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CIÊNCIAS

HUMANAS E
SOCIAIS

Profª Esp. Pablo Araya Santander

GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Pró-Reitor de Ensino de EAD
Janes Fidélis Tomelin
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
NEAD - Núcleo de Educação a Distância
Diretoria Executiva
Chrystiano Mincoff
James Prestes
Tiago Stachon
Diretoria de Graduação
Kátia Coelho
Diretoria de Pós-graduação
Bruno do Val Jorge
Diretoria de Permanência
Leonardo Spaine
Diretoria de Design Educacional
Débora Leite
Head de Curadoria e Inovação
Tania Cristiane Yoshie Fukushima
Gerência de Processos Acadêmicos
Taessa Penha Shiraishi Vieira
Gerência de Curadoria
Carolina Abdalla Normann de Freitas
Gerência de de Contratos e Operações
Jislaine Cristina da Silva
Gerência de Produção de Conteúdo
Diogo Ribeiro Garcia
Gerência de Projetos Especiais
Daniel Fuverki Hey
Supervisora
Coordenadorde deProjetos
ConteúdoEspeciais
Yasminn
Roney deTalyta Tavares
Carvalho LuizZagonel
Designer Educacional
Kaio Vinicius Cardoso Gomes
Iconografia
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; Roney de Carvalho Luiz
SANTANDER, Pablo Araya. Editoração
Sabrina Novaes
Ciências Humanas e Sociais. Pablo Araya Santander. Qualidade Textual
Monique Coloni Boer
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2020. Ilustração
447 p. André Azevedo
“Graduação - EaD”.

1. Ciências. 2. Humanas. 3. Sociais. EaD. I. Título.

ISBN 978-85-459-2078-6
CDD - 22 ed. 301
CIP - NBR 12899 - AACR/2

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário


João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com prin-
cípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer
uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar
uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Base-
amo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e
espiritual.

Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de gradu-


ação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes
espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais
(Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300
polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribu-
ímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconheci-
dos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4
em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos
educacionais do Brasil.

A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções


inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar re-
levante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três
virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade.
Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, me-
todologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino
presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é pro-
mover a educação de qualidade nas diferentes áreas
do conhecimento, formando profissionais cidadãos
que contribuam para o desenvolvimento de uma so-
ciedade justa e solidária.

Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um proces-
so de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja
ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente,
transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que
forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças
capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os
desafios que surgem no mundo contemporâneo.

O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância,


o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996):
“Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”.

Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se


integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional,
complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências
e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de
maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm
como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conte-
údo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca
dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional.

Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do


conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos
pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja,
acesse regularmente o STUDEO – Ambiente Virtual de Aprendizagem,
interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das
discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores
e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-
-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com
tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica.
AUTOR

Professora Esp. Pablo Araya Santander


Graduado em Ciências Sociais pela
Universidade Estadual de Maringá
(UEM/2003) e emTeologia pela Faculdade de
Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil (Fatipi/2014). Pós-
graduado em Educação, Sociedade e Ensino
Religioso pela Faculdade de Educação São
Luís. É professor de Sociologia do Ensino
a Distância do Centro Universitário de
Maringá (Unicesumar) e pastor da Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil.
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/
visualizacv.do?id=K2736506U0.
APRESENTAÇÃO
CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

Seja bem-vindo(A)!

É com muita satisfação que apresento a você, ca-


ro(a) aluno(a), o livro Ciências Humanas e Sociais, que
acompanhará o desenvolvimento da sua formação
acadêmica. As Ciências Humanas e Sociais são aque-
las que estudam o ser humano e a sua relação com
a sociedade – seus discursos estão interligados.
Darei enfoque especial, num primeiro momen-
to, às três primeiras unidades do livro. Na área
das Ciências Humanas, teremos o privilégio de
aprofundar-nos na Filosofia e na História. Já nas
Ciências Sociais, aprenderemos um pouco mais
sobre as três principais ciências desse saber: So-
ciologia, Antropologia e Ciência Política.
Na Filosofia, procuro prepará-lo(a) como um par-
ticipante ativo na busca pelo saber e pelo pen-
sar, apresentando os principais termos, assuntos
e pensadores. Para isso, buscaremos alcançar o
entendimento e a análise dos principais filóso-
fos por meio de uma viagem histórica desde o
seu início aos nossos dias. Ao contrário dos cur-
sos de Filosofia mais avançados, a leitura poderá
APRESENTAÇÃO

ser relativamente mais simples, o que pode-


rá criar uma boa base para aumentar seu co-
nhecimento e seu pensamento crítico diante
da nossa realidade.
Em História, conheceremos as diferentes
etapas da nossa trajetória, entenderemos o
desenvolvimento no decorrer dos tempos
e seus principais personagens e eventos,
verificaremos os métodos e as técnicas do
trabalho do historiador, a fim de valorizar
a contribuição dessa área tão importante
para o conhecimento do mundo e a com-
preensão do presente.
Com a Sociologia, veremos que toda a ciên-
cia serve, fundamentalmente, para resolver
problemas, estes que, em muitos casos, são
de natureza social, uma vez que suas causas
derivam de problemas de organização e fun-
cionamento da sociedade. Portanto, encon-
traremos, nessa disciplina, uma excelente fer-
ramenta que pode apontar soluções práticas
para o nosso dia a dia por meio da análise me-
todológica da sociedade em que vivemos.
A Antropologia é um tema essencial para a
sua formação, visto que permite adquirir co-
nhecimentos fundamentais sobre o ser hu-
mano: sua evolução, sua interação com o
habitat e sua organização social e cultural.
Da arqueologia pré-histórica à antropologia
aplicada, por meio do estudo de diferentes
civilizações e raças, juntamente com a abor-
dagem do trabalho de campo do antropólo-
go, integraremos o objetivo desta disciplina.
Descobriremos que a Ciência Política tem,
como objetos de estudos, o poder e o Es-
tado. Em suma, verifica a distribuição e a
organização do poder em uma sociedade.
Portanto, veremos que a ação do cientista
político no contexto social é fundamental,
pois orienta no processo decisório em rela-
ção ao seu desenvolvimento integral, acen-
tuando o espírito humanista, progressista e
democrático em nossas ações.
Na quarta unidade, veremos a relação que
existe entre as Ciências Humanas e Sociais e
a Religião. Além disso, saberemos o que Karl
Marx, Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e
Jean-Paul Sartre pensam sobre o conceito
de religião e de Deus.
Por último, iremos debruçar-nos sobre al-
guns temas contemporâneos do nosso
atual contexto: sociedade do consumo,
sociedade líquida, sociedade do cansaço
e sociedade hiperconectada. Esse conjun-
to de assuntos mostra o quão complexa é
a tarefa do pesquisador das Ciências Hu-
manas e Sociais em desvendar e descobrir
os rumos atuais da sociedade para, assim,
apontar novos caminhos.
SUMÁRIO

UNIDADE I

As Origens da Sociologia, Antropologia, Ciência Política,


Filosofia e História

17 Introdução
19 Origens da sociologia
32 Origens da antropologia
44 Origens da Ciência Política
57 Origens da filosofia
71 Origens da história
83 Considerações Finais

UNIDADE II

Principais escolas e conceitos das Ciências Sociais

96 Introdução
98 Pensamento e Conceitos Introdutórios de
Augusto Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e
Max Weber
159 Ciência Política
184 Antropologia
201 Considerações Finais
SUMÁRIO

UNIDADE III

Principais Escolas e Conceitos das Ciências Humanas –


Filosofia e História

214 Introdução
216 Principais escolas e conceitos das ciências 
humanas – Filosofia
254 Filosofia Contemporânea
273 Principais escolas e conceitos das ciências 
humanas – história (Idade Média, Idade
Moderna e Idade Contemporânea)
289 Considerações Finais

UNIDADE IV

A religião nas ciências humanas e sociais

304 Introdução
306 Ciências humanas e sociais e o Conceito de 
Religião
318 Religião: ópio do povo, em Karl Marx
327 Religião: morte de deus, em Nietzsche
336 Religião: uma projeção, segundo Freud
340 Religião: existencialismo e liberdade em Sartre
345 Considerações Finais
SUMÁRIO

UNIDADE V

Formas de organização da sociedade e dilemas atuais

362 Introdução
364 Sociedade do consumo
384 Sociedade líquida
399 Sociedade do cansaço
406 A sociedade hiperconectada
417 Considerações Finais

430 Conclusão
432 Referências
439 Gabarito
Professora

I
Esp. Pablo Araya Santander

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA,

UNIDADE
ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA
POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■ Conhecer o conceito e as origens da
Sociologia
■ Conhecer o conceito e as origens da
Antropologia
■ Conhecer o conceito e as origens da
Ciência Política
■ Conhecer o conceito e as origens da
Filosofia
■ Conhecer o conceito e as origens da
História.
Professora

I
Esp. Pablo Araya Santander

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA,

UNIDADE
ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA
POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentam-se os tópicos que


você estudará nesta unidade:
■ Origens da Sociologia
■ Origens da Antropologia
■ Origens da Ciência Política
■ Origens da Filosofia
■ Origens da História.
17

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), nesta unidade, apresentare-


mos um panorama das principais disciplinas
das Ciências Humanas e Sociais, a saber:
Sociologia, Antropologia, Ciência Política,
Filosofia e História. Buscaremos constan-
temente destacar a etimologia do nome da
disciplina que nos propomos a estudar e o
histórico do surgimento da ciência, no que
concerne aos seus principais aspectos – desde
a gênese aos dias atuais.
Na Sociologia, por exemplo, você conse-
guirá visualizar claramente: o que é sociologia,
a origem do termo, como ela surgiu enquanto
ciência, para que serve e a sua importância
como disciplina para compreender a socie-
dade em que estamos inseridos. Veremos
também, que essa área é vital para que con-
sigamos situar-nos como seres humanos no
nosso contexto histórico tão peculiar.
Com a Antropologia, veremos a importân-
cia de reconhecermos os aspectos culturais
que nos são transmitidos até os dias de hoje.
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
18

Veremos as várias vertentes dessa vasta ciência


que estuda o ser humano nos seus mais diversos
meios culturais. Na Ciência Política, analisare-
mos o termo política, surgido na Grécia Antiga,
o que é e para que serve, além da sua evolu-
ção até os dias atuais e a sua importância para
compreendermos as dinâmicas do Estado e das
relações de poder existentes dentro dele.
A Filosofia, caro(a) aluno(a), dispensa apre-
sentações. É a arte de pensar. Pensar para quê?
Em tempos nebulosos, em que se valoriza o prag-
matismo a todo custo, em um mundo cada vez
mais materialista e consumista, por que deve-
ríamos importar-nos com uma disciplina que
não nos trará retorno financeiro imediato? E,
por último, temos a famigerada História, que
nos mostra como a humanidade caminhou em
tempos longínquos. Precisamos compreender
os erros do nosso passado, para que não prati-
quemos os mesmos no presente.
Deleite-se, saboreie e aproveite este conteúdo.
Se possível, com uma boa xícara de café!

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


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Aula 1
ORIGENS DA SOCIOLOGIA

Para nortearmos o nosso estudo, precisaremos,


em primeiro lugar, deixar bem claras as defini-
ções sobre o tema que nos propomos a tratar
nesta unidade. Os seres humanos, desde os pri-
mórdios, estabelecem entre si relações sociais que
fazem parte do seu dia a dia. Essas relações sur-
gem de acordo com as necessidades pontuais de
cada contexto e existem para que haja convívio
minimamente pacífico. Nesse sentido, as intera-
ções surgem ora em virtude do comportamento
do ser humano, ora de acordo com as regras esta-
belecidas pela sociedade ou pelo grupo ao qual
pertence. Hoje mesmo, você pode perguntar-se:
■ Leio este livro por que quero ou por obri-
gação imposta pela sociedade?
■ Estudo Teologia por que gosto ou por pres-
são exercida pela minha família?
■ Ajo conforme o que penso ou tenho que
moldar-me às regras de conduta vigentes?
■ Ajo de acordo com os meus pensamentos ou me
preocupo muito com o que os outros pensam?
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
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Embora você responda que há prevalência da


vontade pessoal em alguma dessas perguntas,
normalmente, agimos e pensamos de acordo
com as circunstâncias sociais atuais. Somos
agentes ativos dentro de uma sociedade, a qual
possui dinâmica própria, com regras específi-
cas que devemos respeitar para poder interagir.

Você sabe para que ser-


ve o estudo da Sociolo-
gia? Acesse o QR Code e
descubra!

Acordamos cedo, vamos ao trabalho, à escola ou


à faculdade, porque, de antemão, essas institui-
ções já existiam. Isso independe da sua vontade.
Caso queira adequar-se aos parâmetros atu-
ais da sociedade, será a sua atividade, mesmo
que você não queira. Por que trabalhar? Por
que estudar? Por que o trabalho está assim defi-
nido para nós? Poderia ser de outra forma? E o
estudo? Essa configuração da educação como
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
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padrão pré-configurado em escolas e universi-


dades é a mais adequada para os dias de hoje?
Todas essas perguntas e buscas por respostas e
explicações são objetos de estudo da Sociologia.

Figura 1 - Crianças indo à escola

A Sociologia, portanto, é a ciência que estuda


o comportamento social das pessoas, dos gru-
pos, e da organização das sociedades. Nessa
dinâmica, o sociólogo busca compreender o
ser humano em seu contexto social especí-
fico, suas interferências nesse local social e,
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
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ao mesmo tempo, verifica e analisa de que


forma a sociedade, como estrutura dinâmica,
influencia e molda o comportamento do ser
humano. Como essa sociedade não entra em
colapso? Como é possível que o caos não tome
conta da humanidade? Essas são perguntas que
o estudioso da sociologia precisa saber res-
ponder. O autor Alex Inkeles afirma que: “Se
quiséssemos exigir que o problema básico a
que se dirige o sociólogo fosse descrito em uma
única frase, responderíamos: procura expli-
car a natureza da ordem social e da desordem
social” (INKELES, 1974, p. 46).
O sociólogo busca compreender como os pro-
cessos e as estruturas da sociedade funcionam,
a fim de sugerir possíveis alternativas para uma
melhor harmonia social. Para isso, o profissional
da Sociologia deve buscar ferramentas cientí-
ficas para realizar tal análise, conforme Pedro
Scuro Neto salienta: “A postura científica, por
sua vez, engloba a ênfase criativa da ação e dos
processos sociais, quando aborda os proble-
mas de estabilidade e integração das sociedades
modernas” (SCURO, 2004, p. 4).

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


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Figura 2 - Interação social

Em suma, temos como objeto do estudo socio-


lógico: o homem na sociedade e a sociedade
no homem. Esse ser humano só é, de fato, ser
humano em sua completude diante de outro ser
humano, inserido em determinada realidade
social, como afirma Delson Ferreira:
[...] o ser humano só se faz como tal diante
de outro, seu semelhante, com o qual esta-
belece mecanismos diversos de interação
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
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constante. É essa interação, na origem en-


tre indivíduos no final entre os grupos e
sociedades inteiras, que define outra das
características humanas fundamentais: a
da vida social” (FERREIRA, 2009, p. 28).
No quadro a seguir, temos uma lista dos tópicos
do objeto de estudo sociológico, em que muitos
autores, de cursos de introdução à Sociologia,
concordariam com relação ao seu conteúdo:
UM ESQUEMA GERAL DO OBJETO DE
ESTUDO DA SOCIOLOGIA
I. Análise Sociológica: Cultura Humana e So-
ciedade; Perspectiva Sociológica; Método
Científico na Ciência Social.
II. Unidades Fundamentais da Vida Social:
Atos Sociais e Relações Sociais; A Persona-
lidade do Indivíduo; Grupos (onde se in-
cluem Classe e Etnia); Comunidades: Urba-
nas e Rurais; Associações e Organizações;
Populações; Sociedade.
III. Instituições Sociais Básicas: Família e Pa-
rentesco; Econômicas; Políticas e Jurídicas;
Religiosas; Educacionais e Científicas; Diver-
sões e Bem-estar; Estéticas e Expressivas.
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
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UM ESQUEMA GERAL DO OBJETO DE


ESTUDO DA SOCIOLOGIA
IV. Processos Sociais Fundamentais: Dife-
renciação e Estratificação; Cooperação,
Acomodação e Assimilação; Conflito Social
(Inclui Revolução e Guerra); Comunicação
(inclui Formação, Expressão e Mudança de
Opinião); Socialização e Doutrinação; Ava-
liação Social (o Estudo dos Valores); Contro-
le Social; Divergência Social (Crime, Suicídio
etc.); Integração Social; Mudança Social.
Quadro 1 - Objeto de estudo da Sociologia.
Fonte: Inkeles (1974, p. 27).

COMO SURGIU A SOCIOLOGIA?

A Sociologia surge como ciência moderna para


responder aos desafios da nova formatação
dos processos e das estruturas da moderni-
dade. Desde os primórdios, os indivíduos
interagem por meio de relações que objetivam
satisfazer necessidades vitais ou simplesmente
de caráter intrínseco aos anseios e às dúvidas
sobre si mesmos. Essas relações podem surgir

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


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diretamente advindas dos próprios indiví-


duos ou de acordo com as demandas e regras
do grupo social em que convivem.
A Revolução Francesa e a Revolução
Industrial trouxeram uma nova configuração
do que se entendia até aquele momento, de
como era o funcionamento de uma sociedade.
A Revolução Industrial, ocorrida na Europa no
decorrer dos séculos XVIII e XIX, definiu novas
formas de economia, sociedade e tecnologia. A
progressão da produção em massa gerou alguns
dilemas: por um lado, o desenvolvimento tec-
nológico barateava os custos de produção, o
que aumentava a produtividade e otimizava o
processo de armazenamento e transporte de
mercadorias. Por outro, no âmbito do traba-
lho desse novo momento, exigia muitas horas
dos trabalhadores que chegavam a trabalhar
acima de 16 horas por dia.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


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Figura 3 - Crianças trabalhando em mina de carvão

Nas cidades, o “progresso” e o desenvolvimento


da atividade industrial fizeram surgir áreas
degradadas e miseráveis. Os dilemas decor-
rentes dessa fase de intensa urbanização deram
origem à necessidade de repensar os novos
rumos das questões sociais.
As mudanças dessa época foram tão radicais,
que somente podem ser comparadas com as que
ocorreram no período Neolítico e podem ser
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
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resumidas como o abandono do modelo agrá-


rio de produção e comércio, do trabalho e da
sociedade, por um modelo urbano, mecanizado
e industrializado. A produção em larga escala e
com abundante uso das máquinas tinha como
objetivo reduzir o tempo e os custos de produção.
É importante entender as novas formas de
organização que surgiram por meio do pro-
cesso de industrialização, pois, de fato, alterou
drasticamente todo o contexto social mundial
(DIAS, 2010, p. 22-24). Em primeiro lugar,
houve a substituição progressiva do trabalho
humano por máquinas. Com isso, um menor
número de trabalhadores conseguiria produzir
uma quantidade maior de produtos, contra-
pondo a produção artesanal ou doméstica. A
segunda característica é a divisão do trabalho e
a necessidade de organização. Progressivamente,
a especificidade das tarefas na linha de produ-
ção passou a aumentar. As tarefas repetitivas
altamente especializadas tiravam a capacidade
de pensamento intelectual do operário, o que
fez com que o acesso de crianças e mulheres ao
mercado de trabalho fosse facilitado.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


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Figura 4 - Crianças trabalhando em mina de


carvão em 1911
Em terceiro lugar, foram realizadas as mudan-
ças culturais no trabalho. Os trabalhadores ainda
estavam acostumados com a produção rural e
artesanal em ambientes domésticos. Acostumá-
los à nova rotina de trabalho da indústria foi
um dos grandes desafios desse novo momento,
então urbano. Em quarto lugar, houve a produ-
ção de bens em grandes quantidades. Se antes
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
30

só era produzido aquilo que atendesse à demanda local, passou-se, então,


a produzir itens em grande quantidade a preços mais baixos, sem per-
der a qualidade. Por último, surgem os novos papéis sociais: o empresário
(industrial) capitalista e o operário. O empresá-
rio detém os meios de produção e o operário Substituição progressiva
atua com a sua força de trabalho. Para o do trabalho humano
por máquinas.
estudioso Karl Marx, a relação interde-
pendente entre esses dois atores da nova
cena mundial faz parte da essência do
A divisão do trabalho
sistema capitalista. e a necessidade de
sua coordenação.

MUDANÇAS
REVOLUÇÃO OCORRIDAS Mudanças culturais
INDUSTRIAL NOS SÉCULOS no trabalho.
XVII E XIX

Produção de bens em
grande quantidade.

Surgimento de novos
papéis sociais (operários e
Quadro 2 - Revolução Industrial e suas empresários capitalistas).
consequências / Fonte: Dias (2010, p. 22).
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
31

O leque de estruturas sociais se tornou muito


diversificado. Compreender essa demanda
abrangente caracterizou-se como um desafio,
como afirma Reinaldo Dias:
Partindo de uma realidade rural, em que
as funções e relações sociais apresenta-
vam pouca complexidade, as sociedades
europeias (primeiramente a inglesa) se
depararam, no século XIX, com estrutu-
ras sociais mais complexas, que se desen-
volveram em torno da nova realidade in-
dustrial” (DIAS, 2010, p. 4).

Para Nelson Dalcio Tomazi, a Sociologia é


fruto da Revolução Industrial e “nesse sentido
é chamada de ‘ciência da crise’ – crise que essa
revolução gerou em toda a sociedade europeia”
(TOMAZI, 1993, p. 1).

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


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Aula 2
ORIGENS DA ANTROPOLOGIA

Em qual imagem você, caro(a) aluno(a), pensa


quando ouve falar sobre Antropologia? O que
vem à sua mente com relação à profissão de um
antropólogo? Alguém que estuda a interação
cotidiana de uma tribo, de grupos sociais ou,
quem sabe, que estuda os fósseis dos hominí-
deos? Se você pensou nessas duas hipóteses, não
está tão perdido assim. Contudo, as possibilida-
des que essa área oferece vão muito mais além.
O significado etimológico da palavra antropo-
logia (antrophos – homem; logos – estudo) seria,
literalmente, o estudo do homem. Preocupa-se,
portanto, em estudar o ser humano na sua com-
pletude, especialmente sua relação com a cultura.
De forma sucinta, a Antropologia estuda a
realidade humana, assim como os seus aspec-
tos biológicos e sociais. Poderíamos dizer que
é uma área que tem a função de estudar a natu-
reza, as formas de organização social e o passado
dos seres humanos com um objetivo bem espe-
cífico: estabelecer o que significa ser homem e

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


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mulher em determinados contextos histórico-


-sociais. Daí, verificamos que a Linguística e a
Arqueologia estão interligadas à Antropologia.

Figura 5 - Trabalho de investigação arqueológica

Além disso, a Antropologia, enquanto estudo


científico, serve para designar a ciência que
investiga o ser humano de maneira holística
(completa, total, inteira), combinando, em

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


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apenas uma disciplina, metodologias e abor-


dagens das Ciências Naturais e das Ciências
Humanas e Sociais, assim como da Filosofia.
Assim, o papel do antropólogo é compreen-
der as dinâmicas dos diversos membros de
determinada sociedade, o que implica, mui-
tas vezes, tornar-se parte de tradições, rituais
e costumes da cultura em estudo. A observa-
ção e o trabalho de campo são as ferramentas
metodológicas mais importantes que o antro-
pólogo utiliza para compreender quais são os
significados compartilhados e qual a dinâmica
de funcionamento da cultura estudada.
Na Antropologia, conseguimos identificar
três categorias principais. Por um lado, temos
a Antropologia social e cultural, que estuda os
seres humanos como personagens coletivos que
vivem em sociedade e que, portanto, são pro-
dutores de cultura, mas, ao mesmo tempo, um
produto dela. Nesse caso, precisamos especificar
que, por cultura, entendemos a capacidade de
conceber o mundo de forma simbólica, aprender
e transmitir símbolos ou conceitos a outros seres
humanos, e transformar o ambiente e a própria

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


35

personalidade por meio do uso desses símbo-


los. Por outro lado, encontramos a Antropologia
biológica ou física, que estuda a variabilidade
biológica de grupos humanos ao longo de sua
história, sem levar em conta aspectos culturais.
A última categoria, mas não menos importante,
é a Antropologia filosófica, que tenta dar sentido
ao ser humano enquanto ser social, ao questio-
nar: o que é o homem?
Veja a conceituação realizada por Marconi
e Presotto:
[...] a Antropologia visa ao conhecimento
completo do homem, o que torna suas ex-
pectativas muito mais abrangentes. Dessa
forma, uma conceituação mais ampla a de-
fine como a ciência que estuda o homem,
suas produções e seu comportamento. O
seu interesse está no homem como um
todo - ser biológico e ser cultural -, preocu-
pando-se em revelar os fatos da natureza e
da cultura. Tenta compreender a existên-
cia humana em todos os seus aspectos, no
espaço e no tempo, partindo do princípio
da estrutura biopsíquica. Busca também

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


36

a compreensão das manifestações cultu-


rais, do comportamento e da vida social.
(MARCONI e PRESOTTO, 2010, p. 2).
Se pudéssemos adjetivar a Antropologia, defi-
niríamos em três termos: a) Holística (integral),
pois tenta combinar o estudo de várias discipli-
nas sobre o ser humano, com maior enfoque à
própria Antropologia – aqui também o vemos
como um ser identificado com determinado
grupo social; b) Comparativa, no sentido de
que ela tenta verificar as possíveis semelhan-
ças e diferenças entre culturas diferentes, antes
de verificar as suas principais características;
e c) Progressiva, pois tende a verificar a evo-
lução dos seres humanos ao longo da história.
Para isso, temos que diferenciar a evolução
propriamente dita, biológica ou física, que se
transmite geneticamente e, a progressão cul-
tural, na qual podemos verificar as mudanças
de comportamento, crenças, linguagens, usos,
costumes e rituais que se perpetuam por meio
do ensino e da aprendizagem.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


37

COMO SURGIU A ANTROPOLOGIA?

A Antropologia surge como uma disciplina inde-


pendente durante a segunda metade do século
XIX. Um dos fatores que favoreceu a sua apa-
rição foi a propagação da teoria evolucionista,
que, no campo dos estudos sobre a sociedade,
deu origem ao evolucionismo social. Entre os
principais autores está Herbert Spencer – um
dos maiores pensadores do seu tempo –, filósofo,
psicólogo, sociólogo e naturista, que foi a figura
mais destacada do evolucionismo filosófico e
positivista de sua época. Aplicou leis evolucio-
nistas à Filosofia e à sociedade. No entanto, essas
aplicações darwinistas justificaram a domina-
ção de alguns povos sobre outros, bem como a
supremacia de uma raça humana sobre outra.
Assim como ele, os primeiros antropólogos pen-
savam que, tal qual a evolução das espécies de
organismos simples para os mais complexos,
as sociedades e culturas humanas tinham que
seguir o mesmo processo, para produzir estrutu-
ras complexas dentro de sua própria sociedade.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


38

Figura 6 - Evolução humana

Desde o final do século XIX, a abordagem ado-


tada pelos primeiros antropólogos foi contestada
pelas gerações seguintes. Depois da crítica de
Franz Boas à Antropologia Evolutiva do século
XIX, a maioria das teorias produzidas por antro-
pólogos da primeira geração é considerada
ultrapassada. Durante o século XIX, surgiram,
então, várias correntes antropológicas, den-
tre elas: o culturalismo, nos Estados Unidos,
no início do século; a etnologia, na França; o
funcionalismo estrutural, o estruturalismo
antropológico e a antropologia marxista.
Lewis Henry Morgan (1818-1881) também
é considerado um dos pais da Antropologia
Moderna. Ele apresentou avanços no que con-
cerne às relações de parentesco (estudou mais
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
39

de 70 tribos indígenas) que foram fundamen-


tais para que determinado grupo fortalecesse
os laços internos de pertencimento. Na linha
das teorias evolucionistas que dominaram
completamente o pensamento científico e
antropológico do século XIX, seus estudos
sobre o comportamento tribal levaram-no a
propor, em sua obra A Sociedade Primitiva
(1877), uma teoria da evolução cultural base-
ada na transição por três etapas: selvageria,
barbárie e civilização. A presença de certas
instituições e técnicas definiriam cada estágio.
Os evolucionistas se propuseram, portanto,
a traçar o caminho seguido pelo ser humano
desde suas origens, representado por povos “pri-
mitivos” – vistos como inferiores –, ao estado
chamado de “civilização” – visto como superior.
No final da Segunda Guerra Mundial, grande
parte dos países mais poderosos do mundo já
havia conseguido desenvolver uma Antropologia
de nível profissional, que lhes permitia fortale-
cer sua identidade como nação. Na verdade, a
Antropologia Cultural foi utilizada de forma
ideológica em muitas situações, para justificar
ações do colonialismo europeu em face dos
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
40

conhecimentos que tinham sobre determinadas


culturas. Esse processo, chamado de ocidenta-
lização, justificou a dominação e a exploração
de culturas tidas como inferiores.
Para facilitar a nossa compreensão sobre a
Antropologia, veremos, no quadro a seguir, a
principal classificação dessa área de estudos.

É aquela que considera que as di-


ferenças são causadas não pelas
características da raça, mas, primor-
dialmente, pela cultura. Os antro-
pólogos culturais tendem a espe-
cializar-se em um campo específico,
como economia, política ou religião.
Seu método de estudo é frequen-
Antropologia
temente baseado no trabalho de
Cultural
campo, que envolve a observação
in loco e a descrição da atividade de
determinado grupo social. Temos,
aqui, dois conceitos-chave: a etno-
grafia, que descreve uma cultura
em seu habitat, e a etnologia, que
consiste na comparação de dois ou
mais modelos culturais.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


41

É a área da Antropologia que estuda


Antropologia a diversidade linguística em diferen-
Linguística tes sociedades humanas em relação
a determinados contextos culturais.
Os arqueólogos procuram evidências
de culturas passadas. A recuperação
Arqueologia
desses vestígios é muito útil para bi-
ólogos e antropólogos culturais.
Vertente que utiliza as informações
obtidas de outras especializações
Antropologia antropológicas para resolver proble-
Aplicada mas interculturais em áreas como
saúde e desenvolvimento econômi-
co, por exemplo.
Quadro 3 - Divisão clássica da Antropologia.
Fonte: o autor.

Conforme vimos no quadro anterior, a antro-


pologia está em constante diálogo com as mais
diversas disciplinas. Utiliza conceitos e téc-
nicas que abrangem a evolução biológica da
espécie humana, os contextos históricos, a
sociologia, os estudos culturais e até chega a

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


42

apontar possíveis diagnósticos futuros sobre


a relação entre o ser humano e a cultura, con-
forme salientam Marconi e Presotto:
A Antropologia, embora autônoma, re-
laciona-se com outras ciências, trocando
experiências e conhecimentos.
Como ciência social, oferece e recebe dados
teóricos e metodológicos da Sociologia,
da História, da Psicologia, da Geografia,
da Economia e da Ciência Política. Como
ciência biológica ou natural, liga-se à Bio-
logia, à Genética, à Anatomia, à Fisiologia,
à Embriologia, à Medicina. Também a Ge-
ologia, a Zoologia, a Botânica, a Química
e a Física vêm oferecendo indispensável
contribuição aos estudos antropológicos
na busca da compreensão dos problemas
comuns a todas essas disciplinas.
A Antropologia, considerada a mais jo-
vem das ciências, teve de aguardar o de-
senvolvimento dos conhecimentos liga-
dos à Geologia, à Genética, à Biologia, à
Sociologia para que se pudesse desenvol-
ver. Pode-se afirmar que, somente após

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


43

os conhecimentos da célula e da evolução


terem sido formulados e aplicados ao ho-
mem, é que a Antropologia se sistemati-
zou e progrediu como ciência do homem.
Mantém relações interdisciplinares mais
íntimas com as ciências que centram seu
interesse especificamente no estudo do
homem e que emprestam a ela os dados
pesquisados e acumulados em relação a
todos os aspectos da existência humana:
Sociologia, Psicologia, Economia Políti-
ca, Geografia Humana, Direito e História.
A Antropologia vem firmando-se como
ciência do homem que exige, cada vez
mais, a cooperação entre os seus espe-
cialistas e os de outras ciências, pois cada
série de problemas requer a utilização de
métodos específicos altamente técnicos
(MARCONI; PRESOTTO, p. 10).

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


44

Aula 3
ORIGENS DA CIÊNCIA POLÍTICA

O que é política para você? Para que ela serve?


Quando você ouve essa palavra, quais são os sen-
timentos invocados em você? São positivos ou
negativos? Normalmente, temos a percepção de
que a política deve permanecer distante de nós
e que somente os nossos governantes podem
apropriar-se do termo, pois eles seriam, de fato,
os políticos em atuação. Nós, enquanto pessoas
comuns, não deveríamos pensar sobre política,
nem sequer pensar sobre como ela funciona. Já
ouviu a expressão de que “lugar de estudante é
em sala de aula e não em manifestações”? Que
a escola deveria servir apenas para o estudo e
não como possível agrupamento de pessoas que
“sai por aí” em manifestações?
Outro sentido que encontramos para a palavra
é quando dizemos que “essa não é uma política
da nossa empresa”, ou “não temos como polí-
tica a prática dessa atividade na nossa escola”.
Nesses casos, o termo empregado sugere a forma
como determinada instituição orienta as suas

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


45

decisões, como se a política adotada fosse um


manual de instruções de práticas que podem ou
não ser praticadas. Nesse sentido, as políticas
seriam diretrizes para orientar a ação. Serviriam
como critérios a serem observados na tomada de
decisões, sobre um problema que se repete em
uma organização. Pode ser uma política geral,
na qual as regras se aplicam a todos os níveis
da empresa e tem alto impacto ou criticidade,
por exemplo: políticas orçamentárias, políticas
de remuneração, política de qualidade, política
de segurança abrangente, entre outras. Também
podem ser políticas específicas, que são as regras
que se aplicam a determinados processos, como:
política de vendas, política de compras, polí-
tica de segurança de computadores, políticas
de inventário, entre outros.
Caro(a) aluno(a), você observou como o
termo “política” pode ser utilizado para vários
significados? Para que fique mais evidente, bus-
caremos, por meio desta reflexão, analisar os
diferentes significados e escopos do que se deno-
mina por política, seja como uma indagação do
conceito e sua interação com outras atividades e

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


46

disciplinas em que o homem está inserido, seja


como alcance das ideologias e reflexo das suas
consequências nos mais variados grupos sociais.

COMO SURGIU A CIÊNCIA POLÍTICA?

A palavra “política” se origina das palavras gre-


gas polis, politeia, política e politiké.
■ Polis: a cidade, o Estado, a área urbana ou
urbanizada, o encontro dos cidadãos que
compõem a cidade.
■ Politeia: o Estado, a Constituição, o regime
político, a República, a cidadania (no sen-
tido do direito dos cidadãos).
■ Política: plural neutro de políticos, aquilo
que é político e cívico, tudo sobre o Estado, a
Constituição, o regime político, a República
e a soberania.
■ Politiké (techné): a arte da política.

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47

Figura 7 - Templo de Parthenon na colina da


Acrópole, em Atenas, Grécia

A Ciência Política, no sentido de dar explica-


ção ordenada e sistematizada do Estado, tem
sido uma ciência desde a sua criação. Os gre-
gos são os criadores da política e da Ciência
Política. Para eles, este seria o estudo ou o
conhecimento da vida comum dos homens, de
acordo com a estrutura essencial desta vida,
que é a constituição da cidade.
O espaço político surge como lugar público
no qual a vida política pôde tomar forma: a
oratória, o espaço comum no qual temas de
interesse geral, como ética e educação, podiam
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
48

ser debatidos; era, para o povo grego, o terreno


do comum. Na verdade, fazer política era par-
ticipar da vida em comum, uma obrigação de
cada cidadão para si e para os outros; desistir de
fazer política significava renunciar ao governo
e, portanto, deixar de ser livre.
A Grécia Antiga é, por assim dizer, a mãe da civi-
lização europeia. Entre os gregos, Aristóteles não
foi apenas o principal promotor do conhecimento
científico, mas também o autor de uma grande
descoberta: que toda ciência tem sua individu-
alidade. Devemos
a ele a política, a
Ciência Política e a
sua situação dentro
das demais áreas da
ciência. Para ele, o
ser humano é um ser
racional e social. Tal
divisão ou ambigui-
dade de significado
será fundamental
para expressar o que
será justo ou injusto
Figura 8 - Estátua de Aristóteles na sociedade, o que
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
49

é valioso ou não entre os homens, o que é que é


prejudicial ou bom para o bem comum. Ele deu
origem à ideia de que o ser humano é um animal
político, ou seja, que necessita buscar a convivên-
cia com a comunidade, pois, sem ela, sente-se só
e incompleto. Nessa perspectiva, a política, seria
uma atividade inerente à natureza humana.
Em Protágoras, Platão considera o conceito
de política como um conhecimento concebido
em termos de propósitos práticos. O filósofo
tenta definir a essência das virtudes cívicas fun-
damentais que apresentam o conhecimento do
bem como a essência
de todas as virtudes.
Portanto, o filósofo
estaria apto para
governar como um
líder de Estado, já
que seria tarefa a ser
praticada por quem
possui o conheci-
mento do bem, isto
é, o fundamento do
princípio que cons-
trói uma sociedade e Figura 9 - Estátua de Platão
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
50

para o qual toda a existência humana deve ser


dirigida. Assim, nesse mesmo diálogo, Sócrates é
tido como mestre da “arte política”, absorvendo
em si a tarefa de forjar os homens como bons cida-
dãos; Platão se refere à “técnica política” como
busca de uma objetividade rigorosa, portanto,
um conhecimento não específico das massas,
mas um conhecimento filosófico supremo.
Aristóteles e Platão
marcaram um período
específico em que as
primeiras ideias sobre
Ciência Política foram
construídas. No decor-
rer da história, houve
diversos pensado-
res importantes, que
ajudaram para que a
política encontrasse o
seu espaço no campo
das Ciências Sociais.
No século XVI,
Maquiavel de destacou
por dar o panorama da Figura 10 - Estátua de
modernidade política. Maquiavel
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
51

Na segunda metade do mesmo século, Jean


Bodin abordou sistematicamente os chama-
dos fenômenos políticos.
Thomas Hobbes (1588 - 1679) afirmou que
o pior inimigo de um
homem é outro homem,
expressando sua con-
cepção de ser humano:
o homem é o lobo do
homem, e argumenta
que viver com outros
homens torna-o pior.
A partir dessa posição,
construiu o conceito
de política relativo a
quem detém o poder
do governo, entendido
como meio de manter
Figura 11 - Thomas Hobbes
vantagens e privilégios.
No contexto do Iluminismo, surgiu Montesquieu,
contestando várias teses de Aristóteles com o
uso detalhado da razão. Com as suas teses, todos
esses autores mencionados contribuíram para o

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


52

estabelecimento da temática no longínquo século


XIX. A partir desse momento, falar de Ciência
Política passou a ser mais comum no cotidiano.
Novos acadêmicos começam a aparecer e a inte-
ressar-se por essa dinâmica, o que permitiu o seu
estabelecimento como ciência autônoma.
Alexis de Tocqueville deve ser mencio-
nado com o uso do método de observação
direta dos fatos. Augusto Comte estabeleceu
as bases objetivas do método científico. Karl
Marx contribuiu com uma nova explicação
dos fenômenos do poder em geral. Com isso,
no final do século XIX, o reconhecimento e
a vida cotidiana permitiram que a Ciência
Política se posicionasse no campo acadêmico.
Nos Estados Unidos, recebeu maior apoio e
impulso para consolidar-se. Multiplicaram-se
estudos sobre forças políticas, eleições e ques-
tões relacionadas à distribuição de poder. É por
isso que é um dos países em que o maior desen-
volvimento da disciplina foi registrado. Além
disso, a presença de circunstâncias internacio-
nais, favoreceram seu avanço, especialmente no
período entre guerras e, particularmente, após

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


53

1945, com a culmi-


nação da Segunda
Guerra Mundial.
O reconhecimento
e a precisão de seu
campo de estudo
e conteúdo come-
çaram a tornar-se
mais palpáveis após
Figura 12 - Soldados em ação – esses eventos.
Segunda Guerra Mundial.
Fonte: Pixabay ([2019], on-line)¹.
Enquanto disciplina,
a Ciência Política
continua em franco
desenvolvimento e
atingiu um nível de
maturidade que lhe per-
mitiu ter alto grau de
autonomia. Contudo,
enfrenta alguns proble-
mas no que diz respeito
aos seus métodos de
pesquisa. Enquanto Figura 13 - Capitólio dos
cientistas políticos Estados Unidos
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
54

norte-americanos concentram seus estudos na


elaboração de hipóteses e na busca de teorias,
os europeus, por sua parte, tentam aproximar-
-se dos fatos e obter resultados mais concretos.
Agora, a disciplina está na busca de abor-
dagens que permitam integrar ambas as
perspectivas e, assim, obter melhores resul-
tados. Muitos dos métodos e abordagens que
ainda existem devem ser modernizados e adap-
tados às demandas do presente, a fim de serem
mais eficientes e obterem maior credibilidade
nos resultados que são lançados.
Em síntese, a Ciência Política se desenvolve e
se aprimora como ciência e estuda os aspectos
das relações existentes no Estado, as suas ins-
tituições e a sua relação com os seres humanos
as quais fazem parte de sua composição. Seu
objeto de estudo principal é o Estado, entendido
como a instituição que governa os indivíduos e
que compõem um grupo social em um territó-
rio específico, sobre o qual é seu dever legislar,
extrair e distribuir recursos. Desse significado,
surge o poder estatal, que defende e mantém
uma ideologia própria, conforme visto nas atuais
disputas políticas. Portanto, o objeto da Ciência
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
55

Política, em suma e de forma abrangente, seria o


estudo do Estado e das relações de poder; estuda
a teoria e a prática da política, desde sua dou-
trina às manifestações individuais. Os sistemas
de comportamento da sociedade em relação
à política, a influência disso na sociedade e as
interações entre atores políticos e indivíduos
também são analisados por cientistas políticos
ou graduados em Ciência Política. Seu traba-
lho baseia-se na observação e na compreensão
correspondente de atos e manifestações políti-
cas, para formular princípios e regras comuns a
essa disciplina e seu funcionamento. Para isso,
interage com outras disciplinas, a maioria per-
tencente ao campo das Ciências Sociais.
Se você gostou dessa disciplina e pensa em
atuar na área, aqui vão algumas dicas com rela-
ção à sua atividade: o pensamento crítico é
apresentado como a habilidade fundamental
que os profissionais devem ter, bem como uma
capacidade desenvolvida da observação e da
percepção para entender os diferentes fenôme-
nos políticos enfrentados. Logo, suas funções
podem ser exercidas no campo diplomático

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


56

e na própria política (assessoria de vereado-


res, deputados, senadores), trabalhando em
conjunto com governos e órgãos oficiais, mas
também em consultoria ou assessoria a diferen-
tes empresas. Além disso, a carreira acadêmica
como cientista político conta, no Brasil, com
várias universidades conceituadas, com longo
histórico de atividades.
É uma carreira vasta no que se refere aos cam-
pos de atuação, uma vez que várias organizações
internacionais estão constantemente à procura
de pessoal treinado para realizar tarefas de con-
sultoria no exterior. Além disso, diplomatas e
investigadores políticos cumprem a maioria de
suas funções em outros países.
As novas formas de comunicação, publicidade
e marketing geraram, nos últimos anos, novas
oportunidades de emprego para graduados em
Ciência Política. Assim, aqueles que inicialmente
se limitaram a ensinar ou trabalhar em agências
governamentais, atualmente trabalham como
assessores discursivos de várias autoridades ou
associações políticas, e até mesmo, como asses-
sores de imagem e campanha.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


57

Aula 4
ORIGENS DA FILOSOFIA

A Filosofia não é apenas uma área específica


destinada apenas a pensadores extraordinários
e excêntricos, como normalmente pensamos.
Podemos todos filosofar quando, por exemplo,
estamos imersos nas nossas tarefas cotidianas,
e fazemos perguntas a nós mesmos sobre a vida
e sobre o universo.
Somos curiosos por natureza. Desejamos
sempre encontrar o sentido do que está à nossa
volta e queremos que, de alguma forma, os ques-
tionamentos sejam solucionados por meio do
nosso raciocínio. É natural, portanto, querer
saber sobre o mundo que nos rodeia e qual o
nosso papel no contexto que nos encontramos.
Ao mesmo tempo, temos uma capacidade
intelectual tremenda que nos permite, além
de questionarmos, racionalizarmos possíveis
respostas e, mesmo sem perceber, quando pra-
ticamos essa dinâmica, praticamos também
a Filosofia. Esta consiste muito mais no pro-
cesso de tentar encontrar respostas a perguntas

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


58

imprescindíveis, mediante a razão, sem aceitar as


normas ou os conceitos tradicionais pré-conce-
bidos, do que no fato de encontrar as respostas.

Não se pode pensar em nenhum homem


que não seja também filósofo, que não pen-
se, precisamente porque o pensar é próprio
do homem como tal.
(Antonio Gramsci).

De acordo com o que discutimos, temos a impres-


são de que a Filosofia seria utilizada, portanto,
somente no campo das ideias, sem nenhuma
relação com aspectos práticos do nosso coti-
diano, como se a função do filósofo fosse a de
apenas especular sobre questões teóricas longe
da nossa realidade material. Muitos afirmam
nos nossos tempos: “Filosofia não serve para

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


59

nada”, “Filosofia não gera renda para o país”, “do


que adianta pensar e nada fazer”. Continuariam
a dizer, ainda, que o melhor seria cultivar dis-
ciplinas e atividades que tenham impacto real
na sociedade em que vivemos e que esqueça-
mos toda ciência ou disciplina como a Filosofia,
a sociologia e a antropologia, que não geram
riqueza para o país e para a sociedade. É como
se a Filosofia tivesse a capacidade de somente
atrapalhar a vida prática das pessoas, pois ela
aponta questões que nos auxiliam.

Figura 14 - Pensar: inquietação e reflexão filosófica

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


60

Na verdade, a Filosofia nos alerta de que exis-


tem determinados aspectos da nossa vida, que
são muito importantes para a nossa existên-
cia e que precisam vir à tona para pensarmos
sobre eles. Por exemplo, a todo o momento,
perguntamo-nos: “que horas são?”. Parece
uma pergunta simples, mas é um questio-
namento profundo que não paramos para
pensar que se trata de uma questão tempo-
ral. Na realidade, o tempo é uma das questões
mais antigas e cruciais do pensamento filosó-
fico. Contudo, ficamos preocupados apenas
com a nossa relação com o tempo, no aqui e
agora, como se as horas do nosso relógio fos-
sem a única preocupação que poderíamos ter.
Muitos filósofos
tentaram decifrar
a questão do espa-
ç o - t e mp o, no
decorrer dos sécu-
los. Os primeiros
filósofos acredita-
vam que o tempo só
se limitava na dire-
ção do passado. Já Figura 15 - Que horas são?
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
61

os pensadores da idade média, contestaram essa


ideia, afirmando que existia um “finitismo tem-
poral”, onde o passado teria um tempo limitado.
Durante toda a história da Filosofia não tive-
mos uma resposta clara e inequívoca acerca da
pergunta sobre o tempo e lidamos com esse
fato como se não houvesse importância alguma.
Pense comigo: se nos atentarmos e pensarmos
sobre o tempo e o papel que temos nele, dare-
mos muito mais importância e sentido para a
forma de vida que levamos. Elencaremos priori-
dades e atitudes que nos farão aproveitar todos
os momentos da vida de forma mais intensa.
Conflitos e atritos que tínhamos como impor-
tantes, deixam de ser, pois agora, pensando
filosoficamente, compreendo que existem coi-
sas mais relevantes e que preciso me atentar a
elas. Coisas pequenas ficam para trás.
Isso tudo nos mostra que agimos em nosso
dia a dia, de forma instantânea e que, se formos
analisar a fundo, deixamos muitas questões
importantes de lado.
Outra questão acerca dessa introspecção sobre
a importância da Filosofia, é que existem algumas
questões que são intrínsecas aos seres humanos:
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
62

qual o sentido da vida? Onde me encaixo, como


pessoa, dentro uma sociedade tão dinâmica e con-
sumista? Será possível sobreviver numa sociedade
se não sei como agir nela? É mais importante ter
um conhecimento acerca do mundo ou de mim
mesmo? Essas perguntas nos mostram que, pensar
filosoficamente demanda tempo para raciocinar
e, ao mesmo tempo, gera em nós sentido e pro-
pósito de vida quando encontrados.
Não encontrar respostas ou não entender
algo gera em nós um sentimento de insatisfa-
ção e, até mesmo, tristeza. Diante de uma dor
muito intensa, por exemplo, a primeira per-
gunta que nos vem à mente é: Por quê? Por que
isso aconteceu comigo? Por que isso aconteceu
neste exato momento da minha vida? E justa-
mente, um dos alívios para a dor do sofrimento,
é conhecer a verdade, ou o porquê daquilo ter
acontecido. Ao nos encontrarmos com a verdade,
há satisfação e contentamento, pois localiza-
mos a resposta necessária para enfrentar aquela
dor. Quando conseguimos explicar o motivo do
nosso sofrimento a alguém, conseguimos nos
sentir reconfortados, pois, de alguma forma,
damos sentido e significado àquilo que passamos
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
63

Figura 16 - O pensar e o questionar fazem parte


de nós

É muito nítido que, para essa demanda tão


humana do saber, são demandados diferentes
graus e níveis de conhecimento. Você pode sen-
tir-se satisfeito com pouco, mas também pode
tentar saber o máximo que puder. Esse anseio é
muito necessário em nosso tempo, pois existem
questões que são muito complexas, e não conse-
guiremos administrá-las com abordagens parciais
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
64

ou superficiais, visto que os problemas não são


resolvidos assim; pelo contrário, são agravados.
É impossível separar a teoria filosófica das
questões práticas da vida. Note que toda pro-
posta ou pensamento filosófico advém de uma
demanda que pretende responder a alguns pro-
blemas morais e sociais de determinada cultura,
de seres humanos de alguma época e que se
encontram cheios de incertezas e ansiedades.
Não surgem do acaso. Primeiro, manifestam-se
as questões da vida e, por meio delas, o nosso
pensar filosófico é acionado para compreen-
dermos essa demanda.
Constatamos então, que a Filosofia é um
desafio que exigirá de nós um espírito questio-
nador e crítico acerca da nossa realidade. Ao
mesmo tempo, incentiva-nos pela busca da ver-
dade para que, assim, consigamos livrar-nos de
amarras que nos foram transmitidas, a fim de
criarmos nosso próprio ponto de vista sobre o
assunto. Normalmente, é peculiar daqueles que
possuem o espírito questionador o desejo de
ser autêntico, de escapar do engano, da farsa,
da superficialidade e também, de adquirir a

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


65

capacidade de enfrentar desafios sem render-se


facilmente. Espero que essa pequena introdu-
ção da disciplina gere em você o mesmo desejo
de sempre buscar a verdade com ousadia, e
que se sinta atraído pela aspiração do conhe-
cimento de forma crítica e racional.

COMO SURGIU A FILOSOFIA?

É sempre salutar, quando começamos a estudar


determinada ciência, que busquemos o seu sig-
nificado etimológico. A palavra “filosofia” vem
de duas raízes gregas: philos, que deriva de phi-
lia e significa amizade ou amante, e sophia, que
significa sabedoria e, por isso, usualmente tra-
duzimos o termo por amor ao conhecimento
ou amizade pela sabedoria. Com isso, podemos
dizer que Filosofia significa o ato de respeitar,
admirar, desejar a sabedoria ou o conhecimento.
Em latim, sabedoria se expressa com o termo
sapientia, que vem do sapere, que significa, em
sentido amplo, conhecimento. Aquele que é sábio
é o bom conhecedor, aquele que julga correta-
mente, porque domina os assuntos que estudou.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


66

Em sentido estrito, sapere se refere ao bom gosto,


com paladar apurado. Portanto, quem exerce
conhecimento filosófico, geralmente tem “pala-
dar” habituado à busca pela verdade.
O termo “sábio” também tem histórico na
Filosofia. Conta a história que foi Pitágoras quem
começou a usar a palavra “filósofo”, quando
questionado sobre qual era a sua atividade.
Ele respondeu que não era um apreciador da
arte, mas que era meramente um filósofo; para
tornar-se melhor compreendido, ele fez uma
comparação com as Festas Olímpicas, dizendo
que alguns vieram para competir, outros para
fazer negócios e outros apenas pelo prazer de
ver o espetáculo – estes seriam os filósofos.
Considera-se que a Filosofia tenha nascido
na Grécia, especificamente, nas colônias jôni-
cas da Ásia Menor, no século VI a.C., a partir
do momento em que os pensadores começam a
questionar os motivos pelos quais os problemas
que a natureza apresentava acontecerem por meio
de reflexões racionais. Esse processo, de expli-
car racionalmente a origem do mundo, assim
como a sua ordem, é chamado de cosmologia.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


67

Figura 17 - Vista da Acrópole ao pôr do sol,


Atenas, Grécia

Baseados na nossa tradição ocidental, sabemos


que os gregos foram os primeiros que desejaram
abandonar as explicações tradicionais e conser-
vadoras dos fenômenos que ocorriam à sua volta,
apoiadas nos mitos e divindades, para dar lugar
às explicações da natureza, do ser humano e da
realidade que viviam, por meio do uso exclusivo
da razão. Podemos perceber que a capacidade de
questionar racionalmente tudo que nos rodeia
deu origem ao pensamento filosófico.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


68

De acordo com Marilena Chauí, os historia-


dores costumam dividir a história da sociedade
grega em quatro períodos ou fases:
1. a da Grécia homérica, correspondente
aos 400 anos narrados pelo poeta Home-
ro, em seus dois grandes poemas, Ilíada e
Odisséia;
2. a da Grécia arcaica ou dos sete sábios,
do século VII ao século V antes de Cris-
to, quando os gregos criam cidades como
Atenas, Esparta, Tebas, Megara, Samos,
etc., e predomina a economia urbana, ba-
seada no artesanato e no comércio;
3. a da Grécia clássica, nos séculos V e IV
antes de Cristo, quando a democracia se
desenvolve, a vida intelectual e artística
entra no apogeu e Atenas domina a Gré-
cia com seu império comercial e militar;
4. e, finalmente, a época helenística, a par-
tir do final do século IV antes de Cristo,
quando a Grécia passa para o poderio do
império de Alexandre da Macedônia, e,
depois, para as mãos do Império Roma-
no, terminando a história de sua existên-
cia independente (CHAUÍ, 2005, p. 39).
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
69

O período do surgimento da Filosofia teria acon-


tecido na Grécia Antiga, alcançando o seu apogeu
na Grécia Clássica, e foi durante o período hele-
nístico que se expandiu para as mais diversas
regiões fora da Grécia. Em cada momento da
história, a Filosofia adquiriu determinadas carac-
terísticas, conforme o contexto em que estava
inserida. Questões e problemáticas surgiram e,
assim, o pensamento filosófico passou a propor-
cionar amplo diálogo com a cultura e a sociedade,
sugerindo apontamentos, respostas e diferentes
perguntas para aquele momento.
Os saberes, os questionamentos e as res-
postas desenvolvidas em determinada época
servem para que os futuros filósofos tenham
um campo de partida e prossigam, seja para
dar novo significado, seja para criticar algum
assunto. Na próxima unidade iremos aprofun-
dar-nos em cada um desses períodos com os
seus respectivos pensadores. De forma sinte-
tizada, na tabela a seguir seguem as principais
fases da Filosofia na história:

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


70

Filosofia Antiga (do séc. VI a.C. ao séc. VI d.C.)


• Período socrático (final do séc. V e todo o
séc. IV a.C.)
• Período sistemático (final do séc. IV ao final
do séc. III a.C.)
• Período helenístico (final do séc. III a.C. ao
séc. VI d.C.)
Filosofia Patrística (do séc. I ao séc. VII d.C.)
Filosofia Medieval (do séc. VII d.C. ao séc. XIV
d.C.)
Filosofia da Renascença (do século XIV d.C
ao século XVI d.C.)
Filosofia Moderna (do séc. XVII d.C. a meados
do séc. XVIII d.C.)
Filosofia da Ilustração ou Iluminismo (mea-
dos do séc. XVIII ao começo do séc. XIX)
Quadro 4 - Fases da Filosofia.
Fonte: o autor.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


71

Aula 5
ORIGENS DA HISTÓRIA

O que é História? Para que serve? Os primeiros


historiadores gregos, como Heródoto, afirmavam
que nós, como seres humanos, diferenciamo-
-nos das demais espécies pela curiosidade em
saber o que aconteceu antes de nós. Mota (2005)
aponta que, para o escritor e lexicógrafo brasi-
leiro Aurélio Buarque de Holanda, História é a
“narração metódica dos fatos notáveis ocorri-
dos na vida dos povos, em particular, e na vida
da humanidade, em geral”. Para Sérgio Buarque
de Holanda, historiador e sociólogo, “[...] a his-
tória é o estudo do que os homens do passado
fizeram, da maneira pela qual viviam, das ideias
que tinham” (MOTA, 2005).
A etimologia da palavra “história” é de ori-
gem grega e significa investigação, testemunha
ou, ainda, procurar por algo. Poderíamos dizer
que História é o conjunto de eventos realizados
pelo homem no passado. Não é apenas o con-
junto de acontecimentos do passado, porque isso
incluiria tudo o que aconteceu no planeta desde
a sua origem. A História, portanto, tem como
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
72

protagonista o ser humano. A professora Selma


Fonseca, tem uma definição bastante didática
para o nosso estudo:
A história busca compreender as diversas
maneiras como homens e mulheres vive-
ram e pensaram suas vidas e a de suas so-
ciedades, através do tempo e do espaço.
Ela permite que as experiências sociais
sejam vistas como um constante processo
de transformação; um processo que assu-
me formas muito diferenciadas e que é
produto das ações dos próprios homens.
O estudo da história é fundamental para
perceber o movimento e a diversidade,
possibilitando comparações entre grupos
e sociedades nos diversos tempos e espa-
ços. Por isso, a história ensina a ter respei-
to pela diferença, contribuindo para o en-
tendimento do mundo em que vivemos e
também do mundo em que gostaríamos
de viver (FONSECA, 2003, p. 40).

Vários historiadores refletiram, desde o início,


a respeito de uma definição sobre si mesma.
No entanto, a partir do século XIX, aumentou
consideravelmente o debate sobre como fazer
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
73

ou desenvolver os caminhos da História e quais


são as maneiras de transformá-la em uma ciên-
cia como as demais.
A História é também a ciência que estuda os
fatos do passado e dialoga intensamente com
os mesmos métodos de análise científica das
Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e
Ciência Política). Não é uma ciência exata, como
Matemática, Física, ou Química, porque, devido
ao seu objeto de estudo, as interpretações dos
historiadores sobre determinado acontecimento
dependem, entre outros aspectos, da subjetivi-
dade de análise de cada um deles. Além disso,
nem todas as hipóteses podem, de fato, acontecer.
Nesse sentido, o intuito da História é encontrar
uma explicação objetiva e uma lógica possível
a partir dos dados conhecidos sobre o passado
ou um evento concreto deste.
Em determinadas épocas, existiram diferentes
métodos para estudar essa área. Desde os pri-
meiros historiadores gregos e romanos, os quais
dedicavam-se a descrever tudo o que observa-
vam, ouviam ou liam sobre um lugar ou uma
cidade em particular, todos tiveram o seu pró-
prio método para analisar os acontecimentos.
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
74

O conjunto de técnicas e métodos para fazer


História é chamado de historiografia. Homens e
mulheres de cada época elaboraram sua própria
visão desse campo de estudos. A historiogra-
fia tem como objetivo refletir sobre a própria
história da disciplina; não estuda apenas sobre
os fatos do passado, mas busca compreender a
maneira como foram interpretados.

COMO SURGIU A HISTÓRIA?

Anteriormente ao século XIX, a História tinha


caráter moralizante e exemplificador, com a
intenção clara de perpetuar na memória as notó-
rias personagens e os grandes eventos. Durante
séculos, pensou-se que o que deveriam ser lem-
brados eram os feitos e as ações dos Estados e
das civilizações mais importantes, a vida e a obra
dos reis e governantes, as guerras e os tratados,
as instituições e as lutas pelo poder.
A História se escrevia por meio da coletânea
de bons relatos e passou a acreditar que o seu
nascimento fora possível por meio de grandes per-
sonagens. O relato e a história literária criaram

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


75

uma História que não tinha, portanto, rigor intelec-


tual. Tal concepção experimentou uma mudança
notável a partir do período do Iluminismo.

O Iluminismo caracterizou-se como um mo-


vimento filosófico, político e cultural desen-
volvido na Europa durante o século XVIII, que
defendia, acima de tudo, o uso da razão, o co-
nhecimento e a educação como base do pro-
gresso social. Propunha uma reorganização
profunda da sociedade baseada em princípios
racionais.
Fonte: o autor.

No início do século XIX, a História teve muita


aceitação como disciplina, por assim dizer. Ao
mesmo tempo, novos métodos permitiram ini-
ciar as investigações de forma mais profunda:
arqueologia, filologia e egiptologia, além do sur-
gimento das primeiras campanhas de escavação.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


76

Nessa mesma época, começaram a aparecer as


primeiras compilações de fontes históricas e as
primeiras grandes obras.

Figura 18 - Hieróglifo egípcio

Contudo, no âmbito da organização das univer-


sidades, a História adquiriu significado diferente,
sendo chamada de Ciência Histórica. Isso repre-
sentou a separação definitiva entre o discurso
científico daquele meramente literário.
Você ainda deve perguntar-se: para que estu-
dar História? Essa disciplina, enquanto relato dos
acontecimentos do passado, é algo que todos deve-
mos conhecer. Seria muito difícil entender quem
somos como indivíduos sem sabermos quem são

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


77

e o que fizeram nossos pais, mães, avôs e avós.


Da mesma forma, como coletividade, conhe-
cer nosso passado nos ajuda a entender melhor
o nosso presente. Somente se compreendermos
adequadamente o que acontece agora, podere-
mos projetar algo melhor para o nosso futuro.

Um povo que não conhece a sua história está


condenado a repeti-la.
(Edmund Burke)

A História prepara os jovens para o mundo em que


vivem. É bem verdade que, para entrar no mundo
do trabalho, os alunos não precisarão demonstrar
conhecimento histórico. Contudo se não o tive-
rem, não terão visão crítica da sociedade em que
vivem. Apesar disso, essa disciplina fornece a você,
aluno(a), os elementos necessários para entender
o presente, uma vez que busca compreender tudo

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


78

o que é humano como um todo e, tal qual a ciência


social, é a mais próxima da vida cotidiana, por isso,
pode explicar as engrenagens da sociedade. Essa
área tem função claramente pedagógica, requer
aprendizado ativo e crítico e serve para adqui-
rir hábitos e técnicas de estudo e trabalho. Cito a
seguir alguns elementos que possibilitam melhor
compreensão histórica:

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


79

Assim como as demais disciplinas que vimos até


o momento, a História também mantém vínculo
estreito com várias outras ciências, por exemplo,
quando os historiadores precisam pesquisar, loca-
lizar ou coletar informações, sendo necessária uma
colaboração – é o caso da Pré-História. Como não
há fontes escritas, todas as informações são forne-
cidas por outras fontes, como: a Arqueologia, que
presta toda a informação obtida em um campo; a
Paleontologia, a qual fornece dados sobre os res-
tos e, a fauna e a flora associados a esse local, as
quais ajudam a datar ou a conhecer a dieta desses
habitantes; a Antropologia auxilia com estudos
comparativos e, graças a eles, podemos compreen-
der a organização
social; a Geografia,
a Sociologia, a
Filosofia ou a
Cartografia: outras
ciências que ajuda-
rão o historiador
em sua intenção de
ser o mais objetivo
possível ao explicar Figura 20 - Livros antigos e manuscritos
os fatos do passado. são fontes imprescindíveis
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
80

Embora as diferentes civilizações que existiram na


história do mundo (maias ou incas, egípcios ou
assírios, gregos ou romanos, chineses ou indianos)
tenham contado o tempo de maneira diferente,
os historiadores, como cientistas, não tiveram
escolha, senão concordar em dividi-la de maneira
mais ou menos consensual e universal em perío-
dos históricos. Observe no quadro a seguir.

PERÍODO DATAÇÃO
De: a origem do homem
(4 milhões de anos).
Pré-História
Até: o aparecimento da es-
crita (4.000 a.C.).
De: o aparecimento da
escrita (5.000/4.000 a.C.)
Idade Antiga
Até: a queda do Império Ro-
mano do Ocidente (476 d.C.).
De: a queda do Império Ro-
mano do Ocidente (476 d.C.).
Idade Média
Até: a queda do Império Ro-
mano do Oriente (1453).

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


81

PERÍODO DATAÇÃO
De: a queda do Império
Romano do Oriente (1453).
Idade Moderna
Até: a Revolução Francesa
(1789).
De: a Revolução Francesa
Idade (1789).
Contemporânea
Até a atualidade.
Quadro 5 - Períodos Históricos / Fonte: o autor.

Os historiadores chegaram a um consenso para


medir o tempo histórico. Cada período tem
características em comum com outros – certo
tipo de organização social, política, econômica
e determinado estilo de produção artística e
cultural. Quando um desses aspectos muda sig-
nificativamente, falamos de uma época ou de
um período histórico diferente.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


82

Apesar de essa divisão ser bastante difundida,


não significa que não apresente problemas e crí-
ticas. Alguns dos mais importantes são: a) na
Pré-História, falta-nos a informação de longos
períodos históricos nos quais não sabemos exa-
tamente como a humanidade evoluiu; b) essa
divisão da história se baseia, em muito, na evo-
lução da civilização europeia; c) as datas que
separam uma idade da outra não podem levar
em conta que os processos históricos não termi-
nam ou começam de maneira abrupta. Portanto,
há elementos de um período que sobrevivem e
passam para o próximo, e características do novo
período que começam a aparecer no anterior.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final desta


primeira unidade depois de evidenciarmos
a importância de cada uma das cinco disci-
plinas que nos propomos a estudar. Vimos
que a Sociologia, a Antropologia, a Ciência
Política, a Filosofia e a História dialogam entre
si em diversos momentos, demonstrando que
não há, em cada uma delas, autonomia por
completo. Ao contrário, verificamos que há
entrelaçamento de conhecimentos que são, a
todo momento, compartilhados.
Com o surgimento da Sociologia, analisamos
o quão importante é percebermos a nossa rea-
lidade enquanto seres humanos que necessitam
de vínculos com outros, para que a sociedade
desenvolva a sua dinâmica. A interação entre
os seres humanos e a relação com a sociedade
e as suas instituições fazem parte do objeto de
estudo do sociólogo.
Na Antropologia, a cultura é analisada na sua
completude e, mesmo assim, a cada momento,
vemos que novos caminhos se abrem, devido
à interação constante do ser humano com o
AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA
84

meio em que se encontra. Como ciência, foi


utilizada de forma a justificar a superioridade
europeia para sentir-se no direito de coloni-
zar determinados territórios.
Com a Ciência Política, vimos que devemos
ficar atentos ao discurso de que a política é uma
área específica de certos atores da sociedade.
Desde a sua origem, na Grécia Antiga, o termo
sempre teve como premissa a participação das
pessoas na vida comunitária.
De acordo com o estudo apresentado na
Filosofia, percebemos que o pensamento de
muitas pessoas que acreditam que essa disciplina
não serve para nada deve ser analisado com
mais cuidado. O pensar sobre a nossa existên-
cia, por exemplo, é vital para compreendermos
muitos dilemas pessoais que nos dão sentido e
razão para vivermos com dignidade.
Na História, lidamos com o fato de que preci-
samos atentar-nos ao nosso passado, conhecê-lo
e interpretá-lo, para dar significado ao nosso pre-
sente e elaborar hipóteses para o nosso futuro.

AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA, CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E HISTÓRIA


1. Leia o trecho a seguir, extraído de O que é So-
ciologia, de Carlos Benedito Martins, e discorra
sucintamente sobre o conceito de Sociologia.
Podemos entender a sociologia como uma
das manifestações do pensamento moder-
no. A evolução do pensamento científico,
que vinha se constituindo desde Copérnico,
passa a cobrir, com a sociologia, uma nova
área do conhecimento ainda não incorpo-
rada ao saber científico, ou seja, o mundo
social. Surge posteriormente à constituição
das ciências naturais e de diversas ciências
sociais. A sua formação constitui um acon-
tecimento complexo para o qual concorrem
uma constelação de circunstâncias, históri-
cas e intelectuais, e determinadas intenções
práticas. O seu surgimento ocorre num con-
texto histórico específico, que coincide com
os derradeiros momentos da desagregação
da sociedade feudal e da consolidação da
civilização capitalista. A sua criação não é
obra de um único filósofo ou cientista, mas
representa o resultado da elaboração de um
conjunto de pensadores que se empenha-
ram em compreender as novas situações
de existência que estavam em curso.
2. Tanto o etnocentrismo quanto o relativismo
cultural são posições e atitudes que afetam
a construção social da imagem do outro.
Ambos constituem visões sobre a alterida-
de, muito comum na história da humanida-
de, da qual o conhecimento científico não
está separado. O etnocentrismo é uma visão
que, ao julgar os modos de vida e o pensa-
mento de outras pessoas, usa a perspectiva
do observador como um padrão do que é
apropriado, avançado ou civilizado. Tendo
em vista o conteúdo que estudamos nesta
unidade, explique em qual fase da história
a Antropologia foi utilizada para justificar a
exploração de um povo pelo outro.
3. A ciência política se originou da filosofia
política, um ramo da Filosofia especializado
em relacionamentos entre indivíduos e so-
ciedade. Contudo, hoje, é independente de
sua antecessora e considerada uma ciência
relativamente recente, cujo verdadeiro de-
senvolvimento ocorreu no século XX, após
a Segunda Guerra Mundial. Seu papel é lidar
com as relações de obediência e dominação
que ocorrem dentro da organização políti-
ca, a fim de construir um método objetivo
para entender a origem e o funcionamento
social dessas estruturas. De acordo com o
que estudamos nesta unidade, discorra so-
bre o objeto de estudo da ciência política.
4. No sexto século antes de Cristo, circunstâncias
sociais e culturais trouxeram os primeiros filó-
sofos da Grécia Antiga. Esses pensadores bus-
cavam um princípio fundamental que expli-
cava o universo, racionalizando a concepção
religiosa que antes estava implícita em mitos
e textos sagrados. A partir disso, desenvolva
um texto dissertativo sobre o que é necessá-
rio para realizar a reflexão filosófica.
5. A História é uma ciência social cujo campo de
estudos é o passado dos seres humanos, mas
nem todo passado é conhecido e estudado.
Os historiadores selecionaram fatos que, por
várias razões, são considerados importantes
e dignos de serem conhecidos como fatos
históricos. Os pesquisadores organizaram e
sistematizaram esse conhecimento cronolo-
gicamente, para ordená-los. Tal conhecimen-
to é o que é estudado no atual decorrer da
história universal. Assim, escreva um texto
dissertativo, no qual você deve evidenciar a
importância do estudo da História.
Inútil? Útil? O primeiro ensinamento filosófico é
perguntar: O que é o útil? Para que e para quem
algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem
algo é inútil? O senso comum de nossa socieda-
de considera útil o que dá prestígio, poder, fama
e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das
coisas e das ações, identificando utilidade e a fa-
mosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse
ponto de vista, a Filosofia é inteiramente inútil e
defende o direito de ser inútil.
Não poderíamos, porém, definir o útil de ou-
tra maneira?
Platão definia a Filosofia como um saber ver-
dadeiro que deve ser usado em benefício dos se-
res humanos. Já Descartes dizia que a Filosofia é o
estudo da sabedoria, o conhecimento perfeito de
todas as coisas que os humanos podem alcançar
para o uso da vida, a conservação da saúde e a in-
venção das técnicas e das artes. Kant afirmou que
a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire
de si mesma para saber o que pode conhecer e o
que pode fazer, que possui, como finalidade, a feli-
cidade humana. Marx declarou que a Filosofia ha-
via passado muito tempo apenas contemplando o
mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para
transformá-lo, transformação que traria justiça,
abundância e felicidade para todos. Nesse mesmo
sentido, Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é
um despertar para ver e mudar nosso mundo. E,
assim, Espinosa afirmou que a Filosofia é um ca-
minho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido
por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
Qual seria, então, a utilidade da Filosofia?
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do
senso comum for útil; se não se deixar guiar pela
submissão às ideias dominantes e aos poderes
estabelecidos for útil; se buscar compreender a
significação do mundo, da cultura, da história for
útil; se conhecer o sentido das criações humanas
nas artes, nas ciências e na política for útil; se der a
cada um de nós e à nossa sociedade os meios para
serem conscientes de si e de suas ações numa prá-
tica que deseja a liberdade e a felicidade para to-
dos for útil, então podemos dizer que a Filosofia
é o mais útil de todos os saberes de que os seres
humanos são capazes.

Fonte: Chauí (2014, p. 29)


MATERIAL
COMPLEMENTAR

Filosofando – Introdução à Filosofia


Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria
Helena Pires Martins
Editora: Moderna.
Sinopse: A Filosofia trabalha com conceitos. Mas
não pense que, por isso, ela se distancia da vida.
Ao contrário, os problemas filosóficos surgem do
nosso embate com o cotidiano e desencadeiam
reflexões cheias de significados que, por sua
vez, nos levam a novos questionamentos. Por
exemplo, na época em que se fala tanto em
ética e cidadania, estaremos diante de conceitos
vazios se não soubermos aguçar a capacidade
de reflexão crítica e a autonomia do pensar e
do agir. Nessa obra de leitura clara e instigante,
as autoras convidam para o debate não só os
alunos em sala de aula, mas também todos os
que estão dispostos a filosofar.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

Convite à Filosofia
Marilena Chauí
Editora: Ática.
Sinopse: A partir do princípio de que a vida
cotidiana é toda feita de crenças silenciosas,
da aceitação de evidências que nunca
questionamos porque nos parecem naturais e
óbvias, a autora analisa, nesse livro, a Filosofia
e sua utilidade como forma de indicação de
um estado de espírito e respeito pelo saber.

Merlí
Ano: 2016.
Sinopse: Criada por Héctor Lozano e dirigida
por Eduard Cortés, a série em catalão tem três
temporadas e cumpre muito bem com sua
premissa: mostrar como a Filosofia pode ser
apaixonante e divertida, sobretudo quando é
conduzida por um professor nada convencional
em seus métodos de ensino.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

O Nome da Rosa
Ano: 1986.
Sinopse: Uma adaptação da obra de Umberto
Eco, que retrata a Itália no ano 1327. O frei
Guilherme de Baskerville recebe a missão de
investigar a ocorrência de heresias em um
mosteiro beneditino.
Comentário: Ótimo filme para apreciar os
detalhes históricos da época.

Canal de vídeos do filósofo e educador Mario


Sérgio Cortella, com vários vídeos sobre o
papel da Filosofia no cotidiano.
https://www.youtube.com/channel/
UCyTS929PXJSUiBEFSzdypgg

Site da USP com vários links para acesso a


conteúdo, artigos e discussões de Sociologia.
http://ensinosociologia.fflch.usp.br/links
Professora
Esp. Pablo Araya Santander

PRINCIPAIS ESCOLAS E

II
UNIDADE
CONCEITOS DAS CIÊNCIAS
SOCIAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

■ Conhecer os conceitos e os
pensamentos de autores clássicos
da sociologia: Augusto Comte, Émile
Durkheim, Karl Marx e Max Weber.
■ Estudar conceitos fundamentais da
Ciência Política.
■ Compreender conceitos importantes
da Antropologia.
Professora
Esp. Pablo Araya Santander

PRINCIPAIS ESCOLAS E

II
UNIDADE
CONCEITOS DAS CIÊNCIAS
SOCIAIS

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentam-se os tópicos que


você estudará nesta unidade:
■ Pensamento e conceitos introdutórios
de Augusto Comte, Émile Durkheim,
Karl Marx e Max Weber
■ Ciência Política
■ Antropologia.
96

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), vimos, na Unidade 1, sobre


o conceito e a origem da Sociologia. Neste
segundo momento, abordaremos, em primeiro
lugar, a figura de Augusto Comte, considerado
um dos fundadores desse campo de estudos.
Posteriormente, dialogaremos sobre os três prin-
cipais autores da Sociologia Clássica, conhecidos
carinhosamente como os “três porquinhos”
da Sociologia: Émile Durkheim, Karl Marx e
Max Weber. Inevitavelmente, se você decidir
caminhar pela carreira acadêmica das Ciências
Sociais, será imprescindível aprofundar-se nes-
ses autores. Não há como escapar. Eles são de
suma importância e suas ideias marcaram – e
ainda trazem – muitas respostas para a nossa
realidade, mesmo nos dias de hoje.
Na verdade, existe amplo consenso na comu-
nidade científica social, que acredita que o
trabalho intelectual desses pensadores repre-
senta o alicerce da fase moderna da pesquisa
empírica sociológica.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


97

Brevemente, será abordada sobre a biografia


de cada um dos autores e suas influências aca-
dêmicas. Em seguida, haverá uma breve menção
e explicação dos principais desenvolvimentos,
mecanismos, conceitos, classificações e métodos
especificamente elaborados por cada um deles
para a constituição da Sociologia enquanto ciên-
cia: as relações sociais de produção marxistas, o
fato social durkheimiano e ação social weberiana.
Posteriormente, serão descritos alguns con-
ceitos-chave da Ciência Política (poder, Estado,
democracia e cidadania) e da Antropologia (cul-
tura, etnocentrismo, relativismo cultural, cultura
de massa e indústria cultural).
É preciso ressaltar que, de forma alguma, este
estudo pretende tornar-se um desenvolvimento
exaustivo da impressão de cada um desses auto-
res e conceitos. A obra de cada um deles é muito
ampla, profunda e complexa. Contudo, de forma
modesta e sintetizada, apenas desejo oferecer-
-lhe uma primeira apresentação comparativa
entre eles, pois são fundamentais, também, para
o nosso estudo.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


98

Aula 1
PENSAMENTO E CONCEITOS
INTRODUTÓRIOS DE AUGUSTO
COMTE, ÉMILE DURKHEIM, KARL
MARX E MAX WEBER
Augusto Comte nasceu em Montpellier, no sul da
França, em 1798, em um período de crise social,
profundos abismos e sequelas de períodos ante-
riores, como a Revolução
Industrial (com a inven-
ção das máquinas a vapor
e as máquinas de costura),
a Revolução Francesa e a
Universidade Napoleônica,
o rápido avanço das ciên-
cias naturais e o regime do
laissez-faire (expressão em
francês, que remete ao libe-
ralismo na economia) na
esfera econômica, trans-
formações que, ao mesmo
tempo, levaram à secula- Figura 1 - Augusto Comte
(1798-1857), pensador francês,
rização e à racionalização fundador do Positivismo e da
do pensamento. Sociologia
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
99

No decorrer do século XIX, em virtude da


Revolução Científica e do Iluminismo, surgiu,
no contexto europeu, uma corrente epistemo-
lógica que tinha como característica exaltar e
valorizar o método científico para compreender
os eventos da natureza. Chamamos tal movi-
mento de Positivismo.
O fato de acreditar que o método científico
poderia trazer a solução para os mais diversos
problemas da sociedade fez com que Augusto
Comte construísse a ideia de uma Ciência
da Sociedade. Por meio dela, poderiam ten-
tar atravessar o período turbulento em que se
encontravam, aplicando as técnicas da ciência
para analisar os mecanismos da sociedade.
Augusto Comte é considerado, portanto, o
pai da Sociologia. Contudo, ele mesmo come-
çou a chamá-la, primeiramente, de Filosofia
Positiva ou Física Social, e, posteriormente,
modificou o termo:
Acredito que devo arriscar, desde agora,
este termo novo, sociologia, exatamente
equivalente à minha expressão, já intro-
duzida, de física social, a fim de poder
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
100

designar por um nome único esta parte


complementar da filosofia natural que se
relaciona com o estudo positivo do con-
junto das leis fundamentais apropriadas
aos fenômenos sociais (COMTE apud
MORAES FILHO, 1989, p. 61).

Comte estava inserido no mundo intelectual


num momento em que preocupações e estu-
dos sobre a sociedade e os fenômenos sociais
estavam em ascensão. Graças às suas grandes
qualidades analíticas e de síntese, ele criou seu
próprio sistema filosófico e de política positi-
vista ao aproveitar tudo o que foi proposto por
outros autores até então.
Segundo Comte, a anarquia que reinou na
Europa depois da grande crise provocada pela
Revolução Francesa se deu pelo fato de que os
povos careciam de um sistema universal de
princípios. Seria necessário estabelecer, entre a
população, a harmonia necessária para cimentar
uma ordem social comum, na qual os indivíduos
pudessem desenvolver pacificamente suas ativi-
dades. É por isso que Comte se propôs à missão
de buscar um remédio, como se a desordem

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


101

social fosse realmente uma enfermidade e, tra-


tou dessa questão de modo que fosse exatamente
assim: um cientista à procura da cura de uma
doença; no caso, uma doença social.
Ele pensou ter encontrado uma nova Filosofia.
As primeiras declarações sobre essa nova ciên-
cia tornaram-se conhecidas por meio de vários
ensaios publicados entre 1816 e 1825. Nesse inter-
valo, ele estruturou uma série de ideias claramente
sistematizadas em seu famoso curso ensinado em
Paris, que contou com a presença de intelectuais
da época e que foi publicado entre 1830 e 1842,
nos seis volumes do Curso de Filosofia Positiva.
O objetivo dessa nova ciência era:
1. Proporcionar – ao pensamento das pessoas
como seres individuais e únicos – um sistema
de crenças para unificar o espírito coletivo.
2. Estabelecer um conjunto coordenado de
regras sobre crenças comuns de determi-
nado sistema a ser analisado.
3. Determinar uma organização política, que
seria aceita por todos os indivíduos. Ela res-
ponderia a todas as aspirações intelectuais e

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


102

preceitos morais. É claro que um sistema de


crença só pode ser aceito por todos, se for
baseado em um tipo de conhecimento incon-
testável. Por isso, essa nova Filosofia Positiva,
tenta ser, antes de tudo, uma teoria do conheci-
mento que se recusa a admitir outra realidade
que não os fatos e, nada além disso. Ela deve-
ria dedicar-se exclusivamente à investigação
da realidade, rejeitando todo conhecimento
a priori e toda especulação metafísica.
Comte sintetiza essa ideia:
Entendo por Física Social a ciência que
tem por objeto próprio o estudo dos fenô-
menos sociais, considerados com o mes-
mo espírito que os fenômenos astronômi-
cos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é,
como submetidos a leis naturais invariá-
veis, cuja descoberta é o objetivo especial
de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a ex-
plicar diretamente, com a maior precisão
possível, o grande fenômeno do desenvol-
vimento da espécie humana, considerado
em todas as suas partes essenciais; isto é,
a descobrir o encadeamento necessário
de transformações sucessivas pelo qual

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


103

o gênero humano, partindo de um esta-


do apenas superior ao das sociedades dos
grandes macacos, foi conduzido gradual-
mente ao ponto em que se encontra hoje
na Europa civilizada. O espírito desta ci-
ência consiste, sobretudo, em ver, no estu-
do aprofundado do passado, a verdadeira
explicação do presente e a manifestação
geral do futuro (COMTE, 1989, p. 53).

LEI DOS TRÊS ESTADOS

Augusto Comte acreditava que a sociedade pas-


sava por fases ou estados e que, nesse sentido,
atravessaria de um estado mais atrasado ou pri-
mitivo para um mais avançado, como se houvesse
uma linha de progresso entre o início e o final.
O primeiro estado é o teológico. Aqui, a
mente e os pensamentos são guiados por con-
ceitos religiosos. É um estado fictício, provisório
e preparatório. Nele, a mente procura as causas
e os princípios das “coisas”, as mais profundas,
longínquas e inatingíveis. Existem três fases

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


104

diferentes: fetichismo, no qual coisas são per-


sonificadas e a elas são atribuídas um poder
mágico ou divino; politeísmo, em que as ativi-
dades são removidas das coisas materiais para
transferi-las a uma série de divindades, cada uma
apresentando um grupo de poderes: águas, rios,
florestas etc.; e monoteísmo, uma fase superior,
na qual todos esses poderes divinos são reuni-
dos e concentrados em um chamado Deus.
Nesse estado, a imaginação predomina e cor-
responde à infância da humanidade. É também
a disposição primária da mente, que recai em
todas as épocas e apenas uma evolução lenta
pode fazer com que o espírito humano se separe
dessa concepção para passar para outra. O papel
histórico do estado teológico é insubstituível.
O estado metafísico ou estado abstrato é
essencialmente crítico e transitório. É um estágio
intermediário entre o estado teológico e o posi-
tivo. Nele, a busca é pelo conhecimento absoluto.
A metafísica tenta explicar a natureza dos seres,
a sua essência e as suas causas. Contudo, para
isso, não recorre a agentes sobrenaturais, mas a

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


105

entidades abstratas. A mente, que outrora se pre-


ocupava com as questões mais distantes, desta
vez, aproxima-se cada vez mais das “coisas”. No
estado anterior, quando tudo se resumia a um
conceito de Deus, aqui é a natureza, a grande
entidade geral que irá substituí-lo. Entretanto,
esta unidade é mais fraca, tanto mental quanto
socialmente. O caráter do estado metafísico é,
acima de tudo, crítico e negativo, como uma pre-
paração para a transição para o estado positivo;
algo como uma espécie de crise da puberdade no
espírito humano antes de atingir a fase adulta.
O último é o estado positivo. Ele é real e defi-
nitivo. Nele, a imaginação está subordinada à
observação. A mente humana adere às “coisas”.
O positivismo busca apenas os fatos e as suas
leis, não as causas ou os princípios das essên-
cias ou substâncias; atém-se ao que é positivo,
àquilo que está posto ou definido: é a filosofia
dos dados. Renuncia ao que é inútil, tenta conhe-
cer e se fixa apenas nas leis dos fenômenos.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


106

Figura 2 - Positivismo: ciência, acima de tudo

Em síntese, a leis dos três estados do conhe-


cimento busca demonstrar a evolução do
pensamento humano. Parte das crenças reli-
giosas passa pela metafísica até atingir o seu
ápice, com a verdade dos fatos, obtida por meio
da observação e do que é possível provar pelo
método científico.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


107

ESTÁTICA E DINÂMICA SOCIAL

Comte dividiu o objeto de estudo da Sociologia


em duas grandes áreas: a Estática Social e a
Dinâmica social, termos sinônimos de ordem
e progresso, respectivamente. É por meio desses
dois elementos que o autor pretendia compre-
ender as dinâmicas da sociedade.
A Estática Social, ou teoria das instituições,
como a denomina, destaca o consentimento
universal ou a ordem social em determinado
momento. A Sociologia tenta encontrar as leis
que regulam essa ordem, que depende de mui-
tos fatores, como a raça, o clima, os instintos dos
indivíduos, mas, principalmente, das ideias, tendo
em vista que elas são as promotoras da mudança.
A sociedade funcionaria como unidade orgâ-
nica. Não é exatamente como um organismo,
mas se parece muito com ele. Os órgãos sociais
são as instituições, sendo os primordiais: a reli-
gião, a família, a educação e a política econômica.
Instituições são definidas como as menores uni-
dades sociais potencialmente autossuficientes.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


108

Na sociedade, três tipos diferentes de for-


ças agiriam simultaneamente: a material, a
intelectual e a moral. Seriam elas que propor-
cionariam dinâmica à estrutura da sociedade.
Essas forças ou esses poderes seriam baseados,
respectivamente, em força, razão e afeição. O
poder material se concentraria nos ricos, o
poder intelectual nos sábios e o poder moral
estaria com as mulheres. Os dois últimos se
combinariam para constituir apenas um poder,
que, sob a qualificação espiritual, estaria des-
tinado a modificar o poder material.
A complexidade e a integração da estrutura
social são baseadas na divisão do trabalho, na qual
existem relações de solidariedade, cooperação e
subordinação, com as variações determinadas
pelas diferenças naturais dos indivíduos.
Em síntese, a Estática Social enfatiza o con-
sentimento universal que as diferentes partes
que formam a ordem social têm entre si. Por
isso, é importante observar e descobrir as leis
que regulam a ordem social, que está correla-
cionada com a ordem do intelecto.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


109

ÉMILE DURKHEIM

Émile Durkheim, nascido em 1858, na França,


também veio de uma família de origem judaica e
foi filósofo sociólogo e antropólogo. Seu trabalho
mais influente para a formação da Sociologia diz
respeito às regras do método sociológico (1895).

Regras do Método Sociológico

Comte, Marx e outros teóricos contemporâneos


lançaram as bases para o desenvolvimento da
Sociologia, mas em sua época, ela ainda não tinha
o status de uma disciplina formal nem estava
elencada como disciplina nas universidades. Ela
precisava ganhar um lugar na academia, ao lado
das Ciências Naturais. O trabalho de Durkheim
na França foi um avanço nesse sentido.
Inspirado no ambiente positivista e no pro-
gresso de Auguste Comte, Durkheim propôs a
implementação da abordagem positiva para o
estudo racional dos fenômenos sociais, abando-
nando o método especulativo filosófico apoiado
na imaginação. Desejava analisar os fenômenos
sociais a partir da perspectiva das leis naturais.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
110

Para este pensador, a vontade humana não seria


capaz de modificar a sociedade porque tem suas
próprias leis, que só seriam descobertas pela
ciência. Apenas por meio do método socioló-
gico seria possível ter uma previsão científica e
agir sobre ela no futuro.

Fato Social

A partir de sua abordagem positivista, ele pro-


pôs pensar a Sociologia em termos equivalentes à
Biologia, na qual procurava estabelecer uma ana-
logia necessária entre o vital e o social. O método
sociológico deveria, portanto, imitar o biológico,
fundamentado em pura observação, experimen-
tação e comparação. As diretrizes do chamado
monismo metodológico estavam presentes nesta
perspectiva, o qual defendia apenas um modelo
científico válido para todas as disciplinas, o das
Ciências Naturais, que objetivava a constituição
de leis ou as afirmações gerais de alcance abran-
gente pela observação e experimentação.
O próximo passo seria então, o de formu-
lar um primeiro programa de pesquisa para a
Sociologia como disciplina institucionalizada.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
111

Durkheim a organizou em três partes principais:


a) o debate com autores clássicos e contem-
porâneos; b) a fixação do objeto e método da
Sociologia; e 3) sua aplicação prática para resol-
ver as crises sociais. Este pensador concebia
a Sociologia como uma ciência de dimensão
eminentemente prática, capaz de diagnosticar
males sociais e, portanto, de impedi-los tam-
bém, além de propor alternativas para o futuro,
sob uma forma rigorosa de acesso ao conhe-
cimento, longe da Filosofia Social e de meros
achismos metafísicos.
Como bom empirista que era, Durkheim
atribuiu à Sociologia o estudo das realidades,
isto é, dos fatos sociais, buscando construir
uma ciência factualista e afastada de ideolo-
gias. Acreditava que, para esclarecer os fatos
sociais, era necessário abster-se e despir-se de
todos os preconceitos e perspectivas pesso-
ais, para não influenciar o resultado final da
pesquisa metodológica. A seguir, observe a
definição do autor sobre fato social:
É fato social toda maneira de fazer, fixada
ou não, suscetível de exercer sobre o in-
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
112

divíduo uma coerção exterior; ou, ainda,


toda maneira de fazer que é geral na ex-
tensão de uma sociedade dada e, ao mes-
mo tempo, possui uma existência pró-
pria, independente de suas manifestações
individuais (DURKHEIM, 2007, p.13).

De acordo com a sua definição, para serem con-


siderados fatos sociais, os eventos da vida em
sociedade deveriam ter, obrigatoriamente, três
características: coerção, exterioridade e gene-
ralidade. Por coerção, podemos entender que
todo ser humano, para viver em sociedade, pre-
cisa respeitar e seguir um conjunto de regras
preestabelecidas impostas pelo grupo social ao
qual ele pertence, como se fosse uma pressão
coercitiva imposta ao indivíduo, mesmo que
seja contra a sua vontade. Você não pode fazer
o que bem quer, não é verdade? Temos, em cada
época, por exemplo, uma forma própria de ves-
timenta. Na maioria dos casos, submetemo-nos
ao que a moda do momento diz o que devemos
usar. Se não me visto dessa forma, sou ridicula-
rizado pelos demais. É um tipo de punição por
não estar vestido como a maioria. Pois bem:
quando os homens se opõem a certas regras,
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
113

surgem as punições sociais para possibilitar a


convivência harmoniosa mínima.

Figura 3 - Apontamentos surgem quando não


nos submetemos às regras sociais

A exterioridade é a segunda característica do fato


social. Nela, constrói-se a ideia de que existem
realidades que se manifestam fora das consci-
ências individuais. Situações que estavam além
do pesquisador, que lhe eram impostas desde
o mundo material, antes de seu nascimento, e
próprias da consciência comum ou coletiva.
Existem, portanto, fatos que não dependem da
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
114

nossa consciência ou atitude individual, simples-


mente são exteriores a nós e não temos como
interferir para que desapareça. Por exemplo:
quando nascemos, já temos ao nosso redor uma
estrutura de dinâmicas sociais que estava ali
antes mesmo de nascermos. Quando começa-
mos a estudar, toda a estrutura educacional já
está formada. Entramos na pré-escola, depois
seguimos para o ensino fundamental, ensino
médio, faculdade, especializações e tudo isso já
estava funcionando de acordo com as suas pró-
prias estruturas. Não há como fugir.
Na generalidade, nota-se que o fato social
precisa ter uma representação coletiva. Para que
seja analisado com a regra do método científico
de Durkheim, o fato, para ser social, precisa,
necessariamente, apresentar uma forte represen-
tatividade no grupo. Além disso, ele se repete
em todos os indivíduos porque lhes é imposto.

Solidariedade Mecânica e Solidariedade


Orgânica

De acordo com Durkheim, Solidariedade


Mecânica e Solidariedade Orgânica são conceitos
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
115

relacionados à divisão do trabalho nas socieda-


des. Nesse sentido, são teorias sobre o modo de
como os sistemas de colaboração e cooperação
são estabelecidos entre os indivíduos de acordo
com as necessidades e capacidades de cada um.
A partir dessa teoria, Durkheim buscou explicar
como a divisão do trabalho é a principal fonte
de solidariedade social nas comunidades.
A Solidariedade Mecânica é aquela que
ocorre em sociedades com pouca ou nenhuma
divisão no trabalho, nas quais as funções são
geralmente as mesmas para todas as pessoas,
independentemente de seu estado ou de sua
condição social. Nesse sentido, os vínculos de
cooperação e colaboração são estabelecidos
entre os indivíduos para a realização de tarefas
ou o cumprimento de objetivos que não deman-
dam capacidades especiais. Por isso, é o tipo
mais primitivo de solidariedade, que normal-
mente acontece em contextos rurais e familiares,
apoiado em um sentimento de união, produto
do senso de igualdade entre os indivíduos e de
uma comunidade de crenças e sentimentos.
A Solidariedade Orgânica é aquela que acon-
tece nas sociedades que têm divisão acentuada
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
116

do trabalho. Portanto, é característico das


sociedades capitalistas modernas, em que os
indivíduos se especializam em diferentes tare-
fas e conhecimentos, o que gera uma rede de
interdependências na qual todas as pessoas pre-
cisam dos serviços ou conhecimentos dos outros.
Nesse sentido, a solidariedade orgânica estabe-
lece um sistema de relações funcionais, quando
os laços de cooperação entre os indivíduos são
produzidos com base nos conhecimentos e nas
soluções que cada um pode proporcionar para
as necessidades do outro.

Anomia

A organização de um grupo social é apresentada


com uma grande relevância para as Ciências
Sociais e, em particular, para a Sociologia. Suas
características afetam diretamente o modo como
os indivíduos desenvolverão suas vidas, as regras
que terão de respeitar e os costumes que devem
continuar para não se sentirem excluídos.
Muito tem sido escrito em relação à organi-
zação da sociedade e à maneira como afeta a
vida dos indivíduos. Durkheim afirmou que a
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
117

sociedade é a responsável por integrar os indi-


víduos que dela fazem parte e por regular seus
comportamentos a partir do estabelecimento de
certas normas e padrões. O autor argumentou
que, se a sociedade cumpre isso adequadamente
– tanto a comunidade quanto cada um de seus
membros –, alcançará uma ordem estável que
lhes permitirá desenvolver-se de forma plena.
Quando isso não acontece, a sociedade cai em
uma situação de anomia, ou seja, perde a força
para regular e integrar indivíduos, e por conta
disso, muitas consequências adversas podem
ocorrer, como o suicídio, amplamente estu-
dado por este autor.
O trabalho de Durkheim sobre a moderni-
dade, contexto no qual a anomia é apresentada,
exibe várias posturas. Em alguns casos, o autor
considera a modernidade como uma fonte de
riqueza e interdependência, para que os indi-
víduos possam desenvolver-se plenamente. Em
outros, ao contrário, considera esse tempo de
maneira negativa, pois a diversidade pode gerar
angústia e preocupação, além de ser marcada
pela subjetividade e pela incerteza.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


118

Durkheim definiu a sociedade como o con-


junto de sentimentos, ideias, crenças e valores
que surgem da organização individual. Segundo
o pensador, essa sociedade cumpre duas fun-
ções: a de integrar os indivíduos entre si e a de
regular as relações entre eles. Quando a segunda
não é exercida adequadamente, os indivíduos se
encontram em uma situação de anomia, o con-
ceito que ocupa papel central em seu trabalho.
O autor fez uma análise da transformação da
sociedade como consequência da mudança do
modelo econômico e produtivo, isto é, da che-
gada do capitalismo e da industrialização. A
sociedade da modernidade parece marcada por
uma grande variedade de interesses, crenças e
pensamentos, assim como pela divisão do pro-
cesso produtivo. Nessa perspectiva, a anomia se
refere à ausência de um conjunto de regras que
governam as relações entre as diversas funções
sociais, que se tornam provenientes da divisão
do trabalho e da especialização, características
da modernidade. Dado que essa transforma-
ção foi rápida e profunda, a sociedade passa por
uma crise de transição devido ao fato de que os
padrões tradicionais de organização e regulação
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
119

foram deixados para trás e não houve tempo


suficiente para outros acordos e regras surgi-
rem com as novas necessidades apresentadas.
No decorrer da sua obra, o autor argumentou
que as duas situações em que há sinais claros de
anomia estão na esfera econômica e na que advém
da situação conjugal. Ambas são as que mais con-
tribuem para a taxa de suicídios, segundo a teoria
durkheimiana. Em relação à primeira área (eco-
nômica), a anomia é derivada, como se argumenta
na Divisão Social do Trabalho – livro lançado
em 1893 –, pela mudança acelerada nos sistemas
produtivos. As normas, que antes serviam para
organizar o grupo, tornaram-se obsoletas e não
foram substituídas por outras capazes de respon-
der adequadamente às novas condições.
A ausência de regras representa um problema
sério (por não haver limites para que os indi-
víduos suponham alcançar qualquer coisa que
desejem), o que gera alto grau de frustração ante
a não realização de suas expectativas.
Por conseguinte, Durkheim também apon-
tou uma anomia conjugal, que tem a ver com o
enfraquecimento do casamento, como aconte-
ceu com o restante das instituições sociais. Para
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
120

ele, o casamento é uma fonte de estabilidade,


especialmente para o homem que, segundo
ele, é dominado, desde cedo, por desejos e pai-
xões. Ao contrair o casamento, o homem entra
em uma instituição que coloca limites em suas
ações, dá-lhe a estabilidade e a ordem que até
aquele momento lhe faltavam.
Todavia, o casamento tem efeito oposto para
a mulher. Esta não é dominada pelas paixões
características do homem e, portanto, não é
necessário que uma instituição lhe imponha
limites, ao contrário, o casamento é apresentado
como uma forma de regulamentação excessiva
que a faz sentir-se presa e frustrada.

Figura 4 - Para Durkheim, o casamento é uma


forma de regulamentação
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
121

Se as regras da moral conjugal estão enfra-


quecidas, conforme têm acontecido com a
transformação das instituições sociais tradi-
cionais, os deveres pelos quais os cônjuges estão
sujeitos uns aos outros serão menos respeitados.
As paixões e os apetites que esta instituição da
moralidade regula serão desequilibrados devido
à falta de regulação. Os envolvidos, incapazes de
apaziguar-se, sofrerão desencanto e, com isso,
a taxa de suicídio aumentará. O homem, acima
de tudo, deixará de sentir-se satisfeito com a
mulher que tem ao seu lado e as paixões que
tinha, quando solteiro, reaparecerão.
Como podemos observar, a anomia é, para
Durkheim, um mal crônico que se caracteriza pela
falta de limites às ações individuais, seja porque não
existem regras que as regulam, seja porque não há
forças coletivas capazes de sustentá-las como tal.

Suicídio

Durkheim lidou com o suicídio como fato social.


Isso quebra a tendência tradicional de considerá-lo
como fenômeno estritamente individual e, portanto,
apenas como objeto da psicologia ou da moralidade.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
122

Para chegar a essa conclusão, o autor trabalhou


com a taxa anual de suicídio, que existe em vários
países europeus desde a década de 60 do século
XIX. Ao analisar essas taxas, notou que estas ten-
diam a permanecer constantes ou com pequenas
mudanças durante longos períodos de tempo. Ele
também percebeu que a taxa de suicídio difere
entre países e entre comunidades sociais.

A primeira causa de morte por atos de violên-


cia no mundo não são os acidentes de trânsito,
os homicídios nem os conflitos armados, mas
o suicídio. Esse dado desconcertante foi reve-
lado em outubro de 2002, em Bruxelas, numa
reunião da Organização Mundial de Saúde
(OMS) para divulgar as conclusões do Relató-
rio Mundial sobre Violência e Saúde.
As mortes por suicídio aumentaram 60% nos úl-
timos 45 anos, segundo a OMS. Quase um mi-
lhão de pessoas se mata todos os anos – em um
universo até 20 vezes superior de tentativas. Na
maioria dos países desenvolvidos, a violência au-

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


123

toinfligida é a primeira causa de morte não natu-


ral. No Brasil, ela ocupa a terceira posição – aqui
as taxas de mortalidade por acidentes de trânsito
e homicídios estão entre as maiores do mundo.
Fonte: Christante (2010, p. 33-35).

Ele dá o exemplo de como havia menos suicí-


dios na comunidade católica, comparados às
comunidades protestantes. Contudo, entre os
judeus, as taxas eram ainda menores do que
entre os católicos. A partir disso, deduziu que
o suicídio é, antes de tudo, um fato social e que
as suas causas são sociais e não individuais ou
puramente psicológicas, como era explicado até
aquele momento. Durkheim propôs identificar
as diferentes causas sociais do suicídio. A par-
tir disso, distinguiu quatro tipos de suicídio, de
acordo com os resultados estudados. São eles:
■ Suicídio egoísta: acontece quando os laços
sociais são muito fracos. Na ausência da
integração na sociedade, o suicida rea-
liza sua vontade de cometer suicídio pelo

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


124

sentimento de não pertencimento à socie-


dade. Seu individualismo excessivo, produto
da desintegração social, não permite que ele
se perceba como indivíduo social que é.
■ Suicídio altruísta: é exatamente o oposto do
tipo egoísta ou individualista. O suicida se
sente “demasiadamente integrado”, pois as
relações e os laços são muito fortes. Durkheim
dá o exemplo de povos primitivos, em que
os idosos deveriam cometer suicídio (quase
que obrigatoriamente) quando não podiam
mais defender-se sozinhos. Suicidavam-se
pelo grupo. Os kamikazes japoneses e os
homens-bomba são exemplos desse tipo. É
também chamado de suicídio heroico.
■ Suicídio anômico: ocorre em sociedades
cujas instituições e os vínculos de convi-
vência estão em situação de desintegração
ou anomia. Esse tipo de suicídio ocorre em
sociedades em que os limites sociais e natu-
rais são mais flexíveis, isto é, quando há falta
de regulação social.
■ Suicídio fatalista acontece quando as regras
às quais os indivíduos são submetidos são
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
125

excessivamente opressoras. O indivíduo pre-


fere a possibilidade de abandonar a situação
em que se encontra. É exatamente o oposto
do tipo anômico.
Esses quatro modelos suicidas, na realidade,
conforme Durkheim aponta, estão relacionados
entre si, criando tipos compostos que explicam
os diferentes casos.

KARL MARX

Karl Marx nasceu


em 1818 na Prússia,
então reino alemão,
em uma família de ori-
gem judaica, de classe
média alta e educada.
Posteriormente, seu pai
se converteu ao lutera-
nismo. Foi economista,
filósofo, jurista, jorna-
lista, pensador socialista e
militante comunista. Ele
nunca se considerou um
Figura 6 - Karl Marx
sociólogo profissional,
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
126

embora buscasse compreender cientificamente


a sociedade e a forma pela qual a mudança
social acontecia. Dois de seus trabalhos mais
importantes no desenvolvimento sociológico
foram: Contribuição à Crítica da Economia
Política (1859) e O Capital (1867).

Marxismo

Chamamos de marxismo o conjunto de ideias


políticas, econômicas e filosóficas que nascem
com o trabalho de Karl Marx. É uma doutrina
ou um corpo ideológico que dialoga com as três
fontes ideológicas mais avançadas da Europa do
século XIX: o socialismo francês (Saint-Simon,
Fourier, Proudhon), a filosofia clássica alemã
(Feuerbach, Hegel) e a economia política inglesa
(David Ricardo, Adam Smith).
Friedrich Engels chamou o marxismo ou o
comunismo de “socialismo científico”, para dife-
renciá-lo dos socialismos pequeno-burgueses
ditos “moderados”, do socialismo utópico fran-
cês ou do socialismo anarquista. Hoje, faz parte
da ideologia dos principais movimentos traba-
lhistas de todo o mundo.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
127

Marx criticou todos os filósofos antes dele,


que se limitaram a apenas interpretar o mundo,
quando deveriam contribuir para sua transfor-
mação. No ideário comunista, é nítido o fato
de que não basta fazer perguntas sobre a reali-
dade para entendê-la. É preciso transformá-la. É
vital que a classe trabalhadora e, especialmente,
o aluno e os jovens que começarão a traba-
lhar, mantenham atitude de lutar com espírito
internacionalista e tenham a formação política
necessária para fazer uma crítica contundente
ao sistema capitalista.
O movimento comunista não emergiu de
Marx, mas do movimento proletário do século
XIX. Marx morreu em plena atividade pela busca
do seu ideal político. Isso significa que devemos
considerar todos os outros autores que contri-
buíram para o marxismo – como Engels, Lenin,
Trotsky, Rosa de Luxemburgo, Ernesto Guevara
e Antônio Gramsci). Por isso, o movimento não
deve ser aceito como um dogma inflexível, mas
usado para analisar a realidade em constante
transformação. Além disso, o marxismo pode
ter a sua teoria ressignificada pelas conclusões

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


128

que a classe trabalhadora extrai das suas novas


condições materiais de trabalho, dos movimen-
tos emancipatórios das mulheres, das raças e
das comunidades oprimidas, entre outros.

Materialismo Histórico

Karl Marx concebeu a História a partir de uma


visão materialista. Isto é, ele considerou que tanto
as relações jurídicas quanto as formas de Estado
não poderiam ser entendidas por si mesmas ou
pela evolução geral do espírito humano, mas
considerando suas raízes nas condições mate-
riais da existência, isto é, nas forças produtivas
– os instrumentos tecnológicos de trabalho, as
habilidades laborais e, principalmente, o sujeito
social que exercia o trabalho sobre a natureza e
a sociedade – e nas relações sociais de produção
– os vínculos sociais que se estabeleciam entre
os seres humanos para produzir e reproduzir
sua vida material e cultural, e que, no modo de
produção capitalista, expressavam a contradi-
ção antagônica entre os detentores dos meios de
produção e os detentores da força de trabalho.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


129

Assim, as causas de todas as transformações


históricas não foram encontradas nas mudanças
no campo das ideias dos seres humanos, nem
foram primordialmente mudanças políticas, mas
giraram sempre em torno do poder social e eco-
nômico das classes. Essas, por sua vez, nasceram
e existiram a partir das condições materiais em
que a sociedade de uma época produziu e mudou
o que era necessário para o seu sustento.
Essas forças produtivas e as relações de produ-
ção pertenciam a um certo modo de produção
de determinada época, e se encontravam inse-
ridas na estrutura econômica ou na sociedade
civil. Todas as outras questões, tanto ideológi-
cas (visões de mundo e cultura) quanto políticas
(leis, instituições governamentais e poder coer-
citivo), pertenciam ao âmbito da superestrutura
ideológico-política, que estava condicionada e
a serviço das necessidades de reprodução da
estrutura material econômica.
Qualquer produto fabricado pelo homem é
o resultado da combinação de três elementos:
o objeto do trabalho que é, direta ou indire-
tamente, uma matéria-prima produzida pela

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


130

natureza; o instrumento de trabalho, que é


um meio de produção mais ou menos desen-
volvido e criado pelo homem (dos primeiros
tacos de madeira e machados de pedra escul-
pida às máquinas automáticas mais refinadas de
hoje); e o sujeito do trabalho, isto é, o traba-
lhador. Como o trabalho é sempre, em última
instância, social e não individual, o sujeito do
trabalho está inevitavelmente embutido nas
relações sociais de produção.
Embora o objeto e o instrumento de traba-
lho sejam elementos imprescindíveis em toda a
produção, as relações sociais de produção não
podem ser concebidas de maneira “reificada”, ou
seja, não devem ser vistas como se fossem rela-
ções entre coisas, ou entre homens e coisas. As
relações sociais de produção dizem respeito às
relações entre os homens e somente isso. Elas
reúnem o conjunto de relações que os homens
constroem na produção de sua vida material.
Cada sociedade de determinado país, em um
dado momento, é sempre caracterizada por um
conjunto de relações de produção. Uma socie-
dade sem este conjunto, seria um país sem

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


131

trabalho ou produção de materiais, isto é, um


país sem habitantes ou sociedade. Entretanto,
cada conjunto de relações sociais de produ-
ção não implica necessariamente na existência
de um modo de produção estabilizado, nem a
homogeneidade dessas relações.
Em períodos históricos de profundas transfor-
mações sociais, podemos reconhecer conjuntos
de relações de produção que não têm a natu-
reza de um modo de produção estabilizado. Um
exemplo típico é o período de predominância
da pequena produção de mercadorias (séculos
XV-XVI), em que nem as relações entre servos
e senhores prevalecem, nem a de capitalistas
e produtores assalariados. Prevaleceu, neste
momento, a relação dos produtores livres que
tinham acesso direto aos meios de produção.
Marx fez uma análise profunda da estrutura e
do desenvolvimento do capitalismo, oferecendo
uma nova teoria da sociedade e mudança social.
Como intelectual revolucionário, desenvolveu
uma busca teórica para fundamentar uma prática
de transformação revolucionária da sociedade,
buscando integrar teoria e prática. Sua obra se
caracteriza como uma ruptura com os escritos
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
132

filosóficos até aquele momento, pois se limita-


ram a apenas interpretar o mundo quando, na
verdade, ele precisava ser transformado.

Luta de classes

No decorrer da história, sempre houve con-


fronto entre as classes. Nas sociedades escravistas
(Grécia e Roma na Antiguidade), os proprietá-
rios livres e os escravos tinham uma relação
antagônica. No seio da sociedade do Estado feu-
dal, o confronto foi estabelecido entre nobres e
eclesiásticos, por um lado, e servos, por outro.
Marx não se gabava de ter descoberto o con-
ceito de classes sociais, apenas o considerava
inserido nas relações de trabalho:
Não me cabe o mérito de ter descoberto
a existência das classes na sociedade mo-
derna ou a luta entre elas. Muito antes de
mim, alguns historiadores burgueses ti-
nham exposto o desenvolvimento histó-
rico desta luta de classes e alguns econo-
mistas burgueses a anatomia econômica
das classes. O que eu fiz de novo foi de-
monstrar: 1) que a existência das classes
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
133

está ligada apenas a determinadas fases


históricas do desenvolvimento da produ-
ção, 2) que a luta de classes conduz ne-
cessariamente à ditadura do proletariado,
3) que esta mesma ditadura constitui tão
somente a transição para a abolição de to-
das as classes e para uma sociedade sem
classes (MARX; ENGELS, 2016, p 33).

Figura 8 - Trabalhadores em greve

A revolução teria como objetivo alcançar uma


sociedade perfeita, na qual não haveria explo-
radores nem explorados. Para isso, a abolição
da propriedade privada, ou seja, a socialização
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
134

dos meios de produção, será imprescindível,


evitando a mera substituição dos antigos pro-
prietários por novos.

Mais-valia

Em suma, mais-valia significa o excedente de


trabalho não pago e que os burgueses se apro-
priam. Esse valor poderia ser definido como
trabalho não pago ao trabalhador, o qual per-
manece nas mãos do capitalista, que tem, na
mais-valia, a base da sua acumulação monetária.
Para entender a noção de mais-valia, deve-
mos levar em conta que cada mercadoria tem
o seu preço correspondente, que está relacio-
nado ao tempo de trabalho necessário para sua
produção. A força de trabalho também é consi-
derada pelo marxismo como uma mercadoria,
cujo valor está ligado ao custo para que o tra-
balhador possa subsistir.
A apropriação de mais-valia é a exploração
pelo capitalismo. De acordo com Marx, o capi-
talista pode aumentar o nível de exploração
por meio da maximização da mais-valia abso-
luta (estender a jornada de trabalho, mantendo
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
135

o mesmo salário) ou da mais-valia relativa


(investe em tecnologia para reduzir o tempo
de produção sem aumentar o salário).
Este conceito é essencial para compreender
as relações sociais na perspectiva marxista, gera
tensão e oposição entre as classes.

MAX WEBER

Considerado por
muitos como um
dos fundadores da
Sociologia moderna,
juntamente com
Karl Marx e Émile
Durkheim, o sociólogo
e historiador alemão
Max Weber, nasceu
em 21 de abril de 1864
em Erfurt, Alemanha.
Filho de um oficial rico Figura 9 - Max Weber
e liberal e uma mãe cal-
vinista e religiosa, sua vida transitou entre o mundo
acadêmico e a política em uma época em que a

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


136

Alemanha, a Europa e o mundo todo estavam


em plena ebulição: testemunhou o nascimento
do Império Alemão em 1871 e sua extinção em
1918 após a Primeira Guerra Mundial. Do mesmo
modo, ele viveu o apogeu da expansão territo-
rial europeia na África e na Ásia e a Segunda
Revolução Industrial.
Como um grande observador das inova-
ções de seu tempo, ele concentrou seu trabalho
em duas mudanças cruciais: o nascimento de
estados-nações modernos baseados em uma
burocracia profissional e a expansão do capita-
lismo ocidental em todo o mundo.
Weber defendia que a Sociologia não poderia
tornar-se uma ciência exata comparável à mate-
mática ou à física, uma vez que os princípios nos
quais ela se baseava eram humanos, portanto sus-
cetíveis de serem subjetivos e não objetivos.
Da mesma forma, Weber desenvolveria o
que mais tarde seria conhecido como “indi-
vidualismo metodológico”, assegurando que
apenas indivíduos, igualmente suscetíveis à sub-
jetividade, são agentes ativos. Seu método e o
problema da modernidade levaram Weber a

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


137

explorar as relações entre a produtividade eco-


nômica e o contexto cultural da sociedade.

Ação social

De acordo com Weber, ação é entendida como um


comportamento humano em que o indivíduo, ou
indivíduos, que o produzem o estabelecem com
um sentido subjetivo. Para a Sociologia, a ação
social se refere, de maneira geral, a uma con-
duta individual orientada pelas ações do outro,
que podem acontecer no presente ou no futuro
próximo. Ela só se realiza quando há uma inten-
ção de relacionamento entre um ser humano e
outro. Por exemplo: comprar um carro a partir
da opinião de outra pessoa.
Para definir diferentes tipologias de ação
social, Weber enfatizou a indissociabilidade
entre a sociedade e os fatores culturais que a
afetam. A metodologia para classificar os tipos
de ação parte de um princípio que se baseia
nas causalidades culturais, que supõem a pre-
visibilidade das ações: 1. A ação racional com
relação a fins; 2. A ação racional com relação aos

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


138

valores; 3. A ação afetiva; 4. A ação tradicional.


Cada tipo de ação ou comportamento emitido
pelo indivíduo parte de valores, objetivos pro-
postos e valores e meios que ele possui.
1. A ação racional com relação a fins – agir
racionalmente de acordo com os fins deseja-
dos. Nesta ação, os meios são racionalmente
calculados para serem atingidos. Por exem-
plo: o aluno terá uma prova. Ele usa o estudo
como meio racional para tirar uma boa nota.
2. A ação racional com relação aos valores
– é uma ação advinda de crenças em valo-
res individuais adquiridos ao longo da vida
e dos contextos sociais e culturais vividos.
Não é o fim que orientará a ação. Por exem-
plo: minha religião afirma que tenho que
casar virgem.
3. A ação afetiva – determinada por afetos e
estados sentimentais atuais. Por exemplo:
encontro um(a) amigo(a) e o(a) encontro(a)
abraçá-lo(a), movido pelo sentimento afe-
tivo da saudade.
4. A ação tradicional – determinada por cos-
tume, tradição e hábito fortemente enraizado.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


139

Por exemplo: todos os domingos, almoço


macarronada, porque meus pais sempre
fizeram assim.
A ética protestante e o espírito do capitalismo

O livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo


(1904-1905) é uma das obras mais conhecidas de
Max Weber. Nesse estudo, o autor elaborou a argu-
mentação de que os valores presentes na religião
protestante influenciaram grandemente o desen-
volvimento do capitalismo no mundo ocidental.
É uma característica do pensamento de Max
Weber a crítica à concepção materialista da his-
tória. Para o sociólogo alemão, não são apenas
os interesses econômicos que determinam a
evolução histórica, o movimento das classes e
as grandes correntes sociais. Os fatores psico-
lógicos e religiosos são muito importantes na
sociedade e influenciam diretamente a dinâ-
mica social. A partir dessa ideia, Weber passou
a olhar, na história das religiões, as concepções
que favoreceram ou frearam o desenvolvimento
do capitalismo, e chegou à conclusão de que

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


140

este é herdeiro do calvinismo e do puritanismo,


ou seja, de correntes originadas na Reforma
Protestante, cujo pensamento predominante era
de que a salvação viria por meio de uma inces-
sante atividade moral e material.
Embora o reformador
João Calvino tivesse ado-
tado as ideias essenciais de
Lutero em sua juventude
(negação da autoridade
papal, livre interpreta-
ção da Bíblia e salvação
pela fé), logo surgiram
discrepâncias doutriná-
rias, particularmente no
que dizia respeito à pre-
destinação. Na teologia
calvinista – que prevalece-
ria com algumas variações
em vários países da Europa
Figura 11 - João Calvino
central, do norte e entre
os puritanos ingleses, dos quais a emigração
e o puritanismo americano prosseguiram –, a
onisciência divina conhece o destino de todo
homem. O ser humano é salvo não por suas
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
141

boas obras, mas porque foi escolhido por Deus


para esse destino. Por conseguinte, boas ações
são também um comportamento previsto por
Deus, de modo que os homens destinados à sal-
vação também estão destinados a levar uma vida
correta e justa: “A fé sem obras é morta” (Tg 2,
14-26) (BÍBLIA, 1969).
Essa doutrina teve um efeito profundamente
moralizante entre os fiéis, que, de alguma forma,
esforçaram-se para alcançar uma integridade
moral absoluta,a qual lher permitia supor que
estavam entre o grupo dos escolhidos para a
salvação. O trabalho é supervalorizado como ins-
trumento de Deus para dar dignidade humana.
A vida boêmia, com gastos, bebidas e prostitui-
ção, é tratada como pecado e, por isso, não deve
ser praticada pelos protestantes. Com isso, con-
seguem destinar o dinheiro para outro fim ou,
até mesmo, guardar, o que, para Weber, era sinal
de um princípio de acumulação de riquezas.
Para os calvinistas e puritanos, impulsionados
especialmente por dar a todos os valores huma-
nos um significado sagrado e obter, a partir daí,
a confirmação de da escolha para a salvação por
meio da fé, o trabalho e sua organização racional
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
142

tornaram-se ordem divina. Na verdade, o traba-


lho, para o calvinista, é uma fé e uma missão que
precisa ser executada como planos da vontade
celestial. Dedicado ao trabalho e aos negócios,
o homem organiza e racionaliza o trabalho e a
produção, enriquece a vida humana e interpreta
sua vitória comercial da mesma forma que suas
realizações no aperfeiçoamento moral: uma con-
firmação da escolha de Deus, tanto para a própria
salvação quanto para toda a sua família.
O objetivo não é a acumulação de capital
nem a satisfação e a alegria que pode produzir,
mas, sem ser um fim em si mesmo, esse obje-
tivo guia a organização da vida. O trabalho do
homem de negócios moderno, portanto, tem
fundamento religioso. A organização e a dis-
puta comercial estão intimamente ligadas a uma
visão de mundo segundo a qual os melhores,
ou seja, os eleitos, organizam-se, produzem e
enriquecem, enquanto os outros, os não elei-
tos, perdem fatalmente suas batalhas.
Com essas conclusões, a vida social e eco-
nômica é revelada, na filosofia de Weber, como
determinada por elementos irracionais e impre-
visíveis, e a história se manifesta como um
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
143

processo muito mais complexo do que o descrito


pelo marxismo, no qual a luta de classes é con-
siderada como a origem e o motor da história.
Dentre os diversos sistemas econômicos, como
o capitalismo, a visão da vida e os fatores psico-
lógicos têm importância predominante na vida
da sociedade. Até o próprio capitalismo pode
ser entendido como uma religião – a religião
da atividade e da vitória – tipicamente ligada à
concepção ocidental de vida. O seu oposto não
seria tanto o espírito proletário e comunista,
mas o espírito de renúncia e de contemplação.

Dominação, obediência e legitimidade

Os três mecanismos utilizados pela autoridade


política são: domínio, obediência e legitimi-
dade. A submissão não é alcançada por uma
violência explícita, mas pela adesão dos indiví-
duos. Ela não pode ser explicada sem recorrer
a mecanismos como a fascinação pelo poder. A
ritualização deste, a aceitação inquestionável da
sua legitimidade e a persuasão são crenças sem
as quais Estado algum pode sobreviver e preci-
sam ser amplamente divulgadas.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
144

A dominação é uma construção social e,


por isso, estudar os mecanismos de criação
de obediência ou de docilidade é essencial em
qualquer teoria do poder. A relação de forças
desiguais (lembre-se que toda a ação social é
uma relação social) teria que dificultar o esta-
belecimento de uma ordem social, e, ainda
assim, esta existe porque mecanismos foram
utilizados para torná-la não apenas legítima,
mas até mesmo desejável para os seres huma-
nos. É, por isso, que a análise das condições da
produção da crença na legitimidade é um ele-
mento básico no trabalho de Weber, visto que
demonstra como a dominação gera obediên-
cia e a obediência gera legitimidade.
Para Weber, dominação é
[…] um estado de coisas pelo qual uma
vontade manifesta (mandato) do domi-
nador ou dos dominadores influi sobre os
atos de outros (do dominado ou domina-
dos), de tal sorte que em um grau social-
mente relevante estes atos têm lugar como
se os dominados tivessem adotado por si

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


145

mesmos e como máxima de sua ação o


conteúdo do mandato (obediência) (WE-
BER, 1994, p. 699).
Há, de acordo com a classificação estabelecida por
Weber, três tipos ideais de legitimidade e domina-
ção, sendo que, cada uma, gera seu próprio nível
de racionalidade: dominação tradicional, domi-
nação carismática e a dominação racional-legal.
■ Dominação tradicional é a aquela que se
baseia na crença na santidade da tradição e
daqueles que dominam em seu nome.
■ Dominação carismática se baseia na crença
de que um indivíduo possui alguma habili-
dade ou característica que o faz “especial”.
■ Dominação racional-legal é aquela que
ocorre nos Estados modernos. É a expres-
são da racionalização: formal, baseada em
procedimentos, previsível, calculável e
burocrática.
A burocracia é, para Weber, o pilar fundamental
do Estado Moderno de direito, pois cumpre um
papel racional. Se existe um estado de direito, deve
haver necessariamente uma burocracia que dê
significado e estrutura organizacional à lei. Essa
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
146

é a figura do burocrata. Se a lei é abstrata, impes-


soal e igualitária, o burocrata deve ser exatamente
assim também. O burocrata, separado de todos
os interesses pessoais, recrutado por um proce-
dimento objetivo baseado na qualificação e no
mérito, é, portanto, o instrumento efetivo da lei.
Todos os sistemas organizacionais efica-
zes são baseados na burocracia: o Estado, a
empresa e até as Igrejas (o sacerdote não deixa
de ser o burocrata da fé). Sem burocracia,
não há racionalização nem sociedade baseada
na lei. Assim, o ethos burocrático (racionali-
dade e impessoalidade) permeia as sociedades
modernas. A burocratização é a nova servi-
dão, pois é a servidão da lei.

Desencantamento do mundo

Com a crescente racionalização, o ser humano


moderno deixa de acreditar em poderes mági-
cos e superstições. Com isso, passa a viver em
um mundo desencantado. O que Weber chama
de “irracionalidade ética do mundo” vem do
antagonismo dos valores ligados à intuição espe-
culativa e da realidade, tal qual é apresentada. O
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
147

mundo moderno experimenta grande dificul-


dade em produzir novos deuses ou novos valores.
O pensador estava convencido de que a racio-
nalidade instrumental de nossa era técnica, ou
seja, o processo de racionalização que elimina
o mistério da existência e nos faz sentir capa-
zes de dominar tudo por meio da ciência, não
conseguia acalmar a ansiedade humana – de
encontrar um significado transcendente para a
vida. Certamente, o avanço do conhecimento
científico produziu desencantamento sistemático
do mundo. Todavia, com isso, ele não destruiu
o mistério, pois se refugiou em outros níveis da
realidade, dos quais emerge com força renovada
em termos de reivindicação moral, segundo a
qual a vida deve ter significado superior.

SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Pierre Bourdieu

Foi um dos sociólogos mais relevantes da


segunda metade do século XX. Suas ideias
são de grande relevância tanto na teoria social
quanto na Sociologia empírica, especialmente
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
148

na Sociologia da cultura, educação e estilos de


vida. Sua teoria se destaca como uma tentativa
de superar a dualidade tradicional da Sociologia
entre estruturas sociais e objetivismo, por um
lado, contra ação social e subjetivismo, por outro.
Para isso, está equipado com dois novos con-
ceitos, o habitus e o campo, além de reinventar
o termo capital, já estabelecido.
De acordo com o sociólogo francês, as pessoas
acumulam, lutam e competem pela distribui-
ção de diferentes recursos para ter uma posição
melhor na sociedade. Segundo Michel Foucault,
filósofo também francês, existem três tipos de
capital, cada um deles com uma lógica específica.
Podemos defini-los como: Capital econômico
(que se mede e acumula em objetos e dinheiro);
Capital social (refere-se à influência, capacidade
de ativação e mobilização social); e Capital cultu-
ral (são os conhecimentos e objetos acumulados,
que nos permitem demonstrar externamente
nosso nível cultural).
De todo o seu trabalho, ele elaborou con-
ceitos controversos que foram questionados
por seu determinismo. Foucault, por exem-
plo, sustenta que a escola reproduz diferenças
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
149

familiares, sociais e de classe, porque seleciona


e legitima aqueles que são culturalmente mais
dotados, em virtude da sua origem familiar.
Nesse sentido, a escola funciona como um
mecanismo de mobilidade social, mas também
de marginalização e discriminação. Tudo
isso está relacionado à afirmação de Bourdieu
sobre o status social da classe média, que ele
acredita ser baseado em recursos extraídos
do sistema educacional, portanto, a principal
capital da classe média é a cultural.
Para Bourdieu, todos os capitais tendem a
converter-se em capital econômico. Em contra-
partida, o capital social fornece vínculos sociais
e prestígio derivado do prestígio alheio, o qual
gera o sentimento de pertencimento. O capital
social acumula-se de maneira coletiva, mas de
forma altamente seletiva e exclusivista. A dis-
tribuição dos diferentes tipos de capital resulta
na criação dos mapas, em que cada indivíduo
e cada grupo serão colocados em uma posição
diferente em relação ao tipo e à quantidade de
capital que possuir.
Algo importante a ser lembrado, em Bourdieu,
é que, para ele, não há poder global que domine
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
150

toda a sociedade, porque a sociedade está inse-


rida em uma multiplicidade de pequenas lutas
de poder em campos diferentes, nos quais os
capitais são distribuídos de acordo com as suas
próprias regras. Além disso, indivíduo não
aprende as regras, mas as incorpora. Ele as possui
em seu corpo pelas práticas cotidianas e habi-
tuais. Práticas diárias serão aquelas disposições
incorporadas à ação, que norteiam nossas deci-
sões e, para Bourdieu, são chamadas de habitus.
O habitus é um processo pelo qual a cultura é
reproduzida e determinados valores e compor-
tamentos são naturalizados.
Segundo o sociólogo francês em questão, a
naturalização do mundo social é funcional a
uma forma de dominação baseada na violência
simbólica exercida por quem as recebe, pois são
eles quem a internalizaram como característica
de sua própria identidade. Em suma, pensar na
ideia de violência simbólica implica necessaria-
mente pensar no fenômeno de dominação nas
relações sociais, especialmente sua eficácia, seu
modo de operação e a base que a torna possível.
A forma paradigmática da violência simbó-
lica é, para o autor, o fenômeno da dominação
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
151

masculina, que, longe de ser apenas uma vio-


lência exercida pelos homens sobre as mulheres,
é um processo complexo de dominação que
afeta os agentes, independentemente do sexo.
Formas e fenômenos de violência e dominação
simbólicas podem ser encontrados nos mais
diversos eventos sociais e culturais: na esfera da
linguagem, no campo educacional, em múlti-
plas classificações sociais etc.
Com a expressão “violência simbólica”,
Bourdieu pretende enfatizar a maneira como
os dominados aceitam sua própria condição de
dominação como legítima. O poder simbólico
não usa violência física, mas violência simbólica.
É um poder legitimador que desperta o con-
senso dos dominadores e dos dominados, pois
supõe a capacidade de impor a visão legítima
do mundo social, suas divisões e a capacidade
de impor os meios para entender e adaptar-se
ao mundo social por meio de um senso comum,
que disfarça o poder econômico e político, ao
contribuir, assim, para a reprodução de atitu-
des de acordos sociais desiguais.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


152

Florestan Fernandes

É uma das figuras intelectuais mais importantes


do Brasil no século XX. Seu nome está intima-
mente ligado à institucionalização da Sociologia
como disciplina científica no Brasil, especifica-
mente, à tradição acadêmica da Universidade
de São Paulo (USP), mas, também, ao pensa-
mento marxista, e à militância política. Essas
duas facetas de sua trajetória de vida constituem
uma fonte de tensões centrais, que vão desde
o tempo dedicado à cada atividade, passando
pela coexistência de estruturas interpretativas,
à coerência entre teoria e prática. Alguns pes-
quisadores argumentaram que essas duas facetas
correspondem a dois períodos diferentes de sua
carreira, tendo como marco temporal o surgi-
mento da ditadura militar em 1964.
Alguns estudiosos da vida e obra de Florestan
analisam essa transição como duas grandes eta-
pas de sua biografia, marcadas por uma ruptura
epistemológica: a fase “acadêmico-reformista”
(1945-1968, neste, o ano em que é expulso da
USP) e a “político-revolucionária” (1968-1986,

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


153

ano em que é eleito deputado federal pelo Partido


dos Trabalhadores). Outros, em contrapartida,
suscitaram uma sensação de continuidade e
progressão, na qual os conceitos analíticos são
esclarecidos ao articular os aspectos acadêmi-
co-universitário e político-militante.
Em vários escritos, este estudioso deixou
testemunho de sua infância e de sua forma-
ção inicial, que ocorreu durante um tempo de
grandes transformações para o país: a queda da
antiga República, a crescente pressão das massas
populares urbanas sobre a vida social e a chegada
de Getúlio Vargas ao poder. Esses depoimentos
não apenas permitem conhecer alguns dados de
sua trajetória, mas também observar a constru-
ção de um relato autobiográfico em uma chave
sociológica na qual são constantemente desta-
cados os cruzamentos entre a história pessoal e
o condicionamento da estrutura social, ponto
fundamental de sua perspectiva sociológica.
Filho de uma imigrante portuguesa, Maria
Fernandes, empregada doméstica e lavadeira,
Florestan perdeu o pai e a irmã com tenra idade
e deixou a escola no terceiro ano do ensino

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


154

fundamental para ajudar a mãe. Cresceu nos


bairros populares de São Paulo, mudando de
residência constantemente. Trabalhou como
engraxate e garçom em vários negócios: açou-
gue, padaria, alfaiataria, entre outros. Para ele,
essa situação de vida constituiu uma marca
profunda em sua carreira intelectual.
Apesar de ter abandonado a escola ainda
jovem, Florestan continuou seus estudos infor-
malmente; primeiro, com os livros de um amigo
de sua mãe, depois na biblioteca de sua madri-
nha. Anos depois, ele conseguiu terminar o
ensino regular (fez sete anos em três) e entrou
na USP em 1941, aos 21 anos, local em que sua
brilhante carreira decolou. Para dar esse passo
importante em sua vida, precisou prestar ser-
viço militar, estudar datilografia e enfrentar a
dificuldade de ter aulas de francês com profes-
sores europeus que chegavam à universidade.
Sua experiência de vida está ligada a, pelo
menos, dois aspectos centrais de sua perspectiva
sociológica: o questionamento das possibilida-
des de os sujeitos sociais serem construtores
ativos da história e um posicionamento claro a
favor dos setores populares.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
155

Por fim, para entender a perspectiva socio-


lógica de Florestan Fernandes, é necessário
colocá-la no campo intelectual-acadêmico do
período considerado. Durante a década de 30,
ocorreu um importante processo de reformula-
ção do pensamento social brasileiro, articulado
com a nascente institucionalização das Ciências
Sociais. Nesta fase, são publicados os grandes
ensaios de interpretação nacional de Gilberto
Freyre (1933), Sérgio Buarque de Holanda
(1936) e Caio Prado Júnior (1942). Tais traba-
lhos expressam profunda preocupação com a
formação histórica do Brasil como fonte para
explicar seus males e obstáculos contemporâneos
para a mudança social. Embora a preocupação
faça parte da tradição do pensamento brasileiro
desde o século XIX, essa geração atingiu impacto
fundamental na produção acadêmica universi-
tária, consolidada nas décadas seguintes.
Em relação à sua perspectiva sociológica como
herança do movimento de reforma educacio-
nal, mas também de professores estrangeiros
que chegavam à USP, foi fortemente afirmada
a possibilidade e a necessidade de adotar uma

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


156

abordagem científica dos problemas sociais. Essa


posição tem duas vertentes: por um lado, sus-
tenta a importância da reflexão em oposição
à tradição do ensaio social. Desde os primei-
ros escritos de Florestan aos trabalhos de seus
professores e colegas, é possível traçar a exi-
gência da reflexão baseada em dados empíricos
de instrumentos analíticos precisos, indepen-
dentemente da qualidade das interpretações
gerais. Por outro, e acima de tudo, essa posi-
ção implica uma definição política contra o
conservadorismo ideológico (católico e mili-
tar), que rejeita a ciência por estar relacionada
a supostos vínculos comunistas. Diante desta
ideia, a defesa da “ciência do social” implica
no compromisso com um pensamento radical
comprometido com o entendimento efetivo da
realidade brasileira e guiado pelas possibilida-
des de sua transformação.
Além disso, nessa concepção científica de
análise social, Florestan rejeitou os estudos
culturalistas, que enfatizam as peculiaridades
culturais do Brasil como fator explicativo. Pelo
contrário, com base na influência dos professores

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


157

franceses e, em parte, na ideologia liberal e


marxista, seus estudos estão inclinados a uma
perspectiva universal e estrutural de análise das
relações sociais, mas sem nunca abandonar as
considerações da especificidade histórica. Essa
perspectiva permite, por exemplo, revelar os
problemas de desigualdade social e atraso estru-
tural da sociedade brasileira.

Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holan-


da e Caio Prado Junior

Em 1933, Gilberto Freyre publicou Casa Grande


e Senzala. Influenciado pela antropologia cul-
tural americana nas décadas de 30 e 40, Freyre
se dedicou à análise da formação da sociedade
patriarcal, que destaca a colonização portuguesa
e a presença de negros na formação do Brasil.
Seus estudos deram continuidade às análises
de Nina Rodríguez e Silvio Romero, conside-
rados antecedentes imediatos da Antropologia
e da Sociologia. Diante das posições racistas
que levantaram a necessidade de um embran-
quecimento da sociedade, Freyre desenvolveu

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


158

a tese da “democracia racial” do Brasil. Se, por


um lado, essa tese apresentou a miscigenação
como fator construtivo e positivo, por outro,
contribuiu de alguma maneira para o mito da
ausência de preconceitos raciais no país.
Em 1936, Sérgio Buarque de Holanda publi-
cou o livro Raízes do Brasil, no qual analisou
o abismo entre o país ideal, liberal, moderno,
europeizante e o país real, suas necessida-
des e singularidades históricas. Formado na
Alemanha, este estudioso se identificou com
o historicismo. No livro, ele manifestou inte-
resse nas tensões entre permanência e mudança
social, além de dar visibilidade aos persona-
gens anônimos da história brasileira.
Caio Prado Júnior, em contrapartida, publi-
cou, em 1942, sua principal obra, a Formação
do Brasil Contemporâneo, de estilo marxista, na
qual as classes sociais aparecem pela primeira
vez como uma categoria analítica central, mas
em uma perspectiva que enfatiza as peculia-
ridades locais do desenvolvimento capitalista
brasileiro. Esse texto abre uma linha de estudo
sobre o caráter da economia colonial, seguida

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


159

e posteriormente enriquecida por outros inte-


lectuais, como Florestan Fernandes, Fernando
Novais e Celso Furtado.
Essa geração de intelectuais representou uma
espécie de articulação entre a tradição ensaís-
tica do pensamento social enraizada no século
XIX e o estabelecimento de parâmetros cientí-
ficos e acadêmicos da produção intelectual para
as próximas décadas.

Aula 2
CIÊNCIA POLÍTICA
De acordo com uma definição clássica, o poder
é entendido como o desejo de alguém que-
rer que a sua vontade seja aceita e manifesta,
independentemente da opinião dos demais.
Juntamente com o conflito, o poder é um ele-
mento constitutivo da política. É competitivo,
pode ser adquirido, exercido, procurado, man-
tido e até expandido. Por meio dele, é fornecida
uma ordem, a qual busca articular as diferen-
ças existentes em determinada sociedade.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


160

É a capacidade de agir, de produzir efeitos


sobre indivíduos ou grupos humanos e,
para tanto, é preciso ter a posse de meios
que permitam alcançar os efeitos desejados.
O poder não é um ser, mas uma relação; um
conjunto de relações por meio das quais in-
divíduos ou grupos de indivíduos interfe-
rem na atividade de outros indivíduos na
atividade de outros indivíduos ou grupos
(ARANHA, MARTINS, 2005, p. 256).

Pode-se dizer que existem diferentes modos de


exercer poder, como fé, religião, força física, poder
psicológico ou mental, o poder do dinheiro ou
qualquer outro mecanismo que possa influen-
ciar o comportamento humano. É válido reiterar
que há múltiplas formas de poder resultantes
das diferentes funções desempenhadas por seus
detentores na sociedade, por exemplo.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


161

O PODER IDEOLÓGICO:

2
O PODER ECONÔMICO:
exercido por aqueles que
pertence aos detentores
detêm os meios de
dos meios de produção,
comunicação ou
que possuem a riqueza e
propaganda política, pela
negociam com ela,
Igreja, etc. Além disso,
permitindo-lhes
se encaixam aqui as
determinar as leis do
doutrinas religiosas,
mercado, e assim
filosóficas e outras que
influenciar a vontade do
influenciam nas decisões
povo, uma vez que eles
e comportamentos dos
participam daquele
indivíduos. A partir da
mercado.
disseminação de suas
idéias, garantem
determinados tipos

34
de condutas sociais.

O PODER MILITAR:
devido ao controle que
exercem sobre as forças
armadas de um país,
permite a um indivíduo,
uma instituição ou um
grupo de homens
dominar a vontade dos
O PODER POLÍTICO:
cidadãos por medo da
baseado na possibilidade
repressão militar.
de exercer coerção,
de usar força legal, que é
equivalente à aplicação
da própria lei.
Esse poder político é
amparado pela burocracia
e poder estatal.
O poder político só pode
ser realmente efetivo se
incluir o consentimento
dos governados.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


162

O conceito de poder é algo abstrato, mas pro-


duz efeitos visíveis sobre quem sofre suas
consequências. A forma de divisão abordada
anteriormente se manifesta em relações sociais
implícitas ou explícitas. No caso das relações
implícitas, não somos capazes de perceber
factualmente como o exercício do poder é
manifestado (poder ideológico, por exemplo).
Já, nas relações explícitas, vemos claramente
a forma com a qual determinado poder atua
(o poder militar, por exemplo). Em todos os
casos, nota-se que as relações de poder fazem
parte da vida cotidiana. No entanto, isso não
significa que essa situação seja desejável, já que
o poder implica em uma obrigação por parte
do subordinado, que é privado de sua liber-
dade de escolha.
O conceito de poder despertou grande inte-
resse das mais variadas ciências no decorrer da
história. Tem sido investigado, a partir de dife-
rentes áreas do mundo do conhecimento, como
a Sociologia, a Ciência Política, a Psicologia, a
História e, claro, a Filosofia.
Na Sociologia, é um conceito-chave por meio
do qual estudamos como um grupo social ou
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
163

um indivíduo pode impor seus interesses. Para


a Ciência Política, representa o objeto central
de seu estudo, juntamente com a pesquisa das
relações políticas. A Psicologia, por sua vez,
concentra-se na análise das relações interpesso-
ais de poder. A História também é responsável
por analisá-las a partir de seu ponto de vista,
focando em quem e como tem sido usado ao
longo do tempo. Já a Filosofia procura descre-
ver essa complexa ideia para saber quais são
suas características e seus conceitos por meio
da ética e da filosofia política.
Do ponto de vista filosófico, tanto a ética
quanto a filosofia política analisam os mecanis-
mos de controle que o poder utiliza, os quais são
praticados sobre os grupos sociais, bem como
as ideologias que permitem exercer e justificar
certas formas políticas, como o Estado, os par-
tidos, as instituições e os grupos sociais.

ESTADO

A Sociologia do Estado, uma subárea da


Sociologia, estuda as relações entre o Estado
e a sociedade civil. Sob essa perspectiva, por
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
164

um lado, o Estado representa um conjunto de


mecanismos e processos que demandam a cen-
tralização e a descentralização do poder e o
surgimento de instituições especializadas em
sua administração. Por outro, seu objetivo é
alcançar o bem comum e a felicidade dos cida-
dãos, bem como uma convivência ordeira. As
relações com a sociedade civil nem sempre são
harmoniosas, embora devam ser. Iremos apro-
fundar-nos no conceito de Estado, o que é, quais
são seus limites e como é organizado.
O Estado é uma comunidade estabelecida em
determinado território. É estabelecido por meio
de uma ordem legal, a qualcria um corpo de fun-
cionários e garante poder legal autônomo. Tenta
realizar o bem comum no campo da comuni-
dade e forma uma unidade política superior,
independente e soberana.
Por meio de seus governantes, regula a ativi-
dade econômica, gerencia os gastos públicos e
os impostos e determina as políticas tributárias.
Além disso, garante a livre concorrência e evita
abusos na atividade econômica geral. O sucesso
das funções econômicas do Estado é garantia de
prosperidade e desenvolvimento para os cidadãos.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
165

Vivemos em uma época em que o poder


político mostra sua fraqueza diante da pode-
rosa concorrência com o mercado financeiro
e o poder da mídia. Não é de surpreender-se
que, em tal situação, a soberania dos diferen-
tes Estados esteja ameaçada, pois o espaço da
soberania estatal está em crise diante dos novos
formatos da globalização. O Estado enfrenta
dificuldades especiais quando se trata, por
exemplo, de controlar, mobilizar, organizar,
implementar ou garantir direitos.
A família foi uma das primeiras estruturas
sociais a surgir na história. Mais tarde, outras
formas diferentes foram desenvolvidas, como
o bando, a tribo, o clã etc. O termo “Estado”
foi introduzido por Maquiavel em seu sen-
tido jurídico e político. No entanto, o Estado
já existia a partir das culturas egípcia, grega e
romana. No decorrer da história da humani-
dade, o conceito de Estado e sua classificação
mudaram. Apesar de ser estruturado de formas
diferentes, duas são as formas mais básicas de
classificação: unitária e federal.
Na estrutura unitária, o Estado unitário é
uma instituição organizada de tal maneira que
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
166

o poder político se concentra em apenas um


centro de decisão. Neste tipo de Estado, não há
diversidade territorial ou regional. O governo,
contudo, pode delegar e revogar competências
para subunidades territoriais, como municí-
pios ou províncias. Pode ser centralizado ou
descentralizado. Na estrutura unitária centra-
lizada, o poder, em sua totalidade, reside na
administração central. Já na estrutura unitá-
ria descentralizada, o poder é distribuído em
regiões ou comunidades autônomas.
Na estrutura federal, a organização estatal é
composta de diferentes órgãos, como estados,
associações, grupos, sindicatos etc. Esses orga-
nismos se associam, a fim de delegar algumas
liberdades ou poderes próprios a uma instância
superior, no caso, o Estado federal ou a federa-
ção. Eles mantêm, contudo, certa soberania e
autonomia, uma vez que algumas competências
pertencem exclusivamente a eles. Este tipo de
sistema também possui duas variantes: confede-
ração de Estados ou Estado federal. A primeira
é uma comunidade de Estados soberanos, que
surge como consequência de um processo asso-
ciativo entre Estados independentes. O segundo,
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
167

por sua vez, é formado por Estados particula-


res, cujos poderes regionais têm autonomia e
até soberania para seu funcionamento interno.
Na história do pensamento político, diferen-
tes teorias sobre a sociedade e o Estado foram
realizadas. Conceitos como “estado de natureza”,
“contrato social” e “leis naturais” contribuíram
com reflexões que nos aproximam da realidade
social e política dos nossos dias.
Os primeiros teóricos sobre o Estado foram
os autores clássicos Platão e Aristóteles. Ambos
refletiram sobre o modelo político vigente da
época, a cidade-estado ou a pólis, cuja concretiza-
ção ideal de uma entidade autossuficiente traria
a satisfação das necessidades da comunidade.
Para Platão, o homem assina o contrato
de cidadania, termo que aparece em sua obra
República. Pelo contrato de cidadania o ser
humano opta por pertencer a um Estado e
acorda com ele um pacto, pelo qual é obrigado a
cumprir as leis, mesmo que sejam injustas. Para
entender completamente o significado dessa
doutrina, é necessário entender que ser homem
e ser cidadão é o mesmo para esse filósofo.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


168

Se a sociedade, para Platão, deriva de um


pacto, para Aristóteles é algo natural, consequ-
ência do fato de o ser humano ser naturalmente
sociável. E essa natureza instintivamente atrai
todos os homens para associações políti-
cas. Em outras palavras, para esse filósofo, o
homem é um “animal político”.
Dessa forma, o que caracteriza o ser humano
não é apenas o fato de viver em sociedade, mas
também de lidar com as coisas da pólis ou do
bem comum, que é a atividade nobre por exce-
lência do ser humano. O Estado é, então, uma
organização política que resulta da associação
de indivíduos, famílias e povos. Também tem
uma origem natural e sua finalidade é resolver
as necessidades básicas da vida e garantir que os
cidadãos possam satisfazê-las. O núcleo origi-
nal da comunidade social ou política é a família,
porque o conceito de Estado, para Aristóteles,
baseia-se na coexistência diária. Pequenas asso-
ciações de grupos familiares dão origem ao
surgimento da aldeia e a associação de aldeias
dá origem à constituição da cidade.
Na teoria moderna do Estado, surge um
conceito central para a Ciência Política: o
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
169

contratualismo. Este compreende um conjunto


de teorias políticas, que veem a origem da socie-
dade e o fundamento do poder político em um
contrato social. A organização social e a vida
dos membros da sociedade dependem de um
acordo que permita estabelecer os princípios
básicos de convivência: o contrato social. O con-
tratualismo moderno, por exemplo, representa
uma teoria acerca da legitimidade da sobera-
nia política. De forma breve, falaremos sobre as
três teorias clássicas do contratualismo: a teoria
absolutista de Hobbes, a teoria liberal de Locke
e a teoria de soberania de Rousseau.
Thomas Hobbes é um dos filósofos mais
representativos da teoria absolutista. O Estado
estabelece, como resultado de um pacto, o
contrato comunitário. Em virtude desse
acordo, o ser humano cede parte de sua liber-
dade a uma entidade superior, capaz de evitar
que o confronto entre os diferentes interes-
ses individuais se transforme em um conflito
social. Dessa forma, a “guerra de todos con-
tra todos” é evitada e precisa ser assim, pois,
para Hobbes, o ser humano é egoísta e antis-
social por natureza – daí deriva a sua famosa
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
170

frase: “o homem é o lobo do homem”. Além


disso, tende a satisfazer seus próprios inte-
resses, mesmo em detrimento de seus pares.
Em síntese, o Estado aparece como um poder
total e absoluto, que dita as leis e a moral. Ela é
imposta à vontade dos membros da sociedade,
que lhe deram seus direitos. O Estado se torna um
instrumento necessário que, ao assumir direitos,
garante a paz e a harmonia entre os indivíduos
ao pôr fim ao estado de terror antes de sua cria-
ção. A sociedade civil, como a organização de
todos súditos, está sujeita ao poder do Estado.
John Locke é a referência quando falamos
da teoria liberal do Estado. Para este filósofo, a
sociedade, em sua origem, estava no chamado
estado de natureza, que seria o estado no qual
os seres humanos desfrutariam de certos direitos
naturais, como a vida, a liberdade e a proprie-
dade. No entanto, os indivíduos violaram essa
lei natural ao não observarem estritamente os
mandatos de equidade e justiça. Portanto, s bens
que cada pessoa possui nesse estado não estão
assegurados e a sua segurança é incerta. Para
garantir uma vida digna e pacífica, os indivíduos
cederam seus direitos a um grupo de soberanos,
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
171

mas tendo em mente que tal atribuição não é


perpétua ou irrevogável. Locke, então, reconhece
o direito à rebelião se o soberano não cumprir
os limites do acordo. O Estado, que deve prote-
ger os direitos de seus representantes, surgiria
sob esse contrato de parceria.
No século XVIII, a figura de Jean-Jacques
Rousseau se destacou e sua contribuição para
a teoria do Estado é seu conceito de soberania.
De acordo com ele, o direito de governar não é
algo a priori e de origem divina, mas depende
da vontade geral dos governados. A soberania
deixa, assim, de residir em uma pessoa e é trans-
ferida para toda a comunidade política, que será
responsável por legitimar a ação de governar.
Para Rousseau, o estado da natureza é caracte-
rizado pela liberdade, igualdade e bondade.
O contrato social consiste em um pacto pelo
qual os egoísmos individualistas são elimina-
dos por meio da submissão de cada cidadão à
vontade geral unânime. O modelo político pro-
posto por Rousseau seria a democracia direta.
O Estado é, para ele, um meio de desenvolvi-
mento moral da humanidade, portanto deve

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


172

tentar alcançar o bem comum. Dessa forma, o


pensamento deste estudioso influenciou dire-
tamente na superação do modelo absolutista e
foi um dos pilares da doutrina política liberal,
em que outros pensadores também deram con-
tribuições decisivas, como Montesquieu, que
formulou o princípio da separação de poderes,
em virtude do qual seria possível evitar abusos
na ação governamental e garantir o respeito aos
direitos dos que eram governados.
Os três poderes que Montesquieu formulou
são: o poder executivo, próprio do governo; o
poder legislativo, vinculado ao Parlamento; e o
poder judiciário, ligado aos juízes.

CIDADANIA

As experiências fundamentais da política oci-


dental vêm de duas realidades políticas da
antiguidade: a pólis (polis) grega e a república
(res publica) romana. Muito do nosso voca-
bulário político surge a partir dessas duas
formas ou realidades políticas. O conceito de
cidadão e cidadania nasceu nesses dois con-
textos e continua até hoje.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
173

Para adequarmos historicamente as referên-


cias de ambas as experiências políticas, devemos
retomar a ideia de cidade-estado, que serve
tanto para Grécia quanto para Roma. Já o con-
ceito de pólis é utilizado apenas na Grécia. A
política da cidade-estado remonta ao mundo
grego, desde meados do século VII a.C. à con-
quista de Alexandre, o Grande, no século IV
a.C., e no mundo romano, a partir de meados
do século V a.C. até a fase da república tardia.
A cidade-estado é uma realidade política da
Antiguidade, o que não ocorre novamente na
história política do Ocidente. Suas características
essenciais eram: extensão territorial reduzida,
para que seus habitantes se conhecessem; sufi-
ciência econômica; autarquia; e, especialmente,
independência política.
Nas cidades-estados gregas, o papel ativo do
cidadão se tornou realidade pela primeira vez
na história política do Ocidente, e a República
Romana, no que lhe diz respeito, também defi-
niu, pela primeira vez, o status legal de um
cidadão, que consiste no reconhecimento de
seus direitos e deveres.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


174

No decorrer do tempo, esta concepção de


cidadania foi gradativamente reformulada.
Hoje, a definição mais usada é a que se refere
como uma relação jurídica entre o indivíduo
e o Estado. A maioria das pessoas no mundo
são cidadãs legais de um ou outro Estado, o
que lhes dá permissão a certos privilégios ou
direitos. Ser cidadão também impõe algumas
obrigações em termos daquilo que é esperado
da pessoa sujeita à sua jurisdição. Portanto, os
cidadãos cumprem certas obrigações para com
o seu Estado e, em contrapartida, podem espe-
rar a proteção de seus interesses vitais.
Hoje em dia, cidadania é muito mais do que
uma construção legal e se refere, entre outras
coisas, ao senso pessoal de pertencimento, por
exemplo, ao sentimento de pertencer a uma
comunidade que você pode atuar e influenciar
diretamente. A dimensão política da cidadania
diz respeito aos direitos e às responsabilida-
des em relação ao seu sistema político. Seu
desenvolvimento advém do conhecimento
do sistema político e da promoção de atitu-
des democráticas e participativas.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


175

Na relação entre o indivíduo e a sociedade,


podemos distinguir quatro dimensões que cor-
respondem aos quatro subsistemas que se pode
reconhecer numa sociedade e que são essenciais
para a sua existência: a dimensão político-le-
gal, a dimensão social, a dimensão cultural e
a dimensão econômica.
A dimensão político-legal da cidadania se
refere aos direitos e às responsabilidades de
acordo com o sistema político pré-estabelecido.
A social tem a ver com o comportamento dos
indivíduos em uma sociedade e requer certo
grau de lealdade e solidariedade. A cultural
diz respeito à consciência de um patrimônio
cultural comum e é desenvolvida por meio do
conhecimento deste, da história e das compe-
tências básicas (competência linguística, leitura
e escrita). A dimensão econômica se refere à
relação do indivíduo com a força de trabalho e
o mercado consumidor. Supõe o direito ao tra-
balho e a um nível mínimo de subsistência.
Essas quatro dimensões de cidadania são alcan-
çadas por meio dos processos de socialização que
ocorrem na escola, nas famílias, nas organizações

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


176

civis, nos partidos políticos, bem como por meio


de associações, meios de comunicação de massa
e vizinhança. Cada pessoa deve ter a possibili-
dade de exercer todas as quatro dimensões de
forma equilibrada e equitativa, caso contrário, a
cidadania plena não será efetivada
Tal processo, contudo, não acontece de forma
natural. É necessário que tenhamos consciên-
cia de que ele se realiza por uma árdua busca de
construção, principalmente por parte dos cida-
dãos, conforme afirma Libanio:
A cidadania não é dom natural e muito
menos concessão do Estado. É conquista
construção, exercício cotidiano, papel so-
cial. Num país como o nosso – que care-
ce dos serviços sociais básicos, tais como
saúde, educação, saneamento, habitação,
emprego, etc. O exercício da cidadania
consiste fundamentalmente em transfor-
mar o direito formal a todos esses servi-
ços, garantidos na Constituição, em reali-
dades concretas, efetivas na vida do povo
(LIBANIO, 1995, p. 42).
Nesse sentido, se não houver participação, não
haverá cidadania, pois apenas ao atuar poderemos
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
177

ver o processo de construção de conquista da


cidadania ser transformado. Essa participação,
ao mesmo tempo, gera senso de pertencimento
e de atuação para modificação de uma realidade,
além de ser a pedra angular da democracia.

DEMOCRACIA

Etimologicamente, democracia significa “o


poder do povo” e tem origem nas palavras
gregas kratos (poder) e demos (povo). Se anali-
sarmos o significado exato do termo, teremos
algumas dificuldades, porque ele teve diferen-
tes interpretações ao longo da história. Formas
absolutamente diferentes de governo se intitula-
ram democracia. No entanto, existem elementos
comuns que caracterizam esse modelo: indica
uma entidade política, uma forma de Estado e
de governo, em que o povo escolhe livremente
aqueles que governarão.
A origem da elaboração do conceito de demo-
cracia acontece, num primeiro momento, na
democracia ateniense, que tem, como figura
principal, Péricles. Ele foi o maior líder político

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


178

de Atenas na segunda metade do século V


a.C. e seu sistema político girava em torno da
assembleia popular. Além disso, ele definiu
o sistema de governo como uma democra-
cia, pois o poder não estava nas mãos de uma
minoria, mas de todo o povo.
A característica especial da democracia ate-
niense é que as pessoas participavam diretamente
das decisões, mas somente denominados homens
livres poderiam participar da vida política – o
que excluía mulheres, escravos, menores de idade
e estrangeiros. O centro do poder político em
Atenas, bem como sua instituição mais conhe-
cida e mais identificada com a democracia, foi
a Assembleia. Esse modelo grego corresponde
ao que hoje chamamos de democracia direta.
O povo, formado por cidadãos, tem soberania
e o exerce diretamente.
Nesse período, merecem destaque filósofos
como Aristóteles, que acreditava que a única forma
possível de governo corresponde ao governo do
povo, pelo povo e para povo. Em contraste, Platão
criticava a democracia ateniense porque, para ele,
a república deve estar nas mãos de profissionais
habilitados, não de cidadãos comuns.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
179

Na Roma antiga, semelhante à democracia


ateniense, as ideias implementadas foram as de
Aristóteles. O poder foi dividido em várias ins-
tituições, baseado na participação dos cidadãos
– mas excluindo, também, escravos, mulheres e
estrangeiros – e estava nas mãos de pessoas ricas
e proprietárias de terras, chamados de patrí-
cios. Pessoas comuns ou plebeus tiveram pouca
influência na vida política. O poder real estava
no Senado, um conselho de anciãos de origem
nobre, que aconselhava os reis.
O período medieval não foi nada democrático,
no sentido do que estudamos até o momento,
pelo fato de o poder estar submetido a Deus,
ou seja, o poder do povo estava nas mãos da
Igreja. Com o Renascimento, Deus deixa de
ser o centro e dá lugar ao ser humano, que, a
partir desse momento, renasce e se desenvolve.
Durante os séculos XV e XVI na Europa é enfati-
zada, novamente, a importância da participação
dos cidadãos em interesses políticos, para pro-
mover a estabilidade da República, deixando
para trás a vida passiva e contemplativa defen-
dida pelo cristianismo.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


180

Nos séculos XVI e XVII, as principais ideias


desse período incluíram a defesa do indivíduo e
suas liberdades. A intervenção do Estado e dos
poderes públicos estava limitada à vida econô-
mica, política e social. O indivíduo, considerado
um ser racional por natureza, tinha, então, uma
série de direitos que deveriam ser respeitados. O
poder era dado aos cidadãos, que elegiam seus
representantes de maneira livre e soberana, e foi
dado fim à supremacia da Igreja Católica Romana,
o que fragmentou a unidade religiosa da Idade
Média e promoveu a pluralidade e o pensamento
livre. É o chamado período do liberalismo.
Para começar a descrever a democracia do
século XVIII, precisamos compreender, primei-
ramente, o caso dos Estados Unidos. Depois da
sua declaração de independência em 1776, após
amarga batalha contra a Grã-Bretanha, os EUA
passaram por um processo de aplicação de sua
forma democrática de governo, que começou
com a ratificação de sua constituição em 1787.
Pretendia-se criar um governo federal único, com
um presidente da república, um congresso e um
senado, em que residiriam os poderes legislativos.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


181

Em 1789, na França, aconteceu a Revolução


Francesa, uma mudança política muito impor-
tante, não apenas para a França, mas também
para outros países que utilizariam os seus pre-
ceitos como exemplo. Tal revolução significou
o triunfo de um povo oprimido e cansado das
injustiças, dos privilégios da nobreza feudal e
do estado absolutista.
No século XIX, a democracia se baseava na
soberania popular, na liberdade e na igualdade
social. O novo conceito objetivou superar algu-
mas desigualdades e alguns privilégios do velho
liberalismo. Nesse período, a figura do prole-
tariado emergiu e se identificou como classe.
Ocorreu, então, a luta entre o proletariado con-
tra a burguesia e o Estado, uma vez que este se
recusou a aceitar as exigências dessa nova classe
e seu direito a ter um papel na vida social e polí-
tica da sociedade.
Atualmente, a democracia está situada como
forma dominante de governo no mundo. Vários
eventos aconteceram para que ela se consolidasse:
o sufrágio universal (incorporação do voto dos
pobres e das mulheres), o desaparecimento ou o
enfraquecimento das monarquias, a queda das
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
182

ditaduras militares latino-americanas, a desco-


lonização da maior parte da Ásia e da África, o
direito de voto de minorias raciais nos EUA etc.
A afirmação da pessoa humana, no contexto
democrático atual, a respeito da sua individua-
lidade, sua autonomia e a proteção dos direitos
individuais surgiram em oposição às monarquias
absolutas e aos despotismos que, historicamente,
não observaram nenhum desses limites. Isso signi-
ficou conceder a todas as pessoas, em consideração
à sua humanidade e personalidade, direitos e
proteções iguais e a mesma capacidade de inde-
pendência de julgamento, tanto em suas vidas
pessoais quanto em seus julgamentos políticos.
Quando os cidadãos agem unicamente em
favor de seus interesses, suas ambições e seus
fins privados com apatia e insatisfação com os
limites impostos pela responsabilidade, o com-
promisso com o público, a convivência cívica e as
instituições democráticas, lidamos com um dos
fenômenos sociais mais arriscados e mais difíceis
de reverter. Para isso, é preciso abordar a constru-
ção da cidadania e de um mundo público guiado
pelos princípios, pelas instituições e pelos direi-
tos estabelecidos nas constituições democráticas.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
183

O senso coletivo deve prevalecer nas mais diver-


sas discussões sobre a vida em sociedade.
Para a filósofa Hannah Arendt, as sociedades
modernas, com as inseguranças do mundo do
emprego, as pressões por status social, a busca
pelo poder e o foco pelas necessidades econô-
micas – em detrimento das políticas e cívicas
– geraram costumes extremamente individua-
listas e de alienação da política. Os cidadãos não
são levados a pensar por si mesmos, ao pensa-
mento crítico e à participação e preocupação
com as consequências de suas ações sobre os
direitos dos outros, sobre a vida pública e o bem
comum. Pelo contrário, os costumes associados
a uma sociedade de empregados de instituições
caracterizadas por hierarquias serão os da obe-
diência a crítica à autoridade, da acomodação
a qualquer preço e do individualismo egoísta.

Será que vivemos, de fato, em uma democra-


cia, com tudo que nos deveria ser assegurado?

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


184

Como podemos notar, há muito que ser desven-


dado e estudado na democracia no que tange à
participação de nós, como cidadãos, na constru-
ção de uma sociedade devidamente democrática.

Aula 3
ANTROPOLOGIA
Parte da confusão com o conceito de cultura
surge quando a palavra é usada como expres-
são e manifestação das artes plásticas ou da
música clássica, quando se interpreta que as
pessoas educadas e conhecedoras das artes e de
outras pessoas “têm cultura”, assumindo que há
um tipo de escada para os “incultos” (carentes
de cultura). Em contrapartida, também é utili-
zada para nomear grupos humanos não muito
conhecidos, como a cultura ianomâmi ou cul-
tura guarani. Muitas pessoas se confundem com
esse duplo sentido, mas os professores parecem
ter preferência pelo primeiro significado, pois
alguns se reconhecem e são reconhecidos pelos
outros como pessoas “educadas” ou “cultas”.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


185

Para a Antropologia, cultura é o nome comum


que indica uma forma particular de vida, de pes-
soas, de um período ou de um grupo humano.
Está ligada à apreciação e análise de elemen-
tos como valores, costumes, normas, estilos de
vida, formas ou implementos materiais, orga-
nização social etc. Poderíamos dizer que ela
aprecia o presente ao observar para o passado
que lhe deu forma. Qualquer um dos elemen-
tos da cultura analisada vem das tradições do
passado, com seus mitos, lendas e costumes de
tempos distantes. Assim, o conceito antropoló-
gico nos permite apreciar variedades de culturas
particulares: de determinada região, do aldeão,
do camponês, de criação, mulheres, jovens, cul-
tura universitária, culturas étnicas, cultura da
educação, cultura religiosa etc.
A primeira definição antropológica de rele-
vância foi a do antropólogo Edward Burnett
Tylor que, em um parágrafo simples, o primeiro
de seu livro, deixou uma definição que ainda é
utilizada nos dias de hoje:
Tomando em seu amplo sentido etnográ-
fico (cultura) é este todo complexo que
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
186

inclui conhecimentos, crenças, arte, mo-


ral, leis, costumes ou qualquer outra ca-
pacidade ou hábitos adquiridos pelo ho-
mem como membro de uma sociedade
(TYLOR apud LARAIA, 2006, p. 25).
A definição de Tylor hoje é considerada vaga
e pouco precisa, porque é muito aberta, ou
seja, faz uma pequena lista do que esse autor
considera ser parte da cultura (conhecimento,
crenças, arte, moral, leis, costumes), o que
deixa aberta a possibilidade de incluir quais-
quer outros elementos quando diz “ou qualquer
outra capacidade ou hábitos adquiridos”. O
problema é que, mesmo com a passagem de
todos esses anos desde que Tylor publicou sua
famosa definição, não há ainda um termo que
seja unânime no que diz respeito à cultura para
antropólogos em todo o mundo, o que nos
mostra que esse é um dos termos mais difíceis
de definir no vocabulário antropológico.
Franz Boas (2004), antropólogo norte-ame-
ricano, ressaltou o caráter particular de cada
cultura no campo da diversidade cultural. Ele
desenvolveu uma tese que contradiz as teorias
do evolucionismo utilizadas em sua época. Cada
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
187

cultura, ele nos dirá, é o resultado de algumas


condições naturais e históricas que, no entanto,
não são determinantes. Para Boas, cultura pode
ser definida como a totalidade das reações e
atividades mentais e físicas que caracterizam o
comportamento dos membros individuais de
um grupo social, coletiva e individualmente.
Ruth Benedict, antropóloga também norte-
-americana, enfatizou a condição seletiva da
cultura ao entender que cabe uma escolha entre
as inúmeras possibilidades oferecidas. Assim,
cada cultura apresentará um perfil específico e
único. Foi Benedict quem introduziu o conceito
de padrão cultural.
Alfred Louis Kroeber, discípulo de Franz Boas,
afirmou que os fenômenos culturais respondem
a uma lógica própria, na qual o indivíduo está
incapacitado de intervir mesmo que esteja fora
do alcance de sua vontade: o sujeito por si só
não constrói o projeto, mas este lhe é dado por
meio da herança social.
Na interpretação de Bronislaw Malinowski,
a cultura se constitui em resposta às necessida-
des elementares do ser humano: alimentação
e reprodução. Esse antropólogo apontou que
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
188

a cultura dos seres humanos está inevitavel-


mente ligada à necessidade.
Podemos notar que, além das construções sobre
o conceito de cultura, a própria cultura é dinâ-
mica. A mudança é um requisito da sua natureza
integrada. É evidente que tais processos adquirem
profundidade especial na transição das sociedades
tradicionais para as modernas, além de constituí-
rem objeto de estudo de grande importância para
as Ciências Sociais devido às repercussões. Em
qualquer caso, a mudança está implícita na cultura.

ETNOCENTRISMO E RELATIVISMO
CULTURAL

Etnocentrismo significa conferir valor mais alto


à própria cultura do que à do outro, ao utilizar
os próprios padrões culturais para julgar o que é
diferente. Em suma, considera a própria cultura
como superior às demais. Na vida cotidiana, é
bem perceptível nos juízos de valor daqueles que
veem pessoas de outras culturas como esquisitas
e atrasadas. Há até certo desprezo com relação
ao outro, mas essa percepção requer reflexão
crítica. O etnocentrismo dificulta e impede a
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
189

compreensão das culturas de outros povos, além


de gerar intolerância e preconceito.
O conceito de etnocentrismo está ligado ao desen-
volvimento da teoria antropológica. Embora pareça
estranho que, nos primórdios da Antropologia, a
discussão sobre esse conceito não tenha apare-
cido, perceberemos que a ausência da maturidade
científica reflete o surgimento da noção de etno-
centrismo. Pelo fato de todo o desenvolvimento
teórico antropológico estar no Ocidente, raramente
se ponderava que a cultura ocidental era vista como
superior em relação às demais.
As culturas não existem isoladamente e nem
surgem de forma aleatória. Elas têm, em si mes-
mas, fortes razões para existir, cada uma com a
sua peculiaridade. É importante perceber que
é errado tentar entender uma cultura ao utili-
zar padrões de outra cultura.
A lógica da cultura requer que nós a penetre-
mos, apreendendo os elementos que a compõem.
Um claro exemplo sobre a análise cultural acon-
teceu comigo e com a minha família quando,
em determinado momento, precisei mudar-me
para uma pequena cidade no interior do Paraná
com, mais ou menos, vinte e três mil habitantes,
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
190

e minha família me acompanhou. Nunca haví-


amos experienciado uma dinâmica cultural tão
peculiar. O choque cultural, a princípio, fez-me
acreditar que as culturas que eu tinha vivenciado
em cidades maiores era melhor do que aquela
cultura de cidade pequena, todavia, comecei a
perceber que precisava mergulhar e compreen-
dê-la para poder relacionar-me com as pessoas
de forma saudável, sabendo que a cultura delas
era diferente, não inferior à da minha família.
Oposto ao etnocentrismo – e como forma de
combatê-lo –, surgiu o conceito de relativismo
cultural, que consiste em colocar-se no lugar do
outro para entender sua cultura; em adotar os
padrões culturais da sociedade que se pretende
estudar, para entender sua lógica interna. No
entanto, devemos entender que esse relativismo
não deve ser radical. É evidente que as culturas
não são iguais e nem seus valores precisam ser
completamente aceitáveis. A interpretação radi-
cal desse conceito nos levaria a aceitar práticas
culturais inteiramente inaceitáveis, como aquelas
referentes à submissão incondicional de mulheres
ou ao apedrejamento até a morte. O relativismo
é apenas um princípio que nos guia sobre como
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
191

entender outra sociedade. O fato de o antropó-


logo tornar-se membro da cultura que estuda não
significa abdicar de sua neutralidade científica.
Práticas culturais que negam os direitos huma-
nos são repreensíveis sob qualquer ponto de vista.
Isso não contradiz o princípio do relativismo cul-
tural, segundo o qual o antropólogo, ou o cientista
social em geral, deve tentar colocar-se no lugar
do estudado para melhor entender sua cultura.
Por meio do relativismo cultural, o movimento
em defesa dos direitos das minorias culturais se
difundiu em todo o mundo. Também alcan-
çou as minorias religiosas e, em geral, todos os
grupos humanos que possuem suas próprias
peculiaridades culturais, inclusive fazendo parte
dos Estados ditos democráticos.

Acesse o QR Code e apren-


da um pouco mais sobre
Antropologia, etnocentris-
mo e relativismo cultural.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


192

CULTURA DE MASSA E INDÚSTRIA


CULTURAL

Desde o Renascimento, foi estabelecido, na


Europa, a distinção entre cultura de elite (arte
e cultura das classes altas) e cultura popular
(as tradições e expressões culturais das pessoas
comuns, do povo).
A cultura de elite ou “cultura superior” cor-
respondia à cultura formalizada reconhecida
como tal, expressa em obras de arte e caracte-
rizada por autoria reconhecida, refinamento,
prestígio social e valor político. As primeiras
tecnologias de comunicação (pergaminho, papel
e impressão) e tecnologias de expressão artís-
tica apareceram associadas à cultura de elite
e contribuíram para moldar a cultura letrada,
fundamentalmente baseada na escrita, que carac-
teriza a história do Ocidente.
A cultura popular ou “cultura inferior” cor-
respondia às histórias orais, aos ritos populares,
ao folclore, ao artesanato e à música popular.
Constituía-se como a expressão de identidade
de grupos sociais mais ou menos diferenciados

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


193

e tinha estreita relação com a vida cotidiana.


Caracterizada pelo anonimato, pela esponta-
neidade, ausência de prestígio social ou valor
político, sua natureza era essencialmente pragmá-
tica e oral. Não havia refinamento ou abstração.
O desenvolvimento de novas formas de vida
urbana e o surgimento da massa (populacional)
no final do século XIX introduziram impor-
tantes mudanças nessa dinâmica cultural. Ao
mesmo tempo, o surgimento de novos meios
de expressão, como a fotografia, o cinema, a
imprensa, o rádio, a TV e, em nossos dias, a
internet, deu origem a uma nova esfera cultu-
ral, singularizada pela amplitude de seu público
e pelo surgimento de novos gêneros e temas, e
novas mídias e linguagens estéticas.
Com a industrialização das formas de expres-
são pelas tecnologias de comunicação e expressão
artística, a forma de cultura do século XIX até
os nossos dias foi radicalmente transformada.
A obra de arte deixou de ser algo singular e pas-
sou a adquirir valor econômico. Dependendo
da reprodutibilidade e do valor econômico de
seus produtos nas novas condições de mercado,

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


194

tanto a cultura de elite quanto a cultura popu-


lar se tornaram acessíveis pela primeira vez a
um público de massa.
A própria dinâmica do mercado, decisiva na
estrutura de novas formas de vida social, impôs
também novas condições aos produtos cultu-
rais: a cultura deve seduzir e, ao mesmo tempo,
proporcionar valor de troca. Nasceu, assim, a
ideia da cultura de massa como processo de
absorção e transformação da cultura de elite e
da cultura popular nas condições econômicas
e sociais da sociedade de massa.
O fator decisivo dessa transformação é que a
cultura, a tecnologia, a indústria e o fator econô-
mico são unificados. Com a cultura das massas,
nasceu o consumo da cultura e o conceito de
indústria cultural. Essa mercantilização, junta-
mente com a consequente padronização da esfera
cultural, tornou-se fonte frequente de críticas.
Na sociedade de massas, a cultura se torna
valor de identidade social e aspecto importante
da vida social. Com isso, o Estado começa a
intervir na cultura, com o objetivo de dar acesso
a todos, de forma igualitária, por meio de sub-
sídios, fundações, políticas de desenvolvimento
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
195

cultural, entre outros. O papel da mídia, nesse


contexto, é duplo: como produtores e dissemi-
nadores da cultura de massa.
A cultura de massa foi fortemente criticada
nos anos 50 a 70 pelos pensadores europeus,
especialmente a Escola de Frankfurt e a tradi-
ção marxista, que via nela uma superestrutura
projetada para assegurar a sobrevivência
dos mecanismos de poder característicos do
modo de produção capitalista. O filósofo Louis
Althusser fala de “ideologia da mídia” e Gramsci
de “hegemonia da mídia”.
Segundo esses dois autores, é quase impossí-
vel fugirmos dessa dinâmica de olharmos para
a cultura como objeto de consumo, mas basta
buscarmos caminhos alternativos de produção
cultural e arte que ainda não foram completa-
mente imersos na mercantilização da cultura.

ANTROPOLOGIA BRASILEIRA

Darcy Ribeiro

Nasceu em 26 de outubro de 1922 em Montes


Claros, Minas Gerais. Estudou Sociologia e
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
196

Ciência Política na Universidade de São Paulo


(USP). Em 1947, trabalhou como pesquisador e
etnólogo no Serviço de Proteção aos Indígenas.
Chegou a dirigir o Departamento de Etnologia
de 1952 a 1966. Em 1953, fundou o Museu do
Índio e dirigiu o Centro de Pesquisa Educacional
(Capes) e o Departamento de Pesquisa Social da
Campanha de Erradicação do Analfabetismo.
Em 1961, foi Ministro da Educação e Cultura.
Fundou a Universidade de Brasília (UnB), onde
ocupou a reitoria entre 1962 e 1963, e foi chefe
da Casa Civil da Presidência da República. Foi
exilado para o Uruguai e viajou para o Chile e
Peru, ensinando Antropologia. Em 1976, foi anis-
tiado e voltou ao Brasil. Foi vice-governador do
estado do Rio de Janeiro, deputado e senador da
República. Em 1976, retomou o ensino na UnB.
Além disso, realizou vários trabalhos antropo-
lógicos entre grupos indígenas brasileiros.
Sua autoria inclui inúmeros livros sobre reli-
gião, mitologia, línguas indígenas e sistemas
culturais. Entre seus trabalhos, estão: O Processo
Civilizatório (1968), Universidade Necessária
(1969), As Américas e a Civilização (1970), Os

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


197

Brasileiros: Teoria do Brasil (1972) e O Povo


Brasileiro: a Formação e o Sentido do Brasil (1995).
Darcy Ribeiro se dedicou aos estudos sobre
identidade latino-americana e suas pesquisas
e publicações se concentraram no processo de
civilização e nas configurações socioculturais
dos povos da América Latina. Seu conheci-
mento sobre povos irmãos o levou a propor
novas categorias de interpretação, enfrentando
o chamado mundo ocidental.
De acordo com suas ideias, a América Latina
tem identidade própria como um povo novo,
com a mistura de indígenas, europeus e africa-
nos. Um povo que busca a integração em uma
grande comunidade de nações com destino
comum em nível continental. Devido à sua expe-
riência na organização e estruturação da UnB,
Darcy Ribeiro foi convidado por alguns gover-
nos e algumas universidades a fazer abordagens
estruturais para mudanças no ensino superior.
Ele estudou Reformas Universitárias no Peru, na
Venezuela, no Uruguai, no México e no Chile.
Visitou inúmeras universidades e centros de
estudos latino-americanos, nos quais apontou o
caminho intelectual para fortalecer a integração
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
198

latino-americana. Segundo suas ideias, é neces-


sário criar uma consciência latino-americana
para consolidar esse novo povo, síntese de várias
culturas. É preciso encontrar o autêntico modelo
político, socioeconômico e cultural, que emerge
da própria realidade latino-americana.
Ele foi um dos representantes mais importan-
tes da escola evolucionista de Antropologia. Suas
ideias foram levantadas por meio do estudo do
processo de civilização, segundo o qual há uma
evolução sociocultural, que serve de base para
estudos sobre o processo de formação étnica e
sobre os problemas de desenvolvimento enfren-
tados pelos povos americanos. Para alcançar
profundo conhecimento dos povos, é essencial
conhecer as etapas da evolução sociocultural
no decorrer do tempo em um esquema glo-
bal e, com as contribuições da Arqueologia,
Etnologia e História, conseguir localizar qual-
quer sociedade, extinta ou atual, e o seu contínuo
desenvolvimento sociocultural.
Essa teoria civilizadora o levou a estudar o
desenvolvimento histórico da América Latina,
desde o mundo antigo ao final do século XX,
passando por suas várias fases ou estágios,
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
199

verificando, também, o impacto das revoluções


tecnológicas. Para interpretar as estruturas polí-
ticas, sociais, econômicas, culturais, educacionais
parciais e as características de países desenvol-
vidos e subdesenvolvidos – como a América
Latina –, é preciso entender seu processo civili-
zacional e o impacto das revoluções tecnológicas.
Isso também indica que não se pode compre-
ender o desenvolvimento de universidades da
América Latina nos séculos XIX e XX sem inter-
pretar essas instituições de ensino superior no
processo de civilização, além de sua posição em
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


200

A evolução sociocultural, concebida como


sucessão de processos gerais da civilização, pos-
sui caráter progressivo, evidente no movimento
que levou o homem da condição tribal aos con-
textos macrossociais nacionais modernos. Os
processos civilizatórios gerais que o compõem
também são movimentos evolutivos por meio
dos quais novas formações socioculturais são
configuradas. Nesses processos, Darcy Ribeiro
destacou a presença de povos desenvolvidos e
subdesenvolvidos do mundo moderno.
Essas ideias o levaram a refletir sobre a cul-
tura latino-americana, atrasada no processo de
civilização mundial e dependente dos países
com maior desenvolvimento econômico e cul-
tural, em sua órbita neocolonial.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


201

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, tivemos uma diversidade


de temas relacionados às Ciências Sociais,
especificamente. Num primeiro momento,
aventuramo-nos em conhecer os conceitos dos
principais autores da Sociologia. Em Augusto
Comte, vimos a busca incessante por transfor-
mar o estudo da sociedade em algo altamente
científico. Para ele, somente os resultados advin-
dos dos métodos científicos seriam válidos. Foi
um grande passo na busca por explicações que
fugiam das habituais superstições da época,
transformando o estudo das dinâmicas sociais
numa sólida disciplina acadêmica.
Por meio de Marx, Weber e Durkheim – os
grandes clássicos da Sociologia –, verificamos
ideias, conceitos, visões sobre o trabalho, as
relações sociais e o que eles compreendiam dos
processos que estavam sendo desenvolvidos em
suas épocas. Marx, feroz crítico do sistema capi-
talista, analisou a história da humanidade como
uma eterna luta de classes. Os antagonismos,
segundo ele, explicam os acontecimentos histó-
ricos até os seus dias. Weber postulou, por meio
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
202

de sua obra A Ética Protestante e o Espírito do


Capitalismo, publicado em 1905, a ideia de que
os pressupostos e a doutrina protestante fizeram
emergir o capitalismo tal qual se instaurou. Em
Durkheim, quando estudou acerca da anomia
social, foi um dos primeiros autores que tratou
o suicídio como um fenômeno social. Segundo
ele, a desesperança com o mundo, proporcio-
nada pela sociedade, faz com que as pessoas
deem fim à própria vida.
Na Ciência Política, abordamos quatro ideias
essenciais para essa disciplina e para nós mes-
mos nos dias atuais: poder, Estado, democracia
e cidadania. Compreender esses conceitos, suas
origens e as consequências que trazem para a
nossa sociedade, faz-nos pensar que vale à pena
escrever e estudar esses assuntos, pois são vitais
para nossa vida em sociedade.
Na área da Antropologia, estudamos a forma
como a cultura se tornou, ao longo dos anos,
um objeto de consumo para a sociedade de
massas. Vimos, também, como é importante
analisar a cultura de outros povos de acordo
com o relativismo cultural, para não nos tor-
narmos etnocêntricos.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
1. Para Émile Durkheim, os fatos sociais cons-
tituem modos de ação e representação
amplamente estendidos dentro de uma
sociedade específica, compartilhados pela
maioria de seus membros. De acordo com
o que estudamos nesta unidade, explique o
que é fato social para Durkheim.
2. O materialismo histórico vê, no desenvolvi-
mento dos modos de produção de bens ma-
teriais necessários à existência do homem,
a principal força que determina toda a sua
vida social, condicionando também a tran-
sição de um regime social para outro. Sem
produzir bens materiais, nenhuma socieda-
de pode existir. A partir desse pensamento,
o que é materialismo histórico, de acordo
com a definição de Karl Marx?
3. O pensamento de Max Weber exerceu influ-
ência extraordinária em nosso tempo, influ-
ência esta que abrange o amplo território das
Ciências Sociais e também se estende aos do-
mínios da Filosofia. Seu trabalho sociológico
monumental responde à tentativa de superar
o desencantamento do mundo e encontrar
uma saída para a irracionalidade ética que o
autor diagnosticou. Por que, segundo Weber,
a modernidade trouxe para o ser humano a
ideia de desencantamento do mundo?
4. A diluição de fronteiras, a perda da sobera-
nia, a crise do Estado nacional, o surgimen-
to de novos movimentos sociais, cidadãos,
formas de cidadania e identidades e novos
atores no cenário internacional (regiões de
países, nações sem Estado) fazem parte do
contexto fluido e mutável que caracteriza
a Política nas primeiras décadas do século
XXI. Conforme o que estudamos nesta uni-
dade, você acredita que a busca pela cida-
dania se dá de forma natural? Explique.
5. Nas situações em que surgem conflitos en-
tre culturas, as crenças etnocêntricas de
superioridade geralmente estão ligadas a
sentimentos de desconfiança e medo, bem
como a ações destinadas a limitar o contato
com membros do outro grupo e a exercer
discriminação. Em meio a conflitos culturais
violentos, o etnocentrismo é acompanhado
por xenofobia, discriminação, preconceito,
separação física de grupos e presença recor-
rente de estereótipos negativos em relação
ao outro. Assim, elabore um texto dissertati-
vo no qual conceitue o que é etnocentrismo.
Infraestrutura e superestrutura em Marx
Há diversos conceitos importantes para a com-
preensão de todo o pensamento de Karl Marx.
Destacaremos, neste pequeno texto, dois de-
les: infraestrutura e superestrutura.
Ao dedicar-se a compreender a organização
da sociedade capitalista e sua estrutura social,
Marx percebeu que a sociedade poderia ser di-
vidida em infraestrutura e superestrutura. Para
ele, a infraestrutura se trata das forças de pro-
dução, compostas pelo conjunto formado pela
matéria-prima, pelos meios de produção e pe-
los próprios trabalhadores (as relações de pro-
dução se dão em: empregados-empregados,
patrões-empregados). Trata-se da base eco-
nômica da sociedade em que se dão, segun-
do Marx, as relações de trabalho – as marcadas
pela exploração da força de trabalho no interior
do processo de acumulação capitalista. A su-
perestrutura é fruto de estratégias dos grupos
dominantes para a consolidação e perpetua-
ção de seu domínio. Trata-se da estrutura jurí-
dico-política e da estrutura ideológica (Estado,
religião, arte, meios de comunicação etc.).
Para a consolidação e perpetuação da domi-
nação das classes dominantes, são utilizadas
estratégias que demandam ora uso da força,
ora da ideologia (MARX, 1993). Um exemplo
de um instrumento de uso da força é o Estado,
o qual possui o uso da força legitimado pela
ideologia. Para Marx, o Estado está sempre à
serviço da classe dominante, buscando man-
ter o status quo.
Ideologia
A ideologia é a tática de tornar certas ideias
verdadeiras e aceitas pela sociedade, sendo
elas criada pela classe dominante de acordo
com seus interesses. Como dizia Marx,
As ideias da classe dominante são, em cada
época, as ideias dominantes; isto é, a classe
que é a força material dominante da socie-
dade é, ao mesmo tempo, sua força espiritu-
al dominante. A classe que tem à sua dispo-
sição os meios de produção material dispõe
também dos meios de produção espiritual,
de modo que a ela estão submetidos apro-
ximadamente ao mesmo tempo os pensa-
mentos daqueles aos quais faltam os meios
de produção espiritual. As ideias dominan-
tes nada mais são que a expressão ideal das
relações materiais dominantes, são as re-
lações materiais dominantes apreendidas
como ideias; portanto, são a expressão das
relações que fazem de uma classe a classe
dominante, são as ideias de sua dominação
(MARX, 1993, p. 72).
Ideologia e estrutura social
O uso da força, muitas vezes, deve ser justifica-
do por ideias coletivamente aceitas. Por esse
motivo, a classe dominante busca produzir e
disseminar ideias que legitimem as ações do
Estado em prol de seus interesses. Da mesma
forma, a ideologia cumpriria o papel de justi-
ficar as relações de trabalho e a existência das
desigualdades sociais, bem como da explora-
ção do homem sobre o homem.
Para Karl Marx,
É evidente que eles o fazem em toda a sua ex-
tensão, portanto, entre outras coisas, que eles
dominam também como pensadores, como
produtores de ideias, que regulam a produ-
ção e distribuição das ideias de seu tempo; e,
por conseguinte, que suas ideias são as ideias
dominantes da época (MARX, 1993, p. 72).
Nesse sentido, a superestrutura seria responsá-
vel pela manutenção das relações sociais exis-
tentes na infraestrutura e esta possibilita a sua
existência, pois toda a riqueza necessária para
manter a superestrutura seria, segundo Marx,
produzida na infraestrutura por meio das nas
relações de produção e de troca.

Fonte: adaptado de Bodart (2019, on-line)².


MATERIAL
COMPLEMENTAR

Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e


Weber
Tania Quintaneiro
Editora: UFMG.
Sinopse: Uma excelente síntese das ideias dos três
principais autores da sociologia, com linguagem
fácil e acessível, mas profunda e direta.

Os Clássicos da Política
Francisco W. Weffort
Editora: Ática.
Sinopse: Para aqueles que desejam conhecer os
textos fundamentais da Ciência Política selecionados
por professores da Universidade de São Paulo, esse
livro é uma introdução com as principais teorias
dos autores clássicos da Ciência Política.

Um conceito Antropológico
Roque de Barros Laraia
Editora: Zahar.
Sinopse: Esse livro tem uma linguagem clara
e didática. Além disso, aborda o conceito de
cultura por um viés antropológico, que acredito
ser o mais profundo em suas análises.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

House of Cards
Ano: 2013.
Sinopse: O congressista Francis Underwood e
sua mulher, Claire, fazem de tudo para conquistar
seus objetivos, não importa o que aconteça. Um
mundo político recheado de ganância, corrupção
e luxúria na capital Washington.
Comentário: Série que explicita as relações dos
bastidores do poder nos Estados Unidos. Vale a
pena assistir.

Palestra realizada pelo historiador Leandro


Karnal no teatro Carlos Urbim na 62ª Feira do
Livro de Porto Alegre, em 8 de novembro de
2016, com o tema: por que os cursos de Filosofia
e Sociologia incomodam?
https://www.youtube.com/watch?v=ssZheBX1CFc
Professora
Esp. Pablo Araya Santander

III
UNIDADE III

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS

UNIDADE
DAS CIÊNCIAS HUMANAS –
FILOSOFIA E HISTÓRIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

■ Conhecer as principais escolas e


conceitos das Ciências Humanas
– Filosofia
■ Compreender a Filosofia
Contemporânea
■ Entender as principais escolas e
conceitos das Ciências Humanas –
História (Idade Média, Idade Moderna
e Idade Contemporânea).
Professora
Esp. Pablo Araya Santander

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS

III
UNIDADE
DAS CIÊNCIAS HUMANAS –
FILOSOFIA E HISTÓRIA

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentam-se os tópicos que


você estudará nesta unidade:
■ Principais escolas e conceitos das
Ciências Humanas – Filosofia
■ Filosofia Contemporânea
■ Principais escolas e conceitos das
Ciências Humanas – História (Idade
Média, Idade Moderna e Idade
Contemporânea).
214

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), na unidade passada, estuda-


mos as três principais disciplinas das Ciências
Sociais: Sociologia, Antropologia e Ciência
Política. Nesta unidade, iremos aprofundar-
-nos um pouco mais acerca dos temas que
introduzimos na Unidade 1, contudo, iremos
limitar-nos a abordar alguns temas relaciona-
dos a duas disciplinas das Ciências Humanas:
Filosofia e História. Saliento que os temas pro-
postos serão estudados com duas intenções:
conduzi-lo(a) para que tenha conhecimento
de acordo com uma abordagem simples, intro-
dutória e de visão panorâmica sobre as duas
disciplinas. Não tenho a pretensão de ter aqui
um aprofundamento dos temas, em virtude da
sua enorme complexidade e extensão.
No estudo da Filosofia, você terá, num pri-
meiro momento, a compreensão da passagem
do mito à Filosofia. Como você verá, o desejo
dos primeiros filósofos era a busca por uma
verdade absoluta sobre os fenômenos que acon-
teciam à sua volta. Os mitos já não davam mais
as respostas que eles buscavam. Era preciso
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
215

mais do que isso. Posteriormente, discutire-


mos o período inicial da história da Filosofia
com os filósofos pré-socráticos, passando por
Sócrates, Platão e Aristóteles. A base de toda a
Filosofia se molda nesse início do pensamento
humano. Nas Filosofias Patrística e Escolástica,
encontramos a fusão de conceitos da doutrina
cristã com a influência dos pensadores filosó-
ficos. A Patrística é conhecida como o período
dos Pais da Igreja, que são primeiros cristãos
responsáveis por elaborar, de forma organizada
e sistematizada, as doutrinas do cristianismo.
Com isso, constrói-se uma espécie de Filosofia
da religião cristã. Após um grande salto, vere-
mos, na Filosofia Moderna, a ciência do método
em René Descartes, grande intelectual dessa
época, que atuou nas mais diversas áreas do
conhecimento. No idealismo alemão, veremos
a teoria dialética de Hegel (tese, antítese e sín-
tese), utilizada até os dias de hoje, inclusive em
teses e dissertações acadêmicas.
Na disciplina de História, você conhecerá os
principais acontecimentos e características his-
tóricas da Idade Média, da Idade Moderna e da
nossa Idade Contemporânea.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
216

Aula 1
PRINCIPAIS ESCOLAS E
CONCEITOS DAS CIÊNCIAS
HUMANAS – FILOSOFIA
Do mito à Filosofia: na Unidade 1, abordamos
as origens da Filosofia e o que seria o pensar ou
o refletir filosófico. Agora, partiremos para a dis-
cussão sobre o seu surgimento, em que pese a
seguinte questão: a Filosofia teria nascido pela
transformação e pelo amadurecimento dos rela-
tos míticos ou devido à sua ruptura com os mitos?

Figura 1 - A Queda de Faetonte (1604), de Peter Paul Rubens


PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
217

Definir uma data de início para a Filosofia é


tão complicado quanto definir uma idade para
o universo. Historicamente, o nascimento da
Filosofia foi proposto por volta do século VI
a.C., em Jônia, nas costas da Ásia Menor.
Quando o homem primitivo começou a per-
guntar-se sobre tudo o que encontrava ao seu
redor, ele concentrou sua atenção em fenômenos
naturais, como a chuva, o trovão, o terremoto
e o nascimento de um ser vivo. Observe algu-
mas perguntas que poderiam ter surgido nessa
época: qual força move os ventos? Por que chove?
Quem produz terremotos? Quem criou o céu,
os animais e as plantas?
Em muitos povos antigos, essas questões foram
respondidas a partir de explicações que ligavam
os seres sobrenaturais às mudanças ocorridas
na natureza ou na vida dos homens. Essa foi a
primeira tentativa de interpretação do mundo
e dos seus fenômenos. O próprio homem acre-
ditava que sua fortuna ou seu infortúnio eram
frutos de uma intervenção divina. A essas pri-
meiras explicações chamamos de mitos.
O mito é uma narrativa sobre a origem das coisas,
do homem ou do universo. Algumas características
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
218

sobre esse fenômeno são: utilização de alegorias que


traduzem as relações existentes no universo ou na
vida; tem como protagonistas divindades que influen-
ciam o movimento do universo ou a vida dos homens;
é uma maneira de representação do universo. Tem,
por finalidade, explicar a realidade e a origem do uni-
verso, do homem, da ordem da sociedade, dos ideais
éticos e morais ou do comportamento que os homens
devem ter para alcançar a grandeza. A narração é base-
ada na imaginação, na poesia e na religião para dar
explicações e propósitos para a existência. Eles são
classificados em mito teogônico (histórias sobre a ori-
gem dos deuses) e mito cosmológico (histórias sobre
o nascimento do mundo e do universo, do cosmos).

Figura 2 - Hércules e a morte da Hydra


PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
219

A Filosofia nasce, portanto, da necessidade de


o ser humano obter respostas mais racionais
sobre as questões da vida e o mito começa a não
mais satisfazer as inquietudes do homem. Foi
necessário um longo tempo de maturação para
chegar a conclusões convincentes e precisas.
Em primeiro lugar, ao observar um fenômeno
natural, o homem elaborou questões sobre quem
ou o que o produz. Não tendo os recursos sufi-
cientes para uma investigação profunda sobre
as causas do fenômeno, começou a inventar a
possibilidade de intervenção de seres sobrenatu-
rais com poder suficiente para mover os ventos,
a terra ou dar vida aos seres existentes.
Muitos desses seres imaginários são repre-
sentados com formas e qualidades humanas.
Assim, em vários mitos, há personalidades
responsáveis pela guerra, pelas colheitas ou
pelos prazeres, como o vinho ou a criação do
homem e do universo.
Diante disso, os mitos proporcionavam
certa segurança à vida dos homens, uma vez
que davam respostas à vida prática no tra-
balho, à vida moral, à organização social, à
guerra e ao destino:
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
220

“primitivas”, o mito se constitui um dis-


curso de tal força que se entende por to-
das as dependências da realidade vivida;
não se restringe apenas ao âmbito do sa-
grado (ou seja, da relação entre a pessoa e
o divino), mas permeia todos os campos
da atividade humana. Por isso, os mode-
los de construção mítica do real são de
natureza sobrenatural, isto é, recorre-se
aos deuses para compreender a origem e
a natureza dos fatos (ARANHA; MAR-
TINS, 2004, p. 72).

Além disso, o mito serviu para personificar


e deificar as forças naturais. Também expli-
cava os fenômenos naturais e sociais como
desejo de vontade divina, que age na vida e
na natureza humana.
Conforme o ser humano passou a compre-
ender o ciclo das estações e o movimento das
estrelas, as explicações míticas começaram a
ser insuficientes. Por essa razão, outro tipo de
interpretação com explicação racional que res-
pondesse às mesmas perguntas era necessário.
Os gregos, direcionados pela curiosidade, não
se contentavam com as explicações míticas, por
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
221

isso, foi-lhes dada a tarefa de procurar um prin-


cípio que desse alicerces a todas as coisas. Tal
princípio foi denominado logos, a explicação
que não se baseava em suposições sobrenatu-
rais, mas em explicações racionais, alicerçadas
em argumentos que fundavam o pensamento
filosófico. Assim, a Filosofia se fez necessária
para entender o princípio que move o mundo
de um ponto de vista lógico.

É possível ainda falarmos em mitos contem-


porâneos?

A filosofia inicia quando os elementos míticos


são substituídos por elementos racionais, lógicos
ou naturais nas explicações. Mitos não podem
mais ser fontes de conhecimento, porque cada
povo tem os seus e todos são passíveis de crítica.
A ideia de necessidade substitui a arbitrariedade
imposta pelo capricho dos deuses, descobrin-
do-se a constância de certas leis.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
222

PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO OU
COSMOLÓGICO

O primeiro período da Filosofia grega é tam-


bém chamado de período cosmológico, porque
se preocupa com a reflexão sobre a natureza e
suas mudanças. Além disso, os filósofos dessa
época estavam preocupados com a origem de
todas as coisas (arkhé, arché).
Os pré-socráticos tentam explicar a realidade
existente a partir de algo (princípio, arché) que
está “dentro das coisas”. Nessa busca, eles não
se libertaram completamente dos elementos
míticos. Aos poucos, a explicação mítica foi
abandonada, substituindo-a por pela raciona-
lidade, embora não seja feita imediatamente.
Atendendo a essa busca, os filósofos pré-socráti-
cos podem ser classificados em: monistas – para
os quais há apenas um princípio que explica
todas as coisas – e pluralistas – que acreditam
na diversidade de princípios.
Tales de Mileto (585 a.C.) é considerado, de
acordo com a tradição, o primeiro filósofo da his-
tória. Também é tido como um dos sete sábios da
Grécia por prever um eclipse que pôs fim à guerra
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
223

entre os lídios e medas (28 de maio de 585 a.C.).


Enquanto empresário, mostrou como ficar rico
ao negociar azeitonas
para demonstrar que
não estava interessado
apenas no dinheiro.
Enquanto matemático,
criou o famoso teorema
de Tales. Também foi
astrônomo e, por fim,
filósofo. Todavia, seu
pensamento ainda man-
tinha elementos míticos. Figura 3 - Tales de Mileto

Heráclito de Éfeso (500 aC)


afirmou que o universo está
em contínua evolução, em
incessante transformação,
em movimento contínuo
– “tudo flui”. A autoria da
famosa frase “você não pode
se banhar duas vezes no
mesmo rio” é atribuída a ele.
Tal evolução ou mudança,
Figura 4 - Heráclito contudo, não é irracional
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
224

ou caótica, mas feita de acordo com uma lei ou


um logos interno. A lei que governa o universo
é a luta dos opostos (dia-noite, inverno-verão,
guerra-paz, saciedade-fome). A ordem e a har-
monia do universo vêm dessa contradição, da
luta dos opostos. O cosmos não fez nenhum dos
deuses ou dos homens, mas foi, é, e sempre será,
o fogo vivo. O fogo é o princípio material, causa
de movimento e mudança. Heráclito, o criador
da dialética, afirmou que a natureza obedece ao
princípio dialético, uma evolução contínua de
acordo com uma lei que lhe dá ordens.
A Filosofia de Parmênides de Eleia está estri-
tamente relacionada ao pensamento de Heráclito,
porque é a manifestação de
sua reação contra ela. Para
Parmênides, o ser é único,
eterno, ilimitado, imutável
e imóvel. Em sua visão, a
mudança não é possível e
a existência é eterna.
Além dos filósofos men-
cionados, outros mais foram
muito importantes nesse Figura 5 - Sócrates
período: Anaximandro (469-399)
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
225

de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Pitágoras


de Samos (teorema de Pitágoras), Xenófones
de Colofão, Zenão de Eleia, Melisso de Samos,
Empédocles de Agrimento, Filolau de Crotona,
Arquitas de Tarento, Anaxágoras de Clazomenas,
Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera.
Acadêmicos e filósofos concordam que a figura
de Sócrates e, consequentemente, todo o seu
pensamento, pode não ter sido inteiramente seu.
Sócrates nunca incorporou sua filosofia em um
texto e a única coisa escrita sobre ele é produto
dos seus seguidores, como Platão e Xenofonte.
Muitos pensadores ousam dizer que Platão
chegou a colocar em Sócrates os seus próprios
pensamentos, especialmente nos últimos livros
que escreveu. Por isso, é muito difícil discer-
nir entre o que seus discípulos pensaram e o
que Sócrates realmente defendeu e acreditou.
Portanto, não há escolha a não ser tomá-la
como verdadeira, sempre tendo em mente que,
se surgir alguma contradição, é provável que
ela tenha vindo daqueles que escreveram sobre
ele e não do próprio Sócrates.
O círculo aristocrático agrupado em torno de
Sócrates era o centro da luta ideológica e política
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
226

contra a democracia em Atenas. Faziam parte


desse círculo: Platão, Crítias (que, após a der-
rota da democracia, liderou os trinta tiranos de
Atenas), os traidores Alcibíades e Xenofonte.
Pouco depois da vitória da reação, o poder
democrático foi restaurado e Sócrates foi con-
denado à morte por sua atividade antipopular.

Figura 6 - A Morte de Sócrates, de Jacques Louis


David (1787)

O princípio filosófico essencial de Sócrates


era seu método dialético. Sócrates estudou
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
227

profundamente temas relacionados à cosmolo-


gia e outras variantes que o ajudariam a entender
o universo e o mundo em que vivemos. No
entanto, sua decepção em relação ao método
científico aplicado nas ciências naturais, jun-
tamente com a grande rejeição às perspectivas
relativistas que os sofistas ensinavam na época,
fizeram-no decidir por procurar o caminho para
alcançar as definições universais.
Para Sócrates, as principais definições não eram
questão relativa, então ele gerou um método
indutivo por meio do qual se poderia chegar ao
verdadeiro conhecimento do mundo e de seus
elementos. Segundo ele, a verdade era a mesma,
independentemente do lugar ou do indivíduo.
Dessa forma, ele começou a aplicar o que seria
chamado de método socrático. Com isso, Sócrates
pretendia dialogar com amigos e conhecidos,
sempre objetivando uma definição universal.
O método indutivo consistia em duas partes:
a ironia, por meio da qual o homem percebe
sua própria ignorância das coisas, e a maiêutica
(parto das ideias), caracterizada por perguntas
e respostas cada vez mais específicas, até alcan-
çar um conhecimento particular.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
228

Para Sócrates, era extremamente importante


que o indivíduo reconhecesse sua própria igno-
rância, pois sem esse passo não haveria espaço
para a verdade. Depois que a pessoa com quem
ele dialogava aceitasse seu desconhecimento
sobre um assunto, Sócrates se empenhava em
fazer perguntas que seu parceiro respondesse
por conta própria, cada vez mais aprofundadas
sobre o tópico em questão.
Sócrates usou esse método dialético pelo resto
de sua vida. Isso é evidente em quase todos os
livros de Platão, que apresentam seu profes-
sor em conversas com diferentes personagens
sobre diversos temas que buscava definir. Ele
mantinha e divulgava a necessidade de os seres
humanos “cuidarem de suas almas” em detri-
mento das prioridades da época, que incluíam
preocupar-se com uma carreira, a família ou
mesmo uma jornada política na cidade.
O filósofo conseguiu espalhar seu conheci-
mento entre amigos próximos, com a intenção
de estimular suas próprias buscas por virtude e
sabedoria. Da mesma forma, ele acreditava que a
verdadeira felicidade vinha do fato de ser moral-
mente correto, isto é, que somente o homem
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
229

moral poderia realmente viver uma vida feliz.


Defendia, além disso, a ideia de que havia uma
natureza humana universal, com valores igual-
mente universais, que todo homem poderia usar
como guia para agir moralmente no cotidiano.

POLÍTICA

Para Sócrates, as ideias e as verdadeiras essên-


cias das coisas pertencem a um mundo que só
o homem sábio pode alcançar. Por isso, man-
teve firmemente uma posição, segundo a qual
o filósofo era o único homem apto a governar.
Se Sócrates concordou ou não com a demo-
cracia é uma questão controversa. Embora seja
muito claro que Platão criticou essa forma de
governo, não é certo que Sócrates diria o mesmo.
É bem possível que muitas das frases e sentenças
de Sócrates sobre a democracia foram apenas o
produto criativo de Platão.
Platão é reconhecido como uma das figuras
mais importantes da Filosofia ocidental e, até
mesmo, práticas religiosas devem muito ao seu
pensamento. Ele foi o fundador da Academia, o
primeiro instituto de ensino superior da época.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
230

Algumas das suas contri-


buições mais importantes à
filosofia foram: a teoria das
ideias, a dialética, a anam-
nese ou a busca metódica
pelo conhecimento.
Aluno de Sócrates e,
por sua vez, professor
de Aristóteles, que era
seu aluno mais proemi-
Figura 7 - Platão
nente na Academia, Platão (428-347 a.C.)
expressou seus pensamen-
tos na forma de diálogos, ao utilizar elementos
dramáticos que facilitaram a leitura e a compre-
ensão de suas ideias, recriando e exemplificando
situações tratadas com bastante efetividade.
Tal qual Sócrates, ele estabeleceu as bases da
Filosofia, da política e das ciências ocidentais.
Foi considerado um dos primeiros pensado-
res que conseguiu conceber e explorar todo o
potencial da Filosofia enquanto prática, ao ana-
lisar temas dos pontos de vista ético, político,
epistemológico e metafísico.
A educação de Platão era ampla e pro-
funda. Diz-se que ele foi instruído por vários
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
231

personagens nobres de seu tempo. No ano de 407


a.C., quando tinha 20 anos, conheceu Sócrates.
Esse encontro foi absolutamente decisivo, já que
este se tornou seu professor. Naquela época,
Sócrates tinha 63 anos e os ensinamentos foram
estendidos por oito anos, até a sua morte.
O pensamento de Platão foi muito influen-
ciado pela Filosofia pitagórica, desde os seus
primórdios. Para ele, era a alma e não o corpo a
verdadeira essência do ser. De fato, o corpo era
um obstáculo na busca da verdade e na ampla
expressão do ser em seu aspecto mais essencial.
Acreditava que a alma vinha de uma dimensão
superior, na qual estaria em contato com a ver-
dade. Em algum momento, a alma se rendeu
aos prazeres baixos ou inferiores e, como con-
sequência, foi forçada a reduzir-se ao mundo
conhecido, tornando-se aprisionada no corpo.
Uma das noções desenvolvidas por Platão foi
chamada de teoria das três partes da alma. Essas
partes eram a alma concupiscente, a alma iras-
cível e a alma racional. Platão considerou que
esses elementos eram as faculdades da alma.
A alma irascível estava ligada à capacidade
de ordenar os outros, assim como à força de
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
232

vontade. Relacionava-se à força e ao ímpeto


e, ao mesmo tempo, com ambição e raiva. A
alma racional era aquela que Platão conside-
rava a faculdade superior entre todas as outras.
Relacionava-se à inteligência e à sabedoria e,
segundo Platão, eram os filósofos quem possu-
íam essa faculdade mais desenvolvida. A alma
concupiscente, por sua vez, era a mais inferior
de todas as outras e estava ligada ao impulso
natural de evitar a dor, assim como pela busca
do prazer. Platão indicou que este elemento
promoveu o gosto por bens de natureza mate-
rial, o que dificultou a busca da verdade e a
essência das coisas

MITO DA CAVERNA

Esta é a alegoria que


melhor explica ou
concebe a dualidade
que Platão expôs.
Segundo o mito da
caverna, existe uma
área ligada a ideias
ininteligíveis, e há Figura 8 - Mito da caverna
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
233

outra claramente associada ao mundo senso-


rial, que nós experimentamos. Uma vida dentro
de uma caverna corresponde a um mundo sen-
sorial, assim como a vida fora da caverna está
relacionada ao mundo.
Para Platão, viver dentro da caverna implica
em viver na escuridão e na submissão absoluta
aos prazeres mundanos. Sair da caverna é uma
representação de deixar para trás a busca pelos
prazeres para ir em busca do conhecimento.
Quanto mais nos aproximamos do conheci-
mento, mais nos distanciamos da caverna e mais
perto estamos da verdade.

ARISTÓTELES (384­322 A.C.)

Aristóteles elaborou um dos mais profundos e


completos sistemas filosóficos da Filosofia antiga.
Seu pensamento se estendeu a diversas áreas do
conhecimento: Lógica, Física, Biologia, Psicologia,
Metafísica, Ética, Política, Sociologia e Estética.
Embora tenha começado como discípulo de
Platão, logo rompeu com ele e construiu seu
próprio sistema, que teve grande influência
na Filosofia posterior, tanto no mundo árabe
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
234

quanto no mundo cristão. Nesse sentido, a par-


tir do século XIII, graças ao trabalho de Tomás
de Aquino, o pensamento aristotélico domi-
nou o pensamento ocidental, tanto o filosófico
quanto o científico, até que, no século XVII,
Galileu de um lado e Descartes de outro desen-
volveram uma nova ciência (a física moderna)
e uma nova filosofia (o racionalismo).
Aristóteles negou a existência do mundo das
ideias. Para ele, estas não são encontradas em
um mundo separado, mas nas próprias singu-
laridades e concretudes, de onde as obtemos
por meio da abstração.
Em nosso mundo, há uma multidão de seres que,
de acordo com sua natureza ou modo de ser, per-
tencem a diferentes gêneros e espécies. Entretanto,
os seres pertencentes à mesma espécie possuem a
mesma essência. Para Aristóteles, esta é o que torna
as coisas o que são. Assim, a essência do cachorro,
por exemplo, é o que faz com que o cachorro seja
cachorro. No mundo, há muitas raças de cachorro e
há também o cachorro do meu vizinho, os cachor-
ros da polícia etc. Todos eles são seres individuais
e concretos, mas, ao mesmo tempo, compartilham
algo em comum – a essência de cachorro.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
235

CONHECIMENTO

Aristóteles também negou a existência das almas


e do conhecimento inato. Segundo ele, o enten-
dimento humano é como um papel em branco,
sem qualquer conteúdo cognitivo. Entretanto,
o conhecimento é adquirido por meio dos sen-
tidos. Ele distinguiu nos seres humanos dois
tipos de faculdades: as faculdades sensíveis e as
faculdades intelectuais.
As sensíveis são compostas dos sentidos exter-
nos: visão, audição, olfato, paladar e tato e os
sentidos internos: senso comum, memória e
imaginação. As intelectuais são constituídas pela
compreensão do agente e pelo entendimento
do paciente. Entendimento do agente é aquele
que realiza a abstração das essências, enquanto
o paciente é quem as recebe.
Para Aristóteles, os sentidos identificam as
singularidades e concretudes por meio da sen-
sação, enquanto o entendimento identifica as
essências universais por meio das ideias. A este
respeito, o conhecimento humano autêntico é
o conhecimento intelectual.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


236

ÉTICA

Tal qual o restante de sua Filosofia, a ética aris-


totélica é puramente teleológica. De acordo
com os princípios filosóficos, partiu da própria
natureza humana. De lá, o filósofo observou
que todos os seres humanos, por natureza
(physis), estão propícios à felicidade. O pro-
blema surge ao determinar em que consiste
tal estado, pois, para alguns, a felicidade está
nos negócios, para outros, em riquezas ou
honras etc. Como descobrir qual é a verda-
deira felicidade do ser humano?

Teleologia: ciência que se pauta no conceito de


finalidade (causas finais) como essencial na sis-
tematização das alterações da realidade, ao ha-
ver uma causa fundamental que rege, por meio
de metas, propósitos e objetivos, a humanidade,
a natureza, seus seres e fenômenos.
Fonte: adaptado de Dicio ([2019], on-line)4.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


237

De acordo com Aristóteles, a felicidade do ser


humano tem relação intrínseca com o bem pró-
prio e exclusivo do ser humano. Em que consiste
o bem? Ao responder a essa pergunta, devemos
prestar atenção às características da natureza
humana. O bem próprio do ser humano tem rela-
ção essencial com a natureza. Aristóteles concluiu
que o bem próprio e a felicidade autêntica dos
seres humanos dependem do correto exercício
das referidas faculdades sensíveis e intelectuais.

FILOSOFIA PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA

Filosofia Patrística: a patrística é conhecida com


um período do pensamento filosófico cristão
ocorrido do século II ao VII d.C. Falamos, neste
momento, dos chamados Pais da Igreja, aqueles
cuja tarefa fundamental era escrever obras que
expusessem a doutrina cristã. Eles são os verda-
deiros iniciadores da filosofia cristã, ao mesmo
tempo em que desenvolveram a estrutura ecle-
sial da fé baseada no cristianismo. Normalmente,
dois grupos são distinguidos de acordo com a
linguagem usada para escrever seus trabalhos,

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


238

embora a diferença entre eles ultrapasse a mera


linguagem. Esses grupos são:
1. Pais gregos: aqueles autores que, usando o
grego como língua e conceitos da Filosofia
grega, construíram a estrutura do que seria
a filosofia e a teologia cristãs. Eles se basea-
ram no pensamento platônico e a influência
dos gregos deu caráter especulativo aos seus
escritos, o que marcou o pensamento cristão.
2. Pais latinos: são os autores que escreve-
ram em latim e, a partir da cultura romana,
contribuíram para a formação do pensa-
mento cristão. Isso se tornou importante em
meados do terceiro século, quando o latim
suplantou o grego como língua litúrgica ofi-
cial da comunidade cristã no Ocidente. Os
conteúdos metafísicos que aparecem em
seus escritos se devem à influência da cul-
tura grega, especificamente o platonismo,
que já estava presente nas primeiras formu-
lações do pensamento cristão.

A tarefa que a patrística realizou foi a de iniciar a


construção de um pensamento cristão a partir do
pagão. Essa tarefa começou em Alexandria, com
a criação da escola catequética cristã Didascalion
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
239

(Didascalium ou Didaskaleion). Ali, apareceram


as correntes platônicas, estoicas e filonianas, que
criaram as condições para o desenvolvimento
posterior do pensamento cristão. Pode-se dizer
que, entre os Pais da Igreja, houve uma ava-
liação positiva sobre a Filosofia como ciência,
pois passaram a considerá-la capaz de ajudar a
entender melhor a fé. Isso fez com que surgis-
sem conceitos cristãos a partir da terminologia
grega. Assim, os conceitos retirados dos gre-
gos assumiram novo significado na estrutura
da Filosofia cristã.

SANTO AGOSTINHO

Santo Agostinho, bispo


de Hipona, é considerado
o grande mestre da Idade
Média. Ele elaborou o pri-
meiro sistema completo
do pensamento cristão,
que nasceu como resultado
das controvérsias que sur-
giram ao tentar definir a Figura 9 - Santo
verdadeira doutrina cristã. Agostinho
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
240

Começou essa tarefa depois da sua conversão, em


386 d.C. Em um esforço incessante para esclare-
cer o significado correto dos conceitos cristãos,
Santo Agostinho determinou a terminologia da
Filosofia cristã predominante até o século XIII.

Acesse o QR Code e co-


nheça um pouco mais
sobre quem foi Santo
Agostinho.

Ele combateu as ideias de três movimentos: o


maniqueísmo, que admitia a existência de dois
princípios originais no mundo em luta perma-
nente, Ormuz (leve, bom) e Ariman (escuro,
mal), ambos presentes no homem por meio da
alma corpórea; o donatismo, que defendia a
separação total e absoluta da Igreja e do Estado.
De acordo com ele, os sacerdotes que colabo-
raram com o Estado perderam sua pureza e
não poderiam administrar os sacramentos; e,
por último, o pelagianismo, que assumia que
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
241

o homem poderia fazer o bem por si mesmo,


rejeitando, assim, o pecado original.
As ideias que Santo Agostinho elaborou como
resultado dessas controvérsias formam um sis-
tema filosófico que se tornou parte da doutrina
oficial da Igreja. Ele argumentou que a Filosofia
ajudaria a tornar a verdade cristã compreensí-
vel, seguindo o modelo neoplatônico tanto na
busca da verdade quanto na maneira de inter-
pretar o conhecimento.

LIVRE ARBÍTRIO

O homem nasce com uma vontade debilitada.


Essa vontade é entendida como livre arbítrio,
isto é, a capacidade de escolher livremente. Ela
se deteriora no homem quando este se inclina
mais a favor do mal do que do bem. Para
resolver esse problema, Santo Agostinho se
baseou em uma intervenção externa, derivada
da redenção, que prometia ajudar o homem
a recuperar o seu estado de equilíbrio e dar-
-lhe a possibilidade de tomar decisões. Seria
por meio da ajuda da graça que o livre-arbí-
trio se transformaria em liberdade.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
242

ESCATOLOGIA DA HISTÓRIA

A escatologia é a doutrina que trata daquilo


que acontecerá no fim do mundo e da huma-
nidade, a fim de explicar o destino do homem
como membro de uma coletividade. A escato-
logia patrística buscou encontrar o significado
da história humana, que deveria estar relacio-
nada à História Sagrada e à visão escatológica da
Bíblia. Ao levantar a história a partir dessa pers-
pectiva, foi iniciada muito mais uma Teologia
da História do que uma Filosofia de fato.
Em seu livro A Cidade de Deus, de 426 d.C.,
Santo Agostinho descreveu que a capacidade
humana de seguir ou não os ditames de Deus
torna possível falar da existência de duas cida-
des. Elas representam a comunidade de homens
que segue as ordens divinas e a que segue as suas
próprias ordens. A primeira é baseada no amor
de Deus e a segunda no amor próprio.
O ponto de partida é a luta permanente entre
duas tendências – uma positiva e outra negativa
–, enquanto há, no ser humano, uma luta cons-
tante entre as influências da carne e do espírito.
Santo Agostinho apresentou essa luta como a
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
243

batalha entre duas cidades: a cidade terrena (o


Estado) e a cidade celestial (a Igreja). A única
influência benéfica que Agostinho vê nessa dis-
puta é que ambas as cidades são governadas
por valores espirituais, que buscam interesses
divinos e não terrestres.
Daí, nasceu a ideia de que o Estado deve levar
todos até a cidade celestial, pois deve ser regido
por interesses espirituais. Essa foi a base da teo-
ria política chamada de cesaropapismo, na qual
a Igreja é a comunidade formada por cristãos
fiéis que buscam por Deus e por justiça, e que
o Estado deve submeter-se à Igreja. Essa teoria
serviu para justificar o predomínio temporal da
Igreja sobre o Estado.

ESCOLÁSTICA (SÉCULO XIII AO XV)

A palavra escolástica vem do latim schola, que


significa escola. No início, o termo foi usado para
designar o conhecimento cultivado nas escolas
medievais e ensinado sob a direção de um profes-
sor. Mais tarde, foi usado para designar o material
ensinado e o método de ensino usado nas esco-
las. Em seu significado etimológico, não expressa
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
244

nenhuma corrente de pensamento específico, mas


de que o ensino, na Idade Média, era praticado
em escolas monásticas, episcopais ou palatais.

ESCOLÁSTICA CRISTÃ

O escolasticismo cristão nada mais é do que


a especulação teológico-filosófica cultivada e
desenvolvida nas escolas e universidades medie-
vais. Todos os sistemas filosóficos cristãos foram
inspirados pelo aristotelismo e pelo agostinismo
neoplatônico, nascidos e desenvolvidos à sombra
da Teologia nas escolas medievais. Aos poucos,
alcançaram autonomia no desenvolvimento de
uma síntese doutrinária.
O século XIII é considerado o momento da
maturidade da Filosofia Escolástica. Caracteriza-se
por grandes sínteses doutrinais teológico-filosófi-
cas. Nesse período, destacaram-se Santo Alberto
Magno e São Tomás de Aquino.
São Tomás de Aquino começou a estudar
Aristóteles, o que o levou a concluir que a incom-
patibilidade entre a Filosofia aristotélica e a fé
cristã era falsa. Ele é o criador do sistema filo-
sófico cristão que mais influenciou a cultura do
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
245

Ocidente e um dos autores mais importantes no


ensino acadêmico da Igreja.
Ele foi abertamente a favor da autonomia da
razão naquilo lhe é própria. Afirmou a capa-
cidade do homem de
compreender o universo
e as suas leis, o que não
significa que há duas ver-
dades, mas apenas uma,
que pode ser trilhada
por caminhos diferentes.
Segundo ele, o objetivo
final de todo conhe-
cimento é Deus. Nós
chegamos a ele mediante
a revelação, mas também
pode ser conhecido por Figura 10 - São Tomás
meio da razão. de Aquino
Ele se preocupou com a sistematização e expo-
sição da doutrina cristã sobre Deus. Segundo
ele, a existência de Deus é o primeiro dado da
revelação, por isso, ele a tomou como ponto
de partida e foi essência de todo o seu sistema
teológico-filosófico.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


246

FILOSOFIA MODERNA

René Descartes é consi-


derado o pai da Filosofia
Moderna. Sua parti-
cipação foi ativa em
diversas áreas: Filosofia,
Física, Matemática e
Medicina. Suas teorias
dariam forma ao que
passou a ser conhecido
como “mecanicismo” e
sua obra O discurso do
método, publicado pela
primeira vez em 1637, Figura 11 - René
lançaria as bases da pes- Descartes
quisa científica moderna.
Descartes nasceu em 31 de março de 1596 em
Turena, França, em uma família pertencente à
baixa nobreza. A morte prematura de sua mãe fez
com que o jovem fizesse todas as espécies de per-
guntas sobre a vida. Com onze anos, entrou no
Collège Henri IV de La Flèche, uma escola jesuíta
em que ele se destacou especialmente graças aos

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


247

seus primeiros dons intelectuais e onde apren-


deu Física, Filosofia Escolástica e Matemática.
Com 18 anos, Descartes entrou na
Universidade de Poitiers, na qual estudou
Direito e Medicina. Depois de completar seus
estudos, mudou-se para a Holanda em 1618 e
se alistou como voluntário em vários exérci-
tos. Foi uma etapa em que demonstrou grande
interesse pela guerra, mas desistiu da vida mili-
tar e se dedicou a viajar pela Europa.
Utilizou a sua teoria da ciência do método
para aplicá-la a todas as ciências do universo,
o que fez com que a metafísica deixasse de
ser o fundamento necessário para entender
o que o rodeava, embora, para ele, Deus não
estivesse ausente.
Descartes também criou as leis da ótica geo-
métrica relacionadas à reflexão e à refração.
No campo da Matemática, criou a álgebra de
polinômios e, junto com Fermat, a geometria
analítica. Ele também enunciou e simplificou
as propriedades fundamentais das equações e
notações algébricas.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


248

EMPIRISMO INGLÊS

Desenvolveu-se na Inglaterra, do século XVI


ao XVIII, uma filosofia com preceitos clara-
mente definidos. Francis Bacon, David Hume,
George Berkeley, John Locke e mais uma série
de pensadores se opuseram, em certa medida, à
Filosofia de Descartes, que estudamos anterior-
mente. Foi também uma resposta histórica ao
racionalismo, como uma crítica aos conceitos
de sua metafísica e sua teoria do conhecimento,
além de refutar os conceitos metafísicos da
Filosofia Escolástica.
A Filosofia inglesa apresenta duas característi-
cas que a difere das anteriores: uma preocupação
menor com questões estritamente metafísicas
(buscando interação com a teoria do conhe-
cimento) e a Filosofia do Estado. Nasceu daí
o Espírito Iluminista, que tentou remover da
Filosofia seu desejo de transcendência e a busca
incessante pelo absoluto. Procurou-se um fun-
damento diferente, estritamente racional, que
não fosse essencialmente religioso e que ser-
visse de base para a nova concepção do mundo.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


249

Para construir essa visão exclusivamente


racional, é necessário marcar alguns limites. A
razão não é absolutamente precisa, como afir-
mam os dogmáticos (a Escolástica ou a Filosofia
de Descartes), nem é completamente incerta,
como os céticos radicais afirmavam. Por serem
defensores árduos da religião, tentaram desa-
creditar da razão e mostrá-la como algo inútil,
fazendo uso do ceticismo e a ideia de impor a
sua fé de maneira intolerante.
Para os empiristas, a posição com relação à
razão é mais humilde, mas é mais realista. A razão
pode fornecer-nos crenças razoáveis e verdades
que têm uma possível certeza, portanto são úteis,
embora não sejam imutáveis, pois podem mudar
com o tempo, aperfeiçoando-se. Além disso, essa
corrente filosófica acreditava que a obtenção do
conhecimento humano deveria vir por meio da
experiência de vida pelo uso dos sentidos.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


250

Locke
Locke é o iniciador da teoria do conhecimen-
to propriamente dita, porque se propôs a ana-
lisar cada uma das formas de conhecimento
que possuímos, a origem de nossas ideias e
dos nossos discursos. Seguindo a trilha aber-
ta por Aristóteles, Locke também distinguiu
graus de conhecimento, a começar pelas sen-
sações até chegar ao pensamento.
Para o racionalismo, a fonte do conhecimento
verdadeiro é a razão, que opera por si mesma,
sem o auxílio da experiência sensível e contro-
lando-a. Para o empirismo, a fonte de todo e
qualquer conhecimento é a experiência sensível,
responsável pelas ideias da razão e controlando
o trabalho da própria razão.
Essas diferenças, porém, não impedem que haja
elemento comum a todos os filósofos a partir da
modernidade, qual seja, tomar o entendimento
humano como objeto da investigação filosófica.
Fonte: adaptado de Chauí (2014, p. 167).

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


251

IDEALISMO ALEMÃO

Em geral, a palavra idealismo se aplica à dou-


trina filosófica que define a ideia como princípio
de conhecimento e, ao mesmo tempo, da rea-
lidade. Esta é reduzida ao pensamento, à ideia.
Seus principais representantes são: Emmanuel
Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
O idealismo alemão de Kant, chamado de
idealismo crítico ou transcendental, é um ide-
alismo relativo, visto que não exclui totalmente
a existência real do objeto, apenas priva as for-
mas de conhecimento da realidade objetiva.
Kant define o idealismo transcendental como
aquele que considera os fenômenos em seu con-
junto como simples representações.
Na Crítica da Razão Pura, publicada pela
primeira vez em 1781, Kant submeteu a razão
científica à crítica, definindo conceitos prévios
para estabelecer o valor e a possibilidade da
ciência. Essa obra está dividida em três partes:
Estética Transcendental, que trata do valor do
conhecimento sensível para estabelecer a possi-
bilidade da Matemática como ciência; Analítica
transcendental, que aborda o valor dos conceitos
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
252

do entendimento para estudar a possibilidade da


Física como ciência; e a Dialética transcenden-
tal, que trata do valor das ideias da razão para
estabelecer a possibilidade da Metafísica como
ciência. Essa é a base do idealismo alemão.
Hegel, por sua vez, parte
da consideração de que
o princípio supremo, a
realidade absoluta, é a
ideia. A ideia é o começo,
o desenvolvimento e o
fim de tudo, é o ser que
constitui a essência de
todas as coisas.
Para Hegel, a Ideia está
em perpétuo devir (vir
a ser). A partir dela, Figura 12 - Hegel
desdobra-se toda a rea-
lidade tal qual é, ou a ideal. Nesse caso, a dialética
é a lei que rege todo o processo da realidade e
o desdobramento da ideia nesse estado é uma
exibição dialética.
A evolução por meio da qual a ideia se des-
dobra é explicada pelo método dialético, que
consiste em três fases: tese, antítese e síntese.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
253

Na tese, a ideia é posta ou afirmada; na antítese,


o que foi afirmado é contestado ou limitado; na
síntese, a ideia e sua limitação são unidas e inte-
gradas à totalidade.

A influência da filosofia hegeliana


Hegel exerceu grande influência no desenvolvi-
mento do pensamento político posterior, e seus
seguidores se dividiram em dois grupos opostos,
denominados esquerda e direita hegeliana. Essa
cisão foi provocada por uma querela de origem
religiosa incitada por David F. Strauss, teólogo e
autor de Vida de Jesus, na interpretação do pen-
samento de Hegel.
Os da direita são os discípulos conservadores e
mantêm a filosofia idealista do mestre; na polí-
tica, defendem o estado prussiano e, na religião,
seguem o luteranismo. Os da esquerda transfor-
mam a filosofia idealista em materialista; na po-
lítica, defendem a anarquia ou um regime socia-
lista e, na religião, são ateus ou anticristãos. Entre
estes estão Feuerbach e, posteriormente, Marx e
Engels, os quais, ao realizarem a inversão do ide-

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


254

alismo hegeliano, assentam as bases do materia-


lismo dialético: “A dialética de Hegel foi colocada
com a cabeça para cima ou, dizendo melhor, ela
que se tinha apoiado exclusivamente sobre sua
cabeça, foi de novo reposta sobre seus pés.
Fonte: Aranha (2004).

Aula 2
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

ESCOLA DE FRANKFURT

Durante os anos da República de Weimar, na


Alemanha, às vésperas da chegada de Hitler ao
poder, um grupo de filósofos fundou o Instituto
de Pesquisa Social na cidade de Frankfurt, dedi-
cado principalmente ao estudo do marxismo e
suas repercussões políticas e sociais. Seu tra-
balho permaneceu para a posteridade como
uma das análises mais lúcidas dos problemas
da sociedade capitalista e da cultura do século
XX. Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
255

Benjamin, Herbert Marcuse, Leo Löwenthal,


Félix Weil, Gershom Scholem, Eric Fromm e
Friedrich Pollock foram os fundadores do que
ficou conhecido como Escola de Frankfurt (a
cidade de Frankfurt era, então, um dos focos
culturais mais ativos da Europa), cujo pensa-
mento continuou em uma nova geração, à qual
pertencem Jürgen Habermas, Claus Offe e Axel
Honneth. Seus críticos os acusaram de desen-
volver propostas teóricas sem envolvimento na
ação prática para desenvolvê-las. Nesse sentido,
George Lukács afirmou que estavam hospedados
em um hotel com vista para um abismo vazio.
Os trabalhos realizados pelos autores que são
membros da Escola de Frankfurt podem ser
considerados como abordagem multidisciplinar
ao estudo e à reflexão de teorias e fenômenos
sociais. Embora mantivessem uma posição
adversa sobre as principais correntes de pen-
samento presentes (que tiveram seu início nos
séculos passados), os pesquisadores se basearam
na teoria crítica do marxismo. Estavam inclina-
dos ao idealismo e até ao existencialismo para
o desenvolvimento de seus postulados. Foram
altamente influenciados pela Filosofia crítica
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
256

proposta por Kant e tinham a dialética e a con-


tradição como propriedades intelectuais.
Seu método crítico apareceu como resposta
ao fascismo e ao nazismo, mas também ao fra-
casso do marxismo ortodoxo. Esses aspectos,
juntamente com a incapacidade da classe tra-
balhadora europeia de combater a hegemonia
capitalista, tornaram imperativo o fato de repen-
sar o significado de dominação e emancipação,
colocando os pilares de uma teoria social da
ação política em uma base mais sólida.
De acordo com os teóricos dessa escola, a lei-
tura ortodoxa que o marxismo havia recebido
havia despido o pensamento de Marx sobre seu
verdadeiro potencial crítico. Era necessário, por-
tanto, rejeitar algumas suposições doutrinárias
típicas dessa ortodoxia, como a noção de ine-
vitabilidade histórica, a primazia do modo de
produção no curso da história e a ideia de que
a luta de classes e os mecanismos de domina-
ção ocorrem somente nos limites privados do
processo de trabalho.
Consequentemente, a linha de pensamento
mantida por esses autores desvaloriza a esfera
econômica, direcionando a atenção para verificar
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
257

a forma de como a subjetividade é constituída,


bem como para a maneira como as esferas cul-
turais e a vida cotidiana representam um novo
terreno para a dominação.
A crítica da razão instrumental ocupa lugar
importante na teoria crítica. A razão instrumen-
tal é concebida como herança do Iluminismo,
movimento que exacerbou o racionalismo que
atravessa toda a modernidade. A razão desempe-
nhou papel progressivo em toda a modernidade,
atingindo seu clímax na Filosofia histórica de
Marx. A partir desse momento, foi despojada de
sua dimensão crítica e se tornou elemento de legi-
timidade a serviço da dominação. O Positivismo
é a expressão mais contundente dessa tendên-
cia, desenvolvido como uma síntese de várias
tradições hegemônicas de pensamento na teoria
social ocidental, cuja nota comum é o desen-
volvimento de modos de pensar metodológicos
baseados nas ciências naturais e em princípios
dogmáticos de observação e quantificação.
Em sua crítica ao Positivismo, a Escola de
Frankfurt demonstrou os mecanismos de con-
trole ideológico do capitalismo avançado. É uma
linha de pensamento que reduz a ciência a uma
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
258

metodologia baseada na descrição, classificação


e generalização de fenômenos sem preocupar-se
em distinguir o essencial do não essencial, privan-
do-a de todas as dimensões críticas. O cientista
burguês fica impotente para agir autonomamente,
visto que naturaliza o estado das coisas existen-
tes, ao atuar como unidade individual e isolada,
sem importar-se em questionar a realidade.
A teoria crítica também ofereceu novos
conceitos que ajudam a analisar o papel das ins-
tituições como agentes de reprodução cultural
e social. De acordo com essa linha de pensa-
mento, a sociedade avançada reduz a cultura a
mercadorias gerenciadas por uma indústria de
massa, que lhe confere a função de fechar todos
os sentidos do homem, tornando-o o meio mais
eficaz para encobrir a dominação. Em geral, a
crise cultural do capitalismo avançado pode ser
apontada em três aspectos. Em primeiro lugar,
a arte como tal se tornou impossível, perdendo
sua autonomia, autenticidade e, portanto, sua
essência. Em segundo, a própria cultura, tomada
em sua totalidade, deixa sua dimensão nega-
tiva, desenvolvendo-se como obscurecimento
e negação total da consciência. Finalmente, a
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
259

cultura é organizada como uma instituição supe-


restrutural reduzida à indústria de massa para
consumo. Ao apontar o elo entre poder e cul-
tura, é revelada a maneira pela qual as ideologias
dominantes são constituídas por diferentes for-
mações culturais. A cultura estabelece, nessa
perspectiva, um vínculo particular com a base
material da sociedade. Isso possibilita compre-
ender problemas, como sua articulação com os
interesses dos grupos dominantes, sua gênese e
os papéis desempenhados na constituição das
relações de poder e resistência, o que permite
a análise de escolas e universidades como parte
de uma organização mais ampla da sociedade.

JÜRGEN HABERMAS

O filósofo e sociólogo Jürgen Habermas che-


gou aos noventa anos (nasceu em 18 de junho
de 1929) e permanece como um dos intelectu-
ais mais influentes da Alemanha, depois de uma
longa carreira como acadêmico e ensaísta, em
que contribuiu permanentemente para interpre-
tar as notícias políticas de seu país e do mundo.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


260

Para alguns, Habermas foi a eminência cin-


zenta da revolta de 1968 na Alemanha; para
outros, ele ainda é o último representante da
chamada Escola de Frankfurt e é praticamente
unânime a ideia de que ele é o último filósofo
alemão cuja influência excedeu os limites do
mundo acadêmico. Seu trabalho acompanha,
como comentário permanente, a evolução da
Alemanha e do mundo desde o pós-guerra, e tal-
vez isso explique o eco que teve em suas obras.
Em 1956, após breve período como jorna-
lista, Theodor W. Adorno, um dos principais
representantes da Escola de Frankfurt, convi-
dou-o para trabalhar no lendário Instituto de
Pesquisa Social, que acabara de voltar a fun-
cionar após fechamento forçado durante a era
nazista. A partir daí ele começou a elaborar uma
série de abordagens para explicar e também
renovar a então nova democracia alemã. O mar-
xismo permaneceu como ferramenta de análise,
como havia sido para os fundadores da Escola
de Frankfurt, mas deixou de ser, pelo menos
para ele, uma verdadeira alternativa política.
Os livros de Jürgen Habermas se multiplicaram
com ritmo sistemático e avassalador nas últimas
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
261

quatro décadas, em um dos projetos mais atraen-


tes da Filosofia da segunda metade do século XX.
É difícil que alguém interessado nos problemas
da sociedade contemporânea não tenha encon-
trado suas reflexões sobre ética e teoria da ação,
Sociologia, Filosofia da Linguagem ou teorias
da argumentação. A isso, devemos acrescentar
suas frequentes intervenções na discussão de pro-
blemas mais próximos da vida pública. Alguns
dos livros de Habermas representam marcos na
discussão da Filosofia com várias disciplinas da
análise social e, com menos frequência, estabele-
cem um diálogo com correntes, como a filosofia da
língua anglo-saxônica ou as filosofias pós-heideg-
gerianas da Alemanha e da França, relativamente
longe do ponto de partida de Habermas, a teoria
crítica da Escola de Frankfurt.
Esse pensador desperta a desconfiança de filó-
sofos do direito e da política (como aconteceu
em outros países) porque tenta dar uma visão
global, alternativa às correntes dominantes nes-
sas disciplinas e do sistema jurídico e político das
sociedades democráticas a partir de sua teoria
da ação comunicativa. Mostra como sociedades
complexas coordenam ações no nível normativo
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
262

por diferentes meios (política, direito) e como


esses meios são constituídos por uma tensão
estrutural entre duas características das normas:
as normas são impostas, visto que são legais e,
ao mesmo tempo, valem desde que essa legali-
dade seja legítima. Coordenamos nossas ações
dentro de normas positivas e consideramos acei-
tável a sua força em virtude da sua validade.
A gênese do projeto intelectual de Habermas
é a teoria crítica da Escola de Frankfurt e, espe-
cialmente, seu primeiro programa, quando
Horkheimer, nos anos 30, abordou as socie-
dades contemporâneas, concentrando-se na
análise de suas formas de racionalidade e crí-
tica. Seus primeiros trabalhos, segundo essa
herança, pretendiam resgatar, em controvérsia
com positivismo e hermenêutica pós-heideg-
geriana, uma noção de razão crítica e inseri-la
em um projeto político-social emancipatório.
Como esse projeto não podia permanecer no
campo filosófico puro, a reconstrução da razão
crítica teve de ser desenvolvida no diálogo com
as Ciências Sociais. A análise das formas da
possível razão crítica deveria, portanto, passar
pela reconstrução dos processos sociais como
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
263

formas de racionalização. E, de fato, a discus-


são científico-social abrange grande parte do
trabalho de Habermas nas décadas de 70 e 80.
Contudo, esse diálogo filosófico com as teorias
e disciplinas sociais contemporâneas o levou
a afastar-se de Marx e da primeira geração da
Escola de Frankfurt. O local da crítica à econo-
mia política foi ocupado pela teoria dos sistemas
(em discussão com Niklas Luhmann), pela aná-
lise das formas de integração social (seguindo
Durkheim) e pela tipologia das formas de ação
social (seguindo os passos de Weber e Mead).
Recentemente, tem estudado e escrito sobre
Filosofia da Religião, criando, assim, um novo
conceito adotado por muitos – de uma era
pós-secular. Seus trabalhos da juventude:
Conhecimento e Interesse (1968) e Teoria da
ação comunicativa (1981) continuam a ser lidos
e estudados. Além de serem seguidos cons-
tantemente por estudos e ensaios nos quais há
aproximação constante ao mundo atual a par-
tir da tradição filosófica alemã.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


264

HANNAH ARENDT

Hannah Arendt foi uma filósofa política alemã,


que, mais tarde, tornou-se norte-americana. Teve
origem judaica e é considerada uma das mais
influentes filósofas do século XX. A privação de
seus direitos, a perseguição de pessoas de ori-
gem judaica na Alemanha, em 1933, bem como
o breve encarceramento que sofreu no mesmo
ano contribuíram para sua decisão de emigrar.
Sua nacionalidade foi retirada, o que a tornou
apátrida até obter a cidadania norte-americana.
Trabalhou como jornalista e professora e publi-
cou importantes obras sobre filosofia política,
mas não gostava de ser classificada como filó-
sofa. Arendt defendeu o conceito de pluralismo
na esfera política e, graças a isso, desenvolveu
o conceito de igualdade política entre as pes-
soas. Criticava a democracia representativa e
preferia um sistema de conselhos ou formas de
democracia direta. Devido ao seu pensamento
independente, à teoria do totalitarismo, aos
seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua
reivindicação pela discussão política, essa pen-
sadora desempenhou papel central nos debates
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
265

contemporâneos. Como fonte de descrições,


empregou, além de documentos filosóficos, polí-
ticos e históricos, biografias e obras literárias.
Seus trabalhos mais importantes são:
A Condição Humana: pensamento baseado
no nascimento do indivíduo e não na morte,
como a de Heidegger. Foi publicado em 1958 e,
nele, a pensadora se dedicou principalmente à
filosofia e desenvolveu a ideia do nascimento,
na qual inicia a capacidade de fazer um novo
começo. O indivíduo tem a tarefa de configu-
rar o mundo, em conexão com outras pessoas.
Refere-se às condições básicas da vida ativa
do ser humano, que Arendt delimita: traba-
lhar, produzir, agir.
A Vida do Espírito: trabalho desencadeado
e inspirado pelas críticas do juízo kantiano.
Ela planejava estudar em profundidade as três
atividades do espírito: pensamento, vontade e
julgamento, embora sempre ligadas à ação e,
portanto, sem deixar de pensar em política.
Logo, todo o interesse no pensamento deve
estar centrado na ação, compreendê-la e pen-
sar no que é feito.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


266

Sobre a Violência: o termo “violência”, em


seu sentido mais elementar, refere-se aos danos
causados às pessoas por outros seres huma-
nos. As experiências totalitárias do século XX
estenderam esse uso da violência a uma escala
e intensidade sem precedentes na história da
humanidade – e é nesse contexto que esse livro
de Hannah Arendt pode ser enquadrado. Para
a Filosofia Política, a violência em estudo tem
duas faces: a violência organizada do Estado
ou a que se rompe à sua frente. Isso levou mui-
tos a pensar que a violência é, principalmente,
uma forma de exercício de poder. A posição ini-
cial da autora em Sobre a Violência consiste no
estudo aprofundado da violência política em
suas encarnações extremas no mundo contem-
porâneo e em sua cuidadosa separação entre
violência e poder político. Este é o resultado de
uma ação cooperativa, enquanto a violência do
século XX está ligada à ampliação da destrui-
ção causada pela tecnologia.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


267

MICHEL FOUCAULT

Historiador, psicólogo, filósofo e teórico social,


Michel Foucault foi um dos grandes pensado-
res do século XX, cujas ideias geraram grande
impacto e exerceram muita influência em todo o
ambiente cultural francês da época. Ele foi reco-
nhecido mundialmente por suas ideias sobre
instituições sociais, especialmente prisões, sis-
tema de saúde e Psiquiatria, bem como por seus
estudos sobre sexualidade humana.
Nascido em 15 de outubro de 1926 na cidade
de Poitiers, França, e sob o nome de Paul-
Michel Foucault, o pensador francês cresceu
em um ambiente formal no qual estudos e
conhecimentos eram considerados essenciais
– seu pai era um renomado cirurgião fran-
cês. Após histórico acadêmico cheio de altos
e baixos, Foucault conseguiu entrar na famosa
École Normande Supérieure, reconhecida por
ser um dos berços dos melhores especialis-
tas e pensadores de humanidades da França.
Lá, sua permanência foi um dos estágios mais
difíceis. Depois de sofrer depressão e várias
tentativas de suicídio, ele ficou nas mãos de
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
268

um psiquiatra por longo tempo. Durante esse


período, adquiriu paixão pela Psicologia, o que
o levou a formar-se em Psicologia e Filosofia.
Após várias outras vivências, Foucault retor-
nou à França com a intenção de concluir seu
doutorado, durante o qual aceitou uma posição
no Departamento de Filosofia da Universidade
Clermont-Ferrand. Durante esse período de sua
vida, ele se tornou um escritor prolífico, com a maio-
ria de seus textos focados em Psicologia, Psiquiatria
e saúde mental. Enquanto suas publicações subse-
quentes se concentraram em questões relacionadas
à política, questões sociais e sexualidade.
Durante os anos em que se interessou pela
corrente estruturalista, Foucault foi conside-
rado parte da corrente, tendo o mesmo nível de
outros grandes pensadores, como Jacques Lacan
ou Claude Lévi-Strauss. Apesar disso, ele rejei-
tou completamente a ideia de ser considerado
defensor do estruturalismo. Embora, no início,
tenha se concentrado principalmente em ques-
tões de saúde mental e Psicologia, bem como
nas instituições que a controlam, suas contri-
buições mais importantes e reconhecidas estão
no campo das Ciências Sociais e política.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
269

Foucault viveu em um tempo de grandes


mudanças e convulsões sociais e, por isso, estava
muito interessado no presente ao qual ele per-
tencia, fazendo reflexões excepcionais sobre os
sistemas e as relações de poder da época. Antes
de tudo, é necessário especificar que, ao falar
sobre poder, esse pensador não se ateve apenas
ao governo ou às instituições, mas também às
relações de poder que ocorrem em todas as áreas
da sociedade, conhecidas como poder social.
Este é constituído por uma significativa parcela
de pequenas esferas de poder, localizadas abaixo
das grandes potências, como o governo ou a
igreja. Para ele, essas esferas de poder estão em
níveis diferentes e dependem umas das outras
para se manifestar de maneira sutil e disfarçada.
No entanto, segundo o próprio pensador, o
principal obstáculo à realização de uma revo-
lução é a manutenção das relações de poder,
de acordo com o que acontecia na época, o
que exigia examinar e analisar essas relações
por uma natureza social.
Em uma de suas publicações mais conhe-
cidas, A Microfísica do Poder (1980), Foucault

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


270

conduziu uma revisão das relações de poder por


meio de duas dinâmicas de domínio diferen-
tes: contrato, em que se materializa no poder
de tipo opressor e jurídico, e se baseia em sua
legitimidade; e dominação, que se estabelece
em termos de repressão e submissão.
Foucault insistia no ponto de vista de que o
conflito não está apenas no poder do governo,
mas também em todas as subestruturas com
relações de poder que o sustentam. Seguindo
essa ideia, ele persistia que a análise das rela-
ções de poder não deve começar pelo poder do
governo, que é necessário, então, começar pelas
subesferas menores de poder, que o alimentam e
possibilitam sua manutenção. Por fim, Foucault
determinou que o principal papel dos pensadores
deve estar dentro da sociedade, acompanhan-
do-a na luta contra as formas de poder que nela
existem. Suas principais obras são:
A História da Loucura (1961): primeiro tra-
balho relevante de Foucault, no qual analisou e
revisou o tratamento dado ao conceito de lou-
cura ao longo da história ao enfatizar a evolução
do tratamento dado ao paciente.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


271

As Palavras e as Coisas (1966): nesse traba-


lho, o pensador fez uma reflexão sobre como
todos os períodos históricos são distinguidos,
apresentando uma série de condições funda-
mentais da verdade, que estabelecem o que é
aceitável e como essas condições evoluem e
mudam no decorrer do tempo.
A Arqueologia do Saber (1969): outra das
obras mais relevantes do pensador francês, na
qual realizou um exame ou uma análise da fun-
cionalidade e do poder das frases enquanto
unidades básicas de fala.
Vigiar e Punir (1975): nessa obra, por meio
do estudo do direito penal e especificamente do
regime penitenciário do século XVIII ao século
XIX, Foucault estudou a presença de relações
de poder, tecnologias de controle e a micro-
física do poder presente em nossa sociedade.
Ele desenvolveu duas teses: a primeira é que
a punição sofreu mutações, o que implica não
em sua melhoria ou piora, não sua humani-
zação ou racionalidade, como normalmente é
afirmado, mas à transformação, que responde a
mudanças político-econômicas das sociedades

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


272

ocidentais. Se trata, portanto, de um estudo de


métodos punitivos ante a economia e a política.
A segunda baseia-se na afirmação de que há um
conjunto de elementos e técnicas materiais que
servem como armas, canais de comunicação e
pontos de apoio às relações de poder e de saber,
que envolvem os corpos humanos e os domi-
nam, tornando-os objeto de conhecimento. A
tese é de que as práticas penais não são conse-
quências das teorias jurídicas, mas um capítulo
da anatomia política.
História da Sexualidade (1976-1984): o
filósofo materializou esse trabalho em três volu-
mes diferentes, nos quais o uso da sexualidade
é revisto como regime de poder, bem como o
uso de prazeres sexuais ao longo da história.
Quando Foucault morreu, em 1984, escrevia
o quarto volume dessas reflexões, focadas na
sexualidade e no cristianismo.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


273

Aula 3
PRINCIPAIS ESCOLAS E
CONCEITOS DAS CIÊNCIAS
HUMANAS – HISTÓRIA (IDADE
MÉDIA, IDADE MODERNA E
IDADE CONTEMPORÂNEA)

IDADE MÉDIA

Quando estudamos sobre a Idade Média,


falamos de um período histórico que vai do
século V ao XV. São dez séculos de história,
que começou com a queda do Império Romano
do Ocidente, no ano de 476 d.C., e terminou
no final do século XV, em 1492, com a desco-
berta do continente americano.
Sobre o período medieval, precisamos ater-nos
exclusivamente aos eventos e acontecimentos
que ocorreram na Europa. O motivo é muito
simples: as características que nos levam a assim
denominar um espaço de tempo de 1000 anos
respondem a características que só aconteceram
no continente europeu. Para alguns historia-
dores, classificar a história em períodos tem
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
274

caráter eminentemente eurocêntrico, como se


não houvesse acontecido nada nos demais con-
tinentes. Mesmo assim, a Idade Média foi uma
época histórica que deixou marcas profundas
no continente. Foi caracterizado por impor-
tantes acontecimentos históricos, com grandes
mudanças culturais, políticas, religiosas, sociais
e econômicas, tornando-se um dos períodos
mais fascinantes da história.
A passagem da Idade Antiga para a Idade
Média não foi algo imediato, mas se desenvol-
veu gradualmente por meio da transição em
diversas áreas. Na economia, o modelo de pro-
dução escrava foi substituído pelo feudalismo;
na sociedade, a cidadania romana desapareceu
e surgiram os estamentos medievais; na polí-
tica, ocorreu uma decomposição das estruturas
centralizadas romanas e a dispersão de poder
entre os povos bárbaros; e, na cultura, houve
a substituição da cultura clássica pelo teocen-
trismo cristão ou muçulmano.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


275

O feudalismo é um sistema político, social e eco-


nômico definido pela troca de serviços e rendas
entre o vassalo (servo) e o senhor feudal (susera-
no); sistema em que a terra e o direito eram cedi-
dos ao vassalo em troca de serviços e rendas.
Fonte: adaptado de Dicio ([2019], on-line)³.

Tradicionalmente, dividimos o período em duas


partes: Alta Idade Média, que abrange o perí-
odo do século IX ao XI. Nesse momento, houve
o crescimento do feudalismo ou do modo de
produção feudal, baseado em uma força de tra-
balho servil e focada nos senhorios ou domínios
senhoriais. Politicamente, é um momento de
descentralização do poderio, no qual os reis têm
pouco poder, se comparados aos grandes senho-
res feudais. A Baixa Idade Média, por sua vez,
começa no início do século XII e vai até meados
do século XV. Foi um momento de reabertura,
no qual cidades e atividades comerciais lenta-
mente ganharam importância novamente e um
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
276

novo grupo social emergiu: a burguesia. Além


disso, começaram a desenvolver-se as primeiras
transformações que, mais tarde, fariam surgir
o capitalismo na Idade Moderna.
A Filosofia, durante a Idade Média, foi uma
ciência intimamente relacionada à religião, o que
tornava difícil sua separação com a Teologia.
Entre os temas mais discutidos estavam a rela-
ção entre fé e razão, liberdade do homem e plano
divino e a interpretação, a partir desse novo
prisma religioso, dos ensinamentos de grandes
filósofos pré-cristãos, como Platão e Aristóteles.

IDADE MODERNA

A passagem da Idade Média para a Idade


Moderna não aconteceu de forma abrupta. Não
foi uma mudança provocada por uma revolução
motivada por mudanças radicais na sociedade
nem pela monarquia ou pelas propriedades
eclesiásticas que dominaram na Idade Média e
queriam continuar a exercer o poder; pelo con-
trário: o passo a caminho da Idade Moderna foi
uma lenta e gradual transformação, que tomava

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


277

forma desde os últimos séculos da Alta Idade


Média. Com isso, novas ideias começaram a
aparecer, como o humanismo, a burguesia, os
estados e as nações, as cidades, as artes e as
novas correntes de pensamento.
O aumento demográfico impulsionou o
desenvolvimento de cidades e movimentos
populacionais (camponeses que migravam para
a cidade), o que deu origem a novos grupos
sociais. Na área urbana, a alta burguesia comer-
cial e financeira se tornou um grupo social com
grande poder econômico e, além disso, passou
a participar de cargos governamentais e cresceu
assustadoramente, facilitado pelo crescimento
das cidades e pelo aumento do comércio. Embora
monarcas, clérigos ou nobres ocupassem posi-
ções dominantes, seus poderes econômicos foram
superados, em muitos casos, pela alta burguesia.
Houve profundas mudanças nas ideias e con-
cepções dos homens sobre diversos temas. Foi a
época do desenvolvimento do humanismo, que
rejeitava preceitos teológicos e abraçava o pensa-
mento crítico, que defendia o individualismo do
homem. O Renascimento marcou o salto da era

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


278

medieval para a era


moderna e trouxe
consigo grandes
t r ans for ma ç õ e s
culturais não ape-
nas nas artes, mas
também nas ciên-
cias, nas letras e nas
formas de pensar.
Esse período se
caracteriza pela
Figura 13 - Estátua de Davi,
realizada por Michelangelo. rejeição de muitos
dos princípios do
conhecimento medieval e pela admiração da
antiguidade greco-romana. Teve como obje-
tivo recuperar o conhecimento clássico, no
qual buscava uma nova escala de valores para
o indivíduo. Diante da sociedade medieval, em
que tudo girava em torno do conceito de Deus,
durante o Renascimento, o homem se tornou
o centro do universo ao utilizar a razão como
fonte de conhecimento e ao buscar a verdade
por meio da reflexão pessoal e da pesquisa.
Trouxe, além disso, como marcas essenciais,
a redescoberta das culturas clássicas grega e
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
279

romana, o humanismo e o antropocentrismo.


A arte renascentista girava em torno do ser
humano, mas isso não significa que deixou de
ser religiosa. Além da Igreja, surgiram novos
mecenas, como os mercadores ricos e os mem-
bros da monarquia.

Mecenas: pessoa que patrocina as artes, a ciên-


cia ou o ensino.
Fonte: o autor.

Graças ao novo patrocínio, a arte deixou de


desempenhar funções exclusivamente religio-
sas e surgiram novos gêneros e temas retratados
– como retratos, nudezes, paisagens e figuras
mitológicas. Na arquitetura, além de igrejas,
passaram a ser construídos palácios, prefeitu-
ras e universidades.
No âmbito religioso, surgiu, com grande
importância, a Reforma Protestante, que repre-
sentou uma cisma gerada na Igreja Católica no
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
280

século XVI e teve impor-


tantes consequências
políticas, econômicas
e religiosas, levando à
criação do Cristianismo
Protestante.
Apesar dos movimen-
tos anteriores com
pedidos de mudança
para a Igreja Católica,
a Reforma começou Figura 14 - Martinho
em 1517, quando o Lutero
monge católico alemão
Martinho Lutero escreveu suas noventa e cinco
teses. Ele defendia uma ampla reforma da Igreja
Católica, que era a autoridade religiosa domi-
nante na Europa Ocidental.
Suas palavras de protesto se concentraram
no estado espiritual e material da Igreja, espe-
cialmente sua vasta riqueza, poder e corrupção
generalizada de alguns de seus sacerdotes. Essas
críticas não eram novas e Lutero não foi o pri-
meiro a propor mudanças. Contudo, a então
recente invenção da impressão possibilitou que
as suas palavras se espalhassem rapidamente
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
281

pela Europa, onde alcançaram grande impacto.


Uma de suas publicações mais importantes foi
uma tradução alemã da Bíblia, que permitiu que
muitas pessoas a lessem pela primeira vez, por-
que, até então, tinha sido escrita principalmente
em latim e só podia ser lida, até aquele momento,
por padres. A partir daí, pessoas comuns pude-
ram formar suas próprias opiniões sobre a fé.
Lutero tinha a intenção de reformar a Igreja
e não de dividi-la. Sua visão do cristianismo, no
entanto, contrapunha-se aos princípios básicos
da Igreja e a autoridade do papa, o que coli-
dia com a hierarquia eclesiástica e, em 1521, o
monge foi excomungado devido ao crescente
movimento protestante pelo Papa Leão X.
A Reforma foi, sem dúvida, um dos eventos
mais importantes da história europeia e mun-
dial, que levou à formação de todas as vertentes
do protestantismo que existem hoje. Também
gerou violência entre os dois poderes para a
supremacia na Europa durante séculos. Em
alguns lugares, essas feridas ainda não sararam
completamente.
No campo político, o Absolutismo surgiu
como forte sistema de governo. Desde o final
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
282

da Idade Média até o século XVIII, a forma de


governo que caracterizou a maioria dos estados
europeus foi a monarquia absoluta, na qual o rei
controlava todos os poderes do Estado e a sua
legitimidade era considerada um direito divino.
O monarca tinha, em suas mãos, os poderes exe-
cutivo, legislativo e judiciário, o comando do
exército e das instituições e toda a administração
do Estado. Além disso, todas as instituições que
historicamente foram usadas para aconselhar o
rei foram desprezadas, como aconteceu com as
cortes. Tal sistema dependia fundamentalmente
da nobreza, que, como grupo dominante, tinha
as principais posições e privilégios, bem como a
propriedade das terras. A burguesia, ainda com
poder escasso, crescia aos poucos em influência.
Das monarquias absolutas da Idade Moderna,
temos o protótipo mais claro em Luís XIV (Rei
Sol), rei da França, cujo governo também serviu
de modelo para outros soberanos. O monarca
francês chegou ao trono depois de um período de
instabilidade em seu país e no qual os presiden-
tes do Conselho Real tiveram grande peso. Por
essa razão, Luís XIV subiu ao trono com a firme
convicção de governar de forma personalística,
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
283

individualista, confiando
na crença do tempo em
que os reis governavam por
direito divino e recebiam
seu poder de Deus. Por essa
razão, acreditava que seu
governo deveria ser justo e
pessoal. Dele vem a frase:
“O Estado sou eu”.
Desde o início do século XV,
o crescimento da econo-
mia europeia impulsionou
a recuperação do comércio
e aumentou a demanda por
alguns bens importados. A
Figura 15 - Rei
transformação mais notável Luís XIV
ocorrida nos séculos XV e
XVI foi a expansão comercial da Europa, que
impulsionou a busca de novos mercados fora
de seu território, o que resultou em viagens de
exploração marítima.
A burguesia comercial e mercantil das cidades
europeias impulsionou a expansão marítima.
As monarquias, que consolidavam seu poder ao
organizarem um aparato complexo de governo,
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
284

também investiram fortemente nesse novo


comércio para sustentar as crescentes despesas
do Estado. As áreas comerciais mais importan-
tes foram o Mediterrâneo e o Mar do Norte. A
partir daí, as rotas comerciais foram expandi-
das, conectando-as à Europa Oriental, à Ásia
e à África. Os avanços científicos e as novas
técnicas de navegação facilitaram o desenvolvi-
mento de novas expedições, como a de Cristóvão
Colombo, em 1492, que ampliou o mundo conhe-
cido. Podemos afirmar, ainda, que esse processo
de expansão culminou, no século XIX, com o
imperialismo e os processos de colonização.

IDADE CONTEMPORÂNEA

A Idade Contemporânea é o período atual em


que vivemos. Iniciada com a Revolução Francesa,
com a queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789,
essa fase, que vem depois da Idade Moderna, é
também conhecida como pós-modernidade.
Nesse intervalo, o mundo passou por profun-
das transformações sociais, culturais, políticas e
econômicas. É uma fase caracterizada pelo nas-
cimento da indústria, pelos avanços da pesquisa
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
285

científica, pelo aprimoramento da tecnologia


e pela constante evolução dos meios de comu-
nicação e transporte. Seu início foi bastante
marcado pela Filosofia iluminista e deu origem
à Revolução Francesa, que enfatizou a impor-
tância do uso da razão acima de tudo.
O desenvolvimento e a consolidação do regime
capitalista no Ocidente e, consequentemente, as
disputas pelas grandes potências europeias pelos
territórios, pelas matérias-primas e pelos merca-
dos consumidores também marcam o período.
A configuração do poder político burguês tam-
bém foi acompanhada pelo desenvolvimento
econômico capitalista, estabelecido como uma
forma de organização econômica para todos os
continentes do mundo.
Outra característica da época contemporânea
é a formação dos Estados nacionais e o conceito
de nação ou nacionalismo, que buscava preser-
var a identidade de cada país, o que originou
inúmeras disputas territoriais na Europa e nas
zonas coloniais. As duas grandes guerras mun-
diais que ocorreram no século XX tiveram suas
origens no nacionalismo.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


286

Figura 16 - (a) Saudação nazista a Hitler durante o


hino da nação, em 9 de outubro de 1935; (b) Soldados
na trincheira na Primeira Guerra Mundial
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
287

Observe algumas características que diferem a


Idade Contemporânea dos outros períodos:
■ A consolidação do capitalismo como sis-
tema econômico.
■ O desenvolvimento industrial.
■ A ascensão política e econômica da bur-
guesia industrial, principalmente nos países
europeus.
■ A consolidação do regime democrático a
partir de meados do século XIX.
■ As disputas entre as grandes potências
europeias, que brigavam por mercados
consumidores, fontes de matéria-prima e
conquista de territórios. Originaram movi-
mentos conhecidos como Imperialismo e
Neocolonialismo.
■ O amplo desenvolvimento tecnológico, prin-
cipalmente a partir de meados do século XX.
■ No início do século XX, os Estados Unidos
avançaram como potência mundial.
■ O surgimento da globalização da economia
a partir de meados do século XX.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
288

O grande historiador Eric J. Hobsbawm, fale-


cido em primeiro de outubro de 2012, descreveu
as principais características dessa fase por meio
de quatro obras essenciais: o primeiro ana-
lisa as transformações sociais e políticas que
acompanharam a transição do Antigo Regime
para a Europa burguesa – A Era das Revoluções
(1789-1848). O segundo livro tem foco na era
do esplendor do capitalismo industrial e a con-
solidação da burguesia como classe dominante
– A Era do Capital (1848-1875). O terceiro
estuda o advento do imperialismo e termina
com o surgimento de conflitos entre as grandes
potências – A Era dos Impérios (1875-1914).
Por último, – Era dos Extremos (1914-1991) –
relata o período das duas grandes guerras até
o início dos anos noventa, com as suas conse-
quências, crises e incertezas.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


289

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final de mais uma


unidade com um pouco mais de conhecimento
sobre as Ciências Humanas. Vimos como foi lenta
e gradual a passagem do mito ao pensamento
filosófico: foram séculos de busca do ser humano
para abandonar os relatos míticos, os quais base-
avam-se em divindades ou forças sobrenaturais
para explicar os fenômenos e acontecimentos
da vida. Será que isso acontece ainda hoje? Em
pleno século XXI, podemos afirmar que cem por
cento das pessoas se utilizam apenas da razão
para explicar os fatos? Será que assassinamos o
pensamento mítico? Será que os nossos valores
são regidos apenas pelo pensamento racional? E
a religião? Deixo essas questões para que você
exercite a sua reflexão filosófica.
Estudamos toda a complexidade do pen-
samento filosófico, desde a sua origem até o
idealismo alemão no século XIX. Nos pré-so-
cráticos, verificamos a insistência que tinham
em afastar-se das explicações mitológicas de
sua época, buscando os primeiros passos para
conseguir as respostas de forma mais racional.
PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA
290

Em Sócrates, conhecemos o método indutivo,


muito divulgado e utilizado por séculos. Sobre
Platão, vimos que o Mito da Caverna é a sua sín-
tese teórica acerca do mundo das ideias. Sair da
caverna é viver uma vida de pensamento racio-
nal e de felicidade. Significa fugir da escuridão
da ignorância (hoje, poderíamos chamar de
senso comum?) para um estágio de luz e sabe-
doria. Você já saiu da caverna?
Compreendemos, ainda, a importância que
a Filosofia escolástica teve no pensamento do
cristianismo ocidental, tendo como principal
representante Santo Agostinho. Na verdade,
muito do que se encontra hoje na doutrina da
igreja cristã dos nossos dias é resultado das ideias
dessa escola tão distante na questão temporal. A
Reforma Protestante, iniciada oficialmente por
Martinho Lutero também foi influenciada por
esse movimento escolástico. Posteriormente,
vimos brevemente diversos períodos históricos
até chegarmos à idade contemporânea, com os
seus desafios e fatos mais importantes que mar-
cam a nossa época.

PRINCIPAIS ESCOLAS E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS HUMANAS – FILOSOFIA E HISTÓRIA


1. A filosofia surgiu a partir do momento em
que o ser humano deixou a escuridão pri-
mitiva – na qual utilizava mitos para expli-
car eventos do universo – e começou a usar
a razão para responder tanto as perguntas
antigas quanto as novas que se apresenta-
vam. Tendo em vista essa descrição e o con-
teúdo que estudamos nesta unidade, des-
creva o que é mito.
2. Sócrates dividiu o conhecimento em duas
grandes áreas: a do mundo exterior e a do
mundo interior. O homem é, em si, um mun-
do tão profundo e rico quanto o mundo da
natureza. Os filósofos anteriores, sem ex-
ceção, dedicaram-se ao conhecimento do
mundo físico e, por esse motivo, sempre se
perguntavam sobre os últimos elementos
constitutivos da realidade, a possibilidade
de movimento, a formação do universo etc.
Os sofistas fizeram uma alusão passageira
ao homem, colocando-o como critério de
todo o conhecimento; no entanto, em Só-
crates encontramos a preocupação com
a palavra “retórica” – a arte de persuadir –,
não com o próprio homem. Este filósofo foi
o primeiro dedicado à pesquisa do homem,
que abriu um novo campo para a reflexão fi-
losófica. Tendo em vista o que aprendemos
sobre o pensamento socrático nesta unida-
de, escreva em que consistia o método in-
dutivo de Sócrates.
3. A Patrística é caracterizada pela defesa ra-
cional do cristianismo contra os ataques da
filosofia pagã e pela aceitação de verdades
filosóficas que concordam com a revelação
cristã. Sua importância reside no fato de que
é a primeira tentativa de unificar a religião
e a filosofia cristã. Os primeiros pensadores
cristãos usaram a Filosofia para explicar ra-
cionalmente seus dogmas.
Quem foi o principal filósofo da Patrística?
Qual a sua relevância para o período?
4. Renascimento é o nome dado no século
XIX a um amplo movimento cultural que
ocorreu na Europa Ocidental durante os
séculos XV e XVI. Foi um período de transi-
ção entre a Idade Média e o início da Idade
Moderna. Seus principais expoentes estão
no campo das artes, embora também te-
nha havido renovação nas Ciências Natu-
rais e Humanas. Ao considerar o que foi
abordado nesta unidade, quais são as ca-
racterísticas do Renascimento?
5. O Absolutismo monárquico surgiu como
uma evolução no acúmulo do poder das
monarquias, que aumentou a partir da Alta
Idade Média e atingiu seu auge na moder-
nidade. Desenvolva um texto dissertativo
no qual descreva o que é o Absolutismo.
As verdades da razão
Raciocinar não é algo que aprendemos em soli-
dão, mas algo que inventamos ao nos comuni-
car e nos confrontar com os semelhantes: toda
razão é fundamentalmente conversação. “Con-
versar” não é o mesmo que ouvir sermões ou
atender a vozes de comando. Só se conversa -
sobretudo só se discute - entre iguais. O hábito
filosófico de raciocinar nasceu na Grécia, junto
com as instituições da democracia [...] Afinal
de contas, a disposição a filosofar consiste em
decidir-se a tratar os outros como se também
fossem filósofos: oferecendo-lhes razões, ou-
vindo a deles e construindo a verdade, sempre
em dúvida, a partir do encontro entre umas e
outras. Em resumo, buscando a verdade.
Essa é justamente a missão da razão cujo
uso todos nós compartilhamos. [...] Na socie-
dade democrática, as opiniões de cada um não
são fortalezas ou castelos para que neles nos
encerremos como forma de autoafirmação
pessoal: “ter” uma opinião não é “ter” uma pro-
priedade que ninguém tem o direito de nos ar-
rebatar. Oferecemos nossa opinião aos outros
para que a debatam e por sua vez a aceitem ou
refutem, não simplesmente para que saibam
“onde estamos e quem somos”. E é claro que
nem todas as opiniões são igualmente válidas:
valem mais as que têm melhores argumentos
a seu favor e as que melhor resistem à prova
de fogo do debate com as objeções que lhe
sejam colocadas.
[...] A razão não está situada como um árbitro
semidivino acima de nós para resolver nossas
disputas; ela funciona dentro de nós e entre
nós. Não só temos que ser capazes de exercer
a razão em nossas argumentações como tam-
bém – e isso é muito importante e, talvez, mais
difícil ainda – devemos desenvolver a capaci-
dade de ser convencidos pelas melhores ra-
zões, venham de quem vierem. [...] A partir da
perspectiva racionalista, a verdade buscada é
sempre resultado, não ponto de partida: e essa
busca inclui a conversação entre iguais, a polê-
mica, o debate, a controvérsia. Não como afir-
mações da própria subjetividade, mas como
caminho para alcançar uma verdade objetiva
por meio das múltiplas subjetividades.

Fonte: Savater (2001, p. 43-44).


O mundo e a consciência
O dualismo cartesiano e a doutrina da total
separação das substâncias levam, no limite, a
um estranhamento da consciência em relação
ao mundo. Mas hoje sabemos que a consci-
ência não pode ser posta como uma entidade
absolutamente autônoma e separada, a não
ser em termos estritamente metodológicos.
Por isso somos levados a considerar não ape-
nas o problema das relações entre a consciên-
cia e o mundo, como também a questão, para
nós talvez mais premente, da consciência no
mundo. Pois o progresso e a obtenção da sa-
bedoria através do correto exercício da razão
são inseparáveis da consideração da história
da humanidade, em que Descartes toca ape-
nas superficialmente.
Hoje sabemos que todas as realizações hu-
manas, e mesmo a relação do homem com
aquilo que eventualmente o ultrapassa e o
transcende, passam pela mediação da histó-
ria, que é necessariamente o nosso contexto
de conhecimento e de ação.
Isso nos leva a procurar saber, principal-
mente diante do desenvolvimento histórico
dos últimos tempos, até que ponto o homem
é senhor de suas próprias realizações. Há ele-
mentos para acreditar que, embora os meios
que o progresso técnico e científico colocou
à disposição dos homens tenham um alcance
incalculável, a capacidade de servir-se de tais
meios para promover os fins mais compatí-
veis com a felicidade e a dignidade humanas
é limitada. Para Descartes, a sabedoria deveria
aproximar meios e fins. Mas ele concebia essa
relação sem a mediação significativa do de-
senvolvimento histórico que obrigatoriamen-
te aí se interpõe. A experiência nos ensinou
que o progresso do saber nem sempre cami-
nha junto com o progresso da sabedoria e que
os homens por vezes parecem ter dificuldades
para lidar com os frutos do conhecimento: os
produtos da ciência ameaçam voltar-se con-
tra nós. E essa uma perspectiva que contraria
completamente as mais autênticas aspirações
da filosofia cartesiana, mas que, ainda assim,
se coloca como distorção a ser compreendida
a partir do ideal de conhecimento como do-
mínio e posse da natureza.
Desse modo, podemos dizer que a filosofia
de Descartes projeta a luz e a sombra. A consci-
ência humana, através do saber e dos produtos
desse saber, pode iluminar o mundo e a vida.
Mas, se o progresso do saber não estiver vincu-
lado aos parâmetros de autonomia, liberdade,
dignidade e felicidade, o futuro do homem pode
apresentar-se como um horizonte sombrio.
Entre essas duas faces da herança cartesia-
na cabe ao homem escolher.

Fonte: Silva (1993, p. 103-104).


MATERIAL
COMPLEMENTAR

A República
Platão
Editora: Lafonte.
Sinopse: A República é a obra mais importante
de Platão. Nesse livro, o autor aborda diversos
dos seus pensamentos políticos, afirmando
que a República seria o caminho para uma
sociedade melhor.

A Era das Revoluções


Francisco W. Weffort
Editora: Paz e Terra.
Sinopse: Em A Era das Revoluções, Habsbawn
(considerado um dos melhores historiadores de
nosso tempo) realiza um excelente panorama
dos acontecimentos históricos ocorridos entre
1789 e 1848.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

Tempos Modernos
Ano: 1936.
Sinopse: um filme que retrata brilhantemente a
transição para a era industrial. De forma irônica,
faz uma crítica aos “avanços” do capitalismo.

Site com várias entrevistas com pensadores


contemporâneos das mais diversas áreas.

https://www.institutocpfl.org.br/cafe-filosofico/
Professora
Esp. Pablo Araya Santander

IV
UNIDADE IV

UNIDADE
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS
HUMANAS E SOCIAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

■ Verificar a relação entre as Ciências


Sociais e a religião
■ Compreender o conceito de religião
para Karl Marx
■ Estudar a teoria de Friedrich Nietzsche
sobre a concepção de Deus
■ Analisar o conceito de religião para
Sigmund Freud
■ Compreender o conceito de Deus na
Filosofia existencialista de Jean-Paul
Sartre.
Professora
Esp. Pablo Araya Santander

IV
UNIDADE
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS
HUMANAS E SOCIAIS

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentam-se os tópicos que


você estudará nesta unidade:
■ Ciências Humanas e Sociais e o
conceito de religião
■ Religião: ópio do povo, em Karl Marx
■ Religião: morte de Deus, em Nietsche
■ Religião: uma projeção, segundo Freud
■ Religião: existencialismo e liberdade
em Sartre.
304

INTRODUÇÃO

Olá, caro(a) aluno(a)! Nesta unidade, estu-


daremos a relação existente entre as Ciências
Humanas e Sociais diante do conceito de religião
e da existência de Deus para alguns pensadores.
Deve ficar claro que o enfoque dado aos fatos
que chamamos de transcendentes na abordagem
religiosa terão olhar altamente ligado à visão da
religião como um fenômeno.
Num primeiro momento, analisaremos o
papel e a função da religião como um fenô-
meno social e as suas principais características.
Para isso, buscaremos a conceituação de um
dos maiores especialistas da sociologia da reli-
gião de todos os tempos: Émile Durkheim. É
vital compreendermos a forma como esse tema
funciona e as suas principais características
para podermos verificar a sua influência no
meio social e como se relaciona com os seres
humanos na sua individualidade.
Analisaremos, em seguida, a visão de Karl
Marx sobre a religião e a sua famosa frase “a

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


305

religião é o ópio do povo”. Veremos quais são


as razões para que esse autor tenha percebido
a religiosidade como uma droga que paralisa
o ser humano diante das situações da vida.
Em terceiro lugar, verificaremos a conceitu-
ação de Friedrich Nietzsche acerca do Deus
representado na modernidade em que ele vivia.
Devemos ter cuidado para analisar tal questão
de forma a não interpretar a teoria desse autor
com um viés religioso preconceituoso, no qual
nos vemos imergidos em nossos dias de polari-
zação. Após isso, discorreremos sobre a religião
como uma projeção ou prospecção dos desejos
humanos conforme a teoria de Sigmund Freud.
Abordaremos, por fim, a filosofia existencia-
lista, em especial, sobre as ideias de Jean-Paul
Sartre e o que pensava sobre Deus e religião.
Veremos que a concepção de liberdade é muito
importante para esse autor e como ela é vital
para o entendimento da relação entre o ser
humano e a transcendência.
Desejo-lhe bons estudos!

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


306

Aula 1
CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
E O CONCEITO DE RELIGIÃO
As crenças e práticas religiosas não se mani-
festam apenas como experiências íntimas,
subjetivas e simbólicas da vida privada das
pessoas. O aspecto religioso e espiritual habita
também na esfera pública e afeta a participa-
ção das pessoas religiosas nas controvérsias e
nos desafios do nosso tempo.
A religião desempenha papel importante na
sociedade, nas políticas dos governos e na vida
das pessoas. Na concepção de Émile Durkheim,
as religiões representam um conjunto de sistemas
coordenados de crenças e práticas específicas
que definem o sagrado, ou seja, prescrevem uma
ordem sobre certos fenômenos ou elementos
cuja existência ocorre em algo transcendental,
fora da realidade da vida cotidiana.

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


307

Figura 1 - A diversidade religiosa é objeto de


estudo das Ciências Sociais

O que é definido como sagrado é, muitas vezes,


colocado em um plano inacessível ou proibido.
A partir daí, são geradas crenças e práticas que
estão ligadas umas às outras, que formam uma
comunidade moral única, chamada Igreja,
caracterizada por ter um conjunto de crenças
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
308

específicas que são pronunciadas por seus líde-


res e aceitas por seus adeptos.
Um dos propósitos mais importantes das reli-
giões é regular o relacionamento de seus adeptos
com o que é definido como sagrado em um con-
texto espiritual, que pode ser representado por
um ou vários deuses. As grandes religiões, com
algumas exceções (como budismo e hinduísmo),
são monoteístas. Ao estabelecer o sagrado, as
religiões definem, ao mesmo tempo, o que é pro-
fano, ou seja, delimitam os comportamentos e
as práticas que são proibidas em seus códigos
e suas condutas morais. É, por isso, que a reli-
gião, por meio de múltiplas proibições, exerce
enorme influência sobre o comportamento das
pessoas, e, por conseguinte, sobre a sociedade.
Segundo Durkheim,
Todas as crenças religiosas conhecidas
[...] supõe uma classificação das coisas
[...] em duas classes ou em dois gêneros
opostos, designados [...] pelas palavras
profano e sagrado. A divisão do mundo
em dois domínios, compreendendo, um
tudo o que é sagrado, e outro tudo o que

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


309

é profano, tal é o traço distintivo do traço


religioso [...] (DURKHEIM,1989, p. 68).

Em um esforço para organizar os fenômenos


que definem a sua manifestação, baseiam-se em
duas noções fundamentais: crenças e ritos. As
crenças são representações que contêm valo-
res morais e são frequentemente associadas a
imagens místicas ou a seres que existem além
deste mundo e da experiência humana. Os ritos
são modos de ação expressos em cerimônias
(às vezes, de grande complexidade) em que os
elementos que formam a base das crenças são
consolidados. Textos sagrados, muitos dos quais
são revisados ao longo do tempo, definem o que
é estabelecido como crenças e ritos que devem
ser usados em ocasiões definidas. Por exemplo,
na Igreja Católica, uma crença importante é a
virgindade de Maria, mãe de Jesus. Os ritos de
batismo, casamento ou morte são característi-
cos de muitas religiões com variantes de acordo
com suas respectivas crenças.

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


310

Figura 2 - Tana Toraja, Indonésia. Homens vestidos


tradicionalmente, que dançam no círculo ao redor de
porcos abatidos e de búfalos para a cerimônia fúnebre

Da perspectiva de Durkheim, os ritos não são


muito diferentes de outras práticas morais,
exceto pelo objeto a que se dirigem. A natureza
especial desse objeto e a sua sacralidade são esta-
belecidas por crenças. Consequentemente, um
rito não pode ser definido sem referência a uma
ou mais crenças. Para Durkheim, estas envol-
vem um sistema de classificação, que demarca
e fixa o sagrado e o profano, transformando
esses dois campos em opostos quase absolu-
tos. De acordo com o o autor, todos os ritos
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
311

religiosos eram sagrados, embora sua sacrali-


dade variasse; e alguns ritos eram considerados
mais sagrados do que outros em qualquer reli-
gião. Também notou que esse antagonismo
radical é comum a todas as religiões, mas as for-
mas de contraste variam. As fronteiras entre os
dois campos também não poderiam ser absolu-
tamente fechadas, pois as religiões dependem
de algum contato entre o sagrado e o profano,
conforme ele explica:
A coisa sagrada é, por excelência, aquela
que o profano não deve, não pode impu-
nemente tocar. Certamente, essa interdi-
ção não poderia desenvolver-se a ponto
de tornar impossível toda comunicação
entre os dois mundos; porque se o pro-
fano não pudesse de nenhuma forma en-
trar em relação com o sagrado este não
serviria para nada. Mas, além desse re-
lacionamento ser sempre, por si mesmo,
operação delicada que exige precauções e
iniciação mais ou menos complicada, ela
sequer é possível sem que ele próprio se
torne sagrado em alguma medida e em
algum grau. Os dois gêneros não podem
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
312

se aproximar e conservar ao mesmo tem-


po sua natureza própria (DURKHEIM,
1989 p. 71-72).
A conversão cristã, por exemplo, não faria
muito sentido sem essa área de contato, sem
a possibilidade do que é profano tornar-se
sagrado e vice-versa.
Durkheim assim definiu as crenças e os ritos:
As crenças religiosas são representações
que exprimem a natureza das coisas sa-
gradas e as relações que têm entre si e
com as coisas profanas. Os ritos são, afi-
nal, regras de conduta que prescrevem o
modo como o homem se deve comportar
perante as coisas sagradas (DURKHEIM,
1989, p. 24).

Para esse pensador, a formação de uma religião


dependia então de um sistema para classificar
o sagrado e o profano e uma série de ritos ou
rituais em torno das coisas sagradas. Portanto,
a religião seria constituída quando se formasse
um conjunto ritualístico correspondente a um
sistema de classificação do sagrado, do sagrado
e das crenças próprias.
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
313

O autor francês apontou três dimensões impor-


tantes da religião: (1) que esta é um fenômeno
cultural, porque envolve crenças, valores, normas,
rituais, e cerimônias, que constroem a identidade
coletiva de um grupo de pessoas; (2) abarca um
conjunto de ritos – que inclui costumes, cerimô-
nias e regras para o culto religioso –, dos quais
os membros de uma comunidade religiosa par-
ticipam e se identificam. Esses ritos estão ligados
a crenças; (3) a religião oferece a seus membros
a confiança de que a vida tem um significado
essencial, que os ajuda a compreender a totali-
dade de suas vidas, estabelecendo diferenças entre
o sagrado e o profano e seus relacionamentos.
Na definição durkheimiana, a religião é um
fenômeno “eminentemente coletivo” e, portanto,
sujeito à análise sociológica. O autor afirmou
que as religiões, particularmente aquelas esta-
belecidas há muito tempo, como o judaísmo,
são instituições fundamentalmente sociais, que
criam forte consciência coletiva. Para o autor, a
religião era um fato social. Numerosos sociólo-
gos nos dias de hoje ainda utilizam a definição
de Durkheim realizada no início do século XX.
É ,também, a definição mais comum em livros
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
314

de introdução à sociologia. Isso mostra a impor-


tância do seu clássico As formas elementares da
vida religiosa, publicado pela primeira vez em
1912, para o entendimento da dinâmica reli-
giosa em nossos dias.
Outro sociólogo da religião, Max Weber
(1864-1920), argumentou que, na realidade, é
a pessoa, isto é, cada participante, quem cria
a religião. Em sua obra A ética protestante e o
espírito do capitalismo, publicado pela primeira
vez em 1905, essa tese é confirmada. Esse autor
trabalhou no sentido de mostrar como a dou-
trina advinda da Reforma Protestante impactou
o crescimento e o avanço do capitalismo.
Quando o protestante calvinista trabalha
duro e economiza dinheiro em vez de gastá-lo,
é movido pela ideia de predestinação, pensando
que isso garantirá a sua salvação. O sucesso no
trabalho também pode ser interpretado como
um sinal de que Deus o escolheu para ser salvo.
Isso faz com que ele se sinta mais confortável.
No entanto, como a ética protestante também
exige que o indivíduo viva modestamente – sem
luxo desnecessário –, o dinheiro ganho, em vez
de ser gasto, deve ser colocado em contas de
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
315

poupança ou investido, o que faz com que haja


aumento do movimento do sistema capitalista.

Ao acessar o QR Code,
você se aprofundará na
teoria de Max Weber
sobre a ética protestan-
te e o espírito capitalis-
ta. Vamos lá?

Figura 3 - A relação entre protestantismo e


capitalismo para Max Weber
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
316

Weber acreditava que os princípios do protes-


tantismo alavancaram o desenvolvimento do
capitalismo. Segundo ele, a abordagem racional
da religião implica na sua modificação, per-
dendo as suas características, tornando-se, aos
poucos, menos importante. Para o capitalismo,
isso também funciona quando os praticantes não
são calvinistas. Com o tempo, a razão para eco-
nomizar deixa de ser um esforço para ganhar a
salvação, para tornar-se um fim em si mesmo.
A religião, dessa maneira, transforma a socie-
dade e, ao mesmo tempo, sua função social
também é alterada sem que haja intenção para
isso. A sociedade mudou, porque os fiéis tentaram
cumprir as regras da religião. Isso levou Weber a
concluir que ações individuais são importantes.
É, acima de tudo, o ator quem cria e mantém a
estrutura, sem necessariamente estar consciente
ou entendendo o significado do que faz.
De Durkheim a Weber, todos os sociólogos da
religião tiveram que questionar se o fator mais
importante seria a estrutura em geral da socie-
dade ou a ação do indivíduo. Alguns optaram
por um ou outro, enquanto outros tentaram
combinar as duas ideias contraditórias. Peter
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
317

Berger argumentou que as pessoas criam a reli-


gião, o que a torna parte do indivíduo. Isso cria
interação entre o indivíduo e a religião com
influência mútua.

Peter Berger apresenta um diagnóstico da si-


tuação das religiões na sociedade ocidental
moderna, defendendo a tese de que os pro-
cessos infraestruturais concretos desta so-
ciedade trouxeram como reflexo a “seculari-
zação”. Esta, por sua vez, não impediu, como
muitos argumentam, o impulso religioso que
motivou os homens a aderirem à religião de
forma intensa, dando base para o que ele ca-
racteriza como “dessecularização”; sendo o
mundo de hoje, portanto, e com algumas ex-
ceções, tão impetuosamente religioso quan-
to antes. O que implica dizer que embora não
seja possível determinar com precisão como
será o futuro dos diversos movimentos reli-
giosos, Berger sustenta que não há razão para
pensar que o mundo do século XXI será menos
religioso do que o mundo anterior. Essa nova
dinâmica levou as religiões a operarem com a

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


318

lógica de mercado, o que implicou na necessi-


dade de adaptação de seus ritos e crenças, de
forma a atender a demanda das consciências
individuais.
Fonte: Oliveira (2012, p. 7).

Aula 2
RELIGIÃO: ÓPIO DO POVO, EM
KARL MARX
A famosa frase “a religião é o ópio do povo” é
considerada a síntese da concepção marxista
sobre a religião, mas não é uma exclusividade
sua. Diversos autores se referiram à religião
dessa forma antes de Karl Marx.
A principal base teórica para a crítica da reli-
gião feita por Marx foi realizada por Ludwig
Feuerbach:
Temos de colocar no lugar do amor de
deus, o amor dos homens, como uma
única, verdadeira religião, no lugar da fé
em um deus, a fé no homem em si, em
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
319

sua força, a fé em que o destino da hu-


manidade não depende de um ser fora ou
acima dela, mas dela própria, que o úni-
co diabo do homem é o próprio homem
(NOGARE, 1990, p. 90).
Marx considera que a experiência religiosa não é
algo que realmente exista. Apesar de ser de famí-
lia de origem judia, ele se declara publicamente
ateu. Para ele, a dimensão humana em relação
ao transcendente é inexistente, pois não se pode
comprovar de forma racional. Contudo, o pensa-
dor alemão, em nenhum momento da sua teoria
filosófica, busca refutar os argumentos da religião
como um princípio básico ou de suma importân-
cia. Não se encontram em seus escritos, embates
utilizando argumentos explícitos que embasem
o ateísmo contra a crença religiosa, por exemplo.
Quando olhamos para a sua filosofia da crítica
da religião, encontramos a base da sua argumen-
tação, no fato de que a religião funciona como
um mecanismo de alienação.

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


320

Alienação na Sociologia de Karl Marx


A palavra alienação vem do Latim “alienus”,
que significa “de fora”, “pertencente a outro”. A
alienação é estar alheio aos acontecimentos
sociais, ou achar que está fora de sua realida-
de. Karl Marx em sua obra Manuscritos econô-
mico-filosóficos usou o termo para descrever a
falta de contato e o estranhamento que o tra-
balhador tinha com o produto que produzia.
A alienação na sociologia de Marx é descrita
também como um momento onde os homens
perdem-se a si mesmos e a seu trabalho no ca-
pitalismo. Para Marx as relações de classe eram
alienantes, pois o trabalhador assalariado se
encontrava em uma posição de barganha
desigual perante o capitalista (empregador).
Dessa forma o capitalista conseguia dominar
a produção e o trabalhador.
Fonte: Scott (2006).

A religião, segundo Marx, precisa ser estudada


objetivamente. Isso significa, que, do seu ponto de
vista, devemos estudar a religião da mesma forma
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
321

que estudamos qualquer outra manifestação, bus-


cando ver sua relação com outras experiências
humanas e, especialmente, seu vínculo com as
condições econômicas e sociais da sociedade.
Marx criticou a religião como uma forma de
alienação em três sentidos. Em primeiro lugar,
é uma experiência de algo irreal, que não existe.
Ao apoiar-se em Feuerbach, Marx considerava
que não foi Deus quem criou o homem, mas
o homem quem criou Deus. A síntese de toda
a alienação consiste em afirmar que o sujeito
realiza uma atividade que o faz perder toda a
sua identidade, o seu próprio ser. Na aliena-
ção, o sujeito se anula. Para ele, é exatamente
isso o que acontece na religião: o homem pega
o que tem de melhor em si mesmo (a vontade,
a inteligência e a bondade) e projeta para fora
de si, no âmbito do infinito, do além, do ine-
xistente. A religião, pressupõe a existência de
um Deus infinito que se opõe a uma realidade
finita, em que o ser humano também se faz
presente. Essa perspectiva desvaloriza toda a
realidade do homem, em detrimento da reali-
dade transcendente ou divina, inventada pelo
próprio ser humano.
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
322

Em segundo lugar, a religião é uma alienação


porque desvia o homem do único reino no qual
a salvação e a felicidade são realmente possí-
veis: o mundo humano, o mundo da finitude
expresso na vida social e econômica. Ao con-
fortar o homem do sofrimento deste mundo ao
sugerir que no “outro mundo” haverá justiça
e felicidade plena, tira a capacidade, energia e
determinação para mudar as situações sociais,
políticas e econômicas que são realmente cul-
padas pelo seu sofrimento. Por isso, a religião
é considerada uma ilusão, pois anestesia o ser
humano, tornando-o imóvel diante da reali-
dade e, assim, é apontada como o “ópio do
povo”. Leia, a seguir, a passagem em que essa
expressão aparece:
É este o fundamento da crítica irreligio-
sa: o homem faz a religião, a religião não
faz o homem. E a religião é de fato a au-
toconsciência e o sentimento de si do
homem, que ou não se encontrou ain-
da ou voltou a se perder. Mas o Homem
não é um ser abstrato, acocorado fora do
mundo. O homem é o mundo do homem,
o Estado, a sociedade. Este Estado e esta
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
323

sociedade produzem a religião, uma


consciência invertida do mundo, porque
eles são um mundo invertido. A religião
é a teoria geral deste mundo, o seu resu-
mo enciclopédico, a sua lógica em for-
ma popular, o seu point d’honneur espi-
ritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção
moral, o seu complemento solene, a sua
base geral de consolação e de justifica-
ção. É a realização fantástica da essência
humana, porque a essência humana não
possui verdadeira realidade. Por conse-
guinte, a luta contra a religião é, indire-
tamente, a luta contra aquele mundo cujo
aroma espiritual é a religião.
A miséria religiosa constitui ao mesmo tem-
po a expressão da miséria real e o protesto
contra a miséria real. A religião é o suspiro
da criatura oprimida, o ânimo de um mun-
do sem coração e a alma de situações sem
alma. A religião é o ópio do povo.
A abolição da religião enquanto felicidade
ilusória dos homens é a exigência da sua
felicidade real. O apelo para que abando-
nem as ilusões a respeito da sua condição
é o apelo para abandonarem uma condi-
ção que precisa de ilusões. A crítica da re-
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
324

ligião é, pois, o germe da crítica do vale de


lágrimas, do qual a religião é a auréola.
A crítica arrancou as flores imaginárias
dos grilhões, não para que o homem os
suporte sem fantasias ou consolo, mas
para que lance fora os grilhões e a flor viva
brote. A crítica da religião liberta o ho-
mem da ilusão, de modo que pense, atue
e configure a sua realidade como homem
que perdeu as ilusões e reconquistou a ra-
zão, a fim de que ele gire em torno de si
mesmo e, assim, em volta do seu verda-
deiro sol. A religião é apenas o sol ilusó-
rio que gira em volta do homem enquan-
to ele não circula em tomo de si mesmo.
Consequentemente, a tarefa da história,
depois que o outro mundo da verdade se
desvaneceu, é estabelecer a verdade deste
mundo. A tarefa imediata da filosofia, que
está a serviço da história, é desmascarar
a auto alienação humana nas suas formas
não sagradas, agora que ela foi desmasca-
rada na sua forma sagrada. A crítica do
céu transforma-se deste modo em crítica
da terra, a crítica da religião em crítica do
direito, e a crítica da teologia em crítica da
política (MARX, 2005, p. 146-147).
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
325

O ser humano, em vez de buscar a transforma-


ção da sua própria realidade, conforma-se com a
situação que lhe foi imposta. É como se dissesse:
“Deus quis que eu vivesse na pobreza”, “é minha
sina ter esses sofrimentos de pobreza e escassez”.

Considerando o contexto de pobreza, você


acha que Deus realmente quis que fosse assim?

A religião, segundo Marx, faz com que o sen-


timento de indignação seja suplantado por um
conformismo em algo que não existe. No con-
texto turbulento do século XIX em que esse
autor viveu, os funcionários do clero e os religio-
sos, como parte da classe dominante, utilizavam
a religião, segundo ele, como forma de manipu-
lação social, e serviu de legitimação para usar
o transcendente para estabelecer uma ordem
injusta. A religião era uma fonte de alienação e
conformismo, que precisava ser desmascarada.

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


326

Em terceiro lugar,
a crítica marxista
também se estende
ao fato de que a
religião tende a
tomar partido, não
pelas classes des-
favorecidas, mas
de acordo com os
interesses da classe
Figura 4 - Criança
dominante, perpe- trabalhando em um lixão
tuando-a no poder.
Em muitos casos, utiliza-se até de justificati-
vas teológicas para legitimar o domínio de um
grupo social sobre outro.
Marx considerou que a superação da religião
era necessária e que deveria passar, obrigato-
riamente, pela superação do sistema de classes
sociais com a instalação do comunismo. A dife-
rença em relação ao pensamento de Feuerbach
se encontra justamente nessa questão. Para
este autor, o banimento da religião seria possí-
vel por meio da simples superação intelectual
com a crítica filosófica e racional da religião.
Marx, contudo, acreditava que seria necessário,
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
327

fundamentalmente, a modificação das condições


econômicas que tornaram a religião possível,
isto é, o desaparecimento da ordem social criada
a partir da existência da propriedade privada.
Em uma sociedade comunista, não haveria reli-
gião porque não existiria a alienação e, como
explicado anteriormente, a religião surgiu como
consequência da alienação.

Aula 3
RELIGIÃO: MORTE DE DEUS, EM
NIETZSCHE
Uma das frases mais
conhecidas na história do
pensamento humano é,
sem dúvida, a frase “Deus
está morto” (Gott ist tot,
no original alemão),
escrito pelo filósofo ale-
mão Friedrich Nietzsche
(1844-1900) no início
do Livro Três de A Gaia Figura 5 - Friedrich
Ciência (1882). Nietzsche
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
328

É uma frase, que, até hoje, gera discórdia entre


muitos crentes e ateus. Estes últimos tendem a
encontrar vários argumentos e evidências con-
tra a existência de Deus, como o problema do
mal e a aparente capacidade da ciência natural
para dar conta da origem do universo.
A partir do final da Idade Média, a filosofia oci-
dental iniciou um longo processo de separação
da religião e adotou caráter marcadamente crítico
com o que tradicionalmente era dado como ver-
dadeiro. Essa crítica foi exacerbada no século XIX,
no final do período moderno, o que causou uma
crise profunda: nada permanecia alheio à crítica
ou à dúvida, nada parecia indubitavelmente ver-
dadeiro. Nesse ambiente de crise e incertezas,
surgiu a filosofia de Friedrich Nietzsche.
Com a célebre frase, Nietzsche quer dizer que
a ideia de Deus como fundamento de valores
éticos e a certeza foram desprezadas, ou seja, é
uma ideia cuja vida chegou historicamente ao
fim. Deus havia sido tomado como a base sobre
a qual se estabeleciam as verdades que tínha-
mos como válidas. Quando a base desaparece
sob nossos pés, não temos mais a verdade para

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


329

apoiar-nos e, com isso, caímos no niilismo, na


desolada percepção de que nada é verdadeiro.
Constatar que “Deus está morto” é perceber
que as ideias absolutas, imutáveis e universais
não são mais possíveis. As construções metafí-
sica, ética e cultural emergidas dessa ontologia
que nega a realidade e afirma um “além” entrou
em colapso. Apenas o vazio permanece, um
trono (de Deus) sem ocupante e a perplexi-
dade dos homens que, sem essa orientação,
não podem mais viver.
Essa ideia de Nietzsche aparece em várias
versões. A mais conhecida, e uma das mais
importantes, encontra-se no excerto a seguir,
de A Gaia Ciência, livro publicado pela pri-
meira vez em 1882:
Não ouviram falar daquele homem louco
que em plena manhã acendeu uma lanter-
na e correu ao mercado, e pôs-se a gritar
incessantemente: “Procuro Deus! Procu-
ro Deus!”? – E como lá se encontrassem
muitos daqueles que não criam em Deus,
ele despertou com isso uma grande garga-
lhada. Então ele está perdido? Perguntou
um deles. Ele se perdeu como uma crian-
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
330

ça? Disse outro. Está se escondendo? Ele


tem medo de nós? Embarcou num navio?
Emigrou? – Gritavam e riam uns para os
outros. O homem louco se lançou para o
meio deles e trespassou-os com seu olhar.
“Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes
direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos
todos seus assassinos! Mas como fizemos
isso? Como conseguimos beber inteira-
mente o mar? Quem nos deu a esponja
para apagar o horizonte? […] Não ou-
vimos o barulho dos coveiros a enterrar
Deus? Não sentimos o cheiro da putre-
fação divina? – também os deuses apo-
drecem! Deus está morto! Deus continua
morto! E nós o matamos! Como nos con-
solar, a nós, assassinos entre os assassinos?
O mais forte e mais sagrado que o mun-
do até então possuíra sangrou inteiro sob
nossos punhais – quem nos limpará este
sangue? (NIETZSCHE, fragmento 125,
2001, p.147-148).

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


331

Figura 6 - Ser humano em busca de Deus

Para Nietzsche, a morte de Deus representa um


estado psicológico que afronta o ser humano.
Em outro momento, em sua obra Assim falava
Zaratrusta, de 1883, o autor reafirmou essa ideia:
Suplico-vos, meus irmãos! Permanecei fi-
éis à terra e não acrediteis naqueles que
vos falam de esperanças extraterrestres!
Envenenadores, eis o que eles são, quer o
saibam quer não. Desdenhadores da vida
é o que eles são, uns moribundos, eles pró-
prios envenenadores, eis o que eles são,
quer o saibam quer não. Desdenhadores
da vida é o que eles são, uns moribundos,
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
332

eles próprios envenenadores, de quem a


terra está farta: pois desapareçam! Ou-
trora, a ofensa a Deus era o maior ultraje,
mas Deus morreu e, com ele, morreram
também esses sacrilégios. Agora, o que
há de mais terrível é ultrajar a terra e dar
mais apreço às entranhas do inescrutável
do que ao sentido da terra! (NIETZSCHE,
1998, p. 12-13).

Ao perder progressivamente sua fé em Deus,


Nietzsche perdeu o respeito por todo o sistema
de valores criado pelo cristianismo no Ocidente.
Como afirmou Ivan Karamazov, personagem de
Fiódor Dostoiévski em Os Irmãos Karamazov:
“Sem Deus tudo seria permitido”. Assim, a morte
de Deus é um fato irreversível, que traz consigo a
perda dos valores que existiam até então. Quando
discorreu sobre valores, não se referiu apenas a
“valores morais” que podem ser substituídos por
outros, mas ao próprio sentido da vida.
O filósofo desenvolveu sua crítica da mora-
lidade ocidental em duas obras: Além do Bem e
do Mal (1886) e A Genealogia da Moral (1887).
O método genealógico permite estudar como
os conceitos morais surgiram e foram impostos
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
333

como valores aceitos por todos a partir da força


do grupo social que os impõe. A crítica da cul-
tura ocidental deve, então, começar pela moral,
uma vez que, para ele, todas as manifestações
filosóficas, científicas e religiosas de um povo
não são mais do que as manifestações de seu sis-
tema de valores, ou seja, da moral desse grupo
social. O povo expressa, em seus valores, suas
qualificações morais, sua gana pelo poder, sua
atitude para com vida.
Nietzsche rejeitava o dogmatismo moral,
que consiste em acreditar na objetividade e
subjetividade dos valores morais. Segundo ele,
os valores morais não têm existência objetiva,
mas são, em contrapartida, projeções da nossa
subjetividade, das nossas paixões, dos nossos
sentimentos e interesses.
Outro viés da análise desse pensar filosófico
de Nietzsche é o fato de que a modernidade
criou características que fizeram o ser humano
acreditar mais nas suas potencialidades indi-
viduais (criadas pelo estímulo à utilização da
razão) e começasse a desapegar-se da neces-
sidade de uma ajuda transcendente vinda da
religião, especificamente de Deus. A ciência e o
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
334

uso da razão preconizados pelo período ilumi-


nista – que antecedeu o contexto de Nietzsche
– fizeram com o ser humano visse na ciência
uma nova religião em que poderia apegar-se,
como vemos em Martha de Almeida:
Assim, partindo do princípio de que, na
modernidade, Deus não pode mais ser-
vir de pressuposto para a construção de
qualquer forma de pensamento, o ho-
mem moderno substitui a fé em Deus
(teologia), pela fé no homem (ciência),
já que é ele mesmo quem instaura a ci-
ência e lhe dá validade, concedendo-lhe
estatuto de verdade. Consequentemente,
desaparecem os valores absolutos, as es-
sências, os fundamentos divinos, os dog-
mas, dando lugar à ideia de progresso,
de qualidade de vida, de evolução histó-
rica, de controle e mensuração da vida.
Assim, ao afirmarmos a morte de Deus
estamos também afirmando, como o in-
sensato da praça pública, que foi o ho-
mem que o matou. Este homem, que se
coloca no lugar de Deus, é chamado por
Nietzsche de o último homem. O homem
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
335

da modernidade que inventou o trabalho


e a ciência buscando, com isso, controlar
a vida e alcançar sua própria felicidade,
através da sociedade de consumo, desfru-
tando do conforto oferecido pelas coisas
materiais. (ALMEIDA, 2009, p. 223).

Como podemos notar, a famosa frase vista até


o momento não significa que Nietzsche acredi-
tava que um Deus existia e que havia morrido,
mas se trata de uma metáfora. O filósofo que-
ria expressar que o Deus cristão não é mais a
fonte confiável de princípios morais absolutos.
A perda de uma base absoluta de moralidade
leva à crença de que a vida como tal não tem signifi-
cado. Portanto, argumenta Nietzsche, é necessário
buscar uma base absoluta mais profunda do que os
valores e as crenças. A solução, de acordo com ele,
seria encontrar nossos próprios valores enquanto
indivíduos, para gerar nosso sistema de valores e,
assim, darmos sentido à vida.

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


336

Aula 4
RELIGIÃO: UMA PROJEÇÃO,
SEGUNDO FREUD
A religião foi tema central no pensamento freu-
diano. Isso é demonstrado por meio de duas
das suas obras: Totem e Tabu (1913) e Moisés e
o Monoteísmo (1938). Apesar de ter crescido em
uma família religiosa judaica e estudar na sina-
goga local durante a infância, Sigmund Freud, o
pai da psicanálise, dizia-se ateu e acreditava que
a ideia da existência de Deus era insustentável.
Não podemos esque-
cer-nos, contudo, de que
a teoria de Freud nas-
ceu em uma época em
que o Império Austro-
Húngaro era o centro de
uma corrente predomi-
nante do pensamento
positivista. Além do
mais, foi um período
caracterizado por um
grande desenvolvimento Figura 7 - Freud e sua mãe,
industrial e das Ciências Amalia Freud, em 1925
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
337

Naturais. O racionalismo e a incessante busca


pelo afastamento de teorias que não poderiam
ser comprovadas cientificamente faziam parte do
contexto histórico em que Freud se encontrava.
Ele considerava a religião como uma neurose e
que, às vezes, aproxima-se perigosamente da lou-
cura. Além disso, via a religiosidade como ameaça
à liberdade e à verdade e, em última análise, à
felicidade dos seres humanos. Ele classificou a
religião como uma neurose obsessiva universal,
que funciona com uma ilusão que tenta encobrir
os desejos mais primitivos dos seres humanos:
Segundo ele, existe uma espécie de com-
promisso entre pulsão e desejo, “isto é,
de uma transação ou pacto estabelecido
entre a pulsão, por um lado, e a proibição
da satisfação dessa mesma pulsão, por
outro”. Entretanto, tal pacto deixa o su-
jeito alienado e diante do recalcamento,
tanto o neurótico como o religioso são
motivados pelas culpas e se escondem
mediante cerimoniais.
O indivíduo neurótico cria uma série de
defesas devido às pulsões sexuais que as
teme e, da mesma forma, acontece com os
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
338

religiosos quanto a seus instintos antisso-


ciais e egoístas. Para Sigmund Freud, por
meio da religião, muitas vezes o humano
faz o que ela própria proíbe. Deste modo,
Freud identifica a religião como uma
“neurose obsessiva universal” (WERNE-
CK, 2016, on-line)5.

Partindo desses pressupostos, Deus seria uma


projeção de nossos próprios desejos inconscien-
tes de segurança e proteção. Tal qual a criança
sente forte inclinação para com o pai ao buscar
a força necessária para defendê-la na adversi-
dade, o crente também confia sua segurança a
um Deus pai que o protege e dissipa os medos
diante das dificuldades da vida.
Na teoria psicanalítica, fica claro que a ori-
gem da religião se encontra no complexo infantil
de Édipo, pelo qual Deus se apresenta como pai
sublimado. É o ser humano quem cria a fé em
Deus a partir de sua impotência e dos seus medos.
O peso da ciência diminuirá gradualmente diante
da influência da religião. A tarefa do homem
maduro, do homem da ciência, consiste em dei-
xar de lado a esperança em tudo que há no além
e concentrar suas forças na vida terrena.
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
339

Para Freud, a força das representações religio-


sas são realizações dos mais antigos e intensos
desejos da humanidade. O ser humano projeta
na religião os mais diversos desejos da condição
de um ser desamparado: o desejo de encontrar
proteção contra perigos da vida, de obter justiça
face à injustiça social, de prolongar a vida depois
da morte, de uma resposta para as origens e os
mistérios dos relacionamentos entre o corpo e a
alma. A origem da força das representações reli-
giosas é a soma da intensidade desses desejos.

Freud foi aprovado brilhantemente nos exa-


mes de conclusão dos estudos secundários. Já
se destacava por falar latim, grego, iídiche, ale-
mão, francês, inglês e tinha noções de italiano
e espanhol. Nesse período, trocou cartas com
seu amigo de escola Eduard Silberstein – cartas
riquíssimas que mostram seus interesses, seus
ídolos e seus pensamentos de jovem. Ingres-
sou na Universidade de Viena em 1873 optan-
do por fazer medicina. Iniciou os estudos na
universidade aos 17 anos buscando, não uma

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


340

carreira tradicional de médico, mas assumindo


uma postura filosófico-científica mais próxima
do seu perfil de homem que buscava conheci-
mento e tinha profunda curiosidade. Esse per-
fil o levou a aceitar vários desafios e o fez des-
vendar alguns dos enigmas da humanidade.
Por causa disso, também pesquisou em várias
áreas, o que atrasou sua formação em medici-
na. Seu interesse era a natureza humana e foi
influenciado em toda sua formação acadêmi-
ca por vários intelectuais de sua época.
Fonte: adaptado de Mednicoff (2008, p. 52).

Aula 5
RELIGIÃO: EXISTENCIALISMO E
LIBERDADE EM SARTRE
O existencialismo é uma corrente filosófica e
literária que estuda a condição humana a partir
dos princípios da liberdade e da responsabili-
dade individuais, os quais devem ser analisados
como fenômenos independentes de justificati-
vas religiosas, filosóficas ou racionais, ou seja,
independentes de categorias preconcebidas.
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
341

Como corrente de pensamento, o existencia-


lismo teve início no século XIX, mas somente na
segunda metade do século XX alcançou seu apo-
geu. O caráter heterogêneo dessa linha impede
que seja considerada como uma escola unificada.
No entanto, as tendências que se manifestaram
no movimento compartilham algumas carac-
terísticas. A primeira delas é a de que, para o
existencialismo, a existência humana precede a
essência. Isso significa que a reflexão filosófica
não deve basear-se na formulação de catego-
rias abstratas e transcendentes, como a ideia, os
deuses, a razão ou a moral, mas com base na pró-
pria condição da existência humana. Opõe-se
ao racionalismo e ao empirismo, centrado na
valorização da razão e do conhecimento como
princípio transcendente, seja postulado como
ponto de partida da existência ou como orien-
tação vital. Também se opõe à hegemonia da
razão como base da reflexão filosófica.
Ao questionar a hegemonia do pensamento
racional, o existencialismo propõe focar a visão
filosófica sobre o próprio sujeito e não sobre
categorias abstratas ou supraindividuais. Dessa
forma, retorna à consideração do sujeito e seu
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
342

modo de existir diante do universo como experi-


ência individual e individualizada. A partir disso,
formula a sua principal hipótese: se a existên-
cia precede a essência, então a chave da reflexão
está no modo de existência e não em seu fim ou
propósito. Portanto, o ser humano é livre e inde-
pendente de qualquer categoria abstrata.
É preciso atentar-se, contudo, para o fato de
que, no existencialismo, a liberdade implica na
plena consciência de que as decisões e as ações
pessoais influenciam o ambiente social, o que
nos torna corresponsáveis pelo bem e pelo mal
infligidos aos outros. Não aborda a morte da
moral, como Nietzsche havia proclamado, mas,
entre essas responsabilidades, estaria o combate
à injustiça, por exemplo.

Será que a existência de Deus serve apenas para


colocar limite nos nossos comportamentos?

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


343

Segundo Jean-Paul Sartre, uma das motivações


dos seres humanos para criar Deus foi a justifi-
cativa de não desejarem exercer a sua liberdade.
Diante do vazio existencial e das angústias, foi
preferível criar um Deus que limitasse as ações
para que não sofrêssemos as consequências da
liberdade criadas por nós mesmos. Ao negar
Deus, o ser humano poderia, em primeiro lugar,
ser livre e não precisaria desculpar-se diante das
atitudes impostas pelas regras criadas por Ele:
Com efeito, tudo é permitido se Deus
não existe, fica o homem, por conseguin-
te, abandonado, já que não encontra em
si, nem fora de si, uma possibilidade que
se apegue. Antes de mais nada, não há
desculpas para ele. Se, com efeito, a exis-
tência precede a essência, não será nun-
ca possível referir uma explicação a uma
natureza humana dada e imutável; por
outras palavras, não há determinismo, o
homem é livre, o homem é liberdade. Se,
por outro lado, Deus não existe, não en-
contramos diante de nós valores ou im-
posições que nos legitimem o compor-
tamento. Assim, não temos nem atrás de
A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
344

nós, nem diante de nós, no domínio do


luminoso dos valores, justificações ou
desculpas. Estamos sós e sem desculpas
(SARTRE, 1970, p. 227-8).
Essa é a crítica que faz Sartre com relação a não
existência de Deus. Se Ele, de fato, não existe,
não existiriam regras ou valores objetivos para o
procedimento da ação humana. De acordo com
o filósofo, esses limites e valores simplesmente
não existem, conforme o texto que transcreve-
mos. Com isso, o autor nos passa a impressão
de que a ética ficaria em segundo plano na dinâ-
mica dos relacionamentos em sociedade. Para
ele, o ser humano deve ser o criador desses novos
valores, tendo em vista que, sem a presença de
Deus, está livre para construir novos paradigmas
para a sua existência. Em seu livro O existen-
cialismo é um humanismo (1946), ele afirma
que deveríamos agir pensando no fato de como
seria se todos agissem de determinada forma.
Por isso, o ser humano poderia ser a medida da
sua própria moral sem precisar recorrer a algo
inexistente para nortear a sua vida.

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


345

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos a mais um final de unidade com o


sentimento de que há muito mais a dizer sobre
todos os assuntos abordados, mas o propósito
foi o de realizar uma introdução a assuntos
muito complexos e densos em seu conteúdo.
Há uma literatura extensa e variada para cada
um dos temas estudados. Contudo, ao levar
este conhecimento a você, desejei que a super-
ficialidade de meras citações sobre os temas
não bastasse, então tentei abordar os aspectos
mais importantes sobre como personalidades
marcantes da nossa história mais recente se
relacionaram com o campo religioso.
A religião, vista como fenômeno religioso
pelos cientistas sociais, têm características bem
peculiares e marcantes. As crenças e os ritos são
duas características que existem, segundo os
cientistas, em todas as religiões. Interiormente,
é preciso acreditar em algo que satisfaça e dê

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


346

propósito à existência (crença). Quando pra-


tico os rituais em que acredito, exteriorizo as
práticas das minhas crenças de forma a perpe-
tuar essas ações para as próximas gerações. Por
isso, a religião não pode ser feita com apenas um
indivíduo. Ela precisa ter caráter coletivo. Além
disso, vimos sua importância na dinâmica das
mudanças sociais. Weber foi claro em perceber
que o capitalismo recebeu um grande incentivo
do protestantismo para crescer.
Os quatro autores que vimos – Marx, Nietzsche,
Freud e Sartre – viveram em épocas marcadas
pelo uso da razão e tentaram buscar explica-
ções para os principais dilemas humanos. Todos
eles foram influenciados por pensamentos que
viam Deus e o fenômeno religioso como algo
criado pelo ser humano para satisfazer inquie-
tações e desejos e, assim, aliviar os sofrimentos,
as angústias e as incertezas da vida. É preciso
estudá-los, então, tendo em vista a influência
altamente racional e de desencanto da realidade.

A RELIGIÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


1. Émile Durkheim examinou a religião sem cir-
cunscrever a subjetividade de religiosos, de
crentes ou a do próprio investigador. Apegan-
do-se à neutralidade ética típica da Sociolo-
gia científica, propôs que o estudo da religião
exigisse livrar-se de todas as ideias preconce-
bidas. Dentro do sistema religioso, qual é o
significado de crença para Durkheim?
2. Para Karl Marx, a religião implica não apenas
a verdadeira miséria da vida humana, mas
uma forma de protesto contra esta, como
se a religião, em certo sentido, dependesse
precisamente da miséria do mundo e da re-
alidade que atormenta a alma humana. De
acordo com os nossos estudos, por que Marx
considera que a religião é o ópio do povo?
3. A imagem de Deus ocupava um lugar na
mente dos europeus, uma imagem que re-
presentava a moralidade e a razão de ser
dos seres humanos Esse lugar deveria ser
ocupado, segundo Nietzsche, para mais do
que apenas um homem: é o super-homem
quem vem substituir Deus; seus valores e
suas ideias guiarão o homem a partir de ago-
ra. Qual é o sentido da afirmação de Nietzs-
che quando afirma que Deus está morto?
4. Sigmund Freud, em sua busca por uma res-
posta à psicogênese da religião, pôs grande
ênfase na questão do pai. A posição do pai
como um todo poderoso e o resgate da fi-
gura paterna como fonte de proteção con-
tra o desamparo humano foram a resposta
que ele encontrou às necessidades religio-
sas. De acordo com a teoria psicanalítica,
qual é a origem da religião?
5. As contribuições de Jean-Paul Sartre no
campo da Filosofia permitiram maior es-
clarecimento de certos aspectos do exis-
tencialismo, corrente cujo conceito em seu
auge adquirira tanta amplitude que, como
o próprio autor apontou, não significava
absolutamente nada. De acordo com o que
estudamos nesta unidade, o que significa a
afirmação de Sartre em dizer que a “existên-
cia precede a essência”?
Niilismo
A corrosão, a desvalorização, a morte do Sen-
tido. A falta de finalidade, de resposta ao “por-
quê”. Os valores tradicionais depreciam-se;
princípios e critérios absolutos dissolvem-se.
A bússola, que outrora nos orientava, apesar
das crises, das rupturas, das ilusões, da subs-
tituição frenética de rotas, explodiu em nos-
sas mãos. A vertigem subverte pensamento e
ação. Filosofia, arte, política, moral; a cultura,
a sociedade, as crenças, as instituições, tudo
é sacudido, posto radicalmente em discussão.
A superfície, antes congelada, das verdades e
dos valores tradicionais está despedaçada e
torna-se difícil prosseguir no caminho, avis-
tar um ancoradouro. É o niilismo — conceito
fundamental, imprescindível para compreen-
der o pensamento filosófico dos últimos dois
séculos —, signo do nosso tempo, fenômeno
ubíquo, complexo, multifacetado; ao mesmo
tempo, causa, patologia e oportunidade.
De modo geral, é possível considerar o niilis-
mo um movimento “positivo” — quando me-
diante um labor de crítica e desmascaramento
nos revela a abismal ausência de cada funda-
mento, verdade, critério absoluto e universal
e, portanto, convoca-nos diante da nossa pró-
pria liberdade e responsabilidade, agora não
mais garantidas, nem sufocadas ou controla-
das por nada. Pode-se considerá-lo também
um movimento “negativo” — quando a acen-
tuar-se, nessa dinâmica, são os traços destrui-
dores e iconoclastas, como os do declínio, do
ressentimento, da incapacidade de avançar,
da paralisia, do “tudo-vale” e do perigoso si-
logismo: se Deus (a verdade, o princípio) está
morto, então tudo é permitido.
Mas o que é, propriamente, o niilismo? Qual
é a sua trama? Quais são as fibras que com-
põem a história do termo, do conceito e dos
seus problemas? De que modo se daria o seu
ultrapassamento (que não é — atente-se —
simples superação dialética, mas sim contra-
movimento inaudito de sentido)?
O termo niilismo deriva do latim nihil, nada.
Essa origem revela um primeiro sentido do
conceito, que remete a um pensamento fas-
cinado e obcecado pelo nada. Seguindo tal
perspectiva o niilismo poderia ser encontra-
do ao longo de toda a história do pensamento
ocidental: do sofista Górgias (c.490-c.388 a.C.)
— com as célebres teses nada é; e se alguma
coisa fosse, não poderia ser conhecida; e se
fosse conhecível, seria inexprimível — à mís-
tica e à teologia negativa; do poeta e filósofo
italiano Giacomo Leopardi (1798-1837) — o
nada é o princípio de Deus e de todas as coi-
sas — à pergunta fundamental “por que o ser e
não, antes, o nada?”; de Wilhelm Gottfried Lei-
bniz (1646-1716) e Friedrich Wilhelm Joseph
Schelling (1775-1854), ao chamado “pessimis-
mo” de Arthur Schopenhauer (1788-1860).
Na realidade as relações entre o niilismo, o
nada e a negação são muito mais radicais, com-
plexas e profundas do que se possa imaginar.
Seja como for, os estudos mais importantes so-
bre o tema separam nitidamente os dois con-
ceitos, pondo de lado o nada para se concentrar
no niilismo considerado como fenômeno histó-
rico, um evento ligado à modernidade e à sua
crise. Niilismo no sentido estrito, portanto, tal
como surgiu na filosofia do século XIX e depois,
com uma intensa força contaminadora, espe-
cialmente no século XX, e cuja análise é orien-
tada por uma série de pressupostos. Quando o
termo é utilizado pela primeira vez? Quando,
e em que contexto, o conceito é utilizado filo-
soficamente? Qual é a razão essencial do apa-
recimento do niilismo? Quando e como o mais
inquietante e perturbador de todos os hóspe-
des, como o definiu Friedrich Wilhelm Nietzs-
che (1844-1900), penetrou em nossos lares?
As primeiras ocorrências do termo remon-
tam à Revolução Francesa quando foram defi-
nidos como “niilistas” os grupos “que não eram
nem a favor nem contra a Revolução”. Um
membro da Convenção, barão de Cloots, de-
clarou no seu discurso de 26 de dezembro de
1793 que “a República dos direitos do homem
não é nem teísta nem ateia, é niilista”. De todo
modo, e para além das indicações etimológi-
cas e lexicográficas, o primeiro uso propria-
mente filosófico do conceito é localizado no
final do século XVIII — em meio aos debates e
às controvérsias que caracterizam a fundação
do idealismo —, mais especificamente na car-
ta, escrita em 1799, de Friedrich Heinrich Jaco-
bi (1743-1819) a Johann Gottlieb Fichte (1762-
1814) na qual o idealismo é acusado de ser um
niilismo. Filósofos como Friedrich von Schlegel
(1772-1829) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(1770-1831) intervêm na discussão servindo-
-se do termo. Na Rússia, uma vez transposto
do restrito âmbito filosófico e literário para o
plano social e político, o niilismo passa a de-
signar um movimento de rebelião contra a or-
dem estabelecida, o atraso, o imobilismo da
sociedade e os seus valores. É com Nietzsche
que a reflexão filosófica sobre o niilismo alcan-
ça o seu mais alto grau, com um pensamento
radical que mostra as origens mais remotas do
fenômeno, vale dizer, o platonismo e o cristia-
nismo, e não só diagnostica a doença do nos-
so tempo como tenta indicar um remédio.
O século XX, século do niilismo, abre-se com
a morte de Nietzsche e com a crise de uma Ra-
zão que sucumbirá aos horrores de duas guer-
ras mundias, do fascismo e do nazismo, do Ho-
locausto e de Auschwitz. O niilismo infiltra-se,
encontra a projetualidade onipotente da ciên-
cia e da técnica, impregna a atmosfera cultural
de toda uma época, transforma-se em uma “ca-
tegoria” fundamental no laboratório filosófico
contemporâneo. Nesse sentido, entre os mo-
mentos mais significativos, podemos destacar
o confronto entre Martin Heidegger (1889-
1976) e Ernst Jünger (1895-1998) em torno do
“ponto zero” do niilismo e do seu ultrapassa-
mento; o renovado e mais intenso interesse
pelo pensamento nietzschiano na França (a
chamada “Nietzsche-renaissance”), em especial
as reflexões de Gilles Deleuze (1925-95); a fi-
losofia desesperada e negativa de Emil Cioran
(1911-95); a idéia de niilismo como essência
da civilização ocidental de Emanuele Severino
(n.1929); a desconstrução de Jacques Derrida
(1930-2004); as reflexões sobre niilismo e sen-
tido de Jean-Luc Nancy (n.1940); e o “pensa-
mento fraco” e a apologia do niilismo de Gian-
ni Vattimo (n.1936).

Fonte: Pecoraro (2007, p. 7-10).


MATERIAL
COMPLEMENTAR

As Formas Elementares da Vida Religiosa


Émile Durkheim
Editora: Martins Fontes.
Sinopse: As Formas Elementares da Vida
Religiosa, originalmente publicado em 1912,
é o primeiro grande estudo da sociologia da
religião. Nele, Émile Durkheim constrói, a partir
do estudo da religião aborígene australiana,
uma complexa teoria sobre religião e o sagrado
dentro dos processos de integração social.

O existencialismo é um humanismo
Jean-Paul Sartre
Editora: Vozes de Bolso.
Sinopse: O existencialismo é um humanismo se
tornou um clássico do pensamento ocidental do
século XX, especialmente porque apresenta um
caminho claro e acessível, não só o pensamento
de Jean-Paul Sartre, mas também as propostas
fundamentais do existencialismo. Em certo
sentido, esse breve texto resume as chaves
de toda a obra posterior de Sartre, uma vez
que o pensador francês sempre permaneceu
fiel aos princípios básicos delineados nele. O
pensamento de Sartre é revelado como um
instrumento muito útil para enfrentar o presente.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

A Ideologia Alemã
Karl Marx e Friedrich Engels
Editora: Boitempo Editorial
Sinopse: A Ideologia Alemã é uma obra escrita
por Karl Marx e Friedrich Engels em Bruxelas
entre 1845 e 1846, mas só foi publicada em
1932 por David Ryazanov por meio do Instituto
Marx-Engels-Lenin em Moscou. Nesse texto,
encontramos muitas das principais teses do
materialismo histórico pela primeira vez no
pensamento marxista. O tema da alienação
é desenvolvido, assim como a descrição das
formas de propriedade ao longo da história:
tribal, comunal e feudal. Algumas formas do
modo de produção capitalista são analisadas
como trabalho assalariado e as formas tomadas
pela ideologia ou consciência social dominante
são descritas de acordo com a base econômica
de determinado período histórico.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

A Gaia Ciência
Friedrich Nietzsche
Editora: Companhia de Bolso
Sinopse: A Gaia Ciência é um compêndio de
todo o pensamento de Nietzsche. Partindo da
ideia libertadora de que a vida deixou de ser
uma obrigação, Nietzsche entra com alegria
e leveza nos terrenos pantanosos da ciência,
da moral e da religião para trazer à luz o seu
significado. Depois de rejeitar a razão como
guia para o conhecimento, o filósofo atinge um
estado de liberdade de pensamento em que
é possível rir de si mesmo: é a cerimônia em
que o riso encontra sabedoria. Por meio desse
pensamento lúdico, alguns temas com os quais
o filósofo lidará em suas obras posteriores são
trazidos à luz: a morte de Deus, o amor fati e o
eterno retorno, bem como o caráter ficcional
associado à sua filosofia: Zaratustra.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

Moisés e monoteísmo, compêndio de


psicanálise e outros textos
Friedrich Nietzsche
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Freud discute as origens do
monoteísmo e oferece suas conclusões sobre
o que ele entende como as verdadeiras origens
e o destino de Moisés e seu relacionamento
com o povo judeu. Freud percebe, em seu
ensaio, um paralelismo entre a evolução do
povo judeu e os casos de neurose individual.
O pai da psicanálise sustenta que Moisés não é
judeu, mas um egípcio que transmite ao povo
judeu o monoteísmo do faraó Akhenaton.
Os judeus, de acordo com a tese de Freud,
assassinam Moisés, abandonando a religião
que lhes havia transmitido, esquecendo-se
coletivamente desse fato após algum tempo.
Quando, posteriormente, essa memória
reprimida vem à tona, o povo judeu e sua
religião se originam.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

Quando Nietzsche Chorou


Ano: 2007.
Sinopse: Lou Salomé é uma jovem cujo objetivo
é ajudar um promissor filósofo alemão chamado
Friedrich Nietzsche (Armand Assante), que mergulha
numa profunda depressão espiritual que atormenta
seus pensamentos. Para isso, ele recorre ao famoso
médico vienense Josef Breuer (Ben Cross), que terá
que tratá-lo sem saber que está sendo psicanalisado.
Entretanto, tanto o médico quanto o filósofo se
descobrirão compartilhando a sabedoria que cada
um conhece, chegando a lançar as bases do que
hoje conhecemos como Psicanálise.

Como relacionar a alegria e o trágico? A relação


entre esses dois elementos é pensada pelo
filósofo Roberto Machado a partir da filosofia
trágica de Nietzsche. Para que a vida fosse
afirmada, seria preciso combater o pessimismo
causado pelo niilismo, o niilismo passivo. No
programa, Roberto apresenta os outros tipos de
niilismo e também a resposta encontrada por
Nietzsche à passividade e ao pessimismo.
https://www.youtube.com/watch?v=SKrGcdy6J3g
Professora
Esp. Pablo Araya Santander

V
UNIDADE V

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO

UNIDADE
DA SOCIEDADE E DILEMAS
ATUAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

■ Compreender as características e as
percepções da sociedade de consumo
■ Analisar as contribuições de Zygmunt
Bauman acerca do panorama da
sociedade líquida
■ Estudar a teoria da sociedade do
cansaço
■ Verificar as experiências e teorias
sobre a sociedade hiperconectada.
Professora
Esp. Pablo Araya Santander

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO

V
UNIDADE
DA SOCIEDADE E DILEMAS
ATUAIS

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentam-se os tópicos que


você estudará nesta unidade:
■ Sociedade de consumo
■ Sociedade líquida
■ Sociedade do cansaço
■ Sociedade hiperconectada.
362

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à última


unidade! Aqui, trataremos de temas mais con-
temporâneos e, portanto, mais aptos a serem
desvendados por estudos futuros. Serão incóg-
nitas e dinâmicas próprias que aparecem na
sociedade dos nossos dias e que necessitam da
nossa especial atenção, uma vez que estamos
imersas nela. Discutiremos sobre assuntos
que possibilitam nossos posicionamentos,
pois temos propriedade de afirmar ou negar
o que está ao nosso redor.
O primeiro deles será o tema da sociedade
de consumo. Compreenderemos o conceito de
consumo de acordo com a perspectiva histórica
desde a Revolução Industrial aos nossos dias.
Aprenderemos a importância de percebermos
a forma com a qual temos lidado com as nossas
reais necessidades e como a percepção crítica
sobre as consequências de um consumo des-
medido é fundamental. Verificaremos que há
uma diferença vital entre o consumo em si e o
ato desmedido do consumismo.

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


363

Por meio do estudo apurado do sociólogo


polonês Zygmunt Bauman a respeito da nossa
realidade, aprenderemos sobre a chamada socie-
dade líquida, tão teorizada por ele. Em seguida,
exploraremos um tema razoavelmente novo no
campo das Ciências Humanas e Sociais – com
pouca pesquisa sobre o assunto até o momento
–, a dita sociedade do cansaço. Veremos que a
nossa sociedade do desempenho e do trabalho
excessivo tem deixado as pessoas com marcas
profundas, não somente de cansaço físico, mas
de certo esgotamento, por sermos tão exigidos
nessa dinâmica capitalista tão competitiva.
Conheceremos ainda os desafios de viver em
uma sociedade hiperconectada, que está inse-
rida em um mundo hiperconectado. Este mundo
é aquele em que a Internet tem se tornado tão
indiscutível quanto a eletricidade, por exemplo.
Veremos a relação objeto-pessoas, pessoas-ob-
jetos, objetos-objetos e as relações humanas em
um contexto no qual a conexão nas redes sociais
exibe uma aparência de sociabilidade real.
Desejo-lhe bons estudos!

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


364

Aula 1
SOCIEDADE DO CONSUMO

A sociedade de consumo, ou sociedade de con-


sumo de massa, é um termo usado em Economia
e Sociologia para designar o tipo de sociedade
que corresponde a um estágio avançado do
desenvolvimento industrial capitalista, caracte-
rizado pelo consumo maciço de bens e serviços,
disponível graças à produção destes. A expansão,
a aceleração do consumo e a sua posição como
articulador das relações de convivência social é
um fenômeno do século XX. Todo movimento
histórico ao redor da produção industrial pre-
cisa ser analisado para compreendermos de que
forma a cultura consumista chegou até nós.
A chamada sociedade de consumo surgiu
como resultado da produção em massa de bens
(ativada pelo taylorismo e fordismo), que reve-
lou que era mais fácil fabricar os produtos do que
vendê-los. Agora, o esforço daquele que empre-
endia foi transferido para a comercialização dos
itens produzidos por meio da publicidade, do
marketing, das vendas a prazo, entre outros.

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


365

Edward Taylor (1856-1915), no início do


século XX, elaborou uma teoria que buscava
obter o máximo de rendimento com o mínimo
de tempo: o taylorismo. Essa otimização e maxi-
mização no processo de produção era estudada
cientificamente, de forma a garantir resultados
cada vez melhores. Com isso, as linhas de pro-
dução foram montadas e tornaram o trabalhador
muito mais parecido com uma máquina do que
um ser humano com todas as suas capacidades
de abstração e pensamento. A ideia era deixar
muito nítida a divisão de quem era responsável
pela execução das tarefas e quem deveria ser o
ser pensante, que sabia as técnicas de como pro-
duzir. Taylor desenvolveu o conceito de que, com
o controle rígido da linha de produção em que os
operários se encontravam, fazia deles muito mais
produtivos. Influenciado pela ideia de Taylor,
Henry Ford expandiu o conceito de produção em
série, principalmente, no que se refere à fabri-
cação de automóveis. Até aquele momento, o
processo de produção dos carros era pratica-
mente artesanal. Ford treinava seus funcionários
para que produzissem e se especializassem em
apenas uma área da linha de montagem. Com
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
366

isso, conseguiu aumentar o número de unida-


des produzidas, popularizando e facilitando o
consumo de carros por todo o mundo.

Figura 1 - Ford 1896, um carro a motor movido


à gasolina, que seu fabricante, Henry Ford,
chamou de Quadriciclo

Esse tipo de produção favorecia, contudo, muito


mais o empresário do que os trabalhadores. Ao
empresário, é garantido o lucro pelo processo de
maximização da produção. O trabalhador, por sua
vez, deixa de pensar, reproduzindo apenas algo que
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
367

lhe é imposto. Perde, com isso, todo o aproveita-


mento da sua inventividade e capacidade crítica
de analisar os processos que estão à sua volta.
O taylorismo, o fordismo e as políticas keyne-
sianas são as grandes inovações econômicas
que, juntamente com as contribuições tecno-
lógicas – como eletricidade, petróleo e motor
de combustão interna – da Segunda Revolução
Industrial, lançaram as bases do capitalismo
durante o século XX.

Keynesianismo: o economista britânico John


Maynard Keynes acreditava que a principal
causa das crises era a baixa demanda, derivada
das baixas expectativas dos consumidores. Ele
propôs o intervencionismo como mecanismo
para estimular a demanda e regular a econo-
mia em tempos de depressão. Keynes estudou
os problemas adjuntos da economia, como de-
semprego, investimento, consumo, produção
e poupança. Seus argumentos construíram a
base da macroeconomia.
Fonte: o autor.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
368

Nos Estados Unidos, o American Way of Life


(estilo de vida americano), começou a ser
divulgado e vendido como exemplo para todo
o mundo. Tal modo de vida estava baseado no
consumo extremo de todos os tipos de artigos
como uma das principais formas de realiza-
ção pessoal. O seu auge aconteceu no período
que antecedeu a Segunda Guerra Mundial e se
estendeu até meados da Guerra Fria. Valores
culturais, como o crescimento intelectual
ou espiritual, foram deixados em segundo
plano. A imagem vendida era de uma felici-
dade exposta, representada, normalmente,
por uma família feliz, em que a sua realiza-
ção advinha da possibilidade de consumir e
ter posses. O exagero e a ostentação de bens
também fizeram parte desse cenário.
Após a Segunda Guerra Mundial, a nova
lógica apoiada por técnicas gerenciais, pesquisa
de mercado e publicidade fez com que a norma
de consumo penetrasse em todas as áreas da
vida. A partir daí o consumo começa a depen-
der da publicidade e da promoção de vendas.
Conforme já estudamos, o consumo de massa

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


369

caracteriza-se por uma padronização da oferta


de produtos para o maior número de pessoas
que é possível atingir. Esse modelo de consumo
organizado a partir da oferta gerou um consu-
midor idealizado, que se sentia homogêneo em
relação ao restante da sociedade.
Entraram em cena, de forma determinante no
avanço do consumismo, os setores de marke-
ting e publicidade. Esta poderosa indústria da
persuasão utiliza elementos sociológicos, psi-
cossociais, cognitivos e culturais, com alto grau
de tecnologia e profissionalismo para deixar os
produtos desejáveis. Colocam em movimento
as motivações primárias e os instintos dos con-
sumidores. Os desejos são racionalizados a fim
de culminarem na ação de consumo, mas os
apresentam como se fossem derivados de uma
decisão pessoal e voluntária.
A partir de 1970 até a década de 90, começou
a Terceira Revolução Industrial (como alguns
chamam) ou revolução da microeletrônica, da
automação e da ciência da computação, pos-
sibilitada graças às novas mídias, aos robôs e
aos computadores.

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


370

Nesse período também


surgiu o toyotismo,
nome que se refere
ao novo processo de
produção encabeçado
pela fábrica japonesa
Toyota. Trata-se de
um conceito de pro-
dução mais flexível
realizado de acordo Figura 2 - AEG 80 Series -
com a demanda (on Computador alemão dos
demand). A ideia anos 70 no Museu Nacional
básica é que apenas o de Ciência e Tecnologia da
Catalunha
que o mercado neces-
sita deve ser produzido, assim os custos de
armazenamento são reduzidos e os riscos de
superprodução são evitados.
Houve grande mudança no deslocamento da
mão de obra das fábricas e indústrias em dire-
ção ao setor de serviços (escritórios, comércios,
transporte etc.). Isso se deve à necessidade de
manter uma estrutura de comunicação e publi-
cidade mais ativa. Nesse panorama histórico
iniciado no início do século XX até os dias atu-
ais, surge a chamada sociedade pós-industrial,
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
371

caracterizada por crescimento econômico que


está ligado, sobretudo, à necessidade de conquistar
novos mercados (o que dá especial importân-
cia à propaganda). É uma sociedade que precisa
de mais consumidores do que de trabalhado-
res. Surge também a crescente importância das
indústrias de lazer, que exploram o tempo livre
dos cidadãos. Dessa perspectiva mercantil e des-
personalizada, a tendência é de que os sujeitos
deixem de ser vistos como indivíduos e se tor-
nem meras funções sociais ou números.
Aqui, faz-se necessário
distinguir os conceitos
de consumo e de con-
sumismo. Enquanto
o consumo é consi-
derado uma ação de
consumir ou gastar pro-
dutos de vários tipos,
com a particularidade
de serem utilizados
para o bem-estar do ser
humano e satisfazerem
suas necessidades ime- Figura 3 – O consumo
diatas, o consumismo como felicidade.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
372

é entendido como o consumo de produtos que


não são necessários e são rapidamente substi-
tuíveis por outros igualmente desnecessários e
de pouca duração. Além disso, o consumismo
baseia-se na produção em massa e na exploração
irracional dos recursos naturais para alcançar a
venda massiva de produtos.
Nota-se que existem algumas característi-
cas do consumo em nossa sociedade que são
bem peculiares do nosso tempo. Muitas vezes,
tornam-se tão impregnadas na cultura que se
tornam valores – a ideia de que o ato de consu-
mir traz felicidade é uma delas. A publicidade
das empresas veiculadas nos meios de comuni-
cação tem se encarregado de estabelecer uma
correlação simplista e fácil entre consumo e feli-
cidade. Além disso, estimula-se a ideia de que a
felicidade advinda do consumo gera realização e
satisfação pessoal, como se a atitude de comprar
fosse capaz de preencher os vazios existenciais.
Será que esse modelo de consumo realmente nos
traz felicidade? É possível, pelo menos, ser razo-
avelmente feliz em uma sociedade de consumo
como a nossa? Da mesma forma que parece ser
relevante analisar a sociedade de consumo a partir
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
373

do prisma das aspirações geradas e dos modelos


de vida prometidos, o impacto da sociedade de
consumo em grande parte do mundo tem sido tão
importante que, hoje, não é possível entender a
ideia de felicidade sem um vínculo com o modelo
de produção e consumo que nos governa.
Aristóteles afirmou que a eudemonia (em
grego, εὐδαιμονία, eudaimonia) ou a plenitude
do ser é um exercício virtuoso específico do ser
e, até mesmo, o objetivo final que perseguimos.
Desde então, a preocupação e a busca da felici-
dade têm sido um dos eixos fundamentais em
praticamente todas as sociedades, mas com varia-
ções significativas. Sabemos que a felicidade é
um conceito relativo fortemente influenciado
por fatores culturais, mas a maioria das abor-
dagens teóricas coincide com o fato de que há
necessidades básicas a serem atendidas como
pré-requisito para alcançá-lo. Isso significa que a
felicidade, às vezes, é concebida como um estágio
mais global e até espiritual do que o bem-estar.
Do mesmo modo que o bem-estar material
parece consistir em satisfazer as necessidades
materiais, o alcance da felicidade é geral-
mente apresentado como um caminho com
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
374

necessidades que vão muito além do fisiológico.


Portanto, as diferentes abordagens adota-
das sobre as necessidades humanas desde a
Sociologia e a Psicologia têm proposto uma
série de escalas que tentam abranger o máximo
possível todos os tipos de fatores que entram em
jogo quando se fala na felicidade das pessoas.
Em muitos estudos sobre felicidade, as rela-
ções sociais ocupam um lugar de destaque.
Manter relações sociais amigáveis, emocionais
e amorosas, é considerado fundamental pela
ciência para alcançar o bem-estar: sabe-se que a
presença de entes queridos altera positivamente
a resposta do cérebro a situações ameaçado-
ras. Pessoas que passaram por uma situação
estressante e receberam algum tipo de apoio
verbal afetuoso tinham quantidades menores
de cortisol no corpo – um hormônio relacio-
nado ao processo ativado diante do estresse –,
em relação àquelas que passaram pela mesma
situação, mas receberam apoio verbal de um
estranho ou não receberam.
O paradigma neoliberal insiste que a com-
petitividade é a chave do crescimento e que
lutar por nossos interesses nos fará felizes. No
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
375

entanto, os diferentes estudos realizados sobre


o bem-estar mostram como um ingrediente-
-chave a preocupação das pessoas em serem
aceitas e valorizadas socialmente. A coopera-
ção com os outros ainda oferece mais prazer
do que o hedonismo: ser generoso, por exem-
plo, produz a sensação de bem-estar, pois ativa
um circuito neuronal associado ao prazer e à
recompensa, além de ativar diferentes hormô-
nios associados à felicidade, como dopamina e
ocitocina. Pessoas generosas têm mais amiza-
des (de acordo com relatos), dormem melhor e
superam mais facilmente os obstáculos do que
as pessoas egoístas e autocentradas.
A felicidade é um elemento essencial para
compreender o discurso vinculado à lógica de
consumo, à política, à ideia de empreendedo-
rismo, ao movimento de coaching, à prática
de negócios e à produção de autoajuda, e, em
geral, a uma indústria crescente e lucrativa, que
fornece uma infinidade de bens e serviços com
a promessa de que os indivíduos saibam como
viver de maneira mais completa, funcional e
saudável, ainda mais se forem estimulados à
prática do consumo.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
376

Hoje, quase nada escapa do círculo vicioso de


produção e hiperconsumo que se multiplica em
si mesmo. Recebemos diária e constantemente
um bombardeio de impactos de mensagens
comerciais; na verdade, somos medidos, muitas
vezes, como consumidores e classificados como
público-alvo. Recebemos uma chuva sensorial,
mas também cognitiva e emocional, constante
e, às vezes, tão discreta que mal a notamos.
Tudo isso acontece sem estarmos sequer pre-
parados para tomar consciência dessa pressão,
muito menos para nos defender contra ela,
proteger menores de idade ou outros grupos
sociais e coletivos mais vulneráveis. Supõe-se
que é natural ou que sempre foi assim, que
somos livres para optar e temos muita sorte de
poder escolher entre tantas ofertas.
Em sua última fase, o consumo é apresentado
como um processo de intensificação hedo-
nista do presente pela contínua renovação dos
produtos e serviços. A estética das sensações
imediatas, passageiras e intensas promove as
práticas do hiperconsumo. Nesse caso, novas
necessidades não são criadas, mas individualiza-
das para o consumo de novos objetos de desejo
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
377

como melhoradores, carregados de valores sim-


bólicos muito mais representativos para uma
suposição ideal de bem-estar individual. Hoje,
na sociedade de consumo, não é mais vendido
um produto, mas uma visão, um conceito, um
estilo de vida e, por isso, a construção da iden-
tidade da marca estará no centro do trabalho
de comunicação das empresas.
Podemos ver, então, que o modelo da socie-
dade de consumo se caracteriza, além de criar
falsas necessidades, por oferecer-nos, por meio
do consumo, falsas satisfações às nossas reais
necessidades, oferecendo-nos, na melhor das
hipóteses, satisfações provisórias. Por isso, dedu-
zimos que o motor dessa espiral consumista é
a frustração, a insatisfação e, portanto, a infe-
licidade. Recebemos essas sensações quando
o consumo apenas nos dá momentos efême-
ros de satisfação no momento da compra ou
quando o consumo atua como falsa satisfação de
uma insuficiência que continua a existir. Esses
sentimentos nos fazem continuar a consumir,
buscando uma satisfação que nunca é plena-
mente realizada.

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


378

As expressões em que a sociedade de consumo


se manifesta são tantas e o discurso é tão predo-
minante, que podemos dizer que esse modelo
se tornou parte de nossa cultura, pois atinge
todas as áreas de nossa vida, o que permite pou-
quíssimas brechas para críticas ou propostas
alternativas. Uma sociedade em que o consumo
é tão relevante deixa o ser humano passivo e
individualista, desvalorizando facetas humanas,
como a criatividade e a cooperação.
Temos visto, contudo, de acordo com o anda-
mento da situação, uma outra vertente. Não ter
o que realmente precisamos produz insatisfação,
mas ter mais do que o necessário não fornece
nenhuma satisfação duradoura, pelo contrá-
rio: aquilo que é desfeito, imediatamente perde
seu valor diante do que é desejado, o que faz o
consumidor entrar em uma incessante (e, no
fundo, muito insatisfatória) cadeia de gastos.
Existem casos reais de indivíduos que compra-
ram um carro para ver se poderiam, assim, sair
da depressão em que se encontravam. Contudo,
passado algum tempo, a alegria da aquisição
(que sempre é passageira) se esgotou, voltando
ao mesmo estágio depressivo anterior.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
379

Esses comportamentos são uma consequência


do profundo impacto psicológico das incessan-
tes mensagens publicitárias, que incentivam as
pessoas à busca pela felicidade e realização pes-
soal por meio da compra.
Outro ponto importante a analisar, nessa
sociedade consumista, é o fato de não termos
relação direta com o fabricante do objeto que
compramos. Há não muito tempo, quando
desejávamos comprar um terno, por exemplo,
sempre recorríamos a um alfaiate, que tirava
as medidas necessárias para a confecção. Com
isso, mantínhamos certo contato com o profis-
sional contratado, sabíamos da sua saúde, da
sua família, enfim, do seu bem-estar. Com o
crescente processo e aprimoramento da con-
fecção de ternos para o consumo em massa, o
custo do produto caiu muito. O preço realizado
pelo trabalho artesanal do alfaiate não ficou
nada competitivo e, agora, tornou-se uma pro-
fissão que está quase em extinção. O problema
dessa relação de distanciamento é que não nos
importamos mais com as pessoas e as condições
de trabalho em que elas estão para fornecer-
-nos aquele tão desejado produto. Não é raro,
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
380

em nossos dias, termos o conhecimento de que


grandes multinacionais se utilizam de mão de
obra análoga à escravidão em diversos países
para aumentar o seu lucro. Inseridos no mundo
consumista em que estamos, não nos preocu-
pamos com essas situações. Queremos apenas
que o objeto de desejo e de consumo seja adqui-
rido para satisfazer o nosso prazer.
Podemos verificar também que a cultura consu-
mista afeta a sociedade em diversos aspectos. Ela
é prejudicial ao equilíbrio ecológico em sua tota-
lidade, por exemplo. Existem muitos problemas
relacionados ao consumo excessivo de recursos
naturais feito em todo o mundo, bem como o fato
de que os processos de produção geram, princi-
palmente, poluição. Além disso, ingerimos cada
vez mais produtos com agrotóxicos, pelo fato de
aumentarem a produção e baratearem os custos.
No âmbito familiar, aumentamos desneces-
sariamente nossas despesas ao comprarmos
produtos que poderíamos evitar ou reduzir.
O endividamento das famílias nos cartões de
crédito e a ampla facilidade de parcelamentos,
muitas vezes, consomem todo o rendimento
dos membros da família.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
381

Este QR Code desper-


tará em você uma nova
perspectiva sobre o
consumismo e sua in-
fluência nas relações
humanas. Está prepara-
do? Acesse e descubra!

Outro mecanismo prejudicial utilizado pelo mer-


cado para induzir ao consumismo é a chamada
obsolescência pro-
gramada. Trata-se
de um sistema arti-
ficial estabelecido
pelos fabricantes
para controlar a
vida útil dos seus
produtos. Ou seja, o
produtor tem con-
trole sobre a duração
Figura 4 - Obsolescência
de sua mercadoria, Programada: diversos
normalmente para computadores sem conserto.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
382

que tenham duração menor do que poderiam ter e


estimulem, assim, o consumo. Isso foi criado para
que o consumidor fosse forçado a adquirir um pro-
duto novo igual ou similar. A maioria dos produtos é
“programada para morrer” e, muitas vezes, quando
esses dispositivos são danificados, é mais barato
adquirir um novo do que consertá-lo.
A obsolescência programada garante grande
demanda, pois as empresas têm mais benefícios
e oferta contínua, o que influencia o desenvol-
vimento da economia por meio da aquisição
desnecessária, de diversos produtos.
As consequências da obsolescência progra-
mada impactam diretamente o meio ambiente.
Por meio dela, é preciso utilizar uma grande
quantidade de recursos naturais para produzir
constantemente esses itens que substituem os
obsoletos. Nesse caso, é necessário considerar
que alguns dos recursos naturais utilizados para
a fabricação de alguns produtos são muito escas-
sos. Outro ponto é a acumulação de resíduos.
Todos os aparelhos que não são mais usados
são descartados e a má gestão governamental
pode levar a aterros ilegais. Por terem elemen-
tos que podem contaminar o solo ou a água,
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
383

é importante que eles sejam adequadamente


gerenciados e que a vida útil dos dispositivos
eletrônicos seja prolongada, a fim de reduzir o
número de resíduos gerados.
Há, todavia, um movimento empregado
para combater o modo como lidamos com o
consumo em nossos dias: o consumerismo.
Trata-se de um neologismo derivado da palavra
inglesa consumerism, que tem como objetivo
fazer com que as pessoas assumam a pers-
pectiva de um consumo mais responsável. A
partir disso, as principais razões para levar um
consumidor a agir dessa maneira podem ser
especificadas nos seguintes aspectos:
■ Contribuir ativamente para a realização dos
direitos de informação, escolha do consu-
midor e reclamação.
■ Solidariedade e respeito por todas as pes-
soas envolvidas no processo produtivo
■ Proteger o meio ambiente.
■ Comprar produtos e serviços sustentáveis.
■ Evitar o desperdício e aplicar a regra dos
três R’s: reduzir, reutilizar e reciclar.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
384

■ Contribuir para gerar empresas sociais e


ambientais.
■ Ter participação mais ativa nas práticas e
atividades de responsabilidade social.

Esse movimento é uma resposta do ser humano


ao perceber que o atual quadro da atividade do
consumo é muito prejudicial aos relacionamen-
tos humanos e ao próprio planeta como um todo.

Aula 2
SOCIEDADE LÍQUIDA
Quem de nós já não deve ter analisado como as
formas de pensar e de ser de nossos avós são dife-
rentes de como nós pensamos e agimos, não é
mesmo? Provavelmente, eles se casaram com ape-
nas uma pessoa, viveram na mesma casa por um
longo tempo e trabalharam na mesma profissão
durante toda a vida. E nós? Como temos vivido?
No decorrer da história e, principalmente, na
modernidade, várias instituições e estruturas
sociais permaneceram intactas e inquestio-
náveis, nos quais os valores mais relevantes
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
385

foram associados à
estabilidade, união e
tradição. Em nossa
realidade atual, eles
foram dissolvidos e
deram origem à cha-
mada Modernidade
Líquida, conceito
elab orado p elo
sociólogo polonês Figura 5 - Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman.
A filosofia de vida, os valores e o que é consi-
derado ético e moral mudaram drasticamente
nos últimos anos devido a mudanças políti-
cas e sociais a partir da segunda metade do
século XX.
No livro Modernidade Líquida, lançado em
1999, Bauman foi capaz de explicar os fenôme-
nos sociais da era moderna e mostrar o que nos
diferencia de gerações anteriores. A partir de
1999, o autor publicou uma série de obras que
resumem os seus pontos de vista sobre a reali-
dade social que nos rodeia: Amor Líquido (2003),
Vida Líquida (2005), Medo Líquido (2006) e
Tempos Líquidos (2007).
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
386

A realidade líquida consiste em uma ruptura


com as instituições e as estruturas estabelecidas.
No passado, a vida era projetada especificamente
para cada pessoa, que deveria seguir os padrões
estabelecidos para tomar as decisões na sua vida.
Na modernidade, o sociólogo afirmou que as
pessoas já conseguiram livrar-se dos padrões e
das estruturas que foram, ao longo do tempo,
sendo pré-estabelecidas e que, agora, cada um
tem a capacidade de criar a sua própria medida
de comportamento para determinar suas deci-
sões e seu estilo de vida.
Na vida líquida, segundo Bauman, a socie-
dade está baseada no individualismo e se tornou
algo temporário e instável, que carece de aspec-
tos sólidos. Tudo o que temos muda com uma
curta data de validade, em comparação com as
estruturas fixas do passado. Além disso, a indi-
vidualização faz com que se perca a ideia de
coletividade, cidadania e bem comum:
o público é colonizado pelo privado; o ‘in-
teresse público’ é reduzido à curiosidade
sobre as vidas privadas de figuras públi-
cas e a arte da exposição pública é reduzi-
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
387

da à exposição pública de assuntos priva-


dos e à confissão pública de sentimentos
privados (quanto mais íntimos melhor).
As ‘questões públicas’ que resistem a essa
redução tornam-se incompreensíveis
(BAUMAN, 2001, p. 18).

O único interesse do cidadão individualista


com relação aos interesses públicos é com
relação à proteção do seu espaço na sua zona
particular. O poder público deve garantir as
liberdades individuais para que, assim, o ser
humano consiga desempenhar a sua individu-
alidade com segurança:
As únicas duas coisas úteis que se espe-
ra e se deseja do ‘poder público são que
ele observe os direitos humanos, isto é,
que permita que cada um siga seu pró-
prio caminho, e que permita que todos o
façam em paz –protegendo a segurança
de seus corpos e posses, trancando cri-
minosos reais ou potenciais nas prisões
e mantendo as ruas livres de assaltantes,
pervertidos, pedintes e todo tipo de es-
tranhos constrangedores e maus (BAU-
MAN, 2001, p. 45).
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
388

Inúmeras situações que Bauman nos apresen-


tou há vinte anos em Modernidade Líquida e as
obras seguidas se tornaram realidade em nossos
dias. Ele conseguiu, com destreza, diagnosticar
o funcionamento da sociedade atual e determi-
nar a relação das novas gerações com conceitos
como amor, trabalho ou educação.
O relacionamento dos nossos avós, por exem-
plo, é muito diferente dos relacionamentos dos
tempos líquidos ou pós-modernos. Hoje, há
certo medo pelo compromisso. O “ficar” por
uma noite ou por um momento é um exemplo
claro desse conceito. O medo da desilusão amo-
rosa e do sofrimento já não valem mais a pena
e existe a visão de que há muito mais a perder
do que a ganhar em uma relação.
Para Bauman, fica claro que, em nossos dias,
há uma fragilidade dos vínculos. Essas rela-
ções são as que dão nome ao seu conceito de
amor líquido. Para ele, o que será renunciado
– a liberdade, por exemplo – é a principal razão
para o medo do compromisso.
Estabelecer vínculo forte e comprometido não
é fácil para muitas pessoas. Além disso, há um
senso de responsabilidade e sacrifício pessoal
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
389

que os indivíduos podem não estar dispostos a


aceitar. É até possível que haja imaturidade pes-
soal, que impossibilita conceber uma autêntica
relação sólida e estável para um projeto futuro.
O próprio Bauman explicou que muitas das
relações de hoje são “conexões”, em vez de “rela-
cionamentos”. Não falamos apenas da primazia
das novas tecnologias e das redes sociais, aquelas
que nos unem a múltiplas pessoas no momento
que escolhemos. Esse conceito vai um pouco
além. O individualismo procura apenas atender
às necessidades específicas com um começo e
um fim, daí a ideia de amor líquido. As emoções
não podem ser retidas e escapam fugazmente
das mãos até desaparecerem.

Figura 6 - Namoro online


FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
390

Bauman afirmou ainda que o consumismo


estabeleceu uma pedagogia perversa, na qual
o imediatismo da satisfação do desejo e a coisi-
ficação das pessoas (transformá-las em objeto)
possibilitam a redução dos laços afetivos à sua
forma mais depreciativa. O casal se torna uma
“mercadoria” que, eventualmente, não satisfaz
mais as necessidades a curto prazo.
O autor introduziu, no primeiro capítulo, a
distinção entre amor e desejo:
Em sua essência, o desejo é um impulso
de destruição. E, embora de forma oblí-
qua, de autodestruição: o desejo é con-
taminado, desde o seu nascimento, pela
vontade de morrer. Esse é, porém, seu
segredo mais bem guardado — sobretu-
do de si mesmo.
O amor, por outro lado, é a vontade de
cuidar, e de preservar o objeto cuidado.
Um impulso centrífugo, ao contrário do
centrípeto desejo. Um impulso de expan-
dir-se, ir além, alcançar o que ‘está lá fora’.
Ingerir, absorver e assimilar o sujeito no
objeto, e não vice-versa, como no caso do
desejo. Amar é contribuir para o mundo,
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
391

cada contribuição sendo o traço vivo do


eu que ama (BAUMAN, 2004, p. 24).

Muitos dos novos amantes pensam a partir da


lógica dos consumidores, que buscam maxi-
mizar sua utilidade, seu prazer e, para isso, as
relações superficiais e prontas são mais confor-
táveis. Como mercadoria, podem ser alteradas
por outras, com a mesma facilidade com que são
retiradas de uma prateleira de supermercado.
Isso explica o medo de estabelecer relações dura-
douras. Em uma análise de custo-benefício, é
um investimento a longo prazo que causa nervo-
sismo e insegurança, pois o resultado final não
pode ser conhecido. O casamento e a família,
instituições tradicionais da sociedade, sentem
diretamente o impacto da superficialidade amo-
rosa contemporânea. A família se tornou um
investimento muito arriscado, o que se traduz
em menos casamentos e menos filhos.
Outra característica dessa nova era é a busca e
o interesse dos jovens por fazer viagens de vários
meses ao redor do mundo, com o objetivo de rom-
per barreiras e testemunhar realidades diferentes.
Em Sociedade Líquida é descrito precisamente
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
392

esse cenário, que convida ao movimento, ao fluxo


e à busca de novas experiências, mas sem enrai-
zar-se nas localidades. São cidadãos do mundo,
mas de lugar algum ao mesmo tempo.

Figura 7 - Viajar se tornou uma forma de


não criar raízes, uma das características da
sociedade líquida

Essa filosofia baseada na busca de novas experi-


ências e em ser um cidadão do mundo também
se reflete no ambiente de trabalho na sociedade
líquida. Os empregos têm mudado e o mercado
atual demanda reformulações dentro das empre-
sas em pouco espaço de tempo.
Em contrapartida, Bauman identificou a
necessidade do dinamismo dos trabalhadores,
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
393

e que, por isso, são cada vez mais cobrados para


desempenharem tarefas em diferentes áreas.
As empresas estão à procura de pessoas com
capacidade de se reinventarem e que tenham
disponibilidade total, inclusive para viajar para
outras cidades, se necessário. Por isso, elas preci-
sam dar tudo no trabalho, mesmo sabendo que
podem ser substituídas a qualquer momento se
não atenderem às expectativas desejadas.
Outra importante abordagem na teoria de
Bauman é a do consumismo, assunto que abor-
damos anteriormente. No seu livro Vida para
Consumo (2007), o autor afirmou que, nessa rea-
lidade líquida, o importante não é conservar os
objetos, mas renová-los constantemente para
satisfazer o espírito consumista. Nesse trabalho,
podemos notar duas hipóteses: a hipótese geral,
que é a transição de uma sociedade de produ-
tores (sociedade sólida) para uma sociedade de
consumidores (sociedade líquida) nos últimos
anos; e a hipótese particular, que envolve uma
reconfiguração da ideia moderna do sujeito car-
tesiano, que apropriadamente racionaliza seu
entorno e seus objetos, a uma noção de sujeito
convertida em um objeto ou produto.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
394

Para verificá-las, o sociólogo elaborou três


tipos ideais com base no modelo weberiano
a partir da justificativa de que os ideais não
são descrições da realidade social, mas ferra-
mentas para sua análise; são abstrações que
tentam capturar a singularidade de uma con-
figuração composta por ingredientes que não
são de todo especiais ou específicos. De acordo
com ele, são janelas para entender a genealo-
gia da sociedade líquida. O primeiro tipo ideal
é o consumismo, concebido em sua relação
oposta ou extrema com relação ao consumo.
O segundo é constituído pela dinâmica que
envolve a implementação do consumismo na
sociedade de consumo. O terceiro, por sua vez,
é uma consequência dos dois primeiros: o esta-
belecimento de uma cultura de consumo.
Para desenvolver o primeiro (consumismo),
Bauman definiu primeiramente o consumo como
parte da sobrevivência biológica, como parte ine-
rente da vida humana, porque é atribuído como
essência que não muda no qualitativo, mas no
quantitativo. Só é variável quando as formas e
quantidades de acumulação são modificadas.
Ele chamou a transição do consumo para o
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
395

consumismo de revolução consumista. A centrali-


dade que o consumidor adquire na vida social, ou,
na maioria das pessoas, no grupo social, ocorre
quando seu objetivo passa a ser uma necessidade
existencial ou imanente a uma necessidade cons-
truída para querer ou desejar algo.
O consumismo é estabelecido como um acordo
social, como uma força que opera em outras esfe-
ras da vida pública, pois se constitui como uma
forma de integração, estratificação e formação do
indivíduo, principalmente porque adquire papel
preponderante nos processos de autoidentificação
de pessoas e coletividades. Para ser um atributo
da sociedade, desprezou o valor mais precioso
da sociedade de produtores: o trabalho, pois este
desempenhava papel vital na formação de insti-
tuições sociais. O trabalho outorgava um valor ao
indivíduo diante da coletividade, pois definia uma
identidade baseada na ocupação exercida pelo
trabalhador. Atualmente, a lógica do emprego é
colocada abaixo do ato de consumir.
Na sólida fase da modernidade, caracteri-
zada pela dinâmica da produção, o indivíduo
e a coletividade foram orientados a obter uma
segurança que fosse resistente ao tempo, que
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
396

fosse duradoura. De fato, essa era a justificativa


para ter um pleno emprego: estabilidade.
Em contraponto, na direção da sociedade de
consumidores, ou fase líquida da modernidade,
percebe-se uma instabilidade de desejos e insa-
ciabilidade das necessidades individuais. Para o
autor, os objetivos da vida (identidade, futuro)
são configurados de maneira diferente e o que
tinha valor (trabalho) deixa de ter vital impor-
tância. No entanto, ele não perdeu de vista o
fato de que essas mudanças têm raízes estrutu-
rais, causadas principalmente pelas mudanças
das funções do papel do Estado, que privati-
zou e desregulamentou as atividades herdadas
no período pós-guerra, para serem transferidas
para poderosas multinacionais.
Nesse contexto, entende-se o motivo pelo qual a
substantividade do trabalho é alterada pelas pres-
sões econômicas. A força que o mercado adquire
na órbita do setor público impõe novas formas
de produção (distanciadas do trabalho) e novos
padrões de produtividade e competitividade (que
tendem a exacerbar os níveis de consumo).
Portanto, quando o indivíduo vive em constante
incerteza sobre seu possível acesso ao trabalho,
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
397

passa de uma identidade baseada no trabalho


para uma identidade baseada no consumo. Ao
perder peso, o valor dos indivíduos como seres
produtivos na sociedade (trabalhadores, buro-
cratas, profissionais), a ênfase passa a estar em
outros conceitos, como tempo, liberdade ou feli-
cidade enquanto novos objetivos de vida.
Nesse sentido, já que o elemento que seguirá
o curso das sociedades atuais será a incerteza, o
tempo será caracterizado por sequências, rup-
turas e descontinuidades; será inconsistente e a
própria ideia de tempo será quebrada na infini-
dade de momentos eternos.
Uma vez caracterizado o indivíduo consu-
mista, Bauman desenvolveu o segundo tipo
ideal (a sociedade de consumo), definida como
um conjunto de condições de existência sob as
quais as chances de a maioria dos homens e das
mulheres adotar o consumismo antes de qual-
quer outra cultura são muito altas. Esse tipo de
sociedade define seus membros com base em sua
capacidade de consumir, pois gera um ambiente
propício para avaliar, orientar e sancionar a velo-
cidade de resposta de seus membros na escolha

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


398

do modo de vida e, assim, são definidas as estra-


tégias essenciais para pertencer a ela.
O poder de compra na sociedade de consumo
está relacionado ao desempenho individual, pois
consumir significa investir no próprio pertenci-
mento à sociedade. Dessa maneira, as pressões
sociais gerarão clima de reprodução de um sistema
que vive de, para e a partir do consumo. Antes
de consumir, você precisa tornar-se um produto
– e é essa transformação que regula a entrada
no mundo do consumo –, para ter, pelo menos,
uma oportunidade razoável de exercer os direi-
tos e cumprir as obrigações como consumidor.
O terceiro tipo ideal (cultura consumista) foi
desenvolvido com base nas características que
definem o indivíduo na sociedade de consumo:
a liberdade de escolha e a liberdade de descartar
os indesejados. Esse conceito, que historica-
mente tem sido encarado de maneira filosófica
na formação de novas realidades, é concebido,
agora, na modernidade líquida, como uma liber-
dade para escolher e consumir.
Liberdade e tempo andam de mãos dadas na
lógica do consumismo. A liberdade de escolha
será diretamente proporcional à urgência de
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
399

decisão. Por esse motivo, a cultura consumista


sugere viver com intensidade, com o máximo
de aproveitamento do potencial do momento,
porque a fórmula é que você aprenda rápido,
mas se esqueça com a mesma velocidade.
A principal consequência do mundo oposto
ao sólido cria ansiedade nas pessoas, segundo
Bauman. A necessidade de reinventar-se no
emprego faz com que muitos trabalhadores fiquem
para trás e não atendam aos requisitos atuais, o
que gera frustração. Além disso, a necessidade de
relacionar-se vai contra a falta de compromisso
e o medo de perder a liberdade. Na sociedade de
hoje, não podemos apegar-nos, visto que tudo é
mutável e efêmero. Tudo é líquido e a possibili-
dade de perder é mais do que provável.

Aula 3
SOCIEDADE DO CANSAÇO
Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, em
Sociedade do Cansaço (2010), desenvolveu uma
análise sobre as consequências das normas cul-
turais do mercado neoliberal em nossas vidas.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
400

Para ele, cada época tem a sua própria doença.


A anterior teria sido viral, infecciosa, referindo-se
a uma ameaça exterior (século XIX, cólera, pan-
demias etc.), e a enfermidade do século XXI seria
“neuronal”. O ser que produz também é o que, ao
mesmo tempo, sofre das doenças causadas por
estresse, depressão, burnout, entre outras. O sur-
gimento delas não seria de origem externa, mas
interna, produzidos “por excessos de positividade”.
Pouco a pouco e proporcionalmente ao cresci-
mento do desajuste, o colapso começa a acontecer.

Figura 8 - Homem moderno sobrecarregado


com as demandas do trabalho
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
401

A definição mais aceita sobre a síndrome de Bur-


nout se fundamenta na perspectiva social-psico-
lógica de Maslach & Jackson, que considera bur-
nout uma reação à tensão emocional crônica por
lidar excessivamente com pessoas. É um cons-
truto formado por três dimensões relacionadas,
mas independentes: a) exaustão emocional, ca-
racterizada por falta de energia e entusiasmo,
por sensação de esgotamento de recursos, que
pode somar-se ao sentimento de frustração e
tensão nos trabalhadores; b) despersonalização,
definida pelo desenvolvimento de insensibili-
dade emocional, que faz com que o profissional
trate os clientes, os colegas e a organização de
maneira desumanizada; c) diminuição da reali-
zação pessoal no trabalho, qualificado por uma
tendência do(a) trabalhador(a) em avaliar-se de
forma negativa, o que o(a) torna infeliz e insatis-
feito(a) com seu desenvolvimento profissional.
Fonte: adaptado de Carlotto e Palazzo (2006).

Cada sociedade cria seu “homem invisível”.


Nesse caso, o invisível quer dizer o normal,
aquele que não se destaca, que se confunde com
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
402

a paisagem. O ser humano invisível que temos


hoje é o ser humano que vive em estresse e que
cumpre todas as metas. A mulher e o homem
trabalhador, eficazes em todas as dimensões
em que se propõem a trabalhar não se desta-
cam em meio aos demais, pois todos estão à
procura dos mesmos objetos e objetivos.
No entanto, Sociedade do Cansaço se refere ao
efeito final de uma sociedade performática ou,
como diria Byung-Chul Han, de uma sociedade
do rendimento. O filósofo, no primeiro capí-
tulo, tenta explicar sua teoria a partir do mito de
Prometeu ao afirmar que a águia é um relacio-
namento consigo mesmo, no qual há relação de
autoexploração. A dor do fígado, que é indolor,
tipifica o cansaço. Assim, Prometeu, como sujeito,
torna-se vítima de um cansaço infinito. Essa seria
a figura original da sociedade do cansaço.
Segundo o autor, a sociedade disciplinar de
Foucault, com suas prisões, hospitais e hospitais
psiquiátricos, não corresponde mais à sociedade
atual. Uma nova sociedade de academias, torres
de escritórios, laboratórios genéticos, bancos e
grandes shopping centers compõem o que ele
chama de sociedade do rendimento. O “sujeito
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
403

da obediência” anterior foi substituído pelo


“sujeito do rendimento”. Aquelas velhas mura-
lhas que delimitaram o normal do anormal e
toda a negatividade da dialética que envolvia a
sociedade disciplinar caíram. Hoje, a sociedade
com desempenho positivo substituiu a proibi-
ção pelo verbo modal “poder”, com seu plural
afirmativo “sim, nós podemos”. Motivações,
empreendedorismo, projetos e iniciativas subs-
tituíram a proibição, o mandato ou a lei.
O sujeito do rendimento está em guerra
consigo mesmo, afirma Byung-Chul. Livre
de um domínio externo que o obriga a traba-
lhar ou que o explora, submetido somente a
si mesmo, o sujeito do rendimento é abando-
nado à liberdade forçada ou à livre obrigação
de maximizar seu desempenho. O excesso de
trabalho se torna mais agudo e se torna uma
autoexploração. Isso é muito mais eficaz do
que a exploração vinda de outros, pois é acom-
panhado por um sentimento de liberdade.
O excesso de positividade também variou a
estrutura e a economia da atenção. A supera-
bundância de estímulos e informações causou a
fragmentação e a dispersão da percepção. Essa
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
404

fragmentação ou atenção multitarefa à qual


o sujeito contemporâneo está sujeito é uma
capacidade que não apenas aparece nos seres
humanos, explica o autor, mas é amplamente
utilizada em animais selvagens. A multitarefa
é uma técnica vital de sobrevivência na selva:
um animal selvagem deve sempre estar ciente
dos diferentes elementos de seu ambiente para
evitar ser comido por outros predadores. Isso
torna impossível mergulhar na contemplação.
A capacidade de atenção profunda e contem-
plativa, da qual descem as grandes realizações
da humanidade, é progressivamente substituída
por superatenção e hiperatividade. A agitação
permanente, a supremacia da vida ativa ampla-
mente elogiada na sociedade performática não
gera nada de novo, reproduz e acelera o que já
existe. A sociedade da performance, como uma
sociedade ativa, tem gradualmente se tornado
uma sociedade dopada e ainda acrescenta que
o uso de drogas inteligentes, que permitem ope-
rar sem alterações e maximizar desempenho, é
uma tendência bem argumentada, mesmo por
cientistas sérios que consideram irresponsável
o uso dessas substâncias. O ser humano como
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
405

um todo, não apenas o corpo, tem se tornado


uma “máquina de performance”.
Esse é o estado de nossa sociedade, segundo
Byung-Chul Han. As fronteiras do próprio corpo,
da psique e da moral são constantemente var-
ridas, dirigidas pelas possibilidades de pessoas
que estão na ativa. É doloroso imaginar como
esse processo acontece no ser humano em seu
mundo de trabalho, justamente em uma socie-
dade em que o trabalho representa a totalidade
da vida e existência humanas.
Essa dinâmica faz parte das concepções do
sujeito de nossos tempos. Funciona como um
mecanismo que mantém o ser humano como
um ideal sempre efetivo e produtivo, conectado
ao imediatismo da tecnologia, sobrecarregado
pela dimensão da urgência das possibilidades do
saber e acesso a tudo sem limites estabelecidos.
Os perigos advindos desse cansaço não dizem
respeito apenas ao indivíduo e à sua saúde, mas
também afeta toda a dimensão social e afetiva:
ele isola e divide. A percepção do outro, assim
como o autoconhecimento, requer tempo. Han
afirma que o cansaço faz com que as famílias
desapareçam, as amizades sejam extintas e os
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
406

relacionamentos amorosos fiquem desgasta-


dos. Para o autor, o cansaço funciona como uma
forma de violência, porque tem a capacidade de
destruir a vida comunitária e toda a proximi-
dade entre os seres humanos.

Aula 4
A SOCIEDADE
HIPERCONECTADA
Historicamente, podemos analisar os altos e
baixos das grandes civilizações e os eventos
históricos de grande magnitude, como cataclis-
mos naturais, guerras ou mudanças estruturais
em sua sociedade.
A Revolução Tecnológica, derivada do advento
da Internet, trouxe mudança de paradigma no
modo como a sociedade se relaciona interna e
externamente. Já nasceu a primeira geração em
que a Internet é uma extensão da sua própria
pessoa, o que, sem dúvida, significa que surgem
novas formas de socialização.
Ela consolida a definição de Marshall
McLuhan da sociedade da mídia nos anos 60,
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
407

a da “aldeia global” e a da mídia como uma


extensão de pessoas. Hoje, podemos perceber
não somente que a Internet já é uma extensão
de nós mesmos, mas que se tornou um pro-
cesso que se globalizou, o que gerou e ainda
gera impactos em todo o mundo.
No cenário mais positivo, até 2020, a
sociedade conectada terá trazido progresso
econômico, social e ambiental significativo
para centenas de milhões de pessoas. Isso
permitirá que todos, tudo e qualquer lugar
estejam conectados em tempo real.
Quais são as implicações e consequências de
uma parte crescente da nossa sociedade estar
interconectada uns aos outros e com acesso a
informações instantâneas de forma tão natural?
Muitos desses efeitos já fazem parte do nosso
cotidiano e afetam poderosamente muitas áreas:
a forma como vivemos, como consumimos,
como nos comunicamos ou fazemos política.
As últimas eleições presidenciais foram cla-
ras em mostrar o uso da tecnologia e das redes
sociais para eleger o novo presidente do Brasil.
As chamadas fake news invadiram os celula-
res e computadores de todo o país, mostrando
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
408

a importância do uso dessa tecnologia como


disseminação de transmissão de conteúdo. O
presidente eleito conseguiu alavancar a parti-
cipação na web para convertê-la na tradução
moderna do significado de militância política
pouco utilizada até o momento, mas que, de
repente, tornou-se simples, atraente, acessível
e eficaz a qualquer um. Pessoas de todas as fai-
xas etárias enviaram aos seus amigos vídeos
do YouTube com as aparições do candidato e
defenderam suas posições em discussões inter-
mináveis em redes sociais como Facebook,
Twitter e Instagram.

Figura 9 - As redes sociais trazem novas formas


de relacionamento
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
409

Uma nova cultura surge por meio da sociedade


hiperconectada. Os seus elementos constituin-
tes – indivíduos ou instituições – são unidos por
linhas de comunicação virtual. Em nossa socie-
dade atual, estamos todos unidos por uma série
de linhas de comunicação mais ou menos visí-
veis, expressas de uma forma ou de outra na rede.
Uma sociedade hiperconectada parte do
pressuposto de que existe acesso à Internet
quase que a todas as pessoas. Sem dúvidas, a
situação ainda não é assim. Ainda há divisão
digital relativa, na qual segmentos populacio-
nais não podem acessar um computador ou
uma conexão de banda larga por razões como
economia, cultura e território.
A experiência de viver em uma sociedade
assim ainda não é comum para a maioria dos
usuários da Internet. O perfil do usuário médio
da rede geralmente é o de uma pessoa que a usa
geralmente para tarefas como acessar e-mail, ler
notícias, pagar contas, visualizar extrato bancá-
rio, baixar músicas e filmes, comprar ingressos
para shows e procurar algo para resolver proble-
mas domésticos (como trocar um chuveiro, por
exemplo). Se dissermos a esse usuário comum
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
410

que ele vive em uma sociedade hiperconectada


é possível que ele se surpreenda e, até mesmo,
negue que esteja fazendo parte dela.
A grande questão é que o nível de conec-
tividade começa a atingir níveis realmente
surpreendentes: é perfeitamente normal que
uma pessoa se levante pela manhã e acesse o
seu celular smartphone antes mesmo de tomar
o café da manhã, mas isso não acontece apenas
na hora de levantar-se. Muitas pessoas sentem
a necessidade de ver as suas redes sociais a todo
o momento, para ver se algo mudou, se alguém
curtiu ou comentou a foto postada.
Os adolescentes são os mais afetados nesse pro-
cesso e podem tornar-se dependentes do uso do
aparelho. Uma nova rotina de vida é gerada: che-
car as redes sociais ou usar por alguns minutos o
celular na hora de dormir e no momento de levan-
tar-se. Em sala de aula, ao ministrar uma aula de
Sociologia no Ensino Médio, alunos relatavam para
mim que, até mesmo durante o banho, conversa-
vam e respondiam mensagens de seus “amigos”.
Ao retomarmos os conceitos de modernidade
líquida e sociedade de consumo de Zygumnt
Bauman, podemos verificar que a falta de
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
411

lealdade à vida sólida da modernidade é acom-


panhada pela ideia de derrotar o tempo. Esse é,
em grande parte, um dos propósitos mais caros
incorporados nos usuários de redes sociais. Os
internautas tentam informar toda a sua vida pri-
vada a vários amigos (principalmente virtuais)
para serem aceitos nesse espaço virtual. Cada
notícia é recompensada, especialmente as tri-
viais – que são as mais populares. Os usuários
divulgam no espaço público virtual todo tipo de
informação: desde o almoço a atividades diárias
e rotineiras, passando pelos comentários até os
tópicos em voga ou as atividades de lazer locais.
Como as redes sociais funcionam em tempo
real, as informações da manhã já estão obsoletas ao
meio-dia e o que é publicado à tarde não importa
mais à noite. O que é necessário é atualizar o per-
fil praticamente minuto a minuto para continuar
colhendo comentários e reações e aumentando o
número de seguidores. O estresse causado pelos
usuários na necessidade de ganhar tempo nas
redes sociais é evidente quando os protagonistas
fazem todo o possível para posicionar-se como
objetos rentáveis e atraentes no mercado virtual.
É por isso que há a necessidade de fazer upload
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
412

de fotografias, informar detalhes íntimos e reno-


var informações pessoais o tempo todo.
O sucesso desses espaços de comunicação
virtual é que eles exaltam, enraízam a cultura
consumista e transformam o usuário em um
objeto de consumo tão dispensável quanto os
outros. É por isso que o máximo de redes sociais
deve informar quantos seguidores e comentá-
rios você tem em seu perfil, para dizer-lhe qual
é o seu valor no ciberespaço.
Essas redes consomem novas informações
instantaneamente apenas para descartá-las
quase que imediatamente. Portanto, seguindo
a alegoria, talvez a verdadeira paixão das redes
sociais seja produzir resíduos no espaço virtual.
A questão relevante é que os usuários são, de
fato, os objetos que podem rapidamente pas-
sar da glória ao esquecimento, a depender de
suas habilidades para atender às necessidades
de outros concorrentes virtuais.
Uma das grandes promessas da tecnologia, e
uma das causas da revolução que levou às tele-
comunicações, foi dar-nos a possibilidade de
conectar-nos em tempo real com pessoas que
estão a distâncias que, sem a ajuda de dispositivos
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
413

tecnológicos, poderíamos levar horas, dias,


semanas ou meses para alcançar, conhecer e
estabelecer algum tipo de relacionamento.
Além disso, a grande promessa da tecnologia
que origina a conectividade a níveis extraordi-
nários nos garantiu que teríamos muito mais
comodidade e rapidez para acessar informações,
mais tempo para nós mesmos e poderíamos,
assim, desfrutar mais da vida. Contudo, não é
isso que temos visto e presenciado.

Quais são os elementos positivos e negativos


da tecnologia na sua vida?

Figura 10 - Conectados com muitos e sozinhos na multidão


FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
414

A solidão que, de acordo com estudos recentes,


tem nos matado, é mais um resultado de uma
sociedade com indivíduos cada vez mais iso-
lados. O isolamento é um sintoma do produto
das relações da nossa sociedade atual.
É um fenômeno humano oriundo de uma
abordagem relacional na era da modernidade.
Na Antiguidade, a solidão não aparece, pelo
menos da forma como vemos hoje, porque foi
vivida em comunidade. Não houve divisão entre
o ser individual e o coletivo.
O “penso logo existo” é uma sentença cartesiana
que enaltece o “eu” como o único fundamento
da realidade. A partir desse momento, desen-
volvimento e as transformações política, social,
cultural, econômica e tecnológica da moderni-
dade ocidental foram construídas, tendo o ser
humano como referência.
Contudo, o sentimento de solidão parece ser
contraditório à própria condição da existência
humana. O relacionamento com outros seres
humanos tende a ser o motor que nos leva a
dar sentido à nossa existência, a criar a lingua-
gem, os afetos e os sentimentos. Sentido que,

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


415

embora possa acontecer por meio do indiví-


duo em si, sempre precisará ser comunicado,
conversado e compartilhado.
Aristóteles acreditava na natureza social do
animal humano, muito diferente da abordagem
moderna do lobo solitário de Thomas Hobbes,
que concebia a natureza humana como um
estado de isolamento violento.
A solidão está longe de ser uma questão exclu-
sivamente individual. Os sujeitos que se sentem
isolados vivenciam condições psicossociais que
aumentam o estresse: situação econômica des-
favorável, perda de um ente querido, discussões
entre familiares ou amigos, ruptura de um rela-
cionamento e problemas legais ou trabalhistas,
assim como recessões econômicas, instabilidade
política ou social no país onde se vive.
As conexões digitais nos oferecem a ilusão
da companhia sem as exigências que a amizade
real possui. Nossa vida conectada nos permite
esconder-nos uns dos outros, mesmo ao estar-
mos conectados. Preferimos enviar mensagens
a conversar pessoalmente. Além disso, as novas
tecnologias permitem manter uma vida social
efervescente sem sair de casa.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS
416

Este livro que escrevi, por exemplo, é dire-


cionado para alunos que estudam um curso
de educação a distância, cuja formação acadê-
mica se dará, quase cem por cento, dependendo
do acesso à rede mundial de computadores. O
contato de sala de aula com outras pessoas será
substituído pela presença de uma tela e pela
interação virtual com outros alunos.
As redes sociais são ferramentas podero-
sas, se usadas corretamente. Novas tecnologias
podem levar-nos mais à integração do que ao
isolamento. A chave é manter um equilíbrio e
não permitir que os relacionamentos virtuais
substituam os relacionamentos pessoais. Muitas
pessoas reclamam que não conseguem estabe-
lecer relacionamentos próximos, previsíveis e
genuinamente recompensadores, tanto de ami-
zade quanto de relacionamento amoroso. Isso
acontece porque as relações são cada vez mais
mediadas, menos definidas e, consequente-
mente, muito complexas. Os relacionamentos
“cara-a-cara” são tão básicos quanto necessá-
rios e não podem ser substituídos por aqueles
que vivem na Internet.

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


417

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade de consumo aponta um fenômeno


que determina o sistema econômico pelos valo-
res culturais. Essa realidade é uma ideologia ativa
que dá sentido à vida do indivíduo por meio da
aquisição de produtos e experiências organizadas.
Uma das críticas mais comuns à sociedade
de consumo é a que a encara como um tipo de
sociedade que se rendeu às forças do sistema
capitalista e que, portanto, seus critérios e bases
culturais estão sujeitos às criações disponíveis ao
alcance do consumidor. Nesse sentido, os con-
sumidores finais perderiam as características de
serem pessoas humanas e individuais para serem
consideradas uma massa de consumidores, que
pode ser influenciada por meio de técnicas de
marketing a criar, inclusive, falsas necessidades.
Em contraste com a modernidade sólida,
a modernidade líquida é caracterizada como
uma realidade cultural oposta à estabilidade que
existia no período anterior. Todo o imaginário

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


418

de estabilidade política, social e cultural não


tem mais o sentido ou a razão de ser de que
outrora gozavam.
Na sociedade do cansaço, percebemos que
a internalização do mal é uma consequên-
cia do sistema neoliberal que alcançou algo
muito importante: não precisa mais exercer
a repressão, porque já foi internalizada. O
homem moderno é seu próprio explorador e
vive apenas buscar do sucesso.
A sociedade hiperconectada, por sua vez, tem
contribuído para elevar a qualidade de vida das
pessoas, aperfeiçoar a ciência e o progresso da
medicina, diminuir os custos das comunicações
e as ferramentas de trabalho. Seus benefícios
podem ser muitos. Em contrapartida, ainda não
se sabe quais serão os efeitos negativas. A perda
de postos de trabalho devido ao uso de compu-
tadores é real, a extinção de postos de trabalho
operacionais e a reavaliação de trabalhos de
conhecimento é um fato irreversível.

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DILEMAS ATUAIS


1. Pode-se dizer que o American Way of Life é
uma interpretação da Constituição dos Es-
tados Unidos, para a qual todos os seres hu-
manos foram feitos iguais e são dotados de
certos direitos inalienáveis por seu criador:
vida, liberdade e direito de buscar a felici-
dade. No contexto norte-americano, surgiu
o chamado estilo de vida americano. Em
que consistia? De que forma influenciou o
aumento do consumismo?
2. O consumismo iniciou seu desenvolvimento
e crescimento ao longo do século XX como
consequência direta da lógica interna do ca-
pitalismo e do surgimento da publicidade
– ferramentas que incentivam o consumo e
geram novas necessidades no consumidor.
Isso ocorreu principalmente no chamado
mundo ocidental, posteriormente esten-
dido a outras áreas, tornando-se popular o
termo criado pela sociedade de consumo
da antropologia social referente ao consu-
mo em massa de produtos e serviços. Con-
forme nossos estudos, explique a diferença
entre os termos “consumo” e “consumismo”
3. Zygmunt Bauman explicou como algumas
tendências das sociedades do capitalismo
avançado afetam as relações pessoais. A
inclinação ao individualismo mostra as re-
lações como um perigo para os valores da
autonomia pessoal. Assim, descreva como
esse autor analisou os relacionamentos hu-
manos na sociedade moderna líquida.
4. A sociedade de autoexploração e autovigi-
lância precisa ser reconhecida pelo próprio
sujeito, que deve tornar-se, dessa maneira,
o objeto de uma grande máquina que ainda
está sendo construída. Como o filósofo Byung
Chul-Han define a sociedade do cansaço?
5. Atualmente, uma nova categoria apareceu
na classificação tipológica da comunicação
humana: a sociedade hiperconectada, que
tem a capacidade de estar em lugares di-
ferentes, mas, ao mesmo tempo, estar em
conjunto, associando-se a redes de cone-
xão social novas e complexas. Por que a so-
ciedade hiperconectada tem gerado cada
vez mais indivíduos solitários?
A obsolescência programada (o fabricante
interrompe/programa a vida útil dos produ-
tos intencionalmente) aparece pela primeira
vez na década de 30 como uma solução ao
desemprego e à crise econômica que atingiu
principalmente os Estados Unidos e em segui-
da vários países do mundo. A crise de 29, que
levou os Estados Unidos a registrar 25% de de-
semprego da sua População Economicamente
Ativa- PEA - teve início na segunda década do
século XX, mais precisamente a partir de 1925,
quando a euforia pelo consumo deu lugar à
depressão. A crise tem suas bases na mecani-
zação que gerou muito desemprego, ou seja, a
mudança da composição orgânica do capital,
preconizada por Karl Marx no século XIX (Marx,
1996), e no aumento da produção, enquanto o
salário permanência nos mesmos patamares.
Houve um aumento da oferta, mas a deman-
da não acompanhou. Registra-se uma crise de
superprodução. As indústrias, sem alternativa
pela baixa procura de seus produtos, diminuem
a produção e começam a demitir funcionários,
agravando ainda mais a crise; com isso, a cri-
se naturalmente chega ao mercado de ações e
seus reflexos logo são sentidos em todo o mun-
do. Os Estados Unidos não podiam contar com
a ajuda de seus parceiros comerciais europeus,
devido à recuperação por que passavam logo
após a Primeira Guerra Mundial. Portanto, sem
medir consequências, reduz suas compras e
empréstimos a países estrangeiros, ocasionan-
do com isso uma crise mundial.
Uma das alternativas para minimizar a cri-
se instalada, veio do presidente eleito Franklin
Roosevelt (1881-1945), que propôs, já no iní-
cio do seu mandado em 1933, que o Estado
passasse a interferir fortemente na econo-
mia. O resultado disso foi a criação de grandes
obras de infraestrutura, salário-desemprego,
assistência aos trabalhadores, e concessão de
empréstimos. Estas políticas fiscais e monetá-
rias tinham sua origem na escola keinesiana e
um de seus maiores defensores foi seu criador
John Maynard Keynes (1883-1946), economis-
ta britânico, cujos ideais serviram de influên-
cia para a macroeconomia moderna. Keynes
defendia a intervenção do Estado na econo-
mia para diminuir a possibilidade das crises cí-
clicas do sistema capitalista.
O primeiro passo para a obsolescência pla-
nejada deu-se em 1924. Um grupo de fabrican-
tes de lâmpadas dos Estados Unidos e Europa
se reuniram para determinar a vida útil das
lâmpadas. O cartel S. A. Phoebus determinou
que as lâmpadas deveriam ter uma vida útil de
1000 horas, contra as 3000 horas das que esta-
vam sendo produzidas na época. As empresas
Osram e Philips comandavam a reunião e os fa-
bricantes que não seguissem a determinação
do grupo (cartel) seriam punidos com multas
(Revista Printer’s, 1928). Portanto, a lâmpada
que foi inventada por Thomas Edison em 1881
(neste período com 1.500 horas de vida), foi a
primeira vítima da obsolescência programada.
A introdução do conceito de obsolescên-
cia programada surgiu pela primeira vez em
1932 pelo então investidor imobiliário ameri-
cano Bernard London em seu folheto “Ending
the Depression Through Planned Obsolescence”
- Acabar com a depressão através da obsoles-
cência planejada. Plano que não foi posto em
prática pelas autoridades da época. A teoria
de London, consistia em que todos os produ-
tos deveriam ter seu ciclo de vida interrompi-
dos (London, 1932), e assim os consumidores
voltariam às compras, gerando mais procura
e, portanto, mais emprego, pondo fim à crise.
Segundo London (1932), a tecnologia mo-
derna aumentou a produtividade das empresas
e consequentemente a qualidade dos produ-
tos, dando uma vida útil maior. As pessoas, por
estarem assustadas com a depressão, estavam
usando tudo o que possuíam por mais tem-
po, com isso, prolongando ainda mais a crise.
O governo deveria estipular um prazo de vida
aos produtos na sua criação, e o consumidor,
ao adquirir o bem, já saberia o prazo de vida,
que segundo London, depois do tempo expi-
rado, estas mercadorias estariam legalmente
“mortas”. As mercadorias obsoletas deveriam
ser devolvidas para o governo que emitiria um
cupom com um valor expresso para ajudar na
aquisição de outra mercadoria. O vendedor
utilizaria o cupom do consumidor para trocar
com impostos devidos ao governo federal. Se
sua teoria fosse colocada em prática, London
garantiria que as fábricas não fossem parar de
produzir, e as rodas das indústrias manteriam
em movimento o emprego e a renda da po-
pulação. London chegou a propor, inclusive,
um imposto (uma multa) sobre as pessoas que
continuassem a utilizar produtos legalmente
fora do prazo de validade (SLADE, 2006, p.77).
Suas ideias não saíram do papel.
Já no bloco comunista na do Leste Europeu,
a obsolescência programada não poderia ser
aplicada. Pelo contrário, as indústrias criaram
máquinas que chegavam a durar 25 anos. O
sistema socialista da antiga União das Repú-
blicas Socialistas Soviéticas (URSS) tinha uma
outra concepção de produção. Não havia a
figura do capitalista, e o Estado era dono do
modo de produção. Com a falta de recursos,
tanto matérias-primas quanto tecnológicos,
faziam com que a obsolescência não fosse de-
sejada, visto que causaria prejuízo para o Es-
tado. Mas do outro lado, no Ocidente ela era
amada e desejada, muitas vezes até projetada.
London (1932) não sabia, mas sua ideia de que
a vida das mercadorias deveria ser determina-
da pelos engenheiros, projetistas, economis-
tas, matemáticos, especialistas em suas áreas,
seria copiada a partir da década de 50.
Após a crise de 29, o mundo assiste uma re-
cuperação econômica e social por longos dez
anos, mas esse período tem fim quando se ini-
cia a Segunda Grande Guerra Mundial (1939-
1945). Já nos anos 50, resgata-se a obsoles-
cência programada quando começa a utilizar
os meios de comunicação para seduzir o con-
sumidor, apresentando novos designs e pro-
dutos com novas funções. Desperta no consu-
midor o desejo de ter o “novo”, o “moderno”, o
produto da moda que a massa crítica ou so-
cial está utilizando, é a obsolescência percebi-
da, companheira da planejada, cujos objetivos
são um só: a intensificação do consumo.

Fonte: Conceição, Conceição e Araújo (2014, p.


91-93).
MATERIAL
COMPLEMENTAR

Modernidade Líquida
Zygmunt Bauman
Editora: Zahar
Sinopse: Bauman examina, a partir da
Sociologia, cinco noções básicas em torno das
quais a narrativa da condição humana gira:
emancipação, individualidade, tempo/espaço,
trabalho e comunidade – conceitos que estão
hoje vivos e mortos, ao mesmo tempo.

Vida para consumo


Zygmunt Bauman
Editora: Zahar
Sinopse: Nesse livro, Bauman continua e aprofunda
a análise dos mecanismos pelos quais a sociedade
atual, em sua fase de modernidade líquida,
condiciona e projeta a vida dos sujeitos, focando
em suas particularidades como consumidores.
Com o advento da modernidade líquida, a
sociedade de produtores é transformada em
sociedade de consumo. Nessa nova sociedade, os
indivíduos são, simultaneamente, os promotores
do produto e o produto que promovem.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

Sociedade do cansaço
Byung-Chul Han
Editora: Vozes
Sinopse: A sociedade ocidental está sofrendo uma
silenciosa mudança de paradigma, um excesso
de positividade que conduz a uma sociedade do
cansaço.s são, simultaneamente, os promotores
do produto e o produto que promovem.

Excelente texto que aborda a situação do


nosso país, no qual notamos que a maioria da
população está envolta no consumo desenfreado.
“Pesquisa mostra que 76% não praticam consumo
consciente no Brasil”.

https://g1.globo.com/natureza/blog/amelia-gonzalez/
post/2018/07/25/pesquisa-mostra-que-76-nao-
praticam-consumo-consciente-no-brasil.ghtml
MATERIAL
COMPLEMENTAR

Minimalismo – Um documentário sobre as


coisas importantes
Ano: 2016.
Sinopse: Diante do excesso de consumismo que
prevalece na sociedade norte-americana, cresce um
estilo de vida que se propõe a conviver com o que é
necessário: o movimento minimalista. Essa corrente
social, que tem cada vez mais seguidores nos
Estados Unidos, agora conta com um documentário
produzido pela Netflix, que expõe suas ideias
essenciais. Minimalismo expõe os benefícios do
“menos é mais”por meio de numerosos testemunhos
de pessoas que se declaram contra o atual modelo
de sociedade baseado no consumismo e decidiram
viver para priorizar pessoas a coisas
CONCLUSÃO

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final deste livro


com a percepção de que muito ainda preci-
sa ser desvendado sobre a relação do ser hu-
mano com a sociedade na qual está inserido.
Percebemos o quão complexo é o saber hu-
mano, tanto no que concerne aos seus dile-
mas individuais – como angústia, isolamento,
desejo por responder às questões elementa-
res da vida humana, entre outros – quanto da
forma como tem se organizado para viver so-
cialmente da melhor forma possível.
A curiosidade do homem o levou a conhe-
cer o seu ambiente natural e social. Proporcio-
nalmente ao crescimento do conhecimento,
a ciência define seus campos de estudo em
disciplinas como Economia, Direito, Política,
Antropologia, História, Filosofia e Sociologia
como parte deste grande grupo: as Ciências
Humanas e Sociais.
Verificamos que, em muitos casos, uma in-
terpretação interdisciplinar é necessária para
responder aos fenômenos sociais. Embora
uma pesquisa interdisciplinar seja realizada,
cada um deles tem seu objeto, seu campo de
estudo e seus métodos específicos.
CONCLUSÃO

Nas cinco unidades trabalhadas, ressalta-


mos alguns aspectos: a Sociologia serve para
alertar-nos quanto à forma como temos vivi-
do nossas relações humanas e nos ensina a
ter olhar mais crítico sobre a realidade que
nos cerca, para que não sejamos mais sermos
ludibriados por aquilo que nos é imposto. A
Ciência Política deixa marcas claras de que o
poder é fonte inesgotável de desejos huma-
nos. Na Antropologia vimos, por meio do Et-
nocentrismo, como é importante respeitar e
tolerar aquilo que é diferente para podermos
conviver em paz. A Filosofia nos mostrou
como são importantes os atos de pensar e re-
fletir filosoficamente, a fim de construirmos
os nossos próprios juízos de valor de acordo
com as nossas experiências vivenciadas e o
saber adquirido em nosso tempo de vida. Na
História, constatamos o quão fundamental é
conhecer o passado para não repetir os mes-
mos erros no presente.
Espero que tenha aproveitado essa jorna-
da de estudos! Até mais!
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2 out. 2019.
² Em: https://cafecomsociologia.com/infra-
estrutura-e-superestrutura-em-marx/. Aces-
so em: 8 out. 2019.
³ Em: https://www.dicio.com.br/feudalis-
mo/. Acesso em: 15 out. 2019.
4
Em: https://www.dicionarioinformal.com.
br/teologia/. Acesso em: 15 out. 2019.
5
Em: http://pensamentoextemporaneo.
com.br/?p=2654. Acesso em: 21 out. 2019.
GABARITO

UNIDADE I

1. Sociologia é a ciência que estuda o com-


portamento social das pessoas, dos grupos
e da organização das sociedades. Nessa di-
nâmica, o sociólogo busca compreender o
ser humano em um contexto social espe-
cífico, suas interferências nesse local social
e, ao mesmo tempo, verifica e analisa de
que forma a sociedade, enquanto estrutu-
ra dinâmica, influencia e molda o compor-
tamento humano.
2. No final da Segunda Guerra Mundial, grande
parte dos países mais poderosos do mun-
do já havia conseguido desenvolver uma
antropologia de nível profissional, que lhes
permitia fortalecer sua identidade como
nação. Na verdade, a antropologia cultural
foi utilizada de forma ideológica em muitas
situações, para justificar ações do colonia-
lismo europeu em face dos conhecimentos
que tinham sobre determinadas culturas.
Esse processo, chamado de ocidentaliza-
ção, justificou a dominação e a exploração
de culturas tidas como inferiores.
GABARITO

3. Seu principal objeto de estudo é o Estado,


entendido como a instituição que gover-
na os indivíduos que compõem um grupo
social em um território específico, sobre o
qual é seu dever legislar, extrair e distribuir
recursos. Dele, surge o poder estatal, que
defende e mantém uma ideologia própria,
como pode ser observado nas atuais dis-
putas políticas.
4. A Filosofia é um desafio que exigirá de nós
um espírito questionador e crítico sobre a
realidade que nos cerca. O desejo de auten-
ticidade, de escapar do engano, da farsa,
da superficialidade e, também, da capaci-
dade de enfrentar desafios sem render-nos
facilmente são atributos necessários à re-
flexão filosófica.
5. Seria muito difícil saber quem somos,
como indivíduos, sem saber mais ou me-
nos quem são e o que os nossos antepas-
sados fizeram. Da mesma forma, enquanto
coletividade, conhecer nosso passado nos
ajuda a entender melhor o nosso presente.
Somente se compreendermos o que acon-
tece agora, poderemos projetar algo me-
lhor para o nosso futuro.
GABARITO

UNIDADE II

1. É fato social toda maneira de fazer, fixada ou


não, suscetível de exercer sobre o indivíduo
uma coerção exterior; ou, ainda, toda ma-
neira de fazer, que é geral na extensão de
uma sociedade e, ao mesmo tempo, possui
existência própria, independentemente de
suas manifestações individuais.
2. Karl Marx concebeu a História a partir de
uma visão materialista, isto é, ele conside-
rou que tanto as relações jurídicas quanto às
formas de Estado não poderiam ser enten-
didas por si mesmas ou pela evolução geral
do espírito humano, mas tinham suas raízes
nas condições materiais da existência, que
são as forças produtivas.
3. Weber estava convencido de que a raciona-
lidade instrumental de nossa era técnica, ou
seja, o processo de racionalização que eli-
mina o mistério da existência e nos faz sen-
tir capazes de dominar tudo por meio da ci-
ência, não conseguia acalmar a ansiedade
humana de encontrar um significado trans-
cendente para a vida.
GABARITO

4. A cidadania não é dom natural e muito


menos concessão do Estado. É conquista,
construção, exercício cotidiano, papel so-
cial. Num país como o Brasil – que carece de
serviços sociais básicos, como saúde, educa-
ção, saneamento básico, habitação, empre-
go etc. –, o exercício da cidadania consiste
fundamentalmente em transformar o direi-
to formal a todos esses serviços, garantidos
na Constituição Federal, em realidades con-
cretas e efetivas na vida da população.
5. Etnocentrismo significa conferir valor mais
alto à própria cultura do que à do outro, ao
utilizar os próprios padrões culturais para
julgar o que é diferente. Em suma, considera
a própria cultura como superior às demais.

UNIDADE III

1. O mito é uma narrativa sobre a origem das


coisas, do homem ou do universo. Quan-
do o homem primitivo começou a questio-
nar-se sobre tudo o que encontrava ao seu
redor, concentrou sua atenção em fenô-
menos naturais, como a chuva, o trovão, o
terremoto e o nascimento de um ser vivo.
GABARITO

Em muitos povos antigos, essas questões


foram respondidas a partir de explicações
que ligavam os seres sobrenaturais às mu-
danças que ocorrem na natureza ou na vida
dos homens. Essas explicações foram uma
primeira maneira de interpretar o mundo e
seus fenômenos. O próprio homem acredi-
tava que sua fortuna ou infortúnio se devia
à intervenção divina.
2. O método indutivo consistia em duas partes:
a ironia, por meio da qual o homem percebe
sua própria ignorância das coisas; e maiêu-
tica (parto das ideias), que consistia em per-
guntas e respostas cada vez mais específicas,
até alcançar um conhecimento particular.
3. Santo Agostinho. Ele elaborou o primeiro
sistema completo do pensamento cristão,
que nasceu como resultado das controvér-
sias que surgem ao tentar definir a verda-
deira doutrina cristã.
4. Caracteriza-se pela rejeição de muitos dos
princípios do conhecimento medieval e pela
admiração da antiguidade greco-romana.
Tem como objetivo recuperar o conheci-
mento clássico, que busca uma nova escala
GABARITO

de valores para o indivíduo. Diante da socie-


dade medieval, em que tudo gira em torno
da ideia de Deus, durante o Renascimento,
o homem se tornou o centro do universo,
utilizando a razão como fonte de conheci-
mento e buscando a verdade por meio da
reflexão pessoal e da pesquisa.
5. No campo político, o Absolutismo surgiu
como um forte sistema de governo. Desde
o final da Idade Média até o século XVIII, a
forma de governo que caracterizou a maio-
ria dos estados europeus foi a monarquia
absoluta, na qual o rei controlava todos os
poderes do Estado e a sua legitimidade era
considerada um direito divino.

UNIDADE IV

1. Para Durkheim, as crenças envolvem um sis-


tema de classificação que demarca e fixa o
sagrado e o profano, transformando esses
dois campos em opostos quase absolutos.
2. Em vez de buscar a transformação da sua
própria realidade, o ser humano se confor-
ma com a situação que lhe foi imposta. A
religião, segundo Marx, faz com que o sen-
GABARITO

timento de indignação seja suplantado por


um conformismo em algo que não existe.
3. Constatar que “Deus está morto” é perceber
que as ideias absolutas, imutáveis e univer-
sais não são mais possíveis. As construções
metafísica, ética e cultural emergidas dessa
ontologia que nega a realidade e afirma um
“além” entrou em colapso.
4. Na teoria psicanalítica, fica claro que a ori-
gem da religião se encontra no complexo
infantil de Édipo, pelo qual Deus se apre-
senta como um pai sublimado. É o ser hu-
mano quem cria a fé em Deus a partir de
sua impotência e de seus medos. O peso
da ciência diminuirá gradualmente dian-
te da influência da religião, e a tarefa do
homem maduro – do homem da ciência
– consiste em deixar de lado a esperança
em tudo que há no além e concentrar suas
forças na vida terrena.
5. Significa que a reflexão filosófica não deve
basear-se na formulação de categorias abs-
tratas e transcendentes – como a ideia, os
deuses, a razão ou a moral –, mas na própria
condição da existência humana.
GABARITO

UNIDADE V

1. Nos Estados Unidos, o American Way of


Life (estilo de vida americano) começou
a ser divulgado e vendido como exemplo
para todo o mundo. Estava baseado no
consumo extremo de todos os tipos de ar-
tigos, como uma das principais formas de
realização pessoal.
2. Enquanto o consumo é considerado a ação
de consumir ou gastar produtos de vários
tipos, com as características de serem utili-
zados para o bem-estar do ser humano e sa-
tisfazer suas necessidades imediatas, o con-
sumismo é entendido como o consumo
de produtos que não são necessários e são
rapidamente substituíveis por outros igual-
mente desnecessários e de pouca duração.
3. O próprio Bauman explicou que muitas das
relações de hoje são “conexões”, em vez de
“relacionamentos”. Não falamos apenas da
primazia das novas tecnologias e das redes
sociais, aquelas que nos unem a múltiplas
GABARITO

pessoas no momento que escolhemos. O


conceito vai adiante. O individualismo pro-
cura apenas atender às necessidades es-
pecíficas com um começo e um fim, daí a
ideia do amor líquido. As emoções não po-
dem ser retidas e escapam fugazmente das
mãos, até desaparecerem.
4. Refere-se ao efeito “final” de uma socieda-
de performática ou, como diria Byung-Chul
Han, de uma sociedade do rendimento.
5. As conexões digitais nos oferecem a ilusão
da companhia sem as exigências que a ami-
zade real possui. Nossa vida conectada nos
permite esconder-nos uns dos outros, mes-
mo quando estamos conectados. Preferimos
enviar mensagens a conversar com outras
pessoas. Além disso, as novas tecnologias
permitem a possibilidade de manter uma
vida social efervescente sem sair de casa.

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