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A era dos direitos de Bobbio

Entre a historicidade e a atemporalidade

Ana Maria D’Ávila Lopes

Sumário
Introdução. 1. Origem da teoria dos direitos
humanos. 2. Definição dos direitos humanos.
3. Fundamentação dos direitos humanos.
Conclusão.

Introdução
O Direito, principal meio criado pelo
homem para assegurar a convivência pa-
cífica, sofre, na atualidade, uma profunda
e crescente crise. O abismo entre teoria e
realidade, a defasagem entre a norma e
sua efetiva aplicação são cada vez maiores,
pois, quanto maior é a teorização sobre o
Direito, mais este se afasta da realidade que
pretende regular; contrariamente, quanto
maior é a dose de praticidade outorgada,
mais ilegítimo ele se torna. É evidente que
essa crise do Direito, afirma Ferrajoli (1992,
p. 120), apresenta o risco de se converter
em uma crise da democracia, na medida
em que se traduz na violação do princí-
pio de legalidade, isto é, da sujeição dos
poderes públicos à lei, princípio no qual
se encontram fundados tanto a soberania
popular como o paradigma do Estado de
Ana Maria D’Ávila Lopes é Mestre e Doutora Direito, originando formas neoabsolutistas
em Direito Constitucional pela UFMG. Bolsista de
de poder público, carentes de limites e de
Produtividade em Pesquisa do CNPq. Membro
Efetivo da Câmara de Assessoramento e Avalia-
controle e violadores dos direitos humanos.
ção – Área Ciências Sociais – da Fundação Cea- Perante essa realidade, não existe outra
rense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e resposta que não o próprio Direito, assim
Tecnológico – FUNCAP. Professora do Programa como não há alternativa possível que não a
de Pós-Graduação em Direito da UNIFOR. razão jurídica. Esse é o único caminho para

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se responder à complexidade social e sal- direitos humanos é moderna, conforme nos
vaguardar o futuro do Direito e, também, o ensina Bobbio (1992, p. 101-).
futuro da democracia, haja vista fazer ver- Lewandowsky (1984) assinala que a
dadeira democracia significar levar a sério teoria dos direitos humanos teve sua ori-
os direitos humanos (Ferrajoli, 1992, p. 120). gem no Iluminismo e no Jusnaturalismo
Nesse contexto, a contribuição de Nor- desenvolvidos na Europa dos séculos XVII
berto Bobbio à teoria dos direitos humanos e XVIII, quando se firmou a noção de que o
e da democracia é inegável, já que nele homem tinha direitos inalienáveis e impres-
concorre o domínio tanto da teoria jurídi- critíveis, decorrentes da própria natureza
ca como da teoria política, isto é, tanto a humana e existentes independentemente
perspectiva das normas como a do poder do Estado. O pensamento iluminista, com
(BARBOZA VERGARA, 2005, p. 114). suas ideias sobre a ordem natural, sua
É no livro intitulado “A era dos direitos” exaltação às liberdades e sua crença nos
que encontramos grande parte da teoria valores individuais do homem acima dos
de Bobbio sobre os direitos humanos que, sociais, constitui a gênese da teoria dos
embora não isento de críticas, pode ser con- direitos humanos.
siderada uma obra que trata de temas atuais Não se pretende, entretanto, afirmar
sem se referir a nenhum tempo específico. que antes da Modernidade as ideias sobre
Essa atemporariedade da teoria dos dignidade, liberdade e igualdade não esti-
direitos humanos de Bobbio não deixa de vessem presentes, mas essas não eram for-
ter algo de paradoxal, haja vista a sua firme muladas como direitos reivindicáveis por
defesa pela historicidade desses direitos. De todos os seres humanos. Assim, os direitos
qualquer forma, as atuais e futuras gerações previstos na Magna Carta de 1215 e no Bill of
serão sempre gratas pelos seus valiosos Rights da Inglaterra de 1689 foram concebi-
ensinamentos, parte dos quais serão desen- dos como concessões do poder soberano a
volvidos no presente texto, como forma de um grupo determinado de pessoas, e não
prestar uma merecida homenagem. como direitos inerentes a todo ser humano
Assim, inicialmente, será analisada a (BOBBIO, 1992, p. 101).
origem da teoria dos direitos humanos, Ainda muito antes, na Antiguidade,
apresentando as principais críticas de Bo- eram as normas da cidade as que prevale-
bbio às teorias clássicas. Posteriormente, a ciam como belle totalité, não sendo reconhe-
definição de direitos humanos formulada cidos direitos ao homem individualmente
pelas principais correntes jusfilosóficas considerado. A forma como as cidades
será desenvolvida, resgatando os aspectos eram organizadas não deixava lugar nem
positivos da proposta historicista do mestre ao desenvolvimento do humanismo nem
italiano. Finalmente, a fundamentação dos à singularidade do homem. Bobbio (1992,
direitos humanos, o tema mais polêmico, p. 57-58) refere que os códigos de regras
será exposta contrapondo o posiciona- de conduta tinham como principal função
mento de Bobbio, que desconsidera sua proteger mais ao grupo em seu conjunto do
importância, e a posição que a defende que ao indivíduo singular.
como condição para sua efetividade. Mais do que dos direitos do homem,
falava-se dos seus deveres, entre os quais o
principal era o respeito à lei, haja vista que o
1. Origem da teoria dos direitos humanos
termo direito não indicava uma prerrogativa
Embora alguns autores afirmem que, ou uma faculdade do indivíduo – direito
na Magna Carta de 1215, já se perfilava a subjetivo –, mas restringia-se à própria
preocupação sobre o homem e seus direi- norma – direito objetivo (LOPES, 2000). A
tos, devemos reconhecer que a teoria dos figura deôntica originária era o dever, não

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o direito subjetivo, “a função primária da A secularização permitiu, também,
lei é a de comprimir, não a de libertar; a que se procure não mais em Deus, mas na
de restringir, não a de ampliar, os espaços natureza do homem, a ordem do mundo e
de liberdade; a de corrigir a árvore torta, as respostas a todas as indagações, dando
não a de deixá-la crescer selvagemente” lugar ao auge da ciência. A confiança na
(BOBBIO, 1992, p. 56). razão diante da autoridade foi fortalecida,
A Filosofia, a Política e o Direito tive- tornando, com isso, os homens em autên-
ram, na Antiguidade e na Idade Média, ticos protagonistas da história.
um horizonte cosmo-teológico diferente do Peces-Barba (1993, p. 327-) encontra,
da Modernidade. Platão e Aristóteles, por nessa época, três formas iniciais de direitos
exemplo, estudaram o homem em relação humanos: as liberdades individuais, os di-
à natureza, enquanto a doutrina cristã da reitos políticos e as garantias processuais,
Idade Média concebeu o ser humano em que correspondem à discussão histórica
dependência a Deus (BOBBIO, 1992, p. da tolerância, dos limites do poder e da
59-60). humanização do direito.
É, certamente, apenas no Humanismo, a) sobre a tolerância, a reforma pro-
ainda que timidamente, que podem ser testante acabou com a unidade religiosa,
encontrados os antecedentes da teoria dos propiciando o surgimento de diversas
direitos humanos. seitas e grupos religiosos heterodoxos. A
O Humanismo, que se inicia no século defesa da tolerância e, mais tarde, a dis-
XIV, introduziu uma nova visão do mundo, tinção entre Direito e Moral (Thomásio)
da natureza, da arte, e da moral, contrária foram os argumentos utilizados na defesa
à visão totalizadora da filosofia escolástica da liberdade de consciência perante novas
e do mundo medieval. O Humanismo imposições religiosas e a interferência do
caracterizou-se pela exaltação do indiví- Estado em matéria de fé, “num primeiro
duo e pela reivindicação da sua liberdade momento, durante as guerras de religião,
e capacidade de criar com autonomia na surgiu a exigência da liberdade de consci-
arte, na literatura e na cultura em geral. A ência contra toda forma de imposição de
afirmação da dignidade e do próprio valor uma crença” (BOBBIO, 1992, p. 74). Nesse
do homem ir-se-á apoiar na filosofia dos so- âmbito, é o indivíduo, e só ele, quem tem
fistas, dos epicúreos e dos estoicos, com um o poder de decidir;
grande componente relativista. Essa nova b) referente aos limites do poder, a
ética, que reconhece a iniciativa humana, pressão exercida pelo poder econômico da
foi a que permitiu uma nova organização burguesia contra o absolutismo deflagrou
social, na qual as regras sociais e o Direi- a necessidade de limitar o poder do Estado,
to alcançaram um papel preponderante, provocando a reformulação teórica da sua
propiciando, assim, o surgimento de uma organização e relação com os cidadãos,
esfera chamada “liberdade negativa” ou além de, especialmente, buscar uma nova
“liberdade como não interferência”, ante- fundamentação que justificasse sua existên-
cedente dos direitos humanos. cia. Diante da antiga justificação teológica
A Reforma Protestante, por outro do poder, os novos doutrinadores (Hobbes,
lado, também contribuiu para reforçar o Locke e Rousseau) pretenderam encontrar
individualismo e para salientar o papel essa fundamentação na origem contratual
do homem na sociedade e na história. Os do Estado, só que, como jusnaturalistas,
questionamentos sobre a autoridade da defenderam a existência de direitos ante-
Igreja, a tradução e o livre estudo da Bíblia riores – direitos naturais – cuja função seria
fomentaram, além da iniciativa individual, proteger os indivíduos contra os abusos
o pluralismo, o relativismo e a tolerância. do Estado;

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c) em relação à humanização do Direito, Interessante é observar que a burguesia
a nova visão do homem como protagonista apoiou-se, inicialmente, nesse novo Estado,
da história lhe permitiu assumir o lugar ainda absoluto, para se fortalecer e forta-
principal, passando a conceber o Direito lecer o seu sistema econômico contra os
como um instrumento do seu benefício. grêmios, o feudalismo e todos os obstáculos
Essa transformação repercutiu, sobretudo, existentes para o desenvolvimento do co-
no direito penal, exigindo-se um processo mércio e da indústria. Só depois de ter-se
com garantias para o indivíduo, anteceden- valido das ideias do contrato social e dos
tes das atuais garantias do devido processo direitos naturais é que a burguesia separou-
legal. -se deles e os combateu para, finalmente,
É, desse modo, graças às ideias do Hu- destruir o Estado absoluto que antes tinha
manismo que as estruturas econômicas, servido aos seus interesses.
sociais, culturais e políticas do mundo O jusfilósofo espanhol acrescenta que,
medieval desapareceram dando lugar ao embora possa parecer uma contradição
mundo moderno, período que foi ainda falar ao mesmo tempo de direitos humanos
muito mais transformador. e Estado absoluto, foi justamente o absolu-
Na Idade Moderna, o surgimento da tismo o que permitiu o desenvolvimento e
burguesia como classe individualista, a a proclamação dos direitos do homem e do
contrário dos grêmios e das corporações cidadão, haja vista os direitos humanos não
medievais, deu impulso à iniciativa indi- serem apenas produto de uma “inspiração
vidual e, com isso, ao protagonismo da ideal”, senão também o resultado das lutas
pessoa, “el hombre se liberará del status y se do povo pelo exercício real dos direitos
relacionará en la sociedad como individuo libre idealmente concebidos, cujas razões, se
frente a otros hombres libres, comerciantes, quisermos compreendê-las, devem ser
profesionales, artistas, con la competencia como buscadas não mais na hipótese do estado
critério” (PECES-BARBA, 1993, p. 328). de natureza, mas na realidade social da
Todavia, sob a influência dos humanis- época e das suas contradições (BOBBIO,
tas e da Reforma, o homem conseguiu sair 1992, p. 74).
do círculo cosmo-teológico que o absorvia Foi, assim, com a vitória da revolução
passando a ser consciente da sua capacida- liberal da França e o movimento pela inde-
de criativa, do seu protagonismo histórico, pendência das colônias inglesas na América
e da necessidade da proclamação de direi- do Norte do século XVIII, que apareceram
tos inerentes à sua natureza humana. os primeiros documentos – na forma de
No âmbito político, as estruturas plurais declarações – de direitos humanos. Trata-
do poder medieval foram substituídas pelo -se da Declaração do Bom Povo de Virgínia
Estado como forma de poder racional, cen- de 1776 e da Declaração dos Direitos do
tralizador e burocrático, que não reconhece Homem e do Cidadão de 1789 da França.
poder superior e que busca o monopólio do Muitos autores afirmam que a Declara-
uso da força. A soberania, enquanto con- ção dos Direitos do Homem e do Cidadão
ceito identificador desse poder, teve como foi claramente influenciada pela Declaração
função a produção do Direito, tornando-se do Bom Povo de Virgínia. Na verdade, não
um instrumentum regni para acabar com os foi assim, pois os revolucionários franceses
poderes medievais. já vinham preparando o advento do Estado
Peces-Barba (1993, p. 328) refere que, Liberal ao longo de todo o século XVIII,
nesse contexto, os direitos humanos apa- com base no pensamento de Rousseau,
recem como um limite ao poder estatal no Locke e Montesquieu (BOBBIO, 1992, p. 83).
intuito de garantir um âmbito de autono- Dessas declarações de finais do século
mia e liberdade ao burguês. XVIII à Declaração Universal dos Direitos

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Humanos de 1948, o mundo passou por Pérez Luño (1995, p. 18) consegue expres-
grandes transformações. sar essa diferença melhor do que ninguém:
A proclamação da Declaração Universal “Los derechos humanos suelen venir en-
dos Direitos Humanos de 1948 foi deflagra- tendidos como un conjunto de facultades
da após as atrocidades cometidas durante a e instituciones que, en cada momento
Segunda Guerra Mundial, as que evidencia- histórico, concretan las exigencias de la
ram a fragilidade e precariedade de deixar a dignidad, la libertad y la igualdad hu-
previsão e aplicação dos direitos humanos manas, los cuales deben ser reconocidos
ao arbítrio de cada Estado, sendo imprescin- positivamente por los ordenamientos
dível a elaboração de um documento com jurídicos a nivel nacional e internacional.
pretensões universais que fosse capaz de En tanto que con la noción de los dere-
estabelecer um mínimo de proteção a todos chos fundamentales se tiende a aludir a
os seres humanos, independentemente da aquellos derechos humanos garantizados
sua raça, origem, cor, idade, sexo, religião, por el ordenamiento jurídico positivo, en
nacionalidade, etc. em qualquer lugar do la mayor parte de los casos en su norma-
mundo (BOOBIO, 1992, p. 19). tiva constitucional y que suelen gozar de
A Declaração de 1948, ensina Bobbio tutela reforzada.”
(1992, p. 22), representa a conscientização Desse modo, direitos humanos e direitos
da humanidade sobre seus valores funda- fundamentais não devem ser identificados,
mentais, a síntese do seu passado e uma haja vista não existir uma total correspon-
inspiração para seu futuro, evidenciando dência. Na prática, verifica-se que cada
que o fenômeno da universalização dos Estado incorpora no seu ordenamento ju-
direitos humanos está apenas começando. rídico os direitos humanos mais próximos
aos seus próprios valores, decidindo quais
serão constitucionalizados (adquirindo a
2. Definição dos direitos humanos
categoria de fundamentais), quais pertence-
A dificuldade de teorizar os direitos hu- rão ao nível infraconstitucional e, até, quais
manos é mais patente quando se constata a serão simplesmente ignorados.
dificuldade de precisar a sua correta deno- A situação ideal seria a identificação
minação, haja vista a tendência de utilizar dos direitos humanos, internacionalmente
indistintamente diversas expressões como regulados, com os direitos fundamentais,
sinônimas, comprometendo não apenas a constitucionalmente positivados em cada
sua compreensão, mas a sua aplicação e Estado, de forma que estes últimos pudes-
proteção. sem corresponder ao conjunto de normas
Assim, frequentemente, são utilizados básicas de todo ordenamento jurídico
como sinônimos direitos humanos e direi- positivo, fundado na defesa da dignidade
tos fundamentais, termos que, apesar da do ser humano e nos valores da liberdade
doutrina não especializada usar indiscri- e da igualdade, conforme, séculos antes, os
minadamente, referem-se a instituições defensores da teoria dos direitos naturais
diferentes. Com efeito, direitos humanos tinham proposto.
são os princípios que resumem a concepção Há, sem dúvida, uma íntima relação
de uma convivência digna, livre e igual de entre a teoria dos direitos naturais e os
todos os seres humanos, válidos para todos direitos humanos e os direitos fundamen-
os povos e em todos os tempos, enquanto tais. Para os autores jusnaturalistas, os
os direitos fundamentais são os direitos direitos fundamentais são o prolongamento
da pessoa (física ou jurídica) constitucio- jurídico-positivo dos direitos humanos, os
nalmente garantidos e limitados espacial e quais, por sua vez, derivam da teoria dos
temporalmente. direitos naturais,

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“La afirmación de que existen algunos sentido jurídico (DÍAZ, 1980, p. 266). Nessa
derechos esenciales del hombre en cuanto mesma linha, Austin (1968, p. 184), um dos
tal, en su cualidad o esencia absoluta- mais importantes representantes do posi-
mente humana, no se puede separar del tivismo, afirmou que os direitos naturais
reconocimiento previo y necesario de un são um conjunto de regras que integram
derecho natural; natural en cuanto dis- a moralidade positiva, isto é, um conjunto
tinto del positivo y, a su vez, preliminar de normas sociais emanadas das opiniões
y fundamental respecto a este” (BATTA- e sentimentos coletivos que influenciam o
GLIA, 1966, p. 175). Direito, mas que não são Direito.
Foi o Jusnaturalismo tradicional ou Outra das críticas recebidas pelo Jusna-
ontológico da Idade Moderna que, pela turalismo ontológico deriva da afirmação
primeira vez, defendeu a existência de de que os direitos naturais são deduzidos
direitos naturais ou direitos inerentes a da própria natureza humana, cujo conceito
todos os seres humanos, anteriores e supe- não é claro nem preciso, mas ambíguo e
riores ao Estado, com validade universal e equívoco (BOBBIO, 1992, p. 14). Isso se
irrevogáveis. demonstra pela existência, desde os gregos,
“la existencia de derechos naturales das mais diversas teorias que tentaram
inherentes al ser humano, anteriores y definir ou explicar o conceito de natureza
superiores a las legislaciones escritas y a humana, o qual tem dependido sempre dos
los acuerdos entre los gobiernos, derechos valores pressupostos de cada autor, numa
que no le incumbe a la comunidad civil clara contradição à afirmação de uma natu-
de otorgar, sino el reconocer y sancionar reza humana universal e imutável (DÍAZ,
como universalmente valederos y que 1980 p. 299). Para Fernández García (1984,
ninguna consideración de utilidad social p. 97), o correto teria sido afirmar que os
podría, ni siquiera momentáneamente, direitos naturais consistem em deduções
abolir o autorizar su infracción” (MA- que fazemos a partir de juízos de valor que
RITAIN, 1972, p. 116). aplicamos à natureza humana, como foi o
Embora a valiosa contribuição na defesa defendido pelo Jusnaturalismo axiológico.
da dignidade de todos os seres humanos, O Jusnaturalismo axiológico defendeu
a teoria dos direitos naturais foi objeto de a existência de uma “ordem eterna” de
muitas críticas. Assim, por exemplo, Fer- valores existentes per se, isto é, anteriores
nández García (1984, p. 97) questiona o uso e independentes de qualquer experiência,
do termo direitos, na expressão direitos natu- formando uma “ordem eterna” e integrada
rais, na medida em que entende que os di- de princípios absolutamente invariáveis.
reitos naturais só podem ser considerados Essa ordem ideal de valores encontrar-se-
direitos, no sentido técnico-jurídico, a partir -ia estruturada segundo relações a priori
do momento em que são reconhecidos ou de hierarquias, configurando uma série de
formulados por uma norma jurídica do Di- categorias ou níveis valorativos que não
reito Positivo; enquanto isso não acontece, podem ser modificados pelos homens,
estamos diante de valores, interesses, obje- sendo conhecidos não por meio da razão,
tivos ou anseios humanos, os quais podem mas apreendidos pelo sentimento e pela
ser considerados necessários, importantes intuição da sua evidência, o que depende
ou fundamentais, mas não direitos. Desse da própria constituição ontológica do es-
modo, a expressão direitos naturais deve ser pírito, que é privativo apenas dos homens
interpretada mais como o conjunto de exi- (CASTBERG, 1970, p. 121-127).
gências éticas ou princípios suprapositivos As críticas ao Jusnaturalismo axiológico
do Direito, efetivamente superiores a ele são muitas, a começar pela falta de con-
desde o ponto de vista ético, mas não no senso sobre o que é um valor e até quais

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seriam os valores que conformariam esse direitos não foram originariamente consi-
ordenamento jurídico natural e imutável. derados, e muitos menos pensados, como
Alexy (1993, p. 141) ensina a importân- fundamentais, contudo, possivelmente
cia de diferenciar o que é um valor do que hoje, ou no futuro, poderiam alcançar
tem valor. Assim, quando se afirma que esse caráter. A atual proteção dos idosos,
alguma coisa tem valor, expressa-se um exemplifica o mestre italiano, não existiria
juízo de valor, isto é, realiza-se uma valori- se não tivesse acontecido o aumento da
zação. Observe-se que, na verdade, o valor sua longevidade, graças aos avanços da
não pode ser identificado com o objeto medicina (BOBBIO, 1992, p. 76).
valorado, na medida em que, segundo as Consequentemente, as Declarações não
circunstâncias, um objeto poderá ter mais podem apresentar nenhuma pretensão de
ou menos valor, ou um valor diferente. serem definitivas. Não é preciso muita ima-
Desse modo, são os critérios de valorização ginação, afirma Bobbio (1992, p. 47), para
que devem ser chamados de valor. prever que o desenvolvimento da técnica
No entanto, as objeções mais sérias e a transformação das condições sociais,
contra o Jusnaturalismo axiológico são as econômicas e políticas deflagrarão novas
metodológicas, haja vista ter ignorado qual- necessidades e, assim, novas demandas de
quer fundamentação racional ao recorrer a liberdades e poderes.
um sistema de valores per se, imutáveis e Bobbio adota, assim, uma concepção
absolutos. historicista dos direitos humanos fundada
Bobbio é, precisamente, um dos autores no consenso, posicionamento que lhe ren-
que nega a existência de direitos imutáveis deu diversas críticas por seu subjetivismo
e absolutos conforme o defendido tanto e relativismo, haja vista desconsiderar o
pelo Jusnaturalismo ontológico como pelo conteúdo ético dos direitos humanos, cen-
axiológico. Para o mestre italiano, não é trando-se apenas no consenso como critério
possível dissociar os direitos da sua his- de legitimidade sem justificar o porquê da
toricidade. escolha de um e não de outro direito.
“os direitos do homem constituem “mas a positivação dos direitos hu-
uma classe variável, como a história manos não explica, por exemplo, o
destes últimos séculos demonstra porquê da definição e da escolha de
suficientemente...Não é difícil de determinados direitos e não de ou-
prever que, no futuro, poderão surgir tros; não explica por que diferentes
novas pretensões que no momento sociedades ocidentais, com histó-
sequer podemos imaginar... O que ria política e econômica diversas,
demonstra que não existem direitos adotaram, em regra, uma mesma
por natureza. O que parece funda- orientação valorativa na definição
mental numa época histórica e numa de suas cartas políticas de direitos
determinada civilização não é funda- humanos; não explica ainda o fato
mental em outras épocas e em outras de sociedades não ocidentais con-
culturas” (BOBBIO, 1992, p.19). cordarem, ao menos em parte, com
Todavia, Bobbio (1992, p. 18-19) afirma um conjunto desses direitos mesmo
que o fato de um determinado direito ter antes das revoluções do século XVIII.
sido considerado como parte do elenco Em outras palavras, o fato histórico
dos direitos humanos não tem geralmente do reconhecimento jurídico dos direi-
dependido apenas das suas características tos humanos é de uma importância
intrínsecas, mas do grau de consenso e acei- inegável para a afirmação das socie-
tação na comunidade internacional. Isso dades democráticas, mas não elide e
permite explicar o motivo pelo qual certos nem mesmo nega a necessidade de

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uma justificação para as declarações Para Peces-Barba (1993, p. 27), os di-
modernas de direitos humanos” (LU- reitos morais apresentam uma concepção
CAS, 2009, p. 129). dualista, na medida em que seu estudo
Buscando superar as críticas recebidas pode ser realizado com base em dois níveis
pela posição historicista de Bobbio, surge a diferentes: um axiológico ou filosófico e ou-
corrente que defende a natureza ética dos tro jurídico, determinado pela inserção dos
direitos do homem, sendo por isso chama- valores no ordenamento jurídico, tornando-
dos “direitos morais”, haja vista refletirem -se direitos fundamentais.
as exigências éticas decorrentes da ideia de A teoria dos direitos morais pretende,
dignidade humana. dessa maneira, descrever a síntese entre
A diferença dessa posição com o Jus- os direitos do homem entendidos como
naturalismo axiológico é que este último exigências éticas (ou valores) e como di-
defende que os valores são essências reitos propriamente ditos. O qualificativo
ideais existentes per se, isto é, anteriores e morais aplicado a direitos refere-se tanto à
independentes de qualquer experiência, sua fundamentação ética quanto à limitação
formando uma “ordem eterna” e integrada no número e no conteúdo dos direitos que
por princípios absolutamente invariáveis. podem ser compreendidos no conceito de
Essa ordem ideal de valores encontra-se direitos do homem. Dessa maneira, apenas
estruturada segundo relações a priori de os direitos do homem que tenham uma
hierarquias, configurando uma série de relação direta com a idéia de dignidade
categorias ou níveis valorativos que não humana podem ser considerados direi-
podem ser modificados pelos homens. A tos fundamentais. O substantivo direitos
apreensão dos valores não decorre da sua implica que os direitos humanos, além de
cognoscibilidade racional ou empírica. O morais, devem estar positivados. O papel
que é bom ou mau, verdadeiro ou falso não do Direito é, nesse sentido, o de conferir
depende da evolução natural do homem, juridicidade aos direitos morais, isto é,
mas da própria constituição ontológica torná-los normas jurídicas positivas para
do seu espírito, o que é privativo apenas garantir sua autêntica proteção. Assim, a
dos homens. Desse modo, as aparentes cada direito do homem enquanto direito
variações ou contradições dos valores que moral irá corresponder um direito positivo,
aparecem no decorrer da história devem-se isto é, um direito fundamental.
apenas à consciência axiológica humana, e Pérez Luño (1979, p. 10), a respeito,
não aos valores em si. A falta de uma pers- observa:
pectiva global do mundo é o que impede “Es, precisamente, de esa idea de la dig-
que o indivíduo tenha acesso à imutabi- nidad de la persona humana, así como de
lidade dos valores (PÉREZ LUÑO, 1995, las exigencias y necesidades ligadas a la
p.138-141). consecución de la libertad y la igualdad,
Contrariamente, para a teoria que de donde se derivan los derechos huma-
defende a natureza ética dos direitos do nos. Estos derechos esenciales tienen un
homem, a referência ao momento históri- fundamento anterior al Derecho positivo,
co, ou às circunstâncias históricas, resulta esto es, preliminar y básico respecto a
imprescindível para uma fundamentação éste.”
racional do Direito, visto que só admitindo Essa posição tem o mérito de superar
sua historicidade é que se pode evitar cair alguns dos problemas das teses jusnatu-
no erro dos teóricos do Jusnaturalismo, que ralistas e historicistas. Com referência à
conceberam a existência de direitos abso- escola jusnaturalista, tem a vantagem de
lutos e imutáveis (FERNÁNDEZ GARCÍA, não identificar os direitos humanos com
1984, p. 119). os direitos naturais, ou seja, de não de-

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fender a existência de uma ordem jurídica desse posicionamento foi ter rejeitado
superior e independente à positiva. Com qualquer argumentação racional, fazendo
relação ao posicionamento historicista, apelo à evidência sem admitir contestações,
defende a fundamentação ética dos direitos o que a tornou incapaz de resistir à prova
fundamentais, impedindo que qualquer da História, haja vista que o que pode ser
exigência social que não tenha conexão com evidente para algumas pessoas em deter-
a dignidade humana seja positivada como minada época pode não o ser para outras
um direito fundamental, mostrando que, em outra época.
embora os direitos não sejam absolutos, O terceiro argumento apoia-se no con-
na história da humanidade têm existido senso geral, o que implica aceitar que um
valores que sempre estiveram presentes. direito está mais bem fundamentado quan-
to mais aceito pela sociedade. O erro dessa
fundamentação reside na sua subjetividade
3. Fundamentação dos direitos humanos
e relatividade, ainda que tenha a vantagem
A fundamentação dos direitos humanos de ser a única que pode ser comprovada.
é um dos temas jurídicos que mais contro- Bobbio (1992, p. 13) adota essa terceira
vérsias tem provocado. Historicamente, opção e aponta a Declaração Universal
afirma Bobbio (1992, p. 13-), têm existido de 1948 como o maior e mais importante
três tentativas de fundamentação dos di- exemplo de consenso geral sobre alguma
reitos do homem: coisa que a humanidade já teve. A partir
a) deduzi-los de um dado objetivo cons- dela é que é possível ter a certeza de que
tante (a natureza humana); a humanidade compartilha alguns valores
b) considerá-los como verdades eviden- comuns, isto é, pode-se acreditar na uni-
tes em si mesmas; versalidade dos valores.
c) estimá-los como produto do consenso De qualquer forma, na medida em que
geral. o mestre italiano considera esses direitos
A primeira tentativa correponde ao Jus- como valores, os quais não se justificam,
naturalismo clássico, defensor da existência mas se assumem, defende a ideia de que se
de direitos naturais fundados na própria ignore o problema da fundamentação e se
natureza humana, válidos exclusivamente parta para a proteção dos direitos humanos,
por sua racionalidade. É o posicionamento que é o mais importante, mas, quando digo
que oferece a maior garantia de validade que o problema mais urgente que temos de
universal, haja vista derivar de um funda- enfrentar não é o problema do fundamen-
mento constante e imutável. No entanto, to, mas o das garantias, quero dizer que
a própria história do Direito Natural tem consideramos o problema do fundamento
demonstrado que a natureza humana tem não como inexistente, mas como – em certo
sido interpretada de diferentes formas e sentido – resolvido, ou seja, como um pro-
usada até para justificar sistemas de valores blema cuja solução já não devemos mais
totalmente opostos (DÍAZ, 1980, p. 299), nos preocupar... teve sua solução atual na
constatação que, para Bobbio, desvaloriza Declaração (BOBBIO, 1992, p. 26).
totalmente essa opção. Com efeito, para Bobbio (1992, p. 24),
A segunda tentativa de fundamentação “o problema fundamental em relação aos
corresponde também a correntes identi- direitos do homem, hoje, [é] não tanto o de
ficadas como jusnaturalistas, a exemplo justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-
da Ética material de Scheler (1935), que -se de um problema não filosófico, mas
identificaram os direitos humanos com político”.
valores em si, sistêmicos e invariáveis, Discordando dessa afirmação, coloca-se
descobertos por meio da intuição. O erro a questão nos termos expressos por Robles

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(1992, p. 11), “el problema práctico de los dere- e, por outro, posições positivistas (PECES-
chos humanos no es el su fundamentación, sino -BARBA, 1993, p. 339).
el de su realización; pero el problema teórico de A fundamentação positivista pode ser
los derechos humanos no es el su realización, reduzida a duas correntes. A primeira é
sino el de su fundamentación”. formalista, reconhecendo como Direito
A essa posição adere-se por considerar apenas o estabelecido (ou imposto) pela
que o tema da fundamentação dos direitos maioria (HOBBES, 1980). Segundo essa
humanos, ainda que seja inegavelmente um posição, os direitos humanos são os que o
problema, não pode ser deixado de lado legislador estabelece sem nenhum limite e
pelas seguintes razões (ROBLES, 1992, p. sem nenhum respeito a conteúdos prévios.
12-16): Tal visão é totalmente errônea, pois nenhu-
a) razão moral: é um absurdo defender ma sociedade é valorativamente neutra,
algo sem saber o porquê, isto é, não é pos- senão que incorpora os princípios que sua
sível defender os direitos humanos se não própria evolução histórica desenvolve.
se tem consciência da importância da dig- A segunda corrente positivista pode ser
nidade humana. Fundamentar os direitos reduzida a uma teoria historicista que afir-
do homem significa, precisamente, ter a ma ser o Direito apenas o que decorre dos
convicção dessa importância; princípios e valores sociais do momento e
b) razão lógica: por meio da fundamen- lugar onde se desenvolve. É essa a posição
tação, será possível delimitar o conteúdo de Bobbio (1992, p. 18-20), que remete a
dos direitos humanos, permitindo sua fundamentação ao reconhecimento da
regulação sem desnaturalizá-los. Com a historicidade dos direitos humanos, com-
expressão direitos humanos não se deve provada pelo consenso (“os direitos estão
defender qualquer valor, mas aqueles que mais fundamentados enquanto mais aceitos
serão desvendados a partir da sua funda- por todos”). O mestre italiano expõe, assim,
mentação; uma concepção histórica dinâmica, pois o
c) razão teórica: não é válido pretender consenso implica um reconhecimento, res-
elaborar uma teoria dos direitos humanos peito e tutela variáveis, determinados pelas
sem antes justificar a escolha de tal ou qual próprias condições históricas nas quais o
teoria, pois se corre o risco de perder qual- Direito se desenvolve.
quer rigor científico; Na medida em que uma fundamentação
d) razão pragmática: para fazer efetivos racional não é incompatível com a histórica,
os direitos humanos é necessário, antes, ter Peces-Barba (1993, p. 340-341) sintetiza as
as ideias claras. duas posições positivistas expostas, defen-
Existem autores, no entanto, que não dendo a realidade dualista dos direitos hu-
apenas têm preferido, como Bobbio, ignorar manos: os que apresentariam, por um lado,
a questão da fundamentação dos direitos uma dimensão historicista e, por outro,
humanos, como têm até negado a existência uma dimensão formalista, requerendo-se,
jurídica desses “direitos” (VILLEY, 1972). para a passagem de uma dimensão a outra,
Outros, radicalmente positivistas (KEL- a mediação do poder. O poder é definido
SEN, 1999; ROSS, 1994), têm rejeitado a pos- pelo autor como o conjunto de instituições,
sibilidade de sua fundamentação racional operadores jurídicos e cidadãos que usam
por considerá-los juízos de valor, não sendo e aplicam o Direito. A fundamentação,
possível, dessa maneira, sua verificação acrescenta o jusfilósofo espanhol, situa-se
empírica e consequente fundamentação. no campo da filosofia jurídica, ainda que
Constata-se, assim, a existência, por um com repercussões no campo do poder.
lado, de posições jusnaturalistas que rom- A rejeição às correntes positivistas, en-
pem o equilíbrio entre a razão e a história, tretanto, expressa-se através de novas ela-

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borações teóricas. Talvez a mais inovadora quando se pensa nessa satisfação que se
seja a de Dworkin (1984), que defende a pensa em um valor. Assim, o valor é enten-
existência de um Direito composto conjun- dido como a abstração mental da superação
tamente de normas e princípios (incluindo da necessidade, mas sempre e quando tal
as diretrizes). Os princípios são, afirma necessidade seja generalizável pela ampli-
Dworkin, imperativos de justiça e honesti- tude da sua extensão e o valor possa ser
dade, isto é, apresentam uma dimensão mo- elevado à categoria de geral.
ral. Quanto aos direitos humanos, define-os Nesse contexto teórico, a liberdade e a
como critérios de valoração de costumes igualdade são entendidas como expressão
e leis. Segundo ele, os homens possuem das necessidades gerais. O Direito não faz
direitos morais que os protegem contra as outra coisa senão positivar tais valores,
decisões da maioria, representada pelo Es- situando-os como decisões políticas fun-
tado. Trata-se de um modelo construtivista damentais. Seguindo essa argumentação,
baseado em direitos e, mais concretamente, é possível entender melhor o processo de
no direito de todo indivíduo de ser trata- positivação dos direitos humanos e, ainda
do como igual, pressupondo a promessa mais, a sua incorporação ao ordenamento
da maioria de respeitar a dignidade das jurídico em nível constitucional (pérez
minorias, assim como reconhecê-las em luño, 1995), superando, desse modo, as
igualdade de condições. críticas realizadas por Bobbio (1992, p. 81),
Outra posição interessante de mencio- que negou o caráter jurídico dos direitos na-
nar é a de Habermas (1997), que afirma turais e dos direitos morais, alegando não
serem os direitos humanos produto do serem direitos, mas exigências em busca
consenso racional, obtido por meio de uma de validade a fim de se tornarem eventu-
situação comunicativa ideal. A importância almente direitos positivos em determinado
dos direitos humanos decorreria, assim, da ordenamento jurídico.
sua condição de generalidade, isto é, da O grande mestre italiano acertou, sem
sua validade para conseguir um consenso dúvida, ao assinalar a importância da
universal. positivação dos valores essenciais do ser
Outros autores (HELLER, 1995), com a humano, como forma de garantir-lhes a
intenção de reforçar o caráter empírico da força que somente o Direito pode conferir,
fundamentação, baseiam sua posição no assim como também acertou ao apontar a
conceito de necessidade como categoria urgência dessa positividade vir acompa-
axiológica para construir um sistema fun- nhada da efetividade,
dado no reconhecimento e na satisfação das “Uma coisa é um direito; outra pro-
necessidades como preferências derivadas messa de um direito futuro. Uma
de uma exigência fática objetivamente coisa é um direito atual; outra, um
generalizável. A dificuldade da passagem direito potencial; Uma coisa é ter um
da necessidade ao valor é superada enten- direito que é, enquanto reconhecido
dendo-se os valores como a racionalização e protegido; outra é ter um direito
abstrata, que parte da experiência real das que deve ser, mas que, para ser, ou
necessidades no âmbito da argumentação para que passe do dever ser ao ser,
que, em uma sociedade ideal, se produz precisa transformar-se, de objeto de
entre os seres que a formam. É um dever-ser discussão de uma assembléia de espe-
que não se separa do ser, mas uma projeção cialistas, em objeto de decisão de um
que o próprio homem faz no seu contexto órgão legislativo dotado de poder de
histórico. O homem tem necessidades que coerção” (BOBBIO, 1992, p. 81).
expressam suas carências, e cuja satisfação No entanto, só uma fundamentação
implica a superação dessas. É justamente ética que resgate a dignidade humana como

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conteúdo essencial dos direitos humanos BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
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(LOPES, 2001) será capaz de viabilizar
qualquer tentativa de imposição de normas CASTBERG, Frede. La philosophie du droit. Paris: A.
que busquem implementá-los. Só a partir Pedone, 1970.
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ciando que a Declaração Universal de 1948 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre fac-
não foi senão o primeiro passo do processo ticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebe-
neichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2 v.
de sua universalização.
Esse problema da falta de efetividade HELLER, Agnes. Ética general. Tradução de Angel
dos direitos humanos vem se tornando um Rivero Rodriguez. Madrid: Centro de Estudios Cons-
titucionales, 1995.
impostergável desafio a ser enfrentado por
toda a humanidade, haja vista os direitos HOBBES, Thomas. Leviatán. Tradução de Manuel
Sanchez Sarto. 2. ed. México: Fondo de Cultura
humanos serem condição sine qua non de
Económica, 1980.
convivência democrática, conforme os
ensinamentos de Bobbio. KELSEN, Hans. Teoría pura del derecho. Tradução de
Luis Legaz Lacambra. México: Colofón, 1999.
Não há dúvida que sem direitos huma-
nos não há democracia. Contudo, sem uma LEWANDWOSKY, Enrique Ricardo. Proteção dos
direitos humanos na ordem interna e internacional. Rio
fundamentação ética, fundada no respeito à de Janeiro: Forense, 1984.
dignidade de todos os seres humanos, não
é nem será possível garantir a efetividade LOPES, Ana Maria D’Ávila. Os direitos humanos: últi-
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