamente igualados. Outro aspecto que
merece ser destacado da metodologia é o afastamento de qualquer discussão ética ou
moral, bem como a impossibilidade de comparação interpessoal de utilidades, o que
torna a análise de utilidades meramente quantitativa, sem que haja reflexão valorativa
sobre as utilidades que estão em discussão e sobre a relação destas com as
circunstancias específicas dos agentes. Em razão de tantas simplificações, a teoria
neoclássica permitiu a “demonstração de um tipo quase perfeito de organização social,
realizável numa economia competitiva, na qual os mercados propiciam a alocação ótima
e a harmonia de interesses, maximizando a consecução de objetivos individuais”, Mais
do que isso, várias das premissas das análises neoclássicas resultam em um verdadeiro
determinismo econômico, já que ninguém, nem mesmo o Estado, poderia intervir
eficazmente contra as leis naturais da economia. [...] (p. 82) Destaca-se que, assim
como os economistas utilitaristas, Pareto entendia que as utilidades individuais seriam
heterogêneas e não poderiam ser somadas nem comparadas, até porque o autor era
contrário a qualquer juízo ético e moral na economia. Segundo Sem, “por motivos que
não estão totalmente claros, as comparações interpessoais de utilidade foram então
dignosticadas como “normativas ou éticas” e, consequentemente, vistas como não
desejáveis na análise economica. [...] Consequentemente, todas as modificações que
viessem a aumentar a utilidade ou o bem-estar de todos os membros da coletividade
seriam recomendáveis. A partir do momento em que a melhora para iuns implicasse a
piora para pelo menos um, estar-se-ia no ponto ótimo de Pareto, de forma que nenhuma
modificação seria aconselhável. [...] Contudo, em uma sociedade marcada por
profundas desigualdades, tal critério pe extremamente conservador e injusto, pos, em
última análise, a posição dos menos favorecidos apenas pode ser melhorada quandi isso
não cause nenhuma piora, mesmo que pequena, na posição dos mais favorecidos. [...]
(p. 83) Essa a razão pela qual a obra de Pareto é, na verdade, contrária à noção de
justiça distributiva, já que parte do princípio de que a situação dos mais ricos jamais
poderia piorar em benefício dos mais pobres. Tal abordagem, se aplicada sem restrições
ao Direito da Concorrência, justificaria incondicionalmente até mesmo os monopólios.
[...] Não é sem razão que o próprio Posner admite que a eficiência e a utilidade possuem
limitações como critérios éticos para as decisões sociais, bem como que a economia não
responde a questões sobre se uma distribuição é boa ou má, justa ou injusta, social ou
eticamente desejável, limitando-se a questões de eficiência no sentido técnico estrito. (p.
84) Ora, se as análises econômicas não tratam dessas questões, o direito
necessariamente tem de tratar. Por essa razão, por mais que os critérios econômicos
possam ter importante utilização na dinamica pragmática e consequencialista do
discurso jurídico, não podem ser considerados os únicos parâmetros quando se trata da
regulação dos mercados. De alguma maneira precisam ser combinados com os critérios
jurídicos, baseados nas regras e nos princípios. (p. 86) A pretexto da maximização do
bem-estar social, as análises econômicas muitas vezes estiveram, e ainda estão, muito
mais engajadas com a manutenção dos postulados neoclássicos do que com a efetivação
dos princípios constitucionais da ordem economica, especialmente os da livre
concorrência, da função social da empresa ou da justiça social. [...] os critérios
econômicos tradicionais [...] não podem ser considerados isoladamente, as únicas
diretrizes a orientar a aplicação da legislação antitruste ou de qualquer outra forma de
regulação jurídica dos mercados. 2.3. A tentativa de mascarar a complexidade dos
mercados e demonizar o papel do Estado: principais reflexos sobre o Direito da
Concorrência. Especialmente a partir da década de 80, a expansão das ideias
neoliberais acabou trazendo novamente a discussão sobre mercados independentes do
Estado e do direito, ainda que sob outras roupagens. Muitas vezes já se reconhecendo a
imprescindibilidade da regulação jurídica dos mercados, passou-se a propor que esta
fosse a mais reduzida possível, diante da ineficácia ou dos efeitos desastrosos das
políticas intervencionistas praticadas pelo Estado. [...] (p. 88) É fácil entender por que,
em tal contexto, diversas afirmações ideológicas passam a adquirir status de verdade
científica. Dentre essas verdades científicas, podem ser citados o ressurgimento da mão
invisível smithinana, o dogma de que o crescimento econômico é mais importante do
que a distribuição de riqueza, o valor absoluto da eficiência, a ideia de que os
indicadores econômicos refletem efetivamente o progresso econômico,
independentemente da qualidade de vida das pessoas. [...] Tal contextoexplica o poder
de sedução da Escola de Chicago em reduzir drasticamente o escopo do antitruste. De
acordo com seus pressupostos, não seria nem mesmo fácil abusar do poder econômico,
já que o mercado teria mecanismos naturais para evitar que isso ocorresse. [...] (p. 89)
Todas essas premissas legitimam o discurso in dubio pro mercato, tendo como
consequência a ideia de que a intervenção antitruste deveria ser excepcional [...] (p. 91)
Obviamente, não se pretende aqui questionar a importância da utilização de critérios e
metodologias econômicas no exame dos mercados ou na análise antitruste. Apenas se
quer alertar para o fato de que a economia, sozinha, não é capaz de oferecer critérios
isolados para endereçar as questões mais complexas sobre a formatação dos mercados,
dentre as quais se incluem aquelas tratadas pelo Direito da Concorrência. [...] a
metodologia economica precisa ser combinada com as outras dimensões fundamentais
do discurso jurídico, notadamente a finalística e a principiológica, que insistem nos
objetivos sociais e econômicos da regulação jurídica, bem como na sua conexão com os
direitos fundamentais e princípios constitucionais. [...] Em um mundo cuja dinamica
interna tem a instabilidade como fator intrínseco, somente se pode inserir algo
semelhante à estabilidade a partir da intervenção externa do Estado. Para conter os
males do sistema de livre mercado, há necessidade de instituições e autoridades que
funcionem como uma espécie de disjuntor, interrompendo a incoerência dos processos
econômicos e impondo novas condições para a renovação da economia. [...] (p.92)
Conclui-se, pois, que, na regulação jurídica dos mercados, não se pode pretender obter
uma falsa segurança à custa de simplificações inaceitáveis e incompatíveis com a ordem
economica constitucional; pelo contrário, exigem-se, dos práticos e teóricos que se
dedicam ao trabalho, atitude de grande humildade, disposição para lidar com a
complexidade, pluralismo metodológico e forte espírito crítico. 2.4. Recentes
perspectivas para a análise das relações entre direito e economia. Principalmente
após a crise de 2008, foram muitos acontecimentos que indicaram a necessidade de uma
reconfiguração, do ponto de vista das políticas públicas, da relação entre direito e
economia. [...] (p. 96) Todas essas recentes posturas só reforçam a necessidade da
superação dos postuçados da Escola de Chicago, a fim de se adotar uma atitude de
maior humildade e desconfiança tanto em relação à perfeição dos mecanismos de
mercado quanto em relação à adoção de métodos únicos e supostamente infalíveis. 2.5.
Preocupações com a manutenção da racionalidade jurídica: os problemas de se
substituir os critérios econômicos pelos critérios políticos. (p. 97) Por outro lado, é
importante destacar que a crítica feita à concepção exageradamente economicista do
Direito da Concorrencia, não pode levar à conclusão de que o Direito da Concorrência
seja um mero instrumento de política economica, o que facultaria à autoridade
antitruste, inclusive, optar pela aplicação da lei antitruste ou pelo seu afastamento ou
suavização, assim como escolher entre os interesses em conflito. Com efeito, a
compreensão do Direito da Concorrência como mero instrumento de política economica
é perigosa na medida em que: i) realça a óbvia e necessária relação que o direito possui
com a política, o que não é exclusividade do Direito da Concorrencia, de forma que não
seria muito útil para definir os propósitos deste; ou ii) sugere uma indevida e inaceitável
submissão do Direito da Concorrência à política economica, de modo que a legislação
deveria ser interpretada e aplicada em razão de conveniências políticas. [...] Por outro
lado, o discurso jurídico é totalmente distinto do discurso polítco. Enquanto neste
preponderam as relações de poder e os conflitos de interesses, o discurso jurídico
caracteriza-se por possuir uma fundamentação principiológica que lhe é essencial. [...]
(p. 98) Daí a importância da referencia à ordem economica constitucional como vetor
último para justificar determinadas ações das autoridades antitruste. 2.6. Mercados,
direitos individuais e distribuição de recursos sociais. Durante muito tempo, a
economia pretendeu trabalhar com a questão da distribuição dos recursos sociais
escassos sob a perspectiva técnica, negando a dimensão ética que permeia
necessariamente essa discussão ou tentando enfrenta-la exclusivamente com base no
utilitarismo. [...] (p. 105) Ao admitir a intervenção do Estado na Economia a fim de
assegurar a concorrência e o mínimo existencial, Hayek, ainda que não
intencionalmente, dá um passo sem volta, mostrando as dificuldades do laissez-faire e
abrindo um enorme campo para discussões a respeito do cabimento, da adequação e dos
limites da intervenção estatal. Mais do que isso, o autor comprova que é impossível
tratar de mercados sem considerar, em alguma medida, a questão dos direitos e da
distribuição dos recursos sociais, aspecto que não pode ser ignorado nem pelo Direito
Antitruste nem por qualquer das outras searas que tratem da regulação jurídica dos
mercados.
III. Marcia Carla Pereira Ribeiro e Genevieve Paim Paganella. Fundamentos
econômicos em decisão judicial no sistema brasileiro, repartição e mitigação dos
danos, reciprocidade do problema: estudo de caso
O autor inicia o seu artigo dizendo que tem duas formas de enxergar a economia. Uma
radical, que compreende qie os indivíduos não são nunca influenciados por impulsos ou
motivações extraeconomicas como aqueles de natureza ética e normativa em geral. E
uma forma mais moderada, que compreende o comportamento dos indivíduos é fruto de
uma multiplicidade de aspectos da personalidade, incluindo-se aí crenças e os critérios
éticos e normativos. Portanto, uma vê a economia na sua parte política e economica e a
outra aestá ligada a economia como engenharia, isto é, uma ferramenta. [...] O direito e
o mercado, em particular, estão intimamente ligados e, com razão, Irti sempre agirma
que p certo é que direito e mercado não são separáveis, como se o mercado pudesse
existir sem a lei e que essa seria meramente acidental e extrínseca. O mercado é a lei
que o rege e constitui. E toma forma a partir de decisões políticas e escolhas
regulatórias [...] Pode-se argumentar então que se a economia às vezes ubspira o
legislador, a lei, por sua vez, em virtude da competência do Estado no que diz respeito a
negócio da economia, finaliza ditando as regras do mercado para trazer a economia de
volta à política. [...] o mercado pe um conceito econômico, mas não exclusivamente
econômico. E um lugar, histórico, ideal ou virtual, por onde ocorre troca de bens.
Portanto, o mercado promove a distribuição de recursos em untre sujeitos em um
processo que se regenera e evolui em continuação. [...] Mas esses fatores interagem com
questões éticas e legais.
mercado e ao consumo?