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EDUARDO SCARPARO
RESUMO: O texto faz o exame das inferências no trabalho com precedentes. Para tanto, aborda a
dedução, a indução e a analogia aportando seus aspectos essenciais. Em seguida, apresenta essas
progressões racionais considerando a formação, a análise e a aplicação de precedentes. Conclui
no sentido de que a analogia pode ter função quanto à formação e análise de precedentes, sendo,
no entanto, ausente na respectiva aplicação, momento em que a dedução se apresenta como a
inferência pertinente.
PALAVRAS-CHAVE: analogia, indução, dedução, precedentes, inferência.
ABSTRACT: The paper examines how inferences deals with precedents. In order to make it, it
explains deduction, induction and analogy by providing its essential aspects. Then, it presents
these rational progressions considering the formation, analysis and application of precedents. It
concludes that analogy can play a role in the formation and analysis of precedents, but is absent
in its application, whose deduction is the pertinent inference.
KEYWORDS: analogy, induction, deduction, precedents, inference.
1 Publicado em SCARPARO, Eduardo. Precedentes são aplicados por analogia apenas quando não são
precedentes. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPRO, Belo Horizonte, ano 27, n. 108, p. 141-163,
out/dez. 2019.
1. INTRODUÇÃO
2
Indica Marinoni que precedente e decisão judicial são termos que “não se confundem, só havendo sentido
falar de precedente quando se tem uma decsião dotada de determinadas características, basicamente a
potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. De
modo que, se todo precedente ressai de uma decisão, nem toda decisão constitui precedente”. MARINONI,
Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 215.
3
Não se pode considerar que o modelo de precedentes no Brasil é idêntico ao modelo estrangeiro de
Common Law. Até mesmo porque há um histórico de tentativas de resolução das questões pertinentes à
vinculação dos juizes ao direito. “Jurisprudência, súmulas e precedentes, portanto, revelam dois caminhos
distintos trilhados pelo direito brasileiro a procura de uma solução para o problema da vinculação ao direito.
Embora oriundos de diferentes tradições, o Novo Código de Processo Civil buscou entrelaçá-los visando à
prestação da tutela dos direitos”. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 71.
4
“Uma ratio decidendi é uma justificação formal explícita ou implicitamente formulada por uim juiz, e
suficiente para decidir uma questão jurídica suscitada pelos argumentos das partes, questão sobre a qual
uma resolução era necessária para a justificação da decisão no caso”. MACCORMICK, Neil. Retórica e o
Estado de Direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 203.
presente na ratio decidendi ao caso problema e sua correspondência lógico-inferencial
subsequente. Na primeira apresentação semântica, analogias e induções estão ou podem
estar presentes ao lado das deduções na “aplicação” de precedentes; na segunda, a
“aplicação” propõe uma reserva à inferência dedutiva.
2. INFERÊNCIAS
5
“Todo ensino e toda a instrução intelectual procedem de conhecimento pré-existente. Isso é evidenciado
se examinarmos todos os distintos ramos do saber, porque tanto as ciências matemáticas quanto qualquer
outra arte são adquiridas dessa forma. O mesmo ocorre com os argumentos lógicos, quer silogísticos quer
indutivos. Ambos constituem o ensino a partir de fatos já conhecidos, os primeiros levantando hipóteses
como se fossem concedidas por uma audiência inteligente; os segundos demonstrando o universal a partir
da natureza auto-evidente do particular. Os meios pelos quais os argumentos retóricos convencem são
precisamente os mesmos, uma vez que utilizam paradigmas, que são um tipo de raciocínio indutivo, ou
entimemas, que são um tipo de raciocínio silogístico”. ARISTÓTELES. Órganon. 2ª ed. Bauru: Edipro,
2010, p. 251. (Analíticos Posteriores, I, 71a).
6
Para fins de promover uma maior especificação das inferências e de seu modo de operação, trabalhar-se-
á com quatro modelos inferenciais e não somente com a dicotomia dedução-indução. Essa proposição tem
lastro em BREWER, Scott. Logocratic method and the analysis of arguments in evidence. Law, probability
and risk, v. 10, p. 175-202, 2011. Ainda, muito usualmente, apresentam-se apenas as inferências como se
dedutivas (dedução) ou indutivas (indução, analogia e IME). Essa oposição binária tem algum valor, por
permitir visualizar o potencial de mantença de ampliação do conhecimento decorrente da inferência
racional, embora torne a utilização do termo indução abrangente a ponto de abarcar inferências notadamente
analogia. Sem negar sua existência, ressalva-se que a IME não tem foro de maior
destacamento quando da aplicação de precedentes e não será objeto de maior atenção
neste ensaio 7.
2.1. Dedução
diversas. A reunião de modalidades diferentes de inferências ampliativas em uma única categoria anterior
(como uma “indução lato sensu”) dificulta a compreensão e a pormenorização de seus usos, virtudes e
limitações. Isso porque embora tenham em comum alguns pontos, divergem em outros essencialmente.
Acerca das diferentes correntes na filosofia, sobre a consolidação de duas categorias (dedução e indução)
ou ampliação em maior número, ver FLACH, Peter e KAKAS, Antonis. Abductive and inductive reasoning:
background and issues. In: Flach e Kakas (Ed.). Abduction and Induction. 1ª ed. Dordrecht: Springer
Science-Business Media, 2000, p.1-27, p. 3-8.
7
A inferência para melhor explicação é um processo racional complexo que tem por propósito encontrar
explicações e não conclusões a partir de premissas conhecidas. Acerca da IME, com referências, ver
SCARPARO, Eduardo. Inferência para melhor explicação (IME) e persuasão racional: ferramentas e
critérios de adequada valoração probatória. São Paulo, Revista de Processo, 2019 (prelo).
8
FIORIN, José Luiz. Argumentação. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016, p. 49.
9
SINNOTT-ARMSTRONG, Walter e FOGELIN, Robert. Understanding arguments: an introduction
to informal logic. 9ª ed. Stamford: Cengage Learning, 2015, p. 179.
viabilizando as combinações em caráter lógico. Para fins de ilustração, considere-se o
seguinte silogismo:
Silogismo I
P Todo homem é mortal.
p Sócrates é homem.
Logo,
C Sócrates é mortal.
10
Ressalva-se que a noção de entimema deve ser entendida de modo mais elaborado do que a de um
silogismo formalmente incompleto – no qual careceria de explicitação alguma premissa –, pois esse
conceito também abrange a dedução que se fundamenta em premissas prováveis. Conforme se vê em
Aristóteles, “A probabilidade é uma premissa geralmente aceita, pois aquilo que as pessoas sabem que
acontece ou não acontece, ou é ou não é, usualmente de um modo particular, é uma probabilidade” (...)
“Um signo, porém, indica uma premissa demonstrativa que é necessária ou geralmente aceita” (...) “O
entimema é um silogismo com base em probabilidades ou signos”. ARISTÓTELES. Órganon. 2ª ed.
Bauru: Edipro, 2010, p. 248. (Analíticos Anteriores, XXVII, 70a). Por isso que o filósofo distingue entre
dois tipos de silogismos: o demonstrativo, no qual a conclusão que segue é necessariamente verdadeira, e
o dialético ou entimema, no qual a conclusão é provável por conta da contingência das premissas: “O
silogismo é demonstração quando procede de premissas verdadeiras e primárias ou tais que tenhamos
extraído o nosso conhecimento original delas através de premissas primárias e verdadeiras. O silogismo
dialético é aquele no qual se raciocina a partir de opiniões de aceitação geral”. Ibid., p. 347-348. (Tópicos,
I, 100a).
11
TRINGALI, Dante. Introdução à retórica: a retórica como crítica literária. 1ª ed. São Paulo: Duas
Cidades, 1988, p. 72-73.
enunciação de uma premissa que fica implícita.
Silogismo II
P Leis inconstitucionais não podem ser aplicadas (implícito).
p A Lei n. 001 foi declarada inconstitucional pelo STF.
Logo,
C A lei n. 001 não pode ser aplicada.
12
“A lógica dedutiva só nos oferece critérios de correções formais, mas não se ocupa das questões materiais
ou de conteúdo que, claramente, são relevantes quando se argumenta em contextos que não sejam os das
ciências formais (lógica e matemática)”. ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da
argumentação jurídica. 3ª ed. São Paulo: Landy, 2006, p. 28.
13
A respeito dessa atividade e das inferências relacionadas, ver item 3.2. adiante neste ensaio.
justificará adiante.
2.2. Indução
Indução I
p1 Daisson é brasileiro.
p2 Daniel é feliz.
p3 Sérgio é casado.
p4 Klaus é advogado.
Logo,
C Nada ...
14
“Dizer que uma proposição é resultado de uma indução significa dizer que as proposições das quais é
inferida fornecem razões não decisivas para aceitá-la, ou seja, que a sua verdade é garantida em alguma
medida, ainda que não completamente, da verdade das proposições das quais é inferida. Neste caso, não se
pode excluir a possibilidade que as proposições de partida sejam verdadeiras e a proposição inferida seja
falsa. Além disso, a verdade das proposições de partida faz provável a verdade da proposição inferida”.
IACONA, Andrea. L'argumentazione. 2ª ed. Torino: Einaudi, 2010, p. 43.
Indução II
p1 Daisson é processualista na UFRGS e bom professor.
p2 Daniel é processualista na UFRGS e bom professor.
p3 Klaus é processualista na UFRGS e bom professor.
p4 Sérgio é processualista na UFRGS e bom professor.
Logo,
C Os processualistas da UFRGS são bons professores.
15
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3ª ed. São Paulo: Landy,
2006, p. 32.
16
“As premissas são colocadas como uma razão ou suporte para a conclusão. Quando o argumento não é
apresentado para ser válido, mas tem por propósito apenas fornecer uma razão para a conclusão, o
argumento é indutivo”. SINNOTT-ARMSTRONG, Walter e FOGELIN, Robert. Understanding
arguments: an introduction to informal logic. 9ª ed. Stamford: Cengage Learning, 2015, p. 180.
17
“Na medida em que pudermos desocbrir conjuntos de séries semelhantes de causa e efeito, podemos
estabelecer generalizações indutivas a respeito delas. Mas segunda a visão do realismo causal, nenhuma
atribuição particular de efeito a uma dada causa será correta em virtude de sua adequação a essa
a passagem entre termos para também assumir valor a força e consistência das premissas.
Pode-se dizer que há infinitas gradações cogitáveis por conta de representatividade e
amostragem nas induções. Didaticamente, apresentam-se três: as induções completas, as
induções ampliativas e os exemplos.
Exemplo I
p1 Foi boa minha experiência em processo civil semestre passado.
Logo,
C Você deve se matricular nessa disciplina no próximo semestre.
generalização. Ao contrário é a generalização que será tão mais bem fundada quanto maior o número de
instâncias de confirmação que pudermos atribuir a ela, pois as causas são particulares e são conhecidas
como tal em e para elas mesmas”. MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2008, p. 126.
18
MEYER, Michel. A retórica. 1ª ed. São Paulo: Ática, 2007, p. 76.
O exemplo serve, assim, como possível meio de comprovar ou ilustrar uma
tese antes ou após ser enunciada, além de eventualmente buscar transferir a outro caso
particular determinadas conclusões a partir de uma fraca amostragem, sem sequer
enunciar a regra geral. Nesse último caso, o expediente é “usado para designar uma
generalização indutiva que parte do particular e termina no particular, omitindo a
premissa universal” 19.
Trata-se, assim, de um tipo de inferência por indução 20 que pode ter uma
dupla operação. Em um primeiro momento, convida à aceitação de uma regra geral
implícita e, posteriormente, transporta a conclusão para uma situação particular proposta
como semelhante, em meio a uma dedução muito pouco controlada. Essa passagem não
é necessariamente explícita e, por diversas vezes, a assunção da regra geral é meramente
intuitiva.
(Regra geral)
19
ABBAGNANO, Nicola. Exemplo. In: (Ed.). Dicionário de Filosofia. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000, p.398.
20
Conforme Aristóteles, o entimema é dedutivo e baseado em premissas meramente prováveis; o exemplo
é indutivo por concluir a partir de proposições particulares. Quando as premissas não foram demonstradas
e não são de aceitação corrente, “recorre-se necessariamente ao entimema e ao exemplo no que toca ao que
é geralmente suscetível de admitir uma conclusão distinta, sendo o exemplo uma indução e o entimema um
silogismo”. ARISTÓTELES. Retórica. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2013, p. 48 (1357a1).
21
PERELMAN, Chäim e LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a nova retórica.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 402.
formulação jurídica, poder-se-ia deles extrair uma regra geral aplicável ao caso particular
defendido. Para a comprovação de que uma determinada tese é formadora de
jurisprudência, exemplifica-se com um ou outro julgamento ou, quiçá, colaciona-se
simplória transcrição de ementas a fim de propor uma indução ampliativa 22. Aqui cabe
dizer que um trabalho péssimo com precedentes equivale a considera-los como exemplos,
como se dá quando há a simples enunciação de uma ementa – mal chamada de precedente
– para, dispensando a explicitação da atividade de análise, fazer transportar a conclusão
ao caso problema. O trabalho com precedentes, se buscada a via do exemplo para sua
aplicação, conduz invariavelmente a vícios de consistência jurídica e justificativa da
decisão, bastante explícitos pela ausência de fundamentação devida (CPC/2015. Art. 489,
§1º, V) 23.
2.3. Analogia
22
Observa-se aqui que, quanto maior o número de casos apresentados, mais se caminha em direção à
indução ampliativa, sendo a barreira entre as categorias supra sugeridas forçosamente difusas.
23
Um acórdão que formou precedente não deve ocupar o papel de exemplo, como se a indicação da
respectiva ementa fosse suficiente para consolidar a um só tempo a apresentação e a aplicação do
precedente. A racionalidade judiciária não pode admitir a passagem de um caso particular a outro sem a
explicitação das regras de transição. Se um magistrado se limita a transcrever a ementa ou o tema publicado
nos repositórios do STJ ou STF, sem apontar quais são seus elementos determinantes e qual a regra
universal que resta nele contida, há manifesta ausência da justificação sobre uma etapa indispensável no
exame de precedentes. A decisão será nula “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos” (CPC/2015. Art. 489, §1º, V). Isso quer dizer que os precedentes não são exemplos para
viabilizar a conclusão. Quem assim o faz volta-se à falácia do título deste ensaio, já que o precedente não
é o julgamento, mas as razões determinantes e essas devem ser demonstradas para viabilizar a aplicação.
24
IACONA, Andrea. L'argumentazione. 2ª ed. Torino: Einaudi, 2010, p. 65.
25
PERELMAN, Chäim e LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a nova retórica.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005
isso, na analogia há uma assimetria da relação lógica estabelecida entre as duas situações
particulares.
26
Ibid., p. 425.
27
Na lógica informal, foro é a relação conhecida (entre a e b) e tema a relação menos conhecida, objeto da
discussão. A respeito, ver RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Argumentação Jurídica: técnicas de persuasão
e lógica informal. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 148.
28
IACONA, Andrea. L'argumentazione. 2ª ed. Torino: Einaudi, 2010, p. 66
relações do foro devem ser replicadas no tema. A operação analógica tem suporte se
reforçar uma semelhança na passagem (a passagem a/b é semelhante à passagem c/d),
sendo que o confronto entre tema e foro não requer necessariamente haver qualquer
relação entre seus termos 29. A analogia não pressupõe, portanto, identidade. Ela cria uma
nova regra aplicável ao tema que seja similar àquela conhecida e aplicável ao foro e, a
partir disso, propõe uma conclusão.
A analogia pode se ancorar em regra geral não explícita, porém não será a
mesma regra que regerá a relação entre os elementos do foro e do tema. A regra geral
implícita é necessariamente diferente no foro e no tema.
“Para haver analogia, tema e foro devem pertencer a áreas diferentes: quando as
duas relações que confrontamos pertencem a uma mesma área e podem ser
subsumidas a uma estrutura comum, a analogia é trocada por um raciocínio pelo
exemplo ou pela ilustração, pois tema e foro fornecem dois casos particulares de
uma mesma regra” 30.
29
PERELMAN, Chäim e LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a nova retórica.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 429.
30
Ibid., p. 425.
31
“A analogia consiste em aplicar a um caso não previsto a norma que rege outro semelhante. Por exemplo,
aplicar à televisão um preceito legal referente ao rádio; ou a uma empresa de transportes rodoviários uma
norma relativa às companhias ferroviárias. Não basta, porém, a semelhança de casos ou situações. É
necessário que exista a mesma razão para que o caso seja decidido de igual modo. Ou como diziam os
romanos, onde existe a mesma razão da lei, cabe também a mesma disposição (Ubi eadem legis ratio, ibi
eadem legis dispositio). No caso acima indicado, a mesma razão que justifica o preceito de responsabilidade
da companhia ferroviária, em relação à vida e integridade dos passageiros, aplica-se analogicamente às
empresas de transporte rodoviário. Mas não há a mesma razão para aplicar analogicamente às empresas
rodoviárias o preceito da responsabilidade das ferrovias pela conservação do leito viário, representado pelos
dormentes, trilhos etc.” MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014, p. 433.
32
“Talvez a mais forte diferença entre a constrição pelo precedente e o caso clássico de raciocínio por
analogia seja a ausência típica de liberdade com que um aquele que lida com precedentes para selecionar o
precedente. Enquanto quem trabalha por analógicos compreendem ter uma escolha na qual várias fontes
análogas são candidatas a desempenhar um papel, e onde especialistas podem ser frequentemente
distinguidos especialistas de inexperientes pela forma com que obtém as fontes análogas, na base da
3. SOBRE AS INFERÊNCIAS NA FORMAÇÃO, NA ANÁLISE E NA
APLICAÇÃO DE PRECEDENTES
estrutura, ao invés das superficiais similaridades do caso alvo, essa liberdade é altamente constrangida em
respeito a obrigatoriedade do precedente”. SCHAUER, Friederich. Why Precedent in Law (and Elsewhere)
is Not Totally (or Even Substantially) About Analogy. Perspectives on Psychological Science, v. 3, n. 6,
2008, p. 454-460, p. 457.
33
Os precedentes “podem ser produto de uma única decisão, como também podem ser produto do
julgamento de diversos casos sobre determinada questão, até que uma decisão delineie os contornos do
precedente”. KREBS, Hélio Ricardo Diniz. Sistema de precedentes e direitos fundamentais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 184.
34
“Ao ser utilizada a técnica de superação, são criadas duas novas regras impositivas: uma relativa ao
em qualquer dos casos, será necessário formar um novo precedente, seja para tomar o
lugar do revogado, seja para assumir originariamente o papel de regular a questão jurídica.
Preocupar-se-á com as inferências dessa atividade de formação.
entendimento superado e uma de natureza processual, relativa ao precedente, afirmando que agora este é o
novo precedente que deterá a eficácia concedida pelo ordenamento jurídico. Tal formuçaõ tem po objetivo
ressaltar que apenas a Corte competente para fixar aquele entendimento ou a Corte a ela superior (ao menos
em termos de matéria) poderá alterá-lo. Mesmo que uma determinada Corte incompetente para tanto não
adote aquele entendimento, ela não terá poder para modificar a eficácia do precedente, inexistindo, por
consequencia, sua superação, permanecendo a ratio decidendi em vigor”. PEIXOTO, Ravi. Superação do
precedente e segurança jurídica. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 203-204.
35
A respeito da distinção entre súmula e precedente: “não pode ser confundido com o precedente é a súmula
(persuasiva ou vinculante). Esta é apenas uma tentativa de enunciação destacada da ratio decidendi do
entendimento de um determinado tribunal, sendo basicamente, uma forma de facilitar a identificação pelos
demais julgadores da jurisprudência dominante daquele órgão jurisdicional sobre determinado tema”.
PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p.
157-158.
36 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.
216.
a importação de razões relacionais de outra matéria. Muitas vezes uma determinada
maneira de compreender o direito em um campo do conhecimento é transposta para outro,
sendo a analogia muitas vezes inferência relevante. Isso ocorreu, por exemplo, para
regular questões sucessórias e patrimoniais nos então chamados “concubinatos puros”,
quando a jurisprudência utilizou de aspectos de direito obrigacional (sociedade de fato)
como antecessor das uniões estáveis, reconhecidas pelo art. 226, §3º, da CF/1988 37. Essa
operação analógica pode estar na base fundadora de um precedente.
37
A esse respeito foi editada a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, com importante papel histórico
no direito das famílias, com seguinte teor: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os
concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum”.
precisa-se saber inicialmente quais os seus casos típicos de incidência. Com isso, pode-
se avançar sobre o caso problema e relacioná-los, testando-os analítica e
comparativamente.
38
Em suas palavras, o juiz deve “ler tudo o que outros juízes escreveram no passado, não apenas para
descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma opinião
sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos romancistas formou
uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então”. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 238.
Sem descartar outros usos da indução à atividade em apreço, pode-se
considerar que uma das formas de apurar a melhor interpretação de um precedente pode
ser buscar como os tribunais, em especial as Cortes Supremas, têm interpretado e aplicado
o precedente em questão. Assim, busca-se examinar casos julgados para estabelecer em
quais se considerou incidente o precedente e por quais particularidades. Veja-se que o
exame de uma série de julgamentos sobre a aplicabilidade de um precedente consiste em
um caminho inferencial indutivo para obtenção de bons parâmetros de interpretação de
precedentes.
39
“O distinguishing é apenas a declaração de que o direito evidenciado não deve regular o caso sob
julgamento. Portanto, é uma declaração negativa, jamais podendo chegar perto da declaração de um direito
novo ou da sua constituição. Isso pode ocorrer apenas após a declaração de inaplicabilidade do precedente,
e, ainda assim, não necessariamente, já que se pode adotar outro precedente”. MARINONI, Luiz
Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 328.
– sem descarte da dedução – podem servir de anteparo para a reforma do padrão decisório,
40
com ampliação ou restrição de seu alcance. Isso ocorre nas hipóteses de overriding .
Também nas questões de superação implícita e na transformation 41 pode-se considerar o
papel dessas inferências para formação de precedentes. Contudo, diante da identidade,
apenas a dedução encaminha a lógica de aplicação de precedentes.
Em esquema:
40
No overriding “há nova situação e novo entendimento no plano dos tribunais ou da academia, capaz de
não permitir que caso substancialmente idêntico seja tratado da mesma forma. A distinção feita no
overriding supõe que o litígio anterior, caso fosse visto na perspectiva da nova situação e do novo
entendimento, teria tido outra solução. É por isso que, embora o overriding não signifique revogação, o seu
resultado, do mesmo modo que aquele a que se chegou com o overruling, é incompatível com o precedente”.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 347.
41
“Enquanto na superação implícita tem-se um novo precedente, embora não se faça menção expressa à
mudança de posicionamento, na transformação o precedente é efetivamente incompatível com o anterior,
mas há uma tentativa de compatibilização de ambos os resultados”. PEIXOTO, Ravi. Superação do
precedente e segurança jurídica. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 207.
(2) Análise do precedente, com a apuração de seus fatores
preponderantes. Na atividade de análise, realiza-se a depuração das premissas que
formaram a ratio decidendi. Essa atividade pode se valer de identificação das deduções,
induções ou analogias no caso julgado. Busca-se demonstrar o que foi determinante, o
que foi desconsiderado e quais as premissas e passagens do raciocínio do precedente.
(3) Comparação entre o precedente e o caso problema. Nesse momento
há comparação entre os elementos determinantes do caso problema e aqueles do caso
formador do precedente. A tarefa de comparar, após apurados os elementos de cada caso
é preponderantemente dedutiva podendo ser assim formulada: Se A é igual a B, então
aplica-se o precedente. Se A é diferente de B, não se aplica o precedente.
Não há precedente aplicável por analogia, pois, nesse caso, ter-se-á uma
regra geral diversa de solução entre os casos de sua formação e aplicação. Porém, nada
impede que se utilize uma decisão que é precedente para um determinado caso como
sugestão para decisão de matéria distinta. Nesse caso, não se quer aplicar a mesma regra,
pois o caso problema se sujeita a regra diferente, mas propor uma correlação na passagem
entre os respectivos elementos do foro e do tema.
42
SCHAUER, Friedrich. Why Precedent in Law (and Elsewhere) is Not Totally (or Even Substantially)
About Analogy. Perspectives on Psychological Science, v. 3, n. 6, 2008, p. 454-460, p. 459.
brasileira, não poderá ser entendida como um precedente se for utilizada para sugerir um
raciocínio aplicável a casos diversos daqueles para os quais foi concebido. Nesse
particular, será tão somente um julgamento com potencial persuasivo, para sugestão
analógica, e não um precedente.
43
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART.
543-C, DO CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 526 E § ÚNICO DO CPC. NECESSIDADE DE
MANIFESTAÇÃO DO AGRAVADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO EX OFFICIO,
AINDA QUE NÃO CITADO O AGRAVADO. (...) 1. "O agravante, no prazo de 3 (três) dias, requererá
juntada, aos autos do processo de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua
interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso." (CPC, art. 526, caput)
Parágrafo único. O não cumprimento do disposto neste artigo, desde que arguido e provado pelo agravado,
importa inadmissibilidade do agravo. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001) 2. Destarte, o
descumprimento das providências enumeradas no caput do art. 526 do CPC, adotáveis no prazo de três dias,
somente enseja as consequências dispostas em seu parágrafo único se o agravado suscitar a questão formal
no momento processual oportuno, sob pena de preclusão. (...) Acórdão submetido ao regime do art. 543-C
do CPC e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1008667/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL,
julgado em 18/11/2009, DJe 17/12/2009).
44
Em exame crítico sobre a necessidade de juntada de razões no primeiro grau, ver SCARPARO, Eduardo.
Anacronismo e jurisprudência defensiva: o insustentável art. 1.018 do CPC/2015. In: Rogéria Dotti.
(Org.). Processo Civil Entre A Técnica Processual E A Tutela Dos Direitos: Estudos Em Homenagem A
Luiz Guilherme Marinoni. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 789-806.
45
Como apontado no acórdão, “o descumprimento das providências enumeradas no caput do art. 526 do
CPC, adotáveis no prazo de três dias, somente enseja as consequências dispostas em seu parágrafo único
se o agravado suscitar a questão formal no momento processual oportuno, sob pena de preclusão”. A ratio
decidendi tem sido indicada mediante interpretação a contrario sensu: essas consequências são aplicáveis
quando suscitada a questão no momento oportuno (contrarrazões), devendo-se não admitir os recursos.
46
“O uso do precedente no sistema jurídico não condiz com a recuperçaão de um entre vários candidatos a
fontes análogas, nem é sobre uso da analogia para auxiliar o julgador a alcançar uma melhor decisão. Antes
disso, é sobre a obrigação do julgador de seguir uma decisão anterior errada (para ele) somente porque ela
existe”. SCHAUER, Friedrich. Why Precedent in Law (and Elsewhere) is Not Totally (or Even
Substantially) About Analogy. Perspectives on Psychological Science, v. 3, n. 6, 2008, p. 454-460, p. 457.
Silogismo III
A não juntada de razões de agravo no primeiro grau, desde que arguida e provada
P
pelo agravado, determina a inadmissibilidade do recurso.
No caso em exame, houve alegação e prova da ausência de juntada das razões no
p
primeiro grau.
Logo,
C Não deve ser admitido o recurso.
Em esquema:
4. CONCLUSÕES
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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