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1. Introdução
Esta regra aplica-se, por via do artigo 491.°, aos grupos constituídos por
domínio total e, portanto, à sociedade dominante relativamente às obrigações
da dominada, que ela detenha na sua totalidade.
I – Origem histórico-dogmática
defesa de interesses de grupo que a transcendam, seja para beneficiar uma das
sociedades do grupo que, por qualquer razão, detenha poder bastante3.
II. O Direito começou por reagir com a cláusula dos bons costumes.Algu-
mas decisões surgiram, nos inícios do século XX, assentes no § 138 do BGB.
3 Sobre toda esta matéria: HOLGER ALTMEPPEN, Die historischen Grundlagen des Konzernrechts, em
WALTER BAYER/MATHIAS HABERSACK, Aktienrecht im Wandel, II – Grundsatzfragen des Aktienrechts
(2007), 1027-1058.
4 Vide LUÍS BRITO CORREIA, Grupos de sociedades, em FDL/CEJ, Novas perspectivas do Direito
comercial (1988), 377-399 (381).
5 Por último, referimos: UWE HÜFFER, Aktiengestz, 9.ª ed. (2010), §§ 291 ss. (1474 ss.) e KATJA
LANGENBUCHER, em KARSTEN SCHMIDT/MARCUS LUTTER, Aktiengesetz Kommentar, II, 2.ª ed.
(2010), §§ 291 ss. (3113 ss.).
Secção 6.ª Prestação de contas em grupos de sociedades (§§ 329 a 393, revo-
gados).
II. Como ponto de partida, temos a figura dos contratos de empresa. Com
duas modalidades:
– o contrato de subordinação, pelo qual uma sociedade submete a outra à
sua administração;
– o contrato de entrega dos lucros, que adstringe uma sociedade a entre-
gar, a outra, a totalidade dos seus benefícios.
III.Tais contratos são delicados, pelo que postulam requisitos especiais para
a sua celebração, designadamente requerendo deliberações das assembleias
gerais das sociedades envolvidas (§§ 293 ss.). Preveem-se garantias especiais para
a sociedade controlada e para os seus credores. Cabe à sociedade dominante
assumir as perdas da dominada (§ 302) e dar garantia aos credores da dominada,
no fim do contrato de subordinação (§ 303).
Os acionistas discordantes, relativamente aos contratos de empresa, têm
direito a uma compensação adequada (§ 304).
A sociedade dominante pode dar instruções à dominada (§ 308), embora
com cuidado (§ 309) e podendo envolver a responsabilidade dos seus adminis-
tradores.
6 Vide o nosso Manual de Direito das sociedades, 1, 2.ª ed. (2007), 169 ss. (171).
7 Quanto à sua enumeração, vide o nosso Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª ed. (2011),
53 ss..
8 A Diretriz em causa nem sequer conhece uma tradução oficial em língua portuguesa. Nós pró-
prios procedemos a essa tradução, a título particular, com base na versão alemã publicada por
MARCUS LUTTER, Europäisches Unternehmensrecht, 3.ª ed. (1991), 291-298; vide o nosso Direito
europeu das sociedades (2005), 750-770.
9 REINHARD GOERDELER, Überlegung zum europäischen Konzernrecht, ZGR 1973, 389-409 (389).
10 A parte I contém, em 23 artigos, definições e preceitos gerais relativos às empresas coligadas,
um tanto ao estilo dos §§ 15 e seguintes do AktG alemão; a parte II, em 63 artigos, regula o
Direito aplicável aos grupos, com um especial desenvolvimento para o contrato de subordinação
(artigos 8.° a 28.°).
11 GÜNTHER CHRISTIAN SCHWARZ, Europäisches Gesellschaftsrecht / Ein Handbuch für Wissenschaft
(2000), 535.
12 Vide o nosso Direito europeu das sociedades cit., 908 ss.. Quanto a elementos históricos, cf. MAR-
CUS LUTTER, Stand und Entwicklung des Konzernrechts in Europa, ZGR 1987, 324-369 (324 ss.): o
projeto de SANDERS continha regras sobre grupos de sociedades, inspirados no (então) jovem
Direito alemão.
13 Quanto às críticas e ao ambiente que as rodeou: JEAN NICOLAS DRUEY, Das deutsche Kon-
zernrecht aus der Sicht des übigen Europa, em MARCUS LUTTER (publ.), Konzernrecht im Ausland
(1994), 310-368 (341 ss.); aí, a nota 175, transcrevem-se algumas observações dos representantes
britânicos, que vale a pena reter: (...) the German Aktiengesetz which some day might be forced upon us
e, a propósito da 9.ª Diretriz, (...) one of the least acceptable draft Company Law proposals to surface ever.
14 A análise do seu conteúdo consta de SCHWARZ, Europäisches Gesellschaftsrecht cit., 537-542 e,
entre nós, por partes, de RAÚL VENTURA, Grupos de sociedades/Uma introdução comparativa a propó-
sito de um Projecto Preliminar de Diretiva da CEE, ROA 1981, 23-81 e 306-362.
15 Cf. o preâmbulo do projeto em LUTTER, Europäisches Unternemensrecht, 3.ª ed. cit., 280.
5. O conteúdo do projeto
III. O ponto de partida para a aplicação do regime dos grupos é dada pela
presença de participações qualificadas, previstas na secção 3.ª, com os preceitos
seguintes:
Artigo 3.° (Comunicação à sociedade);
Artigo 4.° (Suspensão de direitos);
Artigo 5.° (Publicitação).
Como resulta do artigo 6.°, estes preceitos não se aplicam quando exista
um contrato de subordinação, uma declaração unilateral de grupo ou outra fór-
mula jurídica de lá se chegar: basta uma dominação, de modo que se possa falar
em “afiliada”, nos termos do artigo 2.°/1. Fundamentalmente, prevê-se:
– um relatório especial da direção;
– eventualmente: uma revisão determinada pelo tribunal;
– a responsabilidade por danos causados, mercê da influência da sociedade
dominante.
VI. Um grupo subordinado pode-se, ainda, constituir por via de uma decla-
ração unilateral da sociedade que detenha 90% ou mais das participações de
outra. Se não fizer essa declaração, será um “grupo de facto”, que cairá sob os
7. O artigo 501º
II. Na base, temos o artigo 29.° do projeto de 9.ª Diretriz, que dispõe:
1. A outra parte no contrato responde pelas dívidas da sociedade surgidas antes da
conclusão do contrato e durante a sua vigência. Ela só pode, todavia, ser
demandada depois de os credores terem interpelado a sociedade, por escrito,
pondo-a em mora.
2. A outra parte no contrato pode liberar-se dessa responsabilidade demons-
trando que a incapacidade da sociedade para cumprir deriva de circunstâncias
que forem provocadas por uma influência por esta exercida ou omitida.
(…)
8. O esquema do CSC
40 ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, CSC/Clássica (2009), 1208, 2.ª ed. (2011), 1295.
41 Vide UWE HÜFFER, Aktiengesetz, 9.ª ed. cit., 1730.
42 Cf. o ponto 33 do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 262/86, de 2 de Setembro.
A simples participação ocorre quando uma das sociedades seja titular de quo-
tas ou de ações de outra, em montante igual ou superior a 10% do capital desta
mas, entre ambas, não haja nem relação de participações recíprocas, nem rela-
ção de domínio, nem relação de grupo.
Fundamentalmente, a simples participação dá azo ao dever de comunica-
ção, previsto no artigo 484.°/1: o de comunicar:
(...) por escrito, à outra sociedade, todas as aquisições e alienações de quotas
ou ações desta que tenha efetuado (...) e enquanto o montante da participa-
ção não se tornar inferior àquele que determinar essa relação.
43 Cf., como exemplo, incluindo obras já citadas: RAÚL VENTURA, Grupos de sociedades, ROA
1981, 23-81 e 305-362 e Estudos vários sobre sociedades anónimas (1991), LUÍS BRITO CORREIA,
Grupos de sociedades, em Novas perspectivas do Direito comercial, org. FDL/CEJ (1988), 377-399,
FRANCISCO MANUEL DE BRITO PEREIRA COELHO, Grupos de sociedades, BFD LXIV (1988),
297-353, MARIA DA GRAÇA TRIGO, Grupos de sociedades, O Direito 123 (1991), 41-114, JOSÉ
ENGRÁCIA ANTUNES, Os grupos de sociedades/Estrutura e organização jurídica de empresa plurissocietá-
ria (1993), com 2.ª ed. (2002) e Liability of Corporate Groups (1994) e GONÇALO AVELÃS NUNES,
Tributação dos grupos de sociedades pelo lucro consolidado em sede de IRC/Contributo para um novo
enquadramento dogmático e legal do seu regime (2001), 20 ss..
ela esteja em relação de grupo, e de ações de que uma pessoa seja titular por conta
de qualquer dessas sociedades.
Em qualquer destes casos, a lei entendeu que tudo se poderia passar como
se a entidade “principal” fosse a titular efetiva. Donde a equiparação de regi-
mes, que vem prescrita.
IV. A relação de grupo ou grupo stricto sensu ocupa todo o Capítulo III do
Título VI. É o mais extenso, repartindo-se por 3 secções:
Secção I – Grupos constituídos por domínio total
artigo 488.° – Domínio total inicial;
artigo 489.° – Domínio total superveniente;
artigo 490.° – Aquisições tendentes ao domínio total;
artigo 491.° – Remissão;
Secção II – Contrato de grupo paritário
artigo 492.° – Regime do contrato;
Secção III – Contrato de subordinação
artigo 493.° – Noção;
artigo 494.° – Obrigações essenciais de sociedade diretora;
artigo 495.° – Projeto de contrato de subordinação;
artigo 496.° – Remissão;
artigo 497.° – Posição dos sócios livres;
artigo 498.° – Celebração e registo do contrato;
artigo 499.° – Direitos dos sócios livres;
artigo 500.° – Garantia de lucros;
artigo 501.° – Responsabilidade para com os credores da sociedade subordi-
nada;
O domínio total pode ser inicial: uma sociedade, mediante escritura ou equi-
valente por ela outorgada, constitui uma sociedade anónima de cujas ações ela
seja inicialmente a única titular – artigo 488.°/1: surge a relação de grupo.
Mas pode, também, ser superveniente: nessa altura, a relação de grupo
ocorre, apenas, quando a sociedade dominante não opte pela dissolução da
dependente ou pela alienação das suas quotas ou ações – artigo 489.°/3.
O grupo paritário pressupõe um contrato pelo qual duas sociedades inde-
pendentes se submetam a uma direção unitária e comum – 492.°/1.
A subordinação implica um contrato com esse nome: artigo 493.°/1. Por
ele, uma sociedade subordina a gestão da sua própria atividade à direção da
outra, sua dominante ou não – 493.°/1. O Código dimana, depois, toda uma
regulação tendente a tutelar os sócios livres.
9. Ponderação global
III. O preceituado no artigo 501.° aplica-se, por via do artigo 491.°, aos gru-
pos constituídos por domínio total (491.°).Trata-se de uma especialidade da lei
portuguesa, sem paralelo nem na lei alemã nem no projeto de 9.ª Diretriz48.
normalmente em dinheiro. Não faria sentido interpelar uma sociedade dominante para a exe-
cução de prestações técnicas que só a subordinada estivesse em condições de executar.
48 ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, CSC/Clássica cit., art. 491.°, anot. 2 (1261); desta feita,
ter-se-á colhido inspiração na Lei Brasileira das Sociedades Anónimas de 1976 que admite a
“subsidiária integral” – idem, 488.°, anot. 4 (1150).
nante dar instruções à dominada, instruções essas que esta fica obrigada a aca-
tar, mesmo quando desvantajosas (503.°)51. No limite, poderiam ser dadas ins-
truções suicidárias, de tal modo que os credores da sociedade subordinada sai-
riam gravosamente prejudicados.
Podemos considerar que, em situações normais, os credores beneficiam do
natural espírito de sobrevivência das sociedades e, ainda, das múltiplas regras de
cautela que se impõem aos respetivos administradores e por cujo cumprimento
eles são responsáveis. O dever de acatar instruções desfavoráveis altera tudo:
podem, legalmente, surgir sociedades khamikase, contra as quais falham os
esquemas normais de acautelamento. A responsabilidade alargada permite
reconstituir, no nível superior, a segurança perdida.
Engrácia Antunes:
(…) uma responsabilidade solidária sui generis: muito embora as sociedades subordi-
nada e directora respondam ambas pelo cumprimento integral das obrigações, os
credores sociais deverão começar por fazer valer os respectivos direitos primeira-
mente perante a sociedade subordinada (rectius, por aguardar o vencimento dessas
obrigações em face desta), os quais apenas se tornarão exigíveis junto da sociedade
51 ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, CSC/Clássica cit., art. 501.°, anot. 8 (1295) e JOSÉ A. ENGRÁ-
CIA ANTUNES, Os grupos de sociedades cit., 797; vide STJ 31-Mai.-2005 (FERNANDES MAGALHÃES),
Proc. 05A1413.
52 Sobre esta matéria, vide, por último, JANUÁRIO GOMES, A sociedade com domínio total como
garante. Breves notas, RDS 2009, 865-883 (866 ss.).
53 RAÚL VENTURA, Contrato de subordinação entre sociedades, RB 25 (1993), 35-54 = Novos estudos
sobre sociedades anónimas e sociedades em nome colectivo (1994), 89-127 (123).
directora quando, não podendo ou não querendo aquela cumpri-las, tenha trans-
corrido um determinado prazo após a mora debendi54.
III. Januário Gomes apontou o caso do artigo 501.°/2 como sendo de sub-
sidiariedade média59: a responsabilidade da sociedade diretora está dependente
do incumprimento da devedora primária e do decurso de um prazo. Em estudo
subsequente, afirma essa responsabilidade como acessória e, logo, como não
puramente solidária60. Afigura-se-nos que tem razão em ambos os troços em
jogo. Cabe precisar.
IV. Na solidariedade perfeita, temos uma única prestação com dois ou mais
devedores, sendo o seu esforço repartível apenas depois do cumprimento61. As
obrigações dos envolvidos são qualitativamente iguais: cada um pode opor, ao
credor, os meios de defesa comuns e, ainda, os que especificamente lhe caibam
(514.°, do Código Civil). Na verdadeira solidariedade, a invalidade da obriga-
ção de um dos devedores não aproveita aos demais. O credor pode demandar
(indiferentemente) qualquer dos devedores, pela prestação integral (512.°/1, do
Código Civil).
VI. Pois bem: aplicando estas categorias ao artigo 501.°, estaremos em face
de uma responsabilidade:
– acessória: a sociedade diretora pode invocar os meios de defesa da deve-
dora e a sua obrigação depende da existência e da manutenção da adstri-
ção garantida;
62 Convincentemente: JANUÁRIO GOMES, A sociedade com domínio total como garante cit., 876 ss..
63 JANUÁRIO GOMES, Assunção fidejussória cit., 968 e passim.
III. E quanto aos trinta dias de mora: quando se inicia a sua contagem?
O objetivo da Lei ao conceder essa dilação é claro: visa permitir que a socie-
dade diretora, se necessário dando as devidas instruções, faça solver a dívida pela
devedora principal, como é de Justiça. Ora esse escopo fica comprometido se
os trinta dias se contarem desde a mora em si, independentemente da data da
subordinação: no limite, quando eles tivessem expirado ainda antes de tal data,
a responsabilidade da diretora passaria a ser imediata e não subsidiária!
A lógica do diploma exige, pois, que os trinta dias de mora decorram já no
período da subordinação. Se houver mora anterior, ela produz todos os seus
V. Perante isso, poder-se-ia pôr a hipótese de, por redução teleológica par-
cial, se defender que, no caso do domínio total superveniente, a sociedade
dominante, por via do artigo 501.°/1, não responderia pelas dívidas anteriores
da dominada, quando, de boa-fé, não as conhecesse. Isto é: quando, mau grado
o cuidado exigível, não as conhecesse nem pudesse conhecer. Todavia, numa
área tão delicada como a aqui em estudo, entendemos que a Lei privilegia, pre-
dominantemente, a segurança, como valor material. O artigo 501.° (e o 491.°)
fixa regras de jogo, que todos conhecem. Antes de adquirir um domínio total
superveniente, a interessada que se defenda. Em situações-limite de injustiça: ela
poderá sempre deter qualquer credor da sociedade dominada desde que, dadas
as circunstâncias concretamente reinantes, tal credor incorra em abuso do
direito (334.°). Este remédio está sempre à disposição de todos, para evitar saí-
das gritantemente contrárias aos valores fundamentais do sistema.
VI. Isto tudo: funciona sempre a ressalva dos trinta dias: mesmo em relação
a dívidas vencidas anteriormente, a sociedade dominante, depois de consumado
o domínio total superveniente, dispõe sempre desse lapso de tempo, antes de
incorrer na responsabilidade.
VI. Devemos ter presente que o artigo 501.° não é nenhum remédio abso-
luto. Nem seria justo que o fosse: apesar da subordinação ou do domínio total,
mantém-se a separação das pessoas coletivas envolvidas, com o privilégio da
limitação da responsabilidade, que a ninguém surpreende.
Apenas nas condições muito especiais do artigo 501.° se dá a garantia da
dominante.
I. O artigo 501.° tem o âmbito de aplicação que resulta desse mesmo pre-
ceito e que acima procurámos delucidar. Pergunta-se, agora, se esse âmbito
pode ser restringido ou alargado, seja por vontade das partes (ex contractu), seja
por força da Lei (ex lege).Vamos ver.
64 Contra, STJ 31-Mai.-2005 (FERNANDES MAGALHÃES), Proc. 05A1413, embora sem justificar
explicitamente este ponto.
II. Esta orientação básica, tanto quanto sabemos, só foi contraditada por um
relatório académico apresentado por Vogler Guiné. Segundo este Autor, em
situações de domínio qualificado, isto é, naquelas em que uma sociedade deti-
vesse a maioria do capital de outras, mas aquém de 100%, e havendo instru-
mentalização da dominada pela dominante, justificar-se-ia, “por maioria de
razão”, o recurso ao artigo 501.°. E isso no caso do seguinte exercício68:
– o artigo 501.° funciona, na base do domínio total, mesmo quando o
dominante tenha dado instruções em benefício da dominada;
– por maioria de razão funcionaria quando, não tendo o direito de dar ins-
truções, a sociedade dominante o fizesse, de facto, em prejuízo da domi-
nada e em seu próprio benefício.
III.Torna-se muito importante sublinhar que o artigo 501.° tira a sua jus-
tificação profunda do poder legal que a dominante total tem de dar instruções
IV. O artigo 501.° surge numa área delicada, que exige total segurança: quer
para as sociedades, quer para os investidores, quer para os credores. Nessas con-
dições, tem de haver fronteiras claras quanto à sua aplicação. Admitir uma zona
cinzenta, na qual mau grado a não verificação das suas condições de aplicação,
o artigo 501.° puder funcionar nas hipóteses de má conduta da sociedade
“dominante qualificada”, seria introduzir, no seio do Direito das sociedades, um
gravíssimo fator de incerteza.
Não pode ser essa a intenção legislativa.
(a) Confusão de esferas: por inobservância das regras atinentes à prestação de con-
tas e à autonomia patrimonial, não se percebe onde acaba o património da
sociedade e começa o dos sócios; o artigo 84.°/1 equivale a um afloramento
pontual do instituto;
(b) Subcapitalização: uma sociedade é constituída com um capital insuficiente
para o objeto que se propõe, em termos tais que essa insuficiência não fique
acessível a terceiros ou tenha sido propositadamente levada a cabo para ilidir
responsabilidades; é o caso paradigmático das grandes multinacionais petrolí-
feras, que usam, como armadores, pequenas sociedades com pavilhão de con-
veniência;
(c) atentado a terceiros: a sociedade é usada para enganar ou defraudar terceiros;
temos os chamados “testas-de-ferro”;
(d) abuso de personalidade: um tipo residual, que engloba as situações de venire
contra factum proprium ou de exercício emulativo.
72 Fazem-no JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito comercial, IV – Sociedades comerciais / Parte geral
(2000), 612 ss. e JORGE COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito comercial,V – Das sociedades, 3.ª ed.
(2009) (183), em parte. Todavia, nenhum desses Autores pretende um alargamento do artigo
501.°: apenas referem, nesse ensejo, o levantamento.