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Falar sobre o multiculturalismo presente na composição de um ambiente escolar ou em um

projeto pedagógico é também traçar relações entre “diferenças culturais” e “diferenças


sociais”, pois no bojo da histórica, fica evidente quais culturas têm mais condições de
sobreviver. Também é fato que as diversidades são transitórias, novas relações surgem e
com elas processos de diferenciação. Encontros entre diferentes podem tornar-se encontros
entre semelhantes, dependendo da natureza da composição e os fatores para essa
transitoriedade são os mais diversos, como por exemplo a história da migração humana,
onde cada grupo que chega, é visto como o diferente, seja por uma migração espontânea
ou em situação de refúgio.

Em dezembro de 2019 a revista PERIFERIAS publicou uma conversa com Becet Hussein,
membro da Direção de Escolas de Qamishli, no nordeste da Síria, onde conta da dificuldade
em pensar um projeto educacional em um país em guerra, onde tudo pode ser destruído.
Ele diz que “falar a língua curda era proibido na Síria, podendo seu uso levar, inclusive, à
prisão – com o autogoverno então instaurado, expandiram-se as possibilidades de uso da
língua, valorização da cultura e resgate da história curda, principalmente no ensino em
escolas públicas de Rojava”. Apenas o árabe era permitido e tudo que fosse curdo estava
proibido, a língua, qualquer manifestação cultural ou organização comunitária.
O projeto pedagógico integra as culturas da região, com suas línguas e culturas específicas:
curdos, árabes e assírios; mulçumanos, sunitas, xiitas e sufis; armênios, turcomenos,
yazidis e judeus. Os currículos são feitos em árabe, assírio e curdo com variantes de
dialetos. As atividades escolares valorizam festas, músicas, manifestações culturais de
todas as culturas, onde professores e alunos juntos aprendem não a esconder a diferença,
mas ao contrário, valorizá-la.
O projeto avançava e chegou a ter em setembro de 2019, 320.000 estudantes mas em dois
meses de ofensiva turca 86.000 alunos interromperam os estudos. Ainda sim, o projeto que
olha para a educação como um processo de valorização da diferença, trabalha arduamente
para o fim da guerra entre os povos.

Já na Bélgica, apesar de não ter atualmente uma guerra como cenário de fundo, também
lida com as diversidades de sua composição social. Processos migratórios ao longo da
história trazem consigo a discussão dos diferentes valores, as diferenças sociais, raciais,
etc. A escola Sint-Camillus em Sint-Niklaas, realiza um projeto que tem como base a
colaboração entre educadores, familiares e instituições apoiadoras. Ao todo são mais de
200 crianças entre 2 e 12 anos de idades de 25 nacionalidades e alunos com e sem
deficiência. Tendo como objetivo oferecer a oportunidade de aprendizado para todos num
ambiente confortável, as trocas culturais são sempre realizadas, como por exemplo em
atividades culinárias onde cada um traz seu prato típico para compartilhar.
As diferenças entre cada um são valorizadas e existe um olhar individualizado no respeito à
diferença, pois cada estudante tem também seu próprio tempo de aprendizado.

Na cidade de São Paulo, a escola pública Amorim Lima tem destaque já há alguns anos. A
escola rompeu os limites da sala de aula, dos moldes das turmas fechadas por faixa etária,
e mais do que isso, passou a se relacionar com a cidade. Desenvolvendo um trabalho junto
ao bairro do entorno, hoje a escola é referência para a cidade. Uma escola que investe no
multiculturalismo e na composição das diferenças também colhe seus frutos quando se
torna referência para a comunidade escolar da cidade. Mais do que executar um bom
projeto, a escola Amorim Lima, amplia o debate do acesso à educação de qualidade pública
e trabalha as diferenças como uma potência do nosso povo tão diverso na formação de
crianças e jovens.
Toda cidade tem dentro de sua composição a diversidade. Seja na Síria, na Bélgica ou em
São Paulo, estes projetos educacionais têm entre si a valorização da diferença,
acompanhando as necessidades de cada um e do coletivo.
Vivo na cidade de Bragança Paulista há quatro meses e sei que a rede de ensino é
composta por diversas escolas estaduais e municipais, além das escolas particulares. Caso
fosse possível realizar um trabalho educacional por aqui, levaria em conta a formação da
cidade, suas atividades econômicas, as manifestações culturais, os níveis de desigualdade
social para compor um mapa da formação da cidade, que passe pela sua história, até sua
composição atual. Posteriormente me aprofundaria no contexto dos estudantes e
professores de determinado espaço escolar, fazendo uma intersecção com o mapa de
formação da cidade. Pesquisas, questionários, conversas, e atividades são instrumentos
que nos auxiliam na compreensão das realidades de cada estudante e de cada professor.
Numa terceira etapa, analisaria o material para pensar onde as diferenças aparecem, onde
as semelhanças se encontram e então desenvolver uma proposta de trabalho
multiculturalista.

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