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SOCIEDADE SIMPLES

1- Objeto da sociedade simples


O objeto social da sociedade simples é distinto da atividade própria de
empresário, que consiste no exercício de atividade econômica organizada para a
produção ou circulação de bens ou serviços, cf. RICARDO NEGRÃO.

O objeto da sociedade simples poderá incluir, por exemplo, a prestação de


serviços intelectuais, artísticos, científicos ou literários, que são espécies de um
mesmo gênero e podem ser caracterizados pelo fato de a prestação ter natureza
estritamente pessoal.

É o trabalho prestado pelo médico, advogado, dentista, pesquisador, escritor


etc. Mesmo que esses profissionais realizem suas atividades com o concurso de
auxiliares ou colaboradores, a organização não terá caráter empresarial.

No entanto, o exercício dessas mesmas profissões podem constituir elemento


de empresa. Para Ricardo Negrão haverá esse caráter quando terceiros contratam
médicos e outros profissionais com o objetivo de oferecer planos de saúde à
população.

2- Contrato social

A sociedade simples pode ser classificada como sociedade pessoal, em razão


da regra referente à modificação do contrato social (art. 999).

Há necessidade de consentimento unânime dos sócios nas deliberações que


alterem as cláusulas referentes aos elementos essenciais do contrato previstas no
art. 997, incs. I a VIII: qualificação das partes; denominação, objeto, sede e prazo
da sociedade; capital social; quota de cada sócio; prestações a que se obriga o
sócio cuja contribuição consista em serviços; administração e responsabilidade dos
sócios.

Nas demais cláusulas, a alteração depende da aprovação da maioria absoluta


dos votos, conforme art,999 do cc.

Por se destinar às atividades não empresariais, a sociedade simples deve ser


inscrita no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas no local de sua sede,
dentro de 30 dias subseqüentes a sua constituição (art. 998).

Se estabelecer sucursal, filial ou agência, deverá fazê-lo na circunscrição


correspondente, mas averbando-a também no registro civil da sede

3- Deveres e obrigações dos sócios

Desde a assinatura do contrato, os sócios estabelecem as obrigações


recíprocas e para com a sociedade criada, antes mesmo de sua inscrição no
registro público.

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São deveres dos sócios:

- dever de contribuir – obrigam-se a ingressar com os aportes estabelecidos,


na forma e prazo previstos no contrato social, sob pena de serem considerados
remissos e, conseqüentemente, serem constituídos em mora, com as
conseqüências do § único do art. 1.004;

- dever de probidade na gestão financeira – principalmente endereçado ao


administrador (art. 1.011 e 1.013, § 2º). O art. 1.009 estabelece a responsabilidade
solidária dos administradores pela distribuição de lucros ilícitos ou fictícios. Os
sócios devem se abster de participar de deliberações que envolvam alguma
operação na qual tenha interesse contrário ao da sociedade, sujeitando-os a pagar
perdas e danos à sociedade (art. 1.010, § 3º);

- direito-dever de co-participação nos lucros e perdas – em toda sociedade, o


sócio fica sujeito à participação nos lucros e nas perdas, na proporção de sua
quota;

- direito de participar das deliberações – mesmo não exercendo a direção


executiva dos negócios, a todos os sócios cabe o direito de participar das
deliberações sobre as atividades da sociedade. As decisões serão sempre tomadas
por maioria de votos (metade mais um) segundo o valor das quotas de cada sócio,
mas as modificações que incidem sobre cláusulas essenciais do contrato social (art.
997), exigem o consentimento unânime dos sócios;

- direito de fiscalização – os sócios têm o direito de fiscalizar o andamento dos


negócios sociais, podendo examinar a qualquer tempo, ou em data que o contrato
estipular, os livros e documentos sociais, o estado da caixa e da carteira da
sociedade, isto é, a situação dos créditos e dos débitos sociais. Decorre desse
direito exigir a prestação de contas da administração em épocas determinadas no
contrato;

- direito de retirada – também chamado de direito de recesso, que pode ser de


duas modalidades: a) comum, ordinário ou imotivado, mediante simples notificação
aos demais sócios (art. 1.029) e b) extraordinário, que depende do consentimento
unânime dos sócios, que se não for concedido dependerá de decisão judicial,
demonstrada a justa causa, que pode ser todo e qualquer ato, ou conjunto de atos,
de um ou alguns sócios que impeça o prosseguimento da atividade comum, da vida
societária. O Código Civil prevê uma hipótese no art. 1.114, quando há
transformação da sociedade;

- direito de participar do acervo, em caso de liquidação – a sociedade pode vir


a se dissolver por inúmeras razões legais ou em virtude de consenso entre os
sócios, nesse caso é possível fazer o rateio por antecipação da partilha, na medida
em que forem apurados os haveres sociais que restaram após realizados os
pagamentos dos credores, segundo a proporção de cada um no capital social (art.
1.107 e 1.108).

4- Administração
No contrato social da sociedade serão fixadas as atribuições dos sócios,
dentre elas a administração, que não poderão ser delegadas a outro sócio,
tampouco a terceiros, salvo consentimento unânime dos demais sócios (art. 1.002).
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A nomeação do administrador da sociedade deve ser indicada no contrato
social levado a registro no órgão competente, e, se não for, no silêncio a respeito de
quem a exerce, a administração competirá separadamente a cada um dos sócios
(art. 1.013).

Na sociedade simples, o administrador é sempre uma pessoa natural (art. 997,


VI), sendo vedado o seu exercício por pessoa jurídica, mas não há proibição ao
exercício por terceiros, não sócios. (art. 1.013, § 1º).

Essa faculdade, atribuindo poderes gerenciais a pessoa estranha aos quadros


sociais, distingue a sociedade simples de outras de cunho pessoal definidas no
Código Civil, como sociedade em nome coletivo (art. 1.042), como também as
sociedades em comandita simples (art. 1.045 e 1.046) e em conta de participação
(art. 991).

No entanto, a rigor, as sociedades simples, por terem objeto social distinto da


atividade empresária, e, por, conceito, se referirem a atos pessoais de exercício
profissional, não comportam administração estranha à pessoa de seus sócios.
Ficará ao cargo da jurisprudência traçar o melhor entendimento.

Os impedimentos e incompatibilidades podem ser de duas modalidades:


a) Impedimentos de ordem geral – estão impedidas de exercer a
administração de sociedades em geral as pessoa condenadas a pena que vede,
ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos (Lei n. 8.429/92), ou por
crime falimentar, de prevaricação (art. 319, Código Penal), peita ou suborno (art.
317, Código Penal), concussão (art. 316, Código Penal), contra a economia popular
(Lei n. 1.521/51), o sistema financeiro nacional (Lei n. 7.492/86), as normas de
defesa da concorrência (art. 195 da Lei n. 9.279/96), as relações de consumo (Lei n.
8.078/90), a fé pública (definidos no Código Penal, abrangendo as hipóteses de
moeda falsa e similares (arts. 289 a 292), falsidade de títulos e outros papéis
públicos (arts. 293 a 295), falsidade documental (arts. 296 a 305) e outras
falsidades (arts. 306 a 311)) ou a propriedade (abrange os crimes contra o
patrimônio, definidos no Código Penal (furto, roubo, extorção, usurpação, dano,
apropriação indébita, estelionato, receptação); crimes de violação de direito autoral
ou usurpação de nome ou pseudônimo alheio (arts. 184 e 185, CP); a propriedade
intelectual em geral, incluindo violação de direito de autor de programa de
computador (art. 12 da Lei n. 9.609/98) e os crimes contra a propriedade industrial
(arts. 183 a 194 da Lei n. 9.279/96)), enquanto durarem os efeitos da condenação
(art. 1.011, § 1º). Também são de ordem geral os impedimentos aos estrangeiros
(arts. 95 a 110 da Lei n. 6.815/80).

b) Impedimentos de ordem profissional – o Código remete para lei


especial, ainda não sancionada. No entanto, estão impedidos de exercer atividade
empresarial ou a administração de empresas alguns agentes políticos, para os
quais a lei pretendeu preservar a liberdade e o status político para o exercício pleno
de sua funções: os membros do Ministério Público (art. 128, II, c, da CF e art. 44, III,
da Lei n. 8625/93), magistrados (art. 36, I da Lei Complementar n. 35/79),
deputados e senadores em empresa que goze de favor decorrente de contrato com
pessoa jurídica de direito público (art. 54, II, a, CF). Também são impedidos os

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funcionários públicos em geral e em especial os funcionários da Fazenda e
militares.
Algumas leis exigem habilitação especial, licença ou autorização do Poder
Público, como, por exemplo, a atividade securitária (Lei n. 4.594/64), financeira
(Leis n. 4.595/64 e 6.385/76), transporte rodoviário de bens (Lei n. 7.092/83),
serviços de vigilância e transporte de valores (Lei n. 7.102/83), administração de
consórcios etc.

São deveres do administrador:


a) dever de diligência – exige-se probidade no exercício da
administração social, imposição que a lei resume na expressão “cuidado e diligência
que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus
próprios negócios”, incluindo boa-fé e diligência;

b) dever de lealdade – o administrador deve ser leal aos interesses da


sociedade, prestando fielmente os serviços necessários para que ela atinja os fins
comuns para o qual foi constituída. Esse dever, imposto a toda e qualquer forma
societária, está mais bem detalhado no art. 155 da Lei das Sociedades por Ações:
a) usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia,
as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício do
seu cargo; b) omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou ,
visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar
oportunidades de negócio de interesse da companhia; c) adquirir, para revender
com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione
adquirir;

c) dever de informação e prestação de contas - do direito de sócio, de


fiscalizar os atos de gerência nasce o respectivo dever de informar e prestar contas
atribuído aos administradores, que podem se valer de profissionais competentes
para essa tarefa.
O administrador não pode ser substituído no exercício de suas funções, mas
pode constituir mandatários com poderes para a prática de atos e operações
específicas na procuração (art. 1.011, § 2º).

São poderes do administrador:


a) a prática de atos e operações incluídos no contrato social da
sociedade, inclusive a alienação de imóveis, quando for este o objeto
da sociedade;

b) emissão, endosso e circulação de títulos de crédito, decorrentes do


exercício de atividades pertinentes ao objeto social;

c) administração dos bens sociais com vistas a sua conservação e


manutenção;

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d) representação da sociedade, judicial e extrajudicialmente.

Não estão incluídos entre os poderes do administrador a alienação e a


imposição de ônus sobre os bens imóveis, salvo a hipótese de ser este o objeto da
sociedade; operações que dependem de deliberação da maioria; operação a título
gratuito com ônus ao patrimônio social ou a aplicação de créditos ou bens sociais
em proveito próprio ou de terceiro.

Na redação originária do Código Civil de 2002, os abusos dos poderes


gerenciais não poderiam ser opostos a terceiros se houvesse limitação dos
dos poderes, sendo esta limitação arquivada na junta comercial ou se ficasse
provado que a limitação era conhecida do terceiro, e, também quando o
administrador praticava atos evidentemente estranhos ao objeto social,
Tratava-se da chamada “Teorias ulta vires”. Porém, o parág. Único do art.
1.015, que disciplinava tal assunto foi revogado. A revogação foi proveniente
da Lei 14.195 de 2021, no seu art. 57 (lei do ambiente de negócios).

Haverá a obrigação pessoal do administrador sempre que ocorrer a


prática de excesso nos atos da administração, conhecida como
responsabilidade por abuso dos poderes gerenciais ou por abuso da firma
social, dentre eles estão os atos de:

a) atos de excesso, violadores da regra social (art. 1.013, § 2º; 1.016


e 1.017);
b) quando o administrador pratique atos de gestão sabendo que
está agindo em desacordo com a maioria.

c) restrições contratuais – o contrato social pode restringir o uso


dos poderes gerenciais, vedando, por exemplo, saque, emissão,
aval, endosso de títulos cambiários, fianças etc;

e) Responsabilidade da sociedade perante terceiros


A sociedade é primariamente responsável, como pessoa jurídica, pelas
obrigações assumidas perante terceiros, mas, se os bens sociais não cobrirem as
dívidas sociais, os sócios respondem pelo saldo, na proporção em que participem
das perdas sociais.
É possível, ainda, que o contrato estabeleça a responsabilidade solidária dos
sócios, de forma que a obrigação será ilimitada em relação aos seus bens
particulares até o pagamento integral dos débitos existentes.
Pode ocorrer, também, a previsão de que a responsabilidade dos sócios é
secundária, garantindo-lhes o benefício de ordem: os bens particulares somente
serão executados após todos os bens sociais.

5- Resolução da sociedade em relação a um sócio

A sociedade se resolve em relação a um sócio em duas hipóteses:

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- em virtude de morte – falecido um dos sócios, e no silêncio do contrato
social, podem os demais optar por: a) dissolver a sociedade (art. 1.028, II); b)
acordar, com os herdeiros, sua substituição no quadro social (art. 1.028, III); ou c)
pagar o valor da quota aos herdeiros, com base na situação patrimonial da
sociedade, à data da resolução, que coincide com a do evento morte, verificada em
balanço especialmente levantado (art. 1.031);

- em virtude de exclusão – a exclusão do sócio pode ocorrer em cinco


circunstâncias: a) o sócio se torna remisso, pelo descumprimento do dever de
contribuição correspondente a sua participação no capital social, na forma e prazo
previstos (art. 1.004); b) sua quota foi liquidada em execução de seus credores
particulares; c) falta grave no cumprimento de suas obrigações; d) ocorrência de
incapacidade superveniente (art. 3º e 4º, CC); e) decretação de sua falência.

6- Dissolução da sociedade
A dissolução pode ser total ou parcial. Será total se leva à liquidação e
extinção da sociedade e parcial se opera a retirada de sócio, com apuração parcial
dos haveres.

O art. 1.033 estabelece hipóteses de dissolução judiciais e extrajudiciais.

Ocorre a dissolução extrajudicial:


a) quando expirado o prazo de duração da sociedade;
b) pelo consenso unânime ou deliberação por maioria absoluta na sociedade
por prazo indeterminado;
c) quando ocorre a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.
Ocorrerá a dissolução judicial:
a) por requerimento dos sócios;
b) por anulação do ato de sua constituição;
c) por exaustão do fim social ou verificação de sua inexeqüibilidade;
d) por causa prevista no contrato social que vier a ser contestada em juízo.

Observação: A Lei 14.195 de 2021 no seu art. 57 deixou de prevê a dissolução


da sociedade pela singularidade de sócios, não sendo restabelecida a
sociedade com dois ou mais sócios no prazo de 180 dias.

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