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Meio século se passou desde que as palavras acima foram escritas e elas conti-
nuam verdadeiras. No entanto, é fácil descobrir o que os gerentes fazem. Ob-
serve o maestro de uma orquestra, não durante a apresentação, mas durante o
ensaio, para desfazer o mito do gerente sobre o pódio. Observe o diretor admi-
nistrativo de uma empresa de tecnologia participar de uma conversa sobre um
novo projeto. Caminhe ao lado do gerente de um campo de refugiados enquan-
to ele procura atentamente por sinais de violência iminente.
Descobrir o que os gerentes fazem não é o problema; interpretar o que
fazem é que é. Como entender a ampla variedade de atividades que compõem
a gestão?
Há mais de meio século, Peter Drucker (1954) colocou a gestão em evi-
dência. Desde então, a liderança a tirou do mapa. Hoje, somos inundados com
histórias sobre os sucessos grandiosos e os fracassos ainda mais grandiosos dos
grandes líderes, mas ainda não conseguimos compreender de verdade os sim-
ples fatos sobre um gerente normal.
Este é um livro sobre gestão, pouco complicado, se não for simples Ba-
tizei-o com o título amplo de Managing1 porque o objetivo é ser uma abor-
1
O título foi inspirado por Working (1974) (“Trabalhando”), livro de Studs Terkel no qual diferen-
tes tipos de pessoas descrevem seus trabalhos.
16 Managing
2
Fui informado que a publicação desse artigo na Harvard Business Review provocou a maior quan-
tidade de pedidos de cópias de qualquer outro artigo da revista até então. Parte dos estudos de
replicação são citados no Capítulo 2.
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3
2007:7; Hales 1999:339). Se você procurar os melhores livros empíricos sobre
o tema, provavelmente vai ser preciso se contentar com Leadership:What Effecti-
ve Managers Really Do and How They Do It (1979), de Len Sayles; The General
Managers (1982), de John Kotter; Becoming a Master Manager (1990), de Ro-
bert Quinn et al.; e Becoming a Manager (primeira edição, 1992), de Linda Hill.
Preste atenção nas datas.
Por consequência, nosso entendimento da gestão não avançou. Em 1916,
o industrialista francês Henri Fayol publicou Administração Industrial e Geral
(primeira tradução para o inglês, 1949), no qual descreve a administração como
“planejamento, organização, comando, coordenação e controle”. Oitenta anos
depois, um jornal de Montreal informava a descrição do emprego do novo di-
retor geral da cidade como sendo “responsável pelo planejamento, organização,
direção e controle de todas as atividades municipais” (Lalonde 1977:1). E as-
sim continua nosso entendimento dominante.
Há anos que pergunto a grupos de pessoas do ramo “O que aconteceu
no dia em que você se tornou um gerente?” A resposta é quase sempre a
mesma: olhares confusos, depois todos dão os ombros e finalmente comen-
tam algo como “nada”. Supostamente você deveria descobrir tudo sozinho,
como acontece com o sexo, imagino, geralmente com as mesmas péssimas
consequências iniciais. Ontem você estava tocando flauta ou fazendo uma
cirurgia; hoje se descobre gerenciando pessoas que fazem a mesma coisa.
Tudo mudou, mas você está por conta própria, confuso. “Os novos gerentes
aprenderam pela experiência o que significa ser um gerente” (Hill, segunda
edição, 2003:9).
É o que faço, neste livro, revisitando a natureza do trabalho gerencial, man-
tendo algumas de minhas conclusões anteriores (veja-se o Capítulo 2), recon-
ceituando outras (nos Capítulos 3 e 4) e apresentando algumas novas (nos Ca-
pítulos 5 e 6).
3
Um aluno meu, Farzad Khan, buscou a palavra manager (gerente ou gestor, nas traduções aqui
usadas) nas citações e resumos de artigos publicados nas 13 revistas científicas e cinco revistas
especializadas mais importantes entre 1995 e 2004. Dos resultados, considerou quantas eram
sobre a natureza do trabalho gerencial: 27 de 669 artigos nas revistas acadêmicas e 53 de 793 ar-
tigos nas revistas para profissionais (a maioria dos quais originários da Harvard Business Review,
mas ainda menos que 10% do total: 37 de 400). Foram 3/74 no Academy of Management Journal,
1/25 no Administrative Science Quarterly e 2/150 no Sloan Management Review. Em um artigo
de 1986 chamado “What Managers Do: A Critical Review”, Hales incluiu uma tabela com as
“fontes principais de evidências sobre o trabalho gerencial” listando 26 estudos, três da década
de oitenta, sete da de setenta e outros sete da de sessenta; a década mais ativa foi a de 50, com
nove estudos. Uma exceção contemporânea importante é o trabalho de Tengblad (2000, 2002,
2003, 2004, 2006).
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• A “alta” gerência pensa no longo prazo e olha para o quadro geral; a “baixa” ge-
rência lida com questões mais limitadas e imediatas. Então por que Gord Irwin,
do Banff National Park (Front County Manager), estava tão preocupado com as
consequências ambientais da expansão de um estacionamento em uma estação
de esqui, enquanto em Ottawa, Norman Inkster, Superintendente da Real Polícia
Montada Canadense, assistia a um resumo do noticiário da noite anterior para
enfrentar perguntas embaraçosas eventualmente dirigidas ao seu ministro, no
Parlamento, naquele mesmo dia?
• E por que Jacques Benz, Diretor Geral da GSI, uma empresa de alta tecnologia,
estava participando, em Paris, de uma reunião sobre o projeto de um cliente?
Ele era um gerente sênior, afinal de contas. Não deveria estar em seu escritório,
desenvolvendo estratégias grandiosas? Era exatamente isso que Paul Gilding,
diretor-executivo do Greenpeace International, estava tentando fazer, mas sen-
tindo-se consideravelmente frustrado. Quem estava certo?
4
Alguns desses gerentes poderiam estar em outros lugares. Muitos dos gerentes de serviço de saúde
trabalhavam para o governo (apesar do status dos hospitais do NHS [Serviço Nacional de Saúde]
inglês estar passando para o setor social). A ONG Médicos Sem Fronteiras poderia estar sob “ser-
viços de saúde”, enquanto o Museu de Paris poderia estar sob “governo” (pois responde à cidade
de Paris).
Tabela 1.1 Os 29 gerentes observados*
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Gerência John Cleghorn John Tate Sir Duncan Nichol Paul Gilding
Geral (“Alta”) CEO Royal Bank of Canada Vice-Ministro, Departamento de Justiça CEO, National Health Service (NHS Diretor-executivo, Greenpeace
Jacques Benz Canadense – Serviço Nacional de Saúde) da International (Amsterdam)
Diretor Geral, GSI (Paris) Norm Inkster Inglaterra Dr. Rony Brauman, Presidente,
Managing
Carol Haslam Comissário, Real Polícia Montada do Canadá “Marc” Médécins sans frontiers (Paris)
Diretora Administrativa, (RPMC) Diretor-executivo de Hospital Catherine Joint-Dieterle
Hawkshead Ltd. (produtora (Quebec) Conservateur en chef, Musée de la
de cinema, Londres) mode et de la costume (Paris)
Max Mintzberg Bramwell Tovey
Copresidente, The Telepho- Maestro, Orquestra Sinfônica de
ne Booth (Montreal) Winnipeg
Gerência Brian Adams Glen Rivard Peter Coe Paul Hohnen
Intermediária Diretor, Global Express, Diretor Jurídico, Direito de Família e da Infân- Gerente Geral Distrital (North Diretor de Exportação da Poluição,
Canadair (Bombardier, cia e da Juventude, Departamento de Justiça Hertfordshire), NHS Florestas e Unidades Econômicas e
(“Média”)
Montreal) Canadense Ann Sheen Políticas, Greenpeace International
Alan Whelan Doug Ward Diretora de Serviços de Enferma- (Amsterdam)
Gerente de Vendas, Setor Diretor de Programação, Rádio CBC, Ottawa gem, Reading Hospitals, NHS Abbas Gullet
de Eletrônica e Computa- Allen Burchill Chefe da Subdelegação, Federação
ção Global, BT (Londres) Oficial de Comando, Divisão “H”, RPMC (Halifax) Internacional das Sociedades da
Sandra Davis Cruz Vermelha (N’gara, Tanzânia)
Diretora Geral Regional, Serviço de Parques do
Canadá (Calgary)
Charlie Zinkan
Superintendente do Banff National Park
(Alberta)
Gerência Gordon Irwin Dr. Michael Thick Stephen Omollo
na Base Front Country Manager, Banff National Park Cirurgião de Transplantes Hepáticos, Gerente, Acampamentos Benac e
(Alberta) St. Mary’s Hospital (Londres), NHS Lukole, Federação Internacional
(“Baixa”)
Ralph Humble Dr. Stewart Webb das Sociedades da Cruz Vermelha
Comandante, Destacamento de New Minas, Diretor Clínico (Geriatria), St. Charles (N’gara, Tanzânia)
RPMC (Nova Scotia) Hospital (Londres), NHS
Fabienne Lavoie
Enfermeira Chefe, 4 Northwest,
Jewish General Hospital (Montreal)
*Observação: No texto deste livro, às vezes chamo alguns desses gerentes pelo primeiro nome e outros por seus títulos formais, dependendo do que me pareceu mais natural.
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Um único dia, mesmo que reforçado pela conversa sobre outros dias, não é
muito tempo. Mas é incrível o quanto descobrimos com observação pura e sim-
ples, sem qualquer plano além de deixar a realidade acontecer. Como disse Yogi
Berra, o sábio do beisebol americano: “É possível observar muito só olhando”.
Combine todos os 29 dias e você consegue muitas evidências sobre a prática
da gestão.
No curso deste livro, incluirei ilustrações desses vinte e nove dias, tanto des-
crições do que aconteceu quanto interpretações conceituais de por que aconteceu.
Oito das descrições estão reproduzidas no apêndice, dando sustentação ao livro.
As descrições e interpretações de todos os 29 dias estão disponíveis (em inglês) na
Internet (www.mintzberg-managing.com). Para ter uma ideia delas, cito os títulos
e pequenas descrições que aparecem no site e em capítulos posteriores:
• “Gestão nas bordas”: sobre as pressões políticas sentidas pelos gerentes nos
parques canadenses;
• “Gestão Para Cima, Para Baixo, Para Dentro e para Fora”: sobre os efeitos
do nível hierárquico de cinco gerentes do gigantesco National Health Ser-
vice (NHS) da Inglaterra, desde o executivo-chefe a dois clínicos chefes em
hospitais;
• “Negociações Duras e Liderança Conciliadora”: sobre o contraste no tra-
balho da presidente de uma produtora cinematográfica, entre gerenciar ex-
terna e internamente;
• “O Yin e Yang da Gestão”: contrastando o trabalho de dois executivos-che-
fes, um de um museu da moda, o outro do Médicos Sem Fronteiras, ambos
em Paris, mas em dois mundos diferentes;
• “Gerenciando Excepcionalmente”: sobre dois gerentes da Cruz Vermelha
em um campo de refugiados na Tanzânia, gerenciando por exceção de mo-
dos excepcionais.
Antes de prosseguir, este capítulo inicial reanalisa três outros mitos que nos
impedem de ver a gestão pelo que ela é: que pode ser separada da liderança;
que é uma ciência, ou pelo menos uma profissão; e que os gerentes, assim como
todo mundo, estão vivendo uma época de grandes mudanças.
5
“Os líderes são personalidades de “homens nascidos duas vezes”, pessoas que se sentem deslo-
cadas de seus ambientes. Elas podem trabalhar em organizações, mas nunca pertencem a elas”
(Zaleznik 2004:79). Como é que uma pessoa dessas poderia liderar uma organização?
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6
O texto a seguir aproveita o material de meu livro Managers not MBAs (2004b) Versão em portu-
guês: MBA? Não, obrigado! (Bookman, 2006).
7
“A arte é a imposição de um padrão, uma visão do todo, em muitas partes separadas para possibi-
litar uma representação daquela visão; a arte é uma imposição da ordem sobre o caos” (Boettinger
1975:54; ver também Vail 1989).
8
Falo aqui em ser “científico” no sentido popular, não da prática da ciência, o que em si envolve
bastante arte e habilidade prática.
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Arte
Visão
discernimentos criativos
Gestão
como
prática
9
Ver meu livro Managers, not MBAs (Mintzberg 2004b) e Whitley (1989) para argumentos deta-
lhados sobre por que a gestão não é e provavelmente não se tornará uma profissão; ver também
Brunsson (2007: Chapter 4).
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10
Em 2005, um colega meu assinou a Harvard Business Review. Em troca, recebeu uma cópia gratui-
ta de um livro de artigos chamado Leadership Insights (“Descobertas sobre Liderança”). O primeiro
artigo do livro era meu, escrito há mais de trinta anos (Mintzberg 1975b). Ainda tratando desse mes-
mo assunto, algumas pessoas expressaram preocupação com o fato de que nenhum dos 29 gerentes
observados eram americanos. Como também de que os autores de livros de gestão, supostamente,
não deveriam fazer isso. No entanto, a maioria dos livros sobre gestão fala só de gerentes americanos.
Pergunto, pois, se faz tanta diferença assim que Bramwell Tovey seja maestro em Winnipeg (Canadá)
em vez de Wisconsin (EUA)? (No Capítulo 4, apresentarei evidências de que a cultura nacional tem,
surpreendentemente, pouquíssimo efeito sobre o conteúdo da gestão.) Pode ser que alguns pesquisa-
dores achem revigorante e os leitores americanos considerem esclarecedora a leitura sobre gerentes
de outros lugares, para variar. Porém, um resenhista deste livro, ex-executivo-chefe de uma grande
empresa americana, disse que possíveis leitores, quando virem as datas das pesquisas e a ausência de
americanos, vão parar de ler. Assim espero. Qualquer um que ache que a gestão precisa ser perfeita-
mente atualizada e necessariamente americana está com o livro errado nas mãos.
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Assista uma conferência sobre gestão. Vai provavelmente começar com uma
afirmativa: “vivemos uma época de grandes mudanças”. Quando ouvir isso,
olhe para as roupas que está vestindo. Observe os botões e pergunte a si mesmo
por que, se estamos vivendo uma época de grandes mudanças, ainda aboto-
amos nossos botões? Aliás, por que ainda dirigimos automóveis movidos por
motores de combustão interna de quatro tempos? Não era isso que usavam no
Ford Modelo T?
Por que você não notou os botões na sua roupa quando se vestiu de manhã,
ou a tecnologia antiga do seu carro, quando o guiou até o local da conferência
simplesmente para ouvir que vivemos numa época de grandes mudanças? Afi-
nal de contas, quando chegou ao trabalho mais tarde você realmente notou que
o Windows fez mais uma mudança em seu sistema operacional. A verdade é
que só notamos o que está mudando. E a maioria das coisas não está. A
tecnologia da informação está mudando: todos percebemos isso, e o mesmo
vale para a economia, ultimamente. E quanto à gestão?
Gestão hoje e ontem “Apesar de todo o modismo da liderança, é a gestão
fora de moda que está sendo praticada e suas características fundamentais não
mudaram” (Hales 2001:54). Os gerentes lidam com diversas questões diferen-
tes com o passar do tempo, mas não com diferenças de gestão. O trabalho não
muda. Compramos gasolina nova o tempo inteiro e camisas novas de tempos
em tempos, mas isso não significa que os motores e botões estejam mudando.
Apesar do escarcéu que fazemos por causa das mudanças, a verdade é que as-
pectos básicos do comportamento humano (e o que poderia ser mais básico do
que gerenciamento e liderança?) continuam relativamente estáveis. (Se ainda
está em dúvida, alugue um bom filme antigo sobre liderança.)
Durante meu estudo anterior (publicado em 1973), fiquei surpreso em ver
que os comportamentos observados eram provavelmente indistinguíveis dos
de gerentes de épocas anteriores. Muitas das informações que estes precisavam
eram diferentes, mas eles buscavam da mesma maneira: falando diretamente
com pessoas. Suas decisões podiam ter a ver com a última tecnologia, mas os
procedimentos para tomar tais decisões utilizavam pouquíssimo dela.
Alguma parte disso mudou hoje? Gostaríamos de pensar que sim, mas as evi-
dências sugerem o contrário.11 Se a gestão fosse uma ciência, ou mesmo uma pro-
fissão, ela mudaria. (A prática médica muda constantemente.) Mas a gestão não
é nenhuma das duas. Assim, com exceção dos modismos que vêm e que passam,
11
Tengblad, por exemplo, provavelmente o pesquisador mais ativo da atualidade no campo do tra-
balho gerencial, concluiu em um de seus estudos que “o trabalho gerencial parece ser um fenômeno
relativamente estável e evolucionário. (...) As muitas e notáveis semelhanças entre os comportamen-
tos de trabalho de CEOs suecos da década de quarenta e os da década de noventa apontam para a
importância das tradições, não da tecnologia moderna ou de modismos de gestão, para a decisão
sobre os ondes, quandos, comos e porquês de seu trabalho” (2000:38).
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