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Gestão em Primeiro Lugar

Sabemos mais sobre os motivos, os hábitos e as minúcias mais íntimas e


exóticas dos povos primitivos da Nova Guiné e assemelhados do que sobre
os habitantes das suítes executivas da Unilever House.
Roy Lewis e Rosemary Stewart (1958:17)

Meio século se passou desde que as palavras acima foram escritas e elas conti-
nuam verdadeiras. No entanto, é fácil descobrir o que os gerentes fazem. Ob-
serve o maestro de uma orquestra, não durante a apresentação, mas durante o
ensaio, para desfazer o mito do gerente sobre o pódio. Observe o diretor admi-
nistrativo de uma empresa de tecnologia participar de uma conversa sobre um
novo projeto. Caminhe ao lado do gerente de um campo de refugiados enquan-
to ele procura atentamente por sinais de violência iminente.
Descobrir o que os gerentes fazem não é o problema; interpretar o que
fazem é que é. Como entender a ampla variedade de atividades que compõem
a gestão?
Há mais de meio século, Peter Drucker (1954) colocou a gestão em evi-
dência. Desde então, a liderança a tirou do mapa. Hoje, somos inundados com
histórias sobre os sucessos grandiosos e os fracassos ainda mais grandiosos dos
grandes líderes, mas ainda não conseguimos compreender de verdade os sim-
ples fatos sobre um gerente normal.
Este é um livro sobre gestão, pouco complicado, se não for simples Ba-
tizei-o com o título amplo de Managing1 porque o objetivo é ser uma abor-

1
O título foi inspirado por Working (1974) (“Trabalhando”), livro de Studs Terkel no qual diferen-
tes tipos de pessoas descrevem seus trabalhos.
16 Managing

dagem básica e abrangente de uma prática fundamental em toda a sua enor-


me variedade. Consideraremos as características, conteúdos e variedades do
trabalho, assim como os enigmas que desafiam os gerentes e o modo como
se tornam eficazes. Meu objetivo é bastante simples. A gestão é importante
para qualquer um que seja afetado por sua prática, o que em nosso mundo
de organizações significa todo mundo. Precisamos compreendê-la melhor
para podermos praticá-la melhor.
Quem fica confuso por parte ou toda essa prática (grupo que inclui muitos
gestores) deveria ter acesso a um livro que oferece explicações abrangentes e
empíricas sobre as grandes perguntas. Poucos livros sequer tentam, mas este é
um deles. O objetivo é responder perguntas como:

• Os gerentes estão ocupados demais para contemplar o significado da ges-


tão?
• Os líderes são mesmo mais importantes que os gerentes?
• Por que tanto da gestão é tão frenética? A Internet está ajudando ou atra-
palhando?
• É exagerada a importância que se dá ao estilo gerencial?
• Como os gerentes podem se conectar quando a própria natureza do seu
trabalho os tornam desligados daquilo que estão gerenciando?
• Onde foi parar todo o julgamento?
• Como é que gerente consegue permanecer confiante sem se tornar arro-
gante? Ou impedir que o sucesso se transforme em fracasso?
• A gestão deveria ficar restrita aos gerentes?

O QUE ACONTECEU COM A GESTÃO?


Comecei minha carreira com esse tema: em minha tese de doutorado, observei
uma semana da vida de trabalho de cinco executivos-chefes, o que levou a um
livro chamado The Nature of Managerial Work (1973) e a um artigo chamado
“The Manager’s Job: Folklore and Fact” (1975). Ambos foram bem recebidos.
Minha pesquisa também me levou a uma corrente contínua de estudos de
2
replicação.
Mas essa fonte secou e hoje encontramos pouquíssimos estudos sistemáti-
cos da gestão. Muitos livros dizem que tratam e se intitulam management (ges-
tão) mas em geral há pouco conteúdo sobre a atividade dos gerentes (Brunsson

2
Fui informado que a publicação desse artigo na Harvard Business Review provocou a maior quan-
tidade de pedidos de cópias de qualquer outro artigo da revista até então. Parte dos estudos de
replicação são citados no Capítulo 2.
Gestão em Primeiro Lugar 17

3
2007:7; Hales 1999:339). Se você procurar os melhores livros empíricos sobre
o tema, provavelmente vai ser preciso se contentar com Leadership:What Effecti-
ve Managers Really Do and How They Do It (1979), de Len Sayles; The General
Managers (1982), de John Kotter; Becoming a Master Manager (1990), de Ro-
bert Quinn et al.; e Becoming a Manager (primeira edição, 1992), de Linda Hill.
Preste atenção nas datas.
Por consequência, nosso entendimento da gestão não avançou. Em 1916,
o industrialista francês Henri Fayol publicou Administração Industrial e Geral
(primeira tradução para o inglês, 1949), no qual descreve a administração como
“planejamento, organização, comando, coordenação e controle”. Oitenta anos
depois, um jornal de Montreal informava a descrição do emprego do novo di-
retor geral da cidade como sendo “responsável pelo planejamento, organização,
direção e controle de todas as atividades municipais” (Lalonde 1977:1). E as-
sim continua nosso entendimento dominante.
Há anos que pergunto a grupos de pessoas do ramo “O que aconteceu
no dia em que você se tornou um gerente?” A resposta é quase sempre a
mesma: olhares confusos, depois todos dão os ombros e finalmente comen-
tam algo como “nada”. Supostamente você deveria descobrir tudo sozinho,
como acontece com o sexo, imagino, geralmente com as mesmas péssimas
consequências iniciais. Ontem você estava tocando flauta ou fazendo uma
cirurgia; hoje se descobre gerenciando pessoas que fazem a mesma coisa.
Tudo mudou, mas você está por conta própria, confuso. “Os novos gerentes
aprenderam pela experiência o que significa ser um gerente” (Hill, segunda
edição, 2003:9).
É o que faço, neste livro, revisitando a natureza do trabalho gerencial, man-
tendo algumas de minhas conclusões anteriores (veja-se o Capítulo 2), recon-
ceituando outras (nos Capítulos 3 e 4) e apresentando algumas novas (nos Ca-
pítulos 5 e 6).

3
Um aluno meu, Farzad Khan, buscou a palavra manager (gerente ou gestor, nas traduções aqui
usadas) nas citações e resumos de artigos publicados nas 13 revistas científicas e cinco revistas
especializadas mais importantes entre 1995 e 2004. Dos resultados, considerou quantas eram
sobre a natureza do trabalho gerencial: 27 de 669 artigos nas revistas acadêmicas e 53 de 793 ar-
tigos nas revistas para profissionais (a maioria dos quais originários da Harvard Business Review,
mas ainda menos que 10% do total: 37 de 400). Foram 3/74 no Academy of Management Journal,
1/25 no Administrative Science Quarterly e 2/150 no Sloan Management Review. Em um artigo
de 1986 chamado “What Managers Do: A Critical Review”, Hales incluiu uma tabela com as
“fontes principais de evidências sobre o trabalho gerencial” listando 26 estudos, três da década
de oitenta, sete da de setenta e outros sete da de sessenta; a década mais ativa foi a de 50, com
nove estudos. Uma exceção contemporânea importante é o trabalho de Tengblad (2000, 2002,
2003, 2004, 2006).
18 Managing

UMA DOSE DE REALIDADE


• Como Gerente de Vendas para Eletrônica e Computação Global da BT na Grã-Bre-
tanha, era de se esperar que Alan Whelan estivesse reunido com clientes, ou pelo
menos trabalhando com seu pessoal para ajudá-los a vender para clientes. Nesse
dia, Alan estava mesmo vendendo, mas para um executivo de sua própria em-
presa, que relutava em aprovar seu maior contrato. O que Alan estava fazendo:
planejando, organizando, comandando, coordenando ou controlando?

• A “alta” gerência pensa no longo prazo e olha para o quadro geral; a “baixa” ge-
rência lida com questões mais limitadas e imediatas. Então por que Gord Irwin,
do Banff National Park (Front County Manager), estava tão preocupado com as
consequências ambientais da expansão de um estacionamento em uma estação
de esqui, enquanto em Ottawa, Norman Inkster, Superintendente da Real Polícia
Montada Canadense, assistia a um resumo do noticiário da noite anterior para
enfrentar perguntas embaraçosas eventualmente dirigidas ao seu ministro, no
Parlamento, naquele mesmo dia?

• E por que Jacques Benz, Diretor Geral da GSI, uma empresa de alta tecnologia,
estava participando, em Paris, de uma reunião sobre o projeto de um cliente?
Ele era um gerente sênior, afinal de contas. Não deveria estar em seu escritório,
desenvolvendo estratégias grandiosas? Era exatamente isso que Paul Gilding,
diretor-executivo do Greenpeace International, estava tentando fazer, mas sen-
tindo-se consideravelmente frustrado. Quem estava certo?

• Fabienne Lavoie, Enfermeira Chefe na 4 Northwest, uma enfermaria cirúrgica


pré e pós-operatória de um hospital de Montreal, trabalhara das 7h20min às
18h45min em um ritmo que exauriu seu observador. No espaço de alguns mi-
nutos, ela conversou sobre um curativo com um cirurgião, aprovou o cartão hos-
pitalar de um paciente, reorganizou sua tabela de horário, falou com alguém na
recepção, visitou um paciente com febre, fez uma ligação para preencher uma
vaga, discutiu uma medicação e conversou com o parente de um paciente. A
gestão é para ser assim tão caótica?

• Finalmente, o que dizer da famosa metáfora do gerente como maestro da or-


questra, reinando sobre a equipe para que possam produzir a mais bela música?
Bramwell Tovey, da Orquestra Sinfônica de Winnipeg, desceu de seu pódio para
falar sobre o trabalho. “A parte mais difícil”, disse ele, “é o ensaio”, não a apresen-
tação. É um fato menos grandioso. E quanto a estar nessa situação de controle?
“É preciso se subordinar ao compositor”, diz ele. Afinal, o “diretor” da orquestra
realmente dirige a orquestra, exerce aquela famosa liderança? “Nunca discutimos
‘a relação’”, ele respondeu. É o que conseguimos descobrir sobre essa famosa
metáfora.
Gestão em Primeiro Lugar 19

VINTE E NOVE DIAS DE GESTÃO


Eu poderia continuar. Essa é a ponta do iceberg gerencial. Passei um dia com
cada um desses bem como outros gerentes (29 no total), observando, entrevis-
tando, revisando suas agendas uma vez por semana ou por mês, para interpretar
o que estava acontecendo. As evidências dessa pesquisa informam este livro.
Como mostramos na Tabela 1.1, esses gerentes vêm do mundo dos negócios,
do governo, do serviço de saúde e do setor social (organizações não governa-
mentais [ONGs], sem fins lucrativos, etc.)4 e de organizações de todos os tipos,
incluindo bancos, polícia, empresas cinematográficas, fabricantes de aeronaves,
varejo e telecomunicações. Algumas dessas organizações são minúsculas, outras
são enormes (de 18 a 800 mil funcionários). O grupo abrange todos os níveis
hierárquicos convencionais, as chamadas alta, média e baixa gerências. Alguns tra-
balhavam em grandes centros urbanos (Londres, Paris, Amsterdam, Montreal),
outros em lugares mais distantes (N’gara, Tanzânia; New Minas, Nova Scotia,
Canadá; o Banff National Park, no oeste do Canadá). Alguns foram observados
individualmente; outros, em conjunto (por exemplo: três gerentes de parques ca-
nadenses, subordinados uns dos outros, em três dias sucessivos).
Para cada dia (ou grupo de dias), descrevi o que vi e então interpretei os
fatos em termos conceituais. Deixei cada um falar por si. E eles falaram, bas-
tante: por exemplo, sobre como o velho gerenciamento por exceção pode ser
bastante atual; sobre como os gerentes do Greenpeace precisam dar tanta aten-
ção à sustentabilidade de sua própria organização quanto à sustentabilidade do
meio ambiente; sobre como a verdadeira política do governo pode acontecer no
chão, onde ursos e turistas se encontram. Esses dias também têm a ver com a
ampla variedade de contextos em que a gestão ocorre: tive a experiência de me
segurar firme na traseira de uma moto que voava por Paris, de uma entrevista
com a imprensa para outra; de me sentar sozinho em uma sala de concertos de
2.222 assentos de veludo, assistindo um maestro ensaiar uma orquestra; de al-
moçar uma vez em um restaurante criado por um refugiado empreendedor em
um acampamento africano, outra de congelar no refeitório do Greenpeace em
Amsterdam; de caminhar por um parque imaculado, conversando sobre “en-
garrafamentos de ursos” (engarrafamentos causados por motoristas que param
para ver os ursos que estão andando pela estrada). Tudo isso, garanto, cria uma
situação perfeita para contemplar a gestão e a vida, pois a gestão tem muito a
ver com a vida.

4
Alguns desses gerentes poderiam estar em outros lugares. Muitos dos gerentes de serviço de saúde
trabalhavam para o governo (apesar do status dos hospitais do NHS [Serviço Nacional de Saúde]
inglês estar passando para o setor social). A ONG Médicos Sem Fronteiras poderia estar sob “ser-
viços de saúde”, enquanto o Museu de Paris poderia estar sob “governo” (pois responde à cidade
de Paris).
Tabela 1.1 Os 29 gerentes observados*
20

Negócios Governo Saúde Setor Social

Gerência John Cleghorn John Tate Sir Duncan Nichol Paul Gilding
Geral (“Alta”) CEO Royal Bank of Canada Vice-Ministro, Departamento de Justiça CEO, National Health Service (NHS Diretor-executivo, Greenpeace
Jacques Benz Canadense – Serviço Nacional de Saúde) da International (Amsterdam)
Diretor Geral, GSI (Paris) Norm Inkster Inglaterra Dr. Rony Brauman, Presidente,
Managing

Carol Haslam Comissário, Real Polícia Montada do Canadá “Marc” Médécins sans frontiers (Paris)
Diretora Administrativa, (RPMC) Diretor-executivo de Hospital Catherine Joint-Dieterle
Hawkshead Ltd. (produtora (Quebec) Conservateur en chef, Musée de la
de cinema, Londres) mode et de la costume (Paris)
Max Mintzberg Bramwell Tovey
Copresidente, The Telepho- Maestro, Orquestra Sinfônica de
ne Booth (Montreal) Winnipeg
Gerência Brian Adams Glen Rivard Peter Coe Paul Hohnen
Intermediária Diretor, Global Express, Diretor Jurídico, Direito de Família e da Infân- Gerente Geral Distrital (North Diretor de Exportação da Poluição,
Canadair (Bombardier, cia e da Juventude, Departamento de Justiça Hertfordshire), NHS Florestas e Unidades Econômicas e
(“Média”)
Montreal) Canadense Ann Sheen Políticas, Greenpeace International
Alan Whelan Doug Ward Diretora de Serviços de Enferma- (Amsterdam)
Gerente de Vendas, Setor Diretor de Programação, Rádio CBC, Ottawa gem, Reading Hospitals, NHS Abbas Gullet
de Eletrônica e Computa- Allen Burchill Chefe da Subdelegação, Federação
ção Global, BT (Londres) Oficial de Comando, Divisão “H”, RPMC (Halifax) Internacional das Sociedades da
Sandra Davis Cruz Vermelha (N’gara, Tanzânia)
Diretora Geral Regional, Serviço de Parques do
Canadá (Calgary)
Charlie Zinkan
Superintendente do Banff National Park
(Alberta)
Gerência Gordon Irwin Dr. Michael Thick Stephen Omollo
na Base Front Country Manager, Banff National Park Cirurgião de Transplantes Hepáticos, Gerente, Acampamentos Benac e
(Alberta) St. Mary’s Hospital (Londres), NHS Lukole, Federação Internacional
(“Baixa”)
Ralph Humble Dr. Stewart Webb das Sociedades da Cruz Vermelha
Comandante, Destacamento de New Minas, Diretor Clínico (Geriatria), St. Charles (N’gara, Tanzânia)
RPMC (Nova Scotia) Hospital (Londres), NHS
Fabienne Lavoie
Enfermeira Chefe, 4 Northwest,
Jewish General Hospital (Montreal)

*Observação: No texto deste livro, às vezes chamo alguns desses gerentes pelo primeiro nome e outros por seus títulos formais, dependendo do que me pareceu mais natural.
Gestão em Primeiro Lugar 21

Um único dia, mesmo que reforçado pela conversa sobre outros dias, não é
muito tempo. Mas é incrível o quanto descobrimos com observação pura e sim-
ples, sem qualquer plano além de deixar a realidade acontecer. Como disse Yogi
Berra, o sábio do beisebol americano: “É possível observar muito só olhando”.
Combine todos os 29 dias e você consegue muitas evidências sobre a prática
da gestão.
No curso deste livro, incluirei ilustrações desses vinte e nove dias, tanto des-
crições do que aconteceu quanto interpretações conceituais de por que aconteceu.
Oito das descrições estão reproduzidas no apêndice, dando sustentação ao livro.
As descrições e interpretações de todos os 29 dias estão disponíveis (em inglês) na
Internet (www.mintzberg-managing.com). Para ter uma ideia delas, cito os títulos
e pequenas descrições que aparecem no site e em capítulos posteriores:

• “Gestão nas bordas”: sobre as pressões políticas sentidas pelos gerentes nos
parques canadenses;
• “Gestão Para Cima, Para Baixo, Para Dentro e para Fora”: sobre os efeitos
do nível hierárquico de cinco gerentes do gigantesco National Health Ser-
vice (NHS) da Inglaterra, desde o executivo-chefe a dois clínicos chefes em
hospitais;
• “Negociações Duras e Liderança Conciliadora”: sobre o contraste no tra-
balho da presidente de uma produtora cinematográfica, entre gerenciar ex-
terna e internamente;
• “O Yin e Yang da Gestão”: contrastando o trabalho de dois executivos-che-
fes, um de um museu da moda, o outro do Médicos Sem Fronteiras, ambos
em Paris, mas em dois mundos diferentes;
• “Gerenciando Excepcionalmente”: sobre dois gerentes da Cruz Vermelha
em um campo de refugiados na Tanzânia, gerenciando por exceção de mo-
dos excepcionais.

Antes de prosseguir, este capítulo inicial reanalisa três outros mitos que nos
impedem de ver a gestão pelo que ela é: que pode ser separada da liderança;
que é uma ciência, ou pelo menos uma profissão; e que os gerentes, assim como
todo mundo, estão vivendo uma época de grandes mudanças.

LIDERANÇA ENRAIZADA EM GESTÃO E COMUNITARIEDADE


Ficou na moda diferenciar entre líderes e gerentes (Zaleznik 1977, 2004; Kotter
1990a, 1990b). Um faz as coisas certas e lida com mudanças; o outro faz certo
as coisas e lida com a complexidade. Então alguém precisa me explicar quem são
os líderes e quem são os gerentes nos exemplos que demos acima. Alan Whelan
estaria apenas gerenciando na BT, enquanto Bramwell Tovey apenas liderando
no pódio do gerente e fora dele? E quanto a Jacques Benz, naquela reunião de
projetos na GSI? Estava fazendo as coisas certas ou certo as coisas?
22 Managing

Francamente, não entendo o que essa distinção significa no cotidiano das


organizações. É claro que podemos diferenciar a liderança da gestão em termos
conceituais, mas será que podemos diferenciá-las na prática? Ou, para ser mais
exato, deveríamos sequer tentar?
O que você acharia de ser gerenciado por uma pessoa que não lidera? Seria
muito desanimador, não acha? Bem, então, que tal ser liderado por alguém que
não gerencia? Pode ser muito frustrante, não? Como é que “líderes” assim po-
5
dem saber o que está acontecendo? Como disse Jim March: “A liderança inclui
uma postura segura, tanto quanto poesia” (2004:173).
Observei John Cleghorn, Presidente do Royal Bank of Canada, que desen-
volveu uma reputação dentro da empresa de ligar para o escritório a caminho
do aeroporto para informar sobre caixas eletrônicos quebrados e coisas do tipo.
Esse banco tem milhares de máquinas assim? Estaria John sofrendo de micro-
gestão? Talvez ele esteja dando o exemplo para que os outros fiquem de olhos
abertos para problemas do tipo.
Na verdade, hoje deveríamos nos preocupar mais com “macroliderança”:
pessoas em altos cargos que tentam gerenciar por controle remoto, desligados
de tudo exceto o “quadro geral”. Muita gente fala sobre excesso de gestão e
falta de liderança. Na minha opinião, hoje sofremos de excesso de liderança
e falta de gestão.
Konosuke Matsushita, fundador da empresa do mesmo nome, disse: “As
coisas grandes e as pequenas são o meu trabalho. As questões intermediárias
podem ser delegadas”. Em outras palavras, a liderança não pode simples-
mente delegar a gestão; em vez de diferenciar gerentes de líderes, deve-
ríamos enxergar os gerentes como líderes e a liderança como a gestão
praticada corretamente.
Seja na academia ou nas colunas dos jornais, é muito mais fácil contemplar
as glórias da liderança do que encarar a realidade da gestão. Obviamente, a ges-
tão sai perdendo nessa história, mas a própria liderança também é prejudicada.
Quanto mais obcecados com liderança, menos dela conseguimos. Na ver-
dade, quanto mais dizemos que estamos desenvolvendo lideranças em cursos e
programas (contei as palavras líder e liderança mais de cinquenta vezes no site
do programa de MBA de Harvard de 2007), mais produzimos arrogância. O
motivo é que a liderança é conquistada, não ungida.
Além do mais, ao colocarmos a liderança em um pedestal, separado do da
gestão, transformamos um processo social em um pessoal. Não importa o quanto
falemos sobre o líder fortalecer o grupo, a liderança ainda enfoca o indivíduo:
sempre que promovemos a liderança, rebaixamos os outros ao nível de seguidores.

5
“Os líderes são personalidades de “homens nascidos duas vezes”, pessoas que se sentem deslo-
cadas de seus ambientes. Elas podem trabalhar em organizações, mas nunca pertencem a elas”
(Zaleznik 2004:79). Como é que uma pessoa dessas poderia liderar uma organização?
Gestão em Primeiro Lugar 23

Além disso, ofendemos a ideia de comunidade que é importante para o esforço


cooperativo em todas as organizações. Em vez de apenas liderança, deveríamos
estar promovendo comunidades de atores que trabalham naturalmente, a mistura
de liderança com gerência sendo uma parte intrínseca do processo. Assim, este
livro coloca a gestão em primeiro lugar, enxergando esta, junto com a lide-
rança, como sendo parte essencial do que poderíamos chamar de senso de
comunidade ou comunitariedade (communityship).

A GESTÃO COMO PRÁTICA


Depois de anos buscando esses cálices sagrados, está na hora de reconhecer
que a gestão não é uma ciência nem uma profissão: é uma prática, aprendi-
da principalmente com a experiência e enraizada no contexto.6
Com Certeza, Não é uma Ciência A ciência envolve o desenvolvimento
de conhecimento sistemático por meio da pesquisa. Esse está longe de ser o
propósito da gestão, que é o de ajudar a realizar objetivos dentro de organi-
zações. A gestão não é sequer uma ciência aplicada, pois essa ainda seria uma
ciência. A gestão certamente aplica as ciências: os gerentes precisam usar todo
o conhecimento que puderem. E certamente fazem uso da análise, enraizada
no método científico (o que significa a comprovação mais do que a descoberta
científica).
Mas a gestão eficaz depende mais da arte e está especialmente enraizada
na experiência. A arte produz “compreensão” e “visão”, baseadas em intuição.7
(Em 1954, Peter Drucker escreveu que “os dias do gerente ‘intuitivo’ estão con-
tados” [p. 93]. Meio século depois, ainda estamos contando.) A habilidade prá-
tica (craft) trata da aprendizagem adquirida com a experiência – compreender
e resolver as questões à medida que o gerente as enfrenta.
Assim, como visto na Figura 1.1, a gestão pode ser vista como ocorrendo
dentro de um triângulo no qual a arte, a habilidade prática e a utilização da
ciência se encontram. A arte traz as ideias e a integração; a habilidade prática
faz as conexões, alicerçadas em experiências tangíveis; e a ciência utiliza a aná-
8
lise sistemática do conhecimento para criar a ordem.
Boa parte do trabalho que pode ser programado em uma organização não é
da preocupação direta de seus gerentes, pois pode ser realizado por especialis-

6
O texto a seguir aproveita o material de meu livro Managers not MBAs (2004b) Versão em portu-
guês: MBA? Não, obrigado! (Bookman, 2006).
7
“A arte é a imposição de um padrão, uma visão do todo, em muitas partes separadas para possibi-
litar uma representação daquela visão; a arte é uma imposição da ordem sobre o caos” (Boettinger
1975:54; ver também Vail 1989).
8
Falo aqui em ser “científico” no sentido popular, não da prática da ciência, o que em si envolve
bastante arte e habilidade prática.
24 Managing

Arte
Visão
discernimentos criativos

Gestão
como
prática

Ciência Habilidade prática


Análise Experiência
evidências sistemáticas Aprendizagem prática

Figura 1.1 A gestão como arte, habilidade prática, ciência.

tas. Isso deixa os gerentes com todas as complicações – os problemas intratáveis,


as conexões complicadas. É isso que torna a prática de gestão tão fundamental-
mente “não objetiva (soft)” e porque rótulos como experiência, intuição, juízo
e sabedoria são tão necessários para descrevê-la. Reúna bastante habilidade
prática com o toque certo de arte e um pouco de uso de ciência e você
acaba com um trabalho que é, acima de tudo, uma prática. Não existe “a
melhor maneira” de gerenciar; tudo depende da situação.
Nem tampouco uma profissão Já foi dito que a engenharia também não
é uma ciência ou uma ciência aplicada tanto quanto é uma prática de mérito
próprio (Lewin 1979). Mas a engenharia aplica bastante ciência, codificada e
certificada em termos de eficácia. Assim, ela pode ser chamada de profissão,
o que significa que pode ser ensinada antes da prática e fora de contexto. Em
certo sentido, uma ponte é uma ponte, ou ao menos aço é aço, mesmo que seu
uso precise ser adaptado às circunstâncias em questão. O mesmo pode ser dito
sobre a medicina. Mas não sobre a gestão:

Muitas das habilidades médicas de diagnóstico, inferência e tratamento (...)


presumem que a doença pode ser decomposta em problemas isolados, que
não diferem muito entre pacientes e que podem ser tratados por modos rela-
tivamente padronizados (...) Por outro lado, boa parte do trabalho gerencial
envolve lidar com problemas bastante interdependentes com outras partes
da organização; específicos da organização, mercado ou setor da economia;
e difíceis de reduzir a uma síndrome geral e padrão que pode ser tratada por
uma técnica específica. (Whitley 1995:92; ver também 1989)
Gestão em Primeiro Lugar 25

Muito pouco da prática de gestão teve uma codificação confiável, e ainda


menos certificada quanto à sua eficácia. É por isso que Hill descobriu que as
pessoas “precisavam agir como gerentes antes de entenderem o que era a fun-
ção” (2003:45).
Desde que Frederick Taylor (1916) chamou seu método de estudos do tra-
balho (work study method) “a melhor maneira” (“the one best way”), estamos
buscando, na ciência e no profissionalismo, o Cálice Sagrado (Holy Grail) da
Gestão. Hoje, a ideia sobrevive nas fórmulas fáceis de quase toda a literatura po-
pular, como em textos sobre “planejamento estratégico”, “valor para o acionista”
e assim por diante. Mas, repetidamente, as respostas fáceis sempre falham, dando
a ilusão de progresso enquanto os problemas verdadeiros continuam.
Devido a seu conhecimento codificado, a engenharia e a medicina precisam
ser aprendidas formalmente. Assim, o especialista treinado quase sempre pode
ter melhor desempenho que o leigo. O mesmo não acontece com a gestão. Poucos
de nós confiariam em um engenheiro ou médico intuitivo, sem treinamento for-
mal, mas confiamos em todo o tipo de gerente que nunca pisou em uma sala de
aula de administração (e suspeitamos de muitos que passaram dois anos nelas).9
O que existe na gestão é bastante conhecimento tácito. Mas ser tácito significa
ser de difícil acesso, motivo pelo qual a prática precisa ser aprendida durante o tra-
balho, por meio de aprendizados, mentorado e experiência direta. Além disso, boa
parte desse tipo de conhecimento se desenvolve no contexto, na situação em ques-
tão, o que significa que a aprendizagem não é facilmente transferida de uma posi-
ção gerencial para outra, em geral nem mesmo de uma função para outra em uma
mesma organização, quanto mais em outras organizações ou setores da economia.
(Será que Bramwell poderia administrar um banco ou Fabienne poderia reger uma
orquestra?) É claro que alguns gerentes conseguem fazê-lo, pois têm a capacidade
de aprender o que precisam saber em um novo contexto. Mas para cada um deles,
posso mostrar muitos outros que tentaram e não conseguiram.
O verdadeiro profissional não cai nessa armadilha, assim como o verdadeiro
cientista. O paciente não discute com o cirurgião e este também não discute com
o biólogo molecular. Em seus próprios territórios, cada um sabe mais do que o
outro. Mas os gerentes que acreditam que sabem mais atrapalham sua prática,
porque esta consiste principalmente em facilitação. O gerente, segundo a defi-
nição utilizada aqui, é alguém responsável por toda uma organização ou
alguma parte identificável desta (o que, por falta de um termo melhor, cha-
marei de “unidade”). Segundo um velho ditado, atribuído a Mary Parker Follett
na década de vinte, os gerentes fazem as coisas principalmente através de outras
pessoas – aqueles que na unidade lhes são formalmente subordinados, além de

9
Ver meu livro Managers, not MBAs (Mintzberg 2004b) e Whitley (1989) para argumentos deta-
lhados sobre por que a gestão não é e provavelmente não se tornará uma profissão; ver também
Brunsson (2007: Chapter 4).
26 Managing

outros indivíduos em outras posições. Os gerentes precisam saber bastante, espe-


cialmente sobre seus contextos específicos, e precisam tomar decisões com base
nesse conhecimento. Mas, particularmente em grandes organizações e naquelas
envolvidas com o “trabalho do conhecimento”, o gerente precisa ajudar a rea-
lizar o potencial de outras pessoas para que elas possam ter conhecimento
melhor, tomar decisões melhores e agir melhor.
Recentemente, enquanto criticava a gestão profissional, me perguntaram
“Não há algo de profissional no gerente que trata sua prática de maneira nobre
e responsável?” Há algo importante, sim, mas não vamos misturar o compor-
tamento responsável com a prática de uma profissão. Em vez disso, vamos
reconhecer a gestão como uma vocação e, assim, compreender que os
esforços para profissionalizá-la e transformá-la em ciência acabam pre-
judicando a vocação.

GERENCIANDO EM TEMPOS DE MENOS MUDANÇAS DO QUE VOCÊ TERIA


PENSADO
Este livro utiliza pesquisas que vão da década de quarenta ao começo do século
XXI. Meus próprios 29 dias de observação ocorreram durante a década de no-
venta. Os livros de hoje não costumam fazer esse tipo de coisa – espera-se que
estejam excessivamente atualizados.
Vamos tentar o contrário: tentar uma atualização completa pode atrapa-
lhar. Corremos o risco de sermos hipnotizados pelo presente e influenciados
indevidamente por histórias que “conhecemos” muito bem. Um pouco mais
de tempo entre nós e os fatos pode ser bom. Além disso, a data faz assim tanta
diferença? Pergunte a si mesmo se os exemplos utilizados anteriormente lhe
parecem antiquados? Será que aquele dia de trabalho de um gerente de vendas,
mesmo no setor de alta tecnologia, ou de uma enfermeira chefe, não se aplica
aos dias de hoje apenas porque ocorreu na década de noventa?10

10
Em 2005, um colega meu assinou a Harvard Business Review. Em troca, recebeu uma cópia gratui-
ta de um livro de artigos chamado Leadership Insights (“Descobertas sobre Liderança”). O primeiro
artigo do livro era meu, escrito há mais de trinta anos (Mintzberg 1975b). Ainda tratando desse mes-
mo assunto, algumas pessoas expressaram preocupação com o fato de que nenhum dos 29 gerentes
observados eram americanos. Como também de que os autores de livros de gestão, supostamente,
não deveriam fazer isso. No entanto, a maioria dos livros sobre gestão fala só de gerentes americanos.
Pergunto, pois, se faz tanta diferença assim que Bramwell Tovey seja maestro em Winnipeg (Canadá)
em vez de Wisconsin (EUA)? (No Capítulo 4, apresentarei evidências de que a cultura nacional tem,
surpreendentemente, pouquíssimo efeito sobre o conteúdo da gestão.) Pode ser que alguns pesquisa-
dores achem revigorante e os leitores americanos considerem esclarecedora a leitura sobre gerentes
de outros lugares, para variar. Porém, um resenhista deste livro, ex-executivo-chefe de uma grande
empresa americana, disse que possíveis leitores, quando virem as datas das pesquisas e a ausência de
americanos, vão parar de ler. Assim espero. Qualquer um que ache que a gestão precisa ser perfeita-
mente atualizada e necessariamente americana está com o livro errado nas mãos.
Gestão em Primeiro Lugar 27

Assista uma conferência sobre gestão. Vai provavelmente começar com uma
afirmativa: “vivemos uma época de grandes mudanças”. Quando ouvir isso,
olhe para as roupas que está vestindo. Observe os botões e pergunte a si mesmo
por que, se estamos vivendo uma época de grandes mudanças, ainda aboto-
amos nossos botões? Aliás, por que ainda dirigimos automóveis movidos por
motores de combustão interna de quatro tempos? Não era isso que usavam no
Ford Modelo T?
Por que você não notou os botões na sua roupa quando se vestiu de manhã,
ou a tecnologia antiga do seu carro, quando o guiou até o local da conferência
simplesmente para ouvir que vivemos numa época de grandes mudanças? Afi-
nal de contas, quando chegou ao trabalho mais tarde você realmente notou que
o Windows fez mais uma mudança em seu sistema operacional. A verdade é
que só notamos o que está mudando. E a maioria das coisas não está. A
tecnologia da informação está mudando: todos percebemos isso, e o mesmo
vale para a economia, ultimamente. E quanto à gestão?
Gestão hoje e ontem “Apesar de todo o modismo da liderança, é a gestão
fora de moda que está sendo praticada e suas características fundamentais não
mudaram” (Hales 2001:54). Os gerentes lidam com diversas questões diferen-
tes com o passar do tempo, mas não com diferenças de gestão. O trabalho não
muda. Compramos gasolina nova o tempo inteiro e camisas novas de tempos
em tempos, mas isso não significa que os motores e botões estejam mudando.
Apesar do escarcéu que fazemos por causa das mudanças, a verdade é que as-
pectos básicos do comportamento humano (e o que poderia ser mais básico do
que gerenciamento e liderança?) continuam relativamente estáveis. (Se ainda
está em dúvida, alugue um bom filme antigo sobre liderança.)
Durante meu estudo anterior (publicado em 1973), fiquei surpreso em ver
que os comportamentos observados eram provavelmente indistinguíveis dos
de gerentes de épocas anteriores. Muitas das informações que estes precisavam
eram diferentes, mas eles buscavam da mesma maneira: falando diretamente
com pessoas. Suas decisões podiam ter a ver com a última tecnologia, mas os
procedimentos para tomar tais decisões utilizavam pouquíssimo dela.
Alguma parte disso mudou hoje? Gostaríamos de pensar que sim, mas as evi-
dências sugerem o contrário.11 Se a gestão fosse uma ciência, ou mesmo uma pro-
fissão, ela mudaria. (A prática médica muda constantemente.) Mas a gestão não
é nenhuma das duas. Assim, com exceção dos modismos que vêm e que passam,

11
Tengblad, por exemplo, provavelmente o pesquisador mais ativo da atualidade no campo do tra-
balho gerencial, concluiu em um de seus estudos que “o trabalho gerencial parece ser um fenômeno
relativamente estável e evolucionário. (...) As muitas e notáveis semelhanças entre os comportamen-
tos de trabalho de CEOs suecos da década de quarenta e os da década de noventa apontam para a
importância das tradições, não da tecnologia moderna ou de modismos de gestão, para a decisão
sobre os ondes, quandos, comos e porquês de seu trabalho” (2000:38).
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muitos deles disfuncionais, a gestão segue em frente. Mesmo as novas tecnologias


da informação, especialmente o e-mail (que parece realmente estar ocasionando
mudanças significativas), podem na verdade estar reforçando características tradi-
cionais do trabalho gerencial (como discutiremos no Capítulo 2).

UMA AMPLA VARIEDADE DE VINDIMAS


Consequentemente, não hesitei em coletar material para este livro – exemplos, evi-
dências, conceitos, citações – a partir das fontes que parecessem mais úteis, inde-
pendentemente de sua idade. Na verdade, espero que você concorde que as cita-
ções antigas utilizadas neste capítulo são algumas das melhores. Elas sobreviveram
por um bom motivo; aliás, como o bom vinho, melhoraram com a idade.
Meu livro de 1973 descreveu o trabalho gerencial de duas maneiras básicas:
as características do trabalho – a saber, seu ritmo incessante, as muitas interrup-
ções, a natureza da ação e a predominância de seu caráter oral e assim por diante;
e o conteúdo do trabalho, na forma dos diversos papéis desempenhados pelos
gerentes (como o de representante formal da empresa [figurehead] e o de resol-
vedor de crises). Fiquei mais satisfeito com o primeiro do que com o segundo, e,
então o Capítulo 2 deste livro, a seguir, sobre “A Dinâmica da Gestão”, aproveita
bastante aquele livro. Não encontrei muitas evidências subsequentes que alterem
aquelas conclusões; na verdade, cito diversas que as corroboram.
O Capítulo 3, por outro lado – que é sobre o conteúdo da gestão, aquilo
que os gerentes realmente fazem em seu trabalho – desvia-se do livro de 1973.
Logo após aquele livro, percebi que ele, como tantos outros sobre o assunto,
oferecia uma lista de papéis em vez de uma descrição integrada do processo de
gerenciamento. Assim, na década de noventa trabalhei no desenvolvimento de
“Um Modelo de Gestão” (o título do Capítulo 3 deste livro, publicado origi-
nalmente em Mintzberg 1994b), descrevendo a gerência em três planos: o das
informações, o das pessoas e o da ação. Utilizei esse modelo para me ajudar a
interpretar aquilo que vi nos 29 dias de observação, o que me ajudou a ilustrar
o material do Capítulo 3.
Os três últimos capítulos, alicerçados sobre os primeiros três, são novos e
completamente atuais –, mas referem-se ao meu pensamento, não à gestão em
si. (Eles poderiam ter sido incluídos em meu livro de 1973 se eu houvesse pen-
sado nisso, então. Logo, fui eu quem mudei.)
O Capítulo 4 considera “As Variedades Pouco Conhecidas da Gestão”. À
medida que analisava as evidências convencionais sobre como diversos fatores,
como cultura nacional, nível na hierarquia e estilo pessoal, afetam a prática da
gestão, minha insatisfação apenas cresceu. Algo parecia errado: nada disso esta-
va capturando a fascinante variedade observada naqueles 29 dias. Assim, voltei
para aqueles dias e descobri que poucos fatores – até mesmo o estilo pessoal
– explicavam alguma coisa daqueles dias. Foi a combinação dos fatores que
Gestão em Primeiro Lugar 29

se mostrou esclarecedora. Assim, concluo o capítulo descrevendo as diversas


“posturas” que os gerentes assumem – por exemplo, a manutenção do fluxo de
trabalho, a gestão fora do meio, a conexão com o ambiente externo –, além das
diversas posturas de gestão sem gerentes.
O Capítulo 5 ataca de frente “Os Enigmas Inescapáveis da Gestão” – dile-
mas básicos que os gerentes têm que encarar porque não podem solucioná-los,
tais como a Síndrome da Superficialidade, a Perplexidade da Conexão e o Di-
lema da Delegação. Adorei escrever o capítulo e espero que você possa dizer o
mesmo sobre sua leitura.
Finalmente, fui eu que precisei encarar “Gerenciando com Eficácia” no
último capítulo. Muitos autores entraram a galope nesse assunto, especialmente
sobre o cavalo branco da liderança, apenas para dar de frente na traseira das
banalidades mal direcionadas. Foi com tremor que segui em frente, mas, para
minha surpresa, me diverti bastante. O capítulo reflete com seriedade sobre
porque todos os gerentes, assim como todos os seres humanos, têm defeitos,
mas mesmo assim muitos têm sucesso. Acabei aproveitando uma porção de
material publicado sobre famílias felizes e infelizes para considerar unidades
gerenciadas saudável ou desastradamente. Acabei concluindo que, para ser um
gerente eficaz – e até, ouso dizer, um grande líder –, talvez não seja necessário
ser maravilhoso, mas apenas normal e com a cabeça no lugar.
Espero que tenha ficado claro, neste primeiro capítulo, que este livro foi
escrito não para reforçar o senso comum – adicionar-se a todo um conteúdo
empoladamente correto –, mas sim para abrir novas perspectivas, fazer com to-
dos investiguemos, ponderemos e questionemos a gestão. Não quero que você
acabe esse livro sabendo, quero que o termine de ler, como eu, imaginando,
refletindo, questionando. O limite da qualidade dos gerentes é sua capacidade
de executar ações de modo cuidadoso e no seu próprio modo de ser. Repito,
esse é um trabalho de paradoxos, dilemas e mistérios que não podem ser resol-
vidos. O único resultado garantido de qualquer fórmula de gestão é o fracasso
(incluindo, obviamente, esta).
Então vá em frente, em busca dos prazeres, deveres e pesares da antiga e da
prática contemporânea de gestão.

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