Você está na página 1de 25

PRECEDENTES SÃO APLICADOS POR ANALOGIA APENAS

QUANDO NÃO SÃO PRECEDENTES 1

PRECEDENTS ARE APPLIED BY ANALOGY ONLY WHEN THEY AREN’T PRECEDENTS

EDUARDO SCARPARO

Doutor em Direito. Professor Adjunto de Direito Processual Civil (UFRGS) e Docente


Permanente no PPGD-UFRGS. Advogado em Porto Alegre (RS).
scarparo@ufrgs.br

ÁREA DO DIREITO: Processual Civil

RESUMO: O texto faz o exame das inferências no trabalho com precedentes. Para tanto, aborda a
dedução, a indução e a analogia aportando seus aspectos essenciais. Em seguida, apresenta essas
progressões racionais considerando a formação, a análise e a aplicação de precedentes. Conclui
no sentido de que a analogia pode ter função quanto à formação e análise de precedentes, sendo,
no entanto, ausente na respectiva aplicação, momento em que a dedução se apresenta como a
inferência pertinente.
PALAVRAS-CHAVE: analogia, indução, dedução, precedentes, inferência.

ABSTRACT: The paper examines how inferences deals with precedents. In order to make it, it
explains deduction, induction and analogy by providing its essential aspects. Then, it presents
these rational progressions considering the formation, analysis and application of precedents. It
concludes that analogy can play a role in the formation and analysis of precedents, but is absent
in its application, whose deduction is the pertinent inference.
KEYWORDS: analogy, induction, deduction, precedents, inference.

SUMÁRIO. 1. Introdução 2. Inferências 2.1. Dedução 2.2. Indução 2.3. Analogia


3. Sobre as inferências na formação, na análise e na aplicação de precedentes 3.1.
Formação de precedentes 3.2. Análise de precedentes 3.3. Aplicação de
precedentes 4. Conclusões 5. Referências bibliográficas.

1 Publicado em SCARPARO, Eduardo. Precedentes são aplicados por analogia apenas quando não são
precedentes. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPRO, Belo Horizonte, ano 27, n. 108, p. 141-163,
out/dez. 2019.
1. INTRODUÇÃO

O título deste ensaio é uma falácia. A regra mais fundamental da lógica é


que algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo. O erro no título tem por fundo o sentido
diverso atribuído ao termo “precedente” quando é ele sujeito e quando é predicado. No
primeiro, ele tem sentido claramente ampliativo, inclusive atécnico, sendo equivalente à
“decisão judicial” 2. No segundo, corresponde à ratio decidendi decorrente de um
julgamento proferido nos moldes do art. 927 do CPC/2015, para os fins do direito
brasileiro 3 - 4.

A falácia apresentada tem, no entanto, proveito. Quer-se explicitar uma


ideia fundamental: é necessário utilizar corretamente os termos para se entender bem e
tecnicamente lidar com os institutos jurídicos. Nessa perspectiva, propõe-se centralidade
da discussão na “analogia”. Eis um conceito que deve ser melhor desenvolvido na
processualística, especialmente para se permitir a correta compreensão sobre a operação
dos precedentes no direito brasileiro. Também nesse sentido é necessário explicitar que,
para os fins deste ensaio, trabalhar com precedentes envolve atividades interligadas: a
formação do precedente, sua interpretação e análise, a respectiva comparação com o caso
problema e, se reconhecida identidade suficiente, a aplicação da estrutura racional do
precedente ao caso problema.

A falácia do título também lança seus encantos ao sentido de “aplicar”.


Esse verbo pode ter seu alcance ampliado a ponto de significar toda e qualquer atividade
vinculada a um precedente formado, ou se limitar ao sentido de designação da solução

2
Indica Marinoni que precedente e decisão judicial são termos que “não se confundem, só havendo sentido
falar de precedente quando se tem uma decsião dotada de determinadas características, basicamente a
potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. De
modo que, se todo precedente ressai de uma decisão, nem toda decisão constitui precedente”. MARINONI,
Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 215.
3
Não se pode considerar que o modelo de precedentes no Brasil é idêntico ao modelo estrangeiro de
Common Law. Até mesmo porque há um histórico de tentativas de resolução das questões pertinentes à
vinculação dos juizes ao direito. “Jurisprudência, súmulas e precedentes, portanto, revelam dois caminhos
distintos trilhados pelo direito brasileiro a procura de uma solução para o problema da vinculação ao direito.
Embora oriundos de diferentes tradições, o Novo Código de Processo Civil buscou entrelaçá-los visando à
prestação da tutela dos direitos”. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 71.
4
“Uma ratio decidendi é uma justificação formal explícita ou implicitamente formulada por uim juiz, e
suficiente para decidir uma questão jurídica suscitada pelos argumentos das partes, questão sobre a qual
uma resolução era necessária para a justificação da decisão no caso”. MACCORMICK, Neil. Retórica e o
Estado de Direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 203.
presente na ratio decidendi ao caso problema e sua correspondência lógico-inferencial
subsequente. Na primeira apresentação semântica, analogias e induções estão ou podem
estar presentes ao lado das deduções na “aplicação” de precedentes; na segunda, a
“aplicação” propõe uma reserva à inferência dedutiva.

Neste ensaio, como se quer relacionar tecnicamente as atividades


inferenciais com o trabalho em precedentes, reservar-se-á à aplicação a seu sentido mais
estrito. Serão, contudo, abordados também os momentos de formação e análise de
precedentes, indicando-se as diferentes progressões racionais para um trabalho – em
sentido ampliado – com os precedentes.

Nesse sentido, busca-se relacionar as inferências racionais com a operação


de precedentes. Assim, em primeiro momento, apresentar-se-ão as inferências aqui
relevantes e suas operações básicas, para, em um segundo exame, especificar suas
ingerências diretamente com precedentes.

2. INFERÊNCIAS

Há variadas maneiras de se raciocinar. Tratar de inferências é considerar


os aspectos operativos dessas formas de pensamento. Os raciocínios podem ser
entendidos a partir da operação básica pela qual progridem, ou seja, como se realiza a
passagem do que é conhecido para o que se quer conhecer 5. Considera-se haver quatro
tipos de inferência: a dedução, a indução, a analogia e a inferência para melhor explicação
(IME) 6. Assumem relevância para o estrito objeto deste ensaio a dedução, a indução e a

5
“Todo ensino e toda a instrução intelectual procedem de conhecimento pré-existente. Isso é evidenciado
se examinarmos todos os distintos ramos do saber, porque tanto as ciências matemáticas quanto qualquer
outra arte são adquiridas dessa forma. O mesmo ocorre com os argumentos lógicos, quer silogísticos quer
indutivos. Ambos constituem o ensino a partir de fatos já conhecidos, os primeiros levantando hipóteses
como se fossem concedidas por uma audiência inteligente; os segundos demonstrando o universal a partir
da natureza auto-evidente do particular. Os meios pelos quais os argumentos retóricos convencem são
precisamente os mesmos, uma vez que utilizam paradigmas, que são um tipo de raciocínio indutivo, ou
entimemas, que são um tipo de raciocínio silogístico”. ARISTÓTELES. Órganon. 2ª ed. Bauru: Edipro,
2010, p. 251. (Analíticos Posteriores, I, 71a).
6
Para fins de promover uma maior especificação das inferências e de seu modo de operação, trabalhar-se-
á com quatro modelos inferenciais e não somente com a dicotomia dedução-indução. Essa proposição tem
lastro em BREWER, Scott. Logocratic method and the analysis of arguments in evidence. Law, probability
and risk, v. 10, p. 175-202, 2011. Ainda, muito usualmente, apresentam-se apenas as inferências como se
dedutivas (dedução) ou indutivas (indução, analogia e IME). Essa oposição binária tem algum valor, por
permitir visualizar o potencial de mantença de ampliação do conhecimento decorrente da inferência
racional, embora torne a utilização do termo indução abrangente a ponto de abarcar inferências notadamente
analogia. Sem negar sua existência, ressalva-se que a IME não tem foro de maior
destacamento quando da aplicação de precedentes e não será objeto de maior atenção
neste ensaio 7.

2.1. Dedução

A dedução é um tipo de raciocínio que parte de dados conhecidos para


haver uma conclusão por aplicação validamente reconhecida. Esse processo não produz
novos conhecimentos. Ele transfere, por relações de lógica formal, informações
conhecidas para a conclusão. As deduções operam com os silogismos formais, por meio
dos quais da enunciação de algumas proposições – as premissas – outra decorre
necessariamente – a conclusão 8. Nada de novo se descobre, servindo apenas para
demonstrar a validade do que já era sabido ou pressuposto. Diante da verdade das
premissas ter-se-á necessariamente a verdade das conclusões, sendo que a dedução se
preocupa apenas com a validade silogística.

Quer dizer isso que, em silogismos corretos – ou seja, aqueles livres de


falácias –, a conclusão será necessariamente verdadeira se também forem verdadeiras as
premissas. Se forem falsas as premissas, a conclusão estará igualmente maculada. De
qualquer forma, a dedução não se preocupa com o conteúdo das proposições e conclusões,
mas tão somente com a garantia da validade lógica 9.

O silogismo é composto pela a premissa menor (p), a premissa maior (P)


e a conclusão (C), sendo a concatenação lógica de três termos: o maior (T), médio (m) e
menor (t). Esses termos são apresentados em pares nas premissas e na conclusão,

diversas. A reunião de modalidades diferentes de inferências ampliativas em uma única categoria anterior
(como uma “indução lato sensu”) dificulta a compreensão e a pormenorização de seus usos, virtudes e
limitações. Isso porque embora tenham em comum alguns pontos, divergem em outros essencialmente.
Acerca das diferentes correntes na filosofia, sobre a consolidação de duas categorias (dedução e indução)
ou ampliação em maior número, ver FLACH, Peter e KAKAS, Antonis. Abductive and inductive reasoning:
background and issues. In: Flach e Kakas (Ed.). Abduction and Induction. 1ª ed. Dordrecht: Springer
Science-Business Media, 2000, p.1-27, p. 3-8.
7
A inferência para melhor explicação é um processo racional complexo que tem por propósito encontrar
explicações e não conclusões a partir de premissas conhecidas. Acerca da IME, com referências, ver
SCARPARO, Eduardo. Inferência para melhor explicação (IME) e persuasão racional: ferramentas e
critérios de adequada valoração probatória. São Paulo, Revista de Processo, 2019 (prelo).
8
FIORIN, José Luiz. Argumentação. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016, p. 49.
9
SINNOTT-ARMSTRONG, Walter e FOGELIN, Robert. Understanding arguments: an introduction
to informal logic. 9ª ed. Stamford: Cengage Learning, 2015, p. 179.
viabilizando as combinações em caráter lógico. Para fins de ilustração, considere-se o
seguinte silogismo:

Silogismo I
P Todo homem é mortal.
p Sócrates é homem.
Logo,
C Sócrates é mortal.

Esse é talvez o mais conhecido exemplo de dedução da história do


pensamento. Examinando-se os respectivos elementos de composição antes indicados, se
verifica nesse silogismo que o termo médio “homem” conecta as proposições da premissa
maior “P” com a premissa menor “p” permitindo a transferência e a assunção de uma
conclusão “C”.

Muitas vezes, o silogismo não é apresentado integralmente, mas de modo


abreviado, sendo usual o uso da expressão “entimema” para designá-lo quando tem forma
10
lógica incompleta . Entimema é, assim, “um silogismo que, do ponto de vista do
conteúdo, é dialético ou provável e gera não certeza, mas opinião e do ponto de vista
11
formal, por elegância e astúcia, se omitem algumas proposições” . Pode-se, assim,
compreender o entimema sob duas perspectivas. No que diz respeito ao conteúdo, as
premissas conduzirão necessariamente ao resultado; todavia, será transportado à
conclusão o grau de aceitabilidade das premissas que pode ser apenas provável. Ou seja,
o conteúdo da proposição pode ser duvidoso, portando essa probabilidade também à
conclusão. Já quando examinado o entimema em caráter formal, a expressão do silogismo
é incompleta, de modo que se omite um dado importante de passagem, como a não

10
Ressalva-se que a noção de entimema deve ser entendida de modo mais elaborado do que a de um
silogismo formalmente incompleto – no qual careceria de explicitação alguma premissa –, pois esse
conceito também abrange a dedução que se fundamenta em premissas prováveis. Conforme se vê em
Aristóteles, “A probabilidade é uma premissa geralmente aceita, pois aquilo que as pessoas sabem que
acontece ou não acontece, ou é ou não é, usualmente de um modo particular, é uma probabilidade” (...)
“Um signo, porém, indica uma premissa demonstrativa que é necessária ou geralmente aceita” (...) “O
entimema é um silogismo com base em probabilidades ou signos”. ARISTÓTELES. Órganon. 2ª ed.
Bauru: Edipro, 2010, p. 248. (Analíticos Anteriores, XXVII, 70a). Por isso que o filósofo distingue entre
dois tipos de silogismos: o demonstrativo, no qual a conclusão que segue é necessariamente verdadeira, e
o dialético ou entimema, no qual a conclusão é provável por conta da contingência das premissas: “O
silogismo é demonstração quando procede de premissas verdadeiras e primárias ou tais que tenhamos
extraído o nosso conhecimento original delas através de premissas primárias e verdadeiras. O silogismo
dialético é aquele no qual se raciocina a partir de opiniões de aceitação geral”. Ibid., p. 347-348. (Tópicos,
I, 100a).
11
TRINGALI, Dante. Introdução à retórica: a retórica como crítica literária. 1ª ed. São Paulo: Duas
Cidades, 1988, p. 72-73.
enunciação de uma premissa que fica implícita.

Trazendo ao jurídico, considere que, em uma petição ou decisão, a tese


apresentada seja: “A lei n. 001 foi declarada inconstitucional pelo STF, sendo inaplicável
ao caso”. Em formatação silogística, ter-se-á:

Silogismo II
P Leis inconstitucionais não podem ser aplicadas (implícito).
p A Lei n. 001 foi declarada inconstitucional pelo STF.
Logo,
C A lei n. 001 não pode ser aplicada.

Nesse silogismo, a premissa maior “P” não foi apresentada expressamente


na formulação inicial. Contudo, é inegável que mesmo nessa formulação condensada há
uma premissa pressuposta. Ainda que sem a regra universal apresentada, a questão se
apresenta compreensível e racional justamente pela aceitação da premissa implícita pelo
auditório. Isso quer dizer que dedução é a inferência realizada ainda que a proposição seja
apresentada de maneira entimemática-abreviada.

Na dedução, seja ela apresentada por um entimema ou não, se são aceitas


as premissas, é inquestionável o resultado que tão somente transfere os seus conteúdos
para a formação da conclusão. Assim, o que determina o caráter primordial da dedução é
que a passagem das premissas à conclusão é necessária e não meramente provável 12.

Como se justificará oportunamente, é por meio de dedução que se aplicam


precedentes, como o direito em geral. Para tanto, faz-se necessária uma atividade prévia
e analítica do caso julgado, de modo a se extrair a respectiva ratio decidendi e as hipóteses
de sua aplicação. O trabalho para aplicação com precedentes é bastante similar ao
exemplo trazido no “Silogismo II”. Na formulação discursiva inicial (julgamento) não se
tem, a rigor, explícita a regra universalizável, devendo ser extraída por análise. Essa
atividade pode encontrar a formação do precedente por dedução e também por outras
13
formas inferenciais . Após analisado o possível precedente, se for o caso de sua
aplicação, a passagem das premissas para a conclusão ocorre dedutivamente, como se

12
“A lógica dedutiva só nos oferece critérios de correções formais, mas não se ocupa das questões materiais
ou de conteúdo que, claramente, são relevantes quando se argumenta em contextos que não sejam os das
ciências formais (lógica e matemática)”. ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da
argumentação jurídica. 3ª ed. São Paulo: Landy, 2006, p. 28.
13
A respeito dessa atividade e das inferências relacionadas, ver item 3.2. adiante neste ensaio.
justificará adiante.

2.2. Indução

Na indução há um conjunto de casos particulares que é formado por


semelhança. Não há verdadeiro termo médio, ocupando seu lugar uma enumeração de
indivíduos ou partes. Sujeito e predicado têm a mesma extensão 14. A inferência parte de
fatos singulares conhecidos para fins de promover a sua conexão a um conceito universal,
que constitui a conclusão. A base de operação de uma indução é o reconhecimento de que
existe uma identidade suficiente de premissas, que podem ser conectadas a partir de uma
causa universal.

Indução I
p1 Daisson é brasileiro.
p2 Daniel é feliz.
p3 Sérgio é casado.
p4 Klaus é advogado.
Logo,
C Nada ...

Não há identidade entre as premissas, de modo que nada relaciona,


Daisson a Daniel ou a Sérgio ou a Klaus. Consequentemente, não é possível uma
conclusão minimamente significativa. As induções serão fortes quando a identidade das
premissas estiver bem assentada e são impraticáveis quando não há relação estabelecida
ou explícita entre os casos trazidos para fundá-la. O que permite a construção de uma
regra geral formada por um salto inferencial indutivo é, portanto, o critério de identidade.
Tendo isso em conta, pode-se formular novo esquema:

14
“Dizer que uma proposição é resultado de uma indução significa dizer que as proposições das quais é
inferida fornecem razões não decisivas para aceitá-la, ou seja, que a sua verdade é garantida em alguma
medida, ainda que não completamente, da verdade das proposições das quais é inferida. Neste caso, não se
pode excluir a possibilidade que as proposições de partida sejam verdadeiras e a proposição inferida seja
falsa. Além disso, a verdade das proposições de partida faz provável a verdade da proposição inferida”.
IACONA, Andrea. L'argumentazione. 2ª ed. Torino: Einaudi, 2010, p. 43.
Indução II
p1 Daisson é processualista na UFRGS e bom professor.
p2 Daniel é processualista na UFRGS e bom professor.
p3 Klaus é processualista na UFRGS e bom professor.
p4 Sérgio é processualista na UFRGS e bom professor.
Logo,
C Os processualistas da UFRGS são bons professores.

Há um critério estabelecido: são os professores de direito processual civil


da UFRGS. Está-se a comparar, portanto, situações semelhantes que justificam a reunião
do conjunto dos casos particulares. Além disso, há outra característica que se reconhece
em comum: a qualidade de serem bons professores.

A passagem das premissas para a conclusão não é necessária, nem obedece


aos parâmetros da dedução 15. As premissas são razões ou suportes para uma conclusão
16
com maior ou menor força . Na indução devem ser combinadas as variáveis
adequadamente, sendo que haver identidade no que é essencial marca o caráter indutivo.
A identidade permite a transposição dessas características para a conclusão, inclusive a
ponto de constituir novo conhecimento potencialmente maior que aquele presente nas
premissas. Afinal, o fato de os nominados serem bons professores não é elemento bastante
para a afirmação universal de que (C) todos os professores de processo civil da UFRGS
são bons, sendo esse conhecimento maior que aquele contido nas premissas.

Há variância sobre a solidez do conhecimento formado, dado que a


conclusão obtida pode ter diferentes graus de aceitação. Nessa esteira, a variedade e
qualidade dos suportes dos quais se segue a formação de um raciocínio indutivo é infinita.
Também condiz com a solidez o grau de confiabilidade e de autoridade sobre a premissa.
Em outros termos, o grau de confiança nas premissas apresentadas estabelece também um
critério de segurança e de solidez para a conclusão 17. Deixa de ser relevante unicamente

15
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3ª ed. São Paulo: Landy,
2006, p. 32.
16
“As premissas são colocadas como uma razão ou suporte para a conclusão. Quando o argumento não é
apresentado para ser válido, mas tem por propósito apenas fornecer uma razão para a conclusão, o
argumento é indutivo”. SINNOTT-ARMSTRONG, Walter e FOGELIN, Robert. Understanding
arguments: an introduction to informal logic. 9ª ed. Stamford: Cengage Learning, 2015, p. 180.
17
“Na medida em que pudermos desocbrir conjuntos de séries semelhantes de causa e efeito, podemos
estabelecer generalizações indutivas a respeito delas. Mas segunda a visão do realismo causal, nenhuma
atribuição particular de efeito a uma dada causa será correta em virtude de sua adequação a essa
a passagem entre termos para também assumir valor a força e consistência das premissas.
Pode-se dizer que há infinitas gradações cogitáveis por conta de representatividade e
amostragem nas induções. Didaticamente, apresentam-se três: as induções completas, as
induções ampliativas e os exemplos.

Nas induções completas todos os fenômenos do tipo estudado serão


incorporados. A hipótese envolveria listar todos os professores de direito processual civil
da UFRGS e constatar a presença das qualidades em todos. Nesse caso, não há amostra,
mas completude. Já as induções ampliativas utilizam de determinado número de casos
particulares, formando uma amostra para a enunciação de uma regra geral como
apresentado na Indução II supra. Por sua vez, o exemplo funciona como uma indução
sem o desenvolvimento das premissas 18.

Enquanto que as induções completas não são frequentes ou essenciais ao


tema deste ensaio, a compreensão da operação do exemplo – e sua distinção em relação
às induções ampliativas – é relevante quando se busca explicitar algumas operações
inferenciais usuais para o trabalho com casos julgados, especialmente quando se quer
trabalhar bem com precedentes.

Diretamente, o exemplo pode servir como fonte de demonstração explícita


da regra geral como em “Os professores de processo civil da UFRGS são bons, como é o
caso do Prof. Klaus”, ou manter a regra geral implícita, perfazendo-se uma passagem do
particular ao particular. Na última hipótese, para ilustração, considere que discentes se
questionam sobre as disciplinas em que devem se matricular no semestre seguinte. Um
acadêmico enuncia “processo civil foi ótimo no semestre passado”. Com isso, um caso
particular (a experiência passada do enunciador), implicitamente propõe uma identidade
com um evento futuro de terceiro (a experiência futura do receptor), e junto disso a defesa
de uma tese.

Exemplo I
p1 Foi boa minha experiência em processo civil semestre passado.
Logo,
C Você deve se matricular nessa disciplina no próximo semestre.

generalização. Ao contrário é a generalização que será tão mais bem fundada quanto maior o número de
instâncias de confirmação que pudermos atribuir a ela, pois as causas são particulares e são conhecidas
como tal em e para elas mesmas”. MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2008, p. 126.
18
MEYER, Michel. A retórica. 1ª ed. São Paulo: Ática, 2007, p. 76.
O exemplo serve, assim, como possível meio de comprovar ou ilustrar uma
tese antes ou após ser enunciada, além de eventualmente buscar transferir a outro caso
particular determinadas conclusões a partir de uma fraca amostragem, sem sequer
enunciar a regra geral. Nesse último caso, o expediente é “usado para designar uma
generalização indutiva que parte do particular e termina no particular, omitindo a
premissa universal” 19.

Trata-se, assim, de um tipo de inferência por indução 20 que pode ter uma
dupla operação. Em um primeiro momento, convida à aceitação de uma regra geral
implícita e, posteriormente, transporta a conclusão para uma situação particular proposta
como semelhante, em meio a uma dedução muito pouco controlada. Essa passagem não
é necessariamente explícita e, por diversas vezes, a assunção da regra geral é meramente
intuitiva.

(Regra geral)

Exemplo Caso Particular

Mesmo que a regra de passagem não seja apresentada explicitamente, não


se pode dizer que há a ausência de uma postulação a comprovar. Afinal, “as noções
utilizadas para descrever o caso particular desempenham implicitamente o papel de regra
21
e permitem a passagem de um caso a outro” . A regra implícita, nos exemplos, é a
mesma que justifica a conclusão sustentada. Diferentemente da indução ampliativa
apresentada em II, no exemplo não se realizam suficientes associações a fim de permitir
a formulação de uma regra universal minimamente sólida. Assim, o exemplo é fonte
exclusiva de postulação da regra geral, tendo limitadíssima amostragem e,
consequentemente, pouca solidez.

Os exemplos e as induções ampliativas, não raro, aparecem em colações


de ementas em peças jurídicas, buscando-se crer que, por ser reiterada uma determinada

19
ABBAGNANO, Nicola. Exemplo. In: (Ed.). Dicionário de Filosofia. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000, p.398.
20
Conforme Aristóteles, o entimema é dedutivo e baseado em premissas meramente prováveis; o exemplo
é indutivo por concluir a partir de proposições particulares. Quando as premissas não foram demonstradas
e não são de aceitação corrente, “recorre-se necessariamente ao entimema e ao exemplo no que toca ao que
é geralmente suscetível de admitir uma conclusão distinta, sendo o exemplo uma indução e o entimema um
silogismo”. ARISTÓTELES. Retórica. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2013, p. 48 (1357a1).
21
PERELMAN, Chäim e LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a nova retórica.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 402.
formulação jurídica, poder-se-ia deles extrair uma regra geral aplicável ao caso particular
defendido. Para a comprovação de que uma determinada tese é formadora de
jurisprudência, exemplifica-se com um ou outro julgamento ou, quiçá, colaciona-se
simplória transcrição de ementas a fim de propor uma indução ampliativa 22. Aqui cabe
dizer que um trabalho péssimo com precedentes equivale a considera-los como exemplos,
como se dá quando há a simples enunciação de uma ementa – mal chamada de precedente
– para, dispensando a explicitação da atividade de análise, fazer transportar a conclusão
ao caso problema. O trabalho com precedentes, se buscada a via do exemplo para sua
aplicação, conduz invariavelmente a vícios de consistência jurídica e justificativa da
decisão, bastante explícitos pela ausência de fundamentação devida (CPC/2015. Art. 489,
§1º, V) 23.

2.3. Analogia

A analogia consiste em “um argumento no qual a partir da consideração


de que duas ou mais coisas têm certas propriedades em comum, se infere que têm certas
24
outras propriedades em comum” . Ela integra uma série “identidade-semelhança-
analogia”, sendo o elemento mais fraco do ponto de vista inferencial comprobatório 25.
Por meio da analogia, uma situação sujeita a uma determinada relação lógica servirá como
paradigma para propor a transferência de suas características ou do modo de transição
entre seus elementos para uma nova relação lógica. Ela pressupõe alguma semelhança,
mas essencialmente que as situações comparadas são regidas por relações distintas. Por

22
Observa-se aqui que, quanto maior o número de casos apresentados, mais se caminha em direção à
indução ampliativa, sendo a barreira entre as categorias supra sugeridas forçosamente difusas.
23
Um acórdão que formou precedente não deve ocupar o papel de exemplo, como se a indicação da
respectiva ementa fosse suficiente para consolidar a um só tempo a apresentação e a aplicação do
precedente. A racionalidade judiciária não pode admitir a passagem de um caso particular a outro sem a
explicitação das regras de transição. Se um magistrado se limita a transcrever a ementa ou o tema publicado
nos repositórios do STJ ou STF, sem apontar quais são seus elementos determinantes e qual a regra
universal que resta nele contida, há manifesta ausência da justificação sobre uma etapa indispensável no
exame de precedentes. A decisão será nula “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos” (CPC/2015. Art. 489, §1º, V). Isso quer dizer que os precedentes não são exemplos para
viabilizar a conclusão. Quem assim o faz volta-se à falácia do título deste ensaio, já que o precedente não
é o julgamento, mas as razões determinantes e essas devem ser demonstradas para viabilizar a aplicação.
24
IACONA, Andrea. L'argumentazione. 2ª ed. Torino: Einaudi, 2010, p. 65.
25
PERELMAN, Chäim e LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a nova retórica.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005
isso, na analogia há uma assimetria da relação lógica estabelecida entre as duas situações
particulares.

Quando se diz que “a tese da contraparte é tão boa quanto um bêbado na


tribuna”, propõe-se uma associação entre diferentes relações. Uma coisa são as teses do
adversário, outra é estar ébrio e praticar uma sustentação oral. Ainda assim, a associação
feita tem potencial para formar algum entendimento. Isso depende de uma série de fatores,
dentre os quais a semelhança reconhecida, o contexto e a originalidade da comparação
proposta. A analogia apresentada produz a imagem de ultraje, desrespeito e descontrole,
desmerecendo tanto aquele que usa a tribuna bêbado, como aquele que defende as teses
criticadas. A analogia propõe, assim, uma transposição das características de uma relação
(dirigir-se ao tribunal bêbado é inadequado) para outra que não se submete às mesmas
regras de avaliação (as razões despendidas pela contraparte).

A analogia, portanto, transfere uma proporção conhecida 26 de que “a” está


para “b” (foro), para uma situação desconhecida, sob a sugestão de que respeita essa
mesma proporção, ou seja, de que a situação “c” está para “d” (tema). Enquanto o foro dá
suporte ao raciocínio, o tema indicará o ponto a ser resolvido 27.

a c Sustentação oral Razões da contraparte


__ __ ______________ ≠ _________________

b d Ebriedade Conformidade jurídica
(foro) (tema)

Em outras palavras, o foro é o paradigma e o tema é o caso problema. A


analogia transfere valor, de modo que a passagem entre foro e tema é justificada por meio
28
de uma presunção da relevância da semelhança . Analisa-se um par de elementos
conhecidos, fazendo derivar dali diversas relações para transportar ao não conhecido (ou
para a tese a provar). Na ilustração trabalhada, quer-se transferir a inadequação, a
ausência de respeito à corte, ou em suma, a impropriedade de se sustentar bêbado na
tribuna para um juízo sobre as razões da contraparte.

O fator persuasivo da analogia produz a sugestão de que as mesmas

26
Ibid., p. 425.
27
Na lógica informal, foro é a relação conhecida (entre a e b) e tema a relação menos conhecida, objeto da
discussão. A respeito, ver RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Argumentação Jurídica: técnicas de persuasão
e lógica informal. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 148.
28
IACONA, Andrea. L'argumentazione. 2ª ed. Torino: Einaudi, 2010, p. 66
relações do foro devem ser replicadas no tema. A operação analógica tem suporte se
reforçar uma semelhança na passagem (a passagem a/b é semelhante à passagem c/d),
sendo que o confronto entre tema e foro não requer necessariamente haver qualquer
relação entre seus termos 29. A analogia não pressupõe, portanto, identidade. Ela cria uma
nova regra aplicável ao tema que seja similar àquela conhecida e aplicável ao foro e, a
partir disso, propõe uma conclusão.

A analogia pode se ancorar em regra geral não explícita, porém não será a
mesma regra que regerá a relação entre os elementos do foro e do tema. A regra geral
implícita é necessariamente diferente no foro e no tema.

“Para haver analogia, tema e foro devem pertencer a áreas diferentes: quando as
duas relações que confrontamos pertencem a uma mesma área e podem ser
subsumidas a uma estrutura comum, a analogia é trocada por um raciocínio pelo
exemplo ou pela ilustração, pois tema e foro fornecem dois casos particulares de
uma mesma regra” 30.

Essa constatação é particularmente relevante para operação da lógica


jurídica. A solução analógica de problemas jurídicos é possível justamente quando se
estiver diante de lacunas legais ou da ausência da explicitação de uma regra específica no
ordenamento jurídico a regular um caso cuja solução é desconhecida 31. Portanto, quando
há regra reconhecida aplicável, simplesmente não haverá espaço para analogia. Além
disso, como destaca Friedrich Schauer, as analogias não tem foro obrigatório, de modo
que o raciocínio por analogia tem uma variabilidade ampla de fontes para eleição do
aplicador, o que não se passa quando se está diante de precedentes 32.

29
PERELMAN, Chäim e LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a nova retórica.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 429.
30
Ibid., p. 425.
31
“A analogia consiste em aplicar a um caso não previsto a norma que rege outro semelhante. Por exemplo,
aplicar à televisão um preceito legal referente ao rádio; ou a uma empresa de transportes rodoviários uma
norma relativa às companhias ferroviárias. Não basta, porém, a semelhança de casos ou situações. É
necessário que exista a mesma razão para que o caso seja decidido de igual modo. Ou como diziam os
romanos, onde existe a mesma razão da lei, cabe também a mesma disposição (Ubi eadem legis ratio, ibi
eadem legis dispositio). No caso acima indicado, a mesma razão que justifica o preceito de responsabilidade
da companhia ferroviária, em relação à vida e integridade dos passageiros, aplica-se analogicamente às
empresas de transporte rodoviário. Mas não há a mesma razão para aplicar analogicamente às empresas
rodoviárias o preceito da responsabilidade das ferrovias pela conservação do leito viário, representado pelos
dormentes, trilhos etc.” MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014, p. 433.
32
“Talvez a mais forte diferença entre a constrição pelo precedente e o caso clássico de raciocínio por
analogia seja a ausência típica de liberdade com que um aquele que lida com precedentes para selecionar o
precedente. Enquanto quem trabalha por analógicos compreendem ter uma escolha na qual várias fontes
análogas são candidatas a desempenhar um papel, e onde especialistas podem ser frequentemente
distinguidos especialistas de inexperientes pela forma com que obtém as fontes análogas, na base da
3. SOBRE AS INFERÊNCIAS NA FORMAÇÃO, NA ANÁLISE E NA
APLICAÇÃO DE PRECEDENTES

O raciocínio judiciário pode combinar etapas com variadas modalidades


de inferências. Para o específico propósito deste ensaio, buscar-se-á uma melhor
consideração sobre a operação inferencial com precedentes. Com isso, poder-se-á situar
o problema da sua progressão lógica e comprovar que a analogia é inferência irrelevante
na etapa de aplicação (em sentido estrito) de precedentes, podendo apenas servir, no
entanto, como um dos instrumentos racionais para a sua formação ou ser considerada
como elemento de análise e interpretação de precedentes.

Para se lidar com precedentes deve-se inicialmente, por meio de análise,


apurar e tornar explícita a regra universal, mediante a reconstrução dos vínculos entre as
premissas adotadas pela Corte e a conclusão afirmada. Esses vínculos inferenciais
formadores do precedente podem ser dedutivos, indutivos ou analógicos. Defende-se que
a aplicação, todavia, é necessariamente dedutiva, já que o precedente consiste exatamente
na ratio decidendi, ou seja, na regra universal formada no julgamento do caso.

3.1. Formação de precedentes

A formação de precedentes tem lugar quando, mediante o procedimento


adequado, uma autoridade capaz de os emanar reconhece a ausência de precedente
vigente compatível com um conjunto de situações juridicamente relevantes. Em tal
hipótese, está-se diante de um novo caso, ainda não resolvido pelas Cortes, no qual não
33 - 34
há precedente ou diante da revogação de precedente antes existente . Fato é que,

estrutura, ao invés das superficiais similaridades do caso alvo, essa liberdade é altamente constrangida em
respeito a obrigatoriedade do precedente”. SCHAUER, Friederich. Why Precedent in Law (and Elsewhere)
is Not Totally (or Even Substantially) About Analogy. Perspectives on Psychological Science, v. 3, n. 6,
2008, p. 454-460, p. 457.
33
Os precedentes “podem ser produto de uma única decisão, como também podem ser produto do
julgamento de diversos casos sobre determinada questão, até que uma decisão delineie os contornos do
precedente”. KREBS, Hélio Ricardo Diniz. Sistema de precedentes e direitos fundamentais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 184.
34
“Ao ser utilizada a técnica de superação, são criadas duas novas regras impositivas: uma relativa ao
em qualquer dos casos, será necessário formar um novo precedente, seja para tomar o
lugar do revogado, seja para assumir originariamente o papel de regular a questão jurídica.
Preocupar-se-á com as inferências dessa atividade de formação.

Quando os tribunais fazem um exame sistemático da legislação para


concluir, a partir das disposições legais, qual seria a compatibilidade de uma ou outra
solução com o sistema jurídico, as deduções têm espaço prevalente. Busca-se entender o
assim considerado sistema jurídico e dele derivar as conclusões viáveis para a solução de
problemas que, em tese, poderiam também ser resolvidos.

O uso de indução para formação de padrões decisórios vinculantes pode


ser explicitado tendo-se em conta a edição de súmulas. Essas são uma conclusão geral
explicitada por um tribunal a partir do exame de uma gama de casos já julgados, fazendo
consolidar em um enunciado, nos moldes de regra geral. Uma dada orientação
jurisprudencial sumulada é formada essencialmente por meio de indução ampliativa com
inferência para formação de um entendimento que é obrigatório nos termos do art. 927,
IV, do CPC/2015. Independentemente de se equiparar ou não súmulas com precedentes
35
, é fato que esse mesmo método pode ser utilizado para representação de uma solução
jurídica também válida a fim de sustentar conclusões em outras bases vinculantes, como
o de recursos repetitivos (CPC/2015. Art. 927, III). Assim, como indicado por Marinoni,
“os contornos de um precedente podem surgir a partir da análise de vários casos, ou
melhor, mediante uma construção da solução judicial da questão de direito que passa por
diversos casos” 36.

Por fim, na formação de precedentes, também pode ter lugar a analogia


quando inexiste uma regra geral específica para um determinado caso, mas se faz viável

entendimento superado e uma de natureza processual, relativa ao precedente, afirmando que agora este é o
novo precedente que deterá a eficácia concedida pelo ordenamento jurídico. Tal formuçaõ tem po objetivo
ressaltar que apenas a Corte competente para fixar aquele entendimento ou a Corte a ela superior (ao menos
em termos de matéria) poderá alterá-lo. Mesmo que uma determinada Corte incompetente para tanto não
adote aquele entendimento, ela não terá poder para modificar a eficácia do precedente, inexistindo, por
consequencia, sua superação, permanecendo a ratio decidendi em vigor”. PEIXOTO, Ravi. Superação do
precedente e segurança jurídica. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 203-204.
35
A respeito da distinção entre súmula e precedente: “não pode ser confundido com o precedente é a súmula
(persuasiva ou vinculante). Esta é apenas uma tentativa de enunciação destacada da ratio decidendi do
entendimento de um determinado tribunal, sendo basicamente, uma forma de facilitar a identificação pelos
demais julgadores da jurisprudência dominante daquele órgão jurisdicional sobre determinado tema”.
PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p.
157-158.
36 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.

216.
a importação de razões relacionais de outra matéria. Muitas vezes uma determinada
maneira de compreender o direito em um campo do conhecimento é transposta para outro,
sendo a analogia muitas vezes inferência relevante. Isso ocorreu, por exemplo, para
regular questões sucessórias e patrimoniais nos então chamados “concubinatos puros”,
quando a jurisprudência utilizou de aspectos de direito obrigacional (sociedade de fato)
como antecessor das uniões estáveis, reconhecidas pelo art. 226, §3º, da CF/1988 37. Essa
operação analógica pode estar na base fundadora de um precedente.

Em qualquer dos casos, os precedentes vão significar a edição de uma


regra geral aplicável, formando uma ratio decidendi que será vinculante para julgamentos
futuros. Assim, quando não há precedente aplicável, o caso em julgamento está carente
de uma regra de julgamento que deve ser formulada por meio de indução, analogia ou
dedução.

3.2. Análise de precedentes

A análise do precedente vai ter como propósito identificar quais foram as


premissas adotadas no julgamento representativo, os motivos e os valores dessa aceitação
e sobre qual estrutura inferencial se valeu o órgão julgador para a conclusão tomada. Não
é por acaso que importante atividade para o trabalho com precedentes deve ser analítica,
uma vez que, diante de um possível precedente para resolução do caso problema, deve-
se buscar descobrir qual é a respectiva ratio decidendi e quais suas hipóteses de
incidência, ou seja, qual é a premissa maior e quando ela tem aplicação.

Quando se apresenta um candidato a precedente para solucionar o caso,


faz-se necessário interpreta-lo, buscando-se a obtenção de um sentido normativo de modo
a verificar se efetivamente se trata de precedente aplicável ao caso problema. Para tanto,
identifica-se seus fatos determinantes – que indicarão as hipóteses de incidência – e as
consequências determinadas na solução jurídica do precedente. Essa atividade é
necessária para definição dos termos de inevitável atenção para a aplicação do precedente.
Para saber se da decisão analisada pode-se extrair precedente aplicável ao caso problema,

37
A esse respeito foi editada a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, com importante papel histórico
no direito das famílias, com seguinte teor: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os
concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum”.
precisa-se saber inicialmente quais os seus casos típicos de incidência. Com isso, pode-
se avançar sobre o caso problema e relacioná-los, testando-os analítica e
comparativamente.

Além da formação de precedentes, também na atividade de sua


interpretação reside a viabilidade da consideração de um papel criativo do intérprete e,
nesse ponto, potencialmente a hermenêutica pode até mesmo redefinir a significação do
precedente. Na famosa construção de um romance em cadeia, proposta por Dworkin, os
precedentes teriam seus sentidos ressignificados constantemente, assumindo-se coerência
com a tradição narrativa anterior. Para o autor, aquele que interpreta um precedente,
indicando se seria ou não incidente em um determinado caso, assume uma função criativa,
contribuindo para seu sentido em uma narrativa coletiva e progressivamente construída
que tem por norte a feição de coerência 38.

Independentemente da defesa ou refutação da ideia de um romance em


cadeia – tema que foge ao objeto de análise neste ensaio – há um papel criativo na
interpretação de precedentes. Mesmo que se sustente que apenas Cortes Supremas teriam
poder para criar, revogar e modificar precedentes, podendo o fazer independentemente de
uma coerência histórica, é inegável que sempre haverá alguma diferença entre o caso
paradigma de formação do precedente e os casos problema aos quais se cogitará a
respectiva aplicação. Essa diferença pode ou não ser significativa para haver uma
diferente solução jurídica.

O juiz que interpreta um precedente para possivelmente aplica-lo a um


caso, primeiramente identifica os elementos determinantes do caso julgado, fixando-lhe
um sentido e hierarquizando importâncias que frequentemente não são explícitas no
julgamento do qual resultou o precedente. Muitas vezes as conclusões do intérprete sobre
as hipóteses de incidência de um precedente são controversas, sendo essencial a específica
fundamentação sobre as causas determinantes e as razões de vinculação entre os casos.
Por isso, saber qual é o sentido de um determinado julgamento e delimitar o precedente
pode também exigir, além de dedução, enfrentamentos racionais de caráter indutivos e
analógicos.

38
Em suas palavras, o juiz deve “ler tudo o que outros juízes escreveram no passado, não apenas para
descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma opinião
sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos romancistas formou
uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então”. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 238.
Sem descartar outros usos da indução à atividade em apreço, pode-se
considerar que uma das formas de apurar a melhor interpretação de um precedente pode
ser buscar como os tribunais, em especial as Cortes Supremas, têm interpretado e aplicado
o precedente em questão. Assim, busca-se examinar casos julgados para estabelecer em
quais se considerou incidente o precedente e por quais particularidades. Veja-se que o
exame de uma série de julgamentos sobre a aplicabilidade de um precedente consiste em
um caminho inferencial indutivo para obtenção de bons parâmetros de interpretação de
precedentes.

A analogia pode, por exemplo, ter utilidade quando se busca obter


parâmetros de restrição ou abrangência dados em um determinado caso (foro) para a
interpretação de termos, e sua correlação para adoção na interpretação do precedente
(tema). Se a questão condiz em saber sobre a aplicação de um precedente em matéria de
imunidade tributária, pode ser importante estabelecer o sentido de uma determinada
expressão em um caso e transferir a mesma hermenêutica terminológica para outros.
Assim, pode-se questionar sobre o sentido de “livro” previsto no art. 150, VI, “d”, da
CF/1988 e apurar como foi entendida a questão diante de livros eletrônicos (RE 330.817),
listas telefônicas (RE 87.049), apostilas (RE 183.403), álbuns de figurinha (RE 221.239)
etc.

Como resultado da atividade de análise, pode-se concluir que o padrão


decisório é ou não aplicável ao caso problema. Trata-se de examinar a hipótese e de
39
realizar distinguishing . A indução e a analogia somente têm lugar quando os casos
paradigma e problema não são idênticos no essencial para ver subsumida a regra. Todavia,
a ausência de identidade determina a não aplicação do precedente. Se, por outro lado, o
caso paradigma é idêntico no essencial ao caso problema, sendo transferível a respectiva
ratio decidendi para solução, a indução e a analogia não servem como inferências capazes
de lidar com a passagem racional de aplicação.

Note-se, igualmente, que quando se verifica alguma adequação necessária


ao precedente, sem sua total revogação, assume-se uma função similar à de formação de
precedentes, ainda que em menor medida. Nesse ponto, tanto a analogia como a indução

39
“O distinguishing é apenas a declaração de que o direito evidenciado não deve regular o caso sob
julgamento. Portanto, é uma declaração negativa, jamais podendo chegar perto da declaração de um direito
novo ou da sua constituição. Isso pode ocorrer apenas após a declaração de inaplicabilidade do precedente,
e, ainda assim, não necessariamente, já que se pode adotar outro precedente”. MARINONI, Luiz
Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 328.
– sem descarte da dedução – podem servir de anteparo para a reforma do padrão decisório,
40
com ampliação ou restrição de seu alcance. Isso ocorre nas hipóteses de overriding .
Também nas questões de superação implícita e na transformation 41 pode-se considerar o
papel dessas inferências para formação de precedentes. Contudo, diante da identidade,
apenas a dedução encaminha a lógica de aplicação de precedentes.

Especificamente quanto à analogia, para dar conta do título deste ensaio,


no reconhecimento da identidade ou da distinção entre casos está a fronteira da utilização
da analogia no trato com os precedentes. A identidade entre casos – similaridade no que
é essencial – justifica a vinculação do caso problema à mesma ratio decidendi, o que, por
sua vez, determina uma aceitação da premissa universalizada e, consequentemente, o
descarte da analogia. Quando, no entanto, as semelhanças existem, mas não são fortes a
ponto de consistirem em particulares idênticos – considerado o que é essencial –
aconselha-se a distinção, ou seja, a não aplicação do precedente. Somente nesse caso
assenta-se um potencial uso da analogia, já que não há precedente aplicável, mas as razões
de um julgamento sobre outro evento podem elucidar ou auxiliar na construção de uma
nova regra universal.

Saber em que situações é razoável desmerecer parcial ou totalmente o


precedente envolve o exame de overruling, transformation, overriding e técnicas afins.
Nesse caso, no entanto, há potência para revogação (total ou parcial) e edição de novo
precedente em seu lugar ou para interferência no âmbito de atuação do precedente. Para
essas atividades, indução e analogia podem ter utilidade. Contudo, existindo precedente
aplicável deve-se necessariamente considerar que sua operação inferencial será dedutiva.

Em esquema:

(1) Sugestão sobre a existência de um precedente. Identifica-se um


precedente potencialmente aplicável ao caso. A questão consiste em saber se a forma de
resolver o caso problema deve ser conforme o possível precedente.

40
No overriding “há nova situação e novo entendimento no plano dos tribunais ou da academia, capaz de
não permitir que caso substancialmente idêntico seja tratado da mesma forma. A distinção feita no
overriding supõe que o litígio anterior, caso fosse visto na perspectiva da nova situação e do novo
entendimento, teria tido outra solução. É por isso que, embora o overriding não signifique revogação, o seu
resultado, do mesmo modo que aquele a que se chegou com o overruling, é incompatível com o precedente”.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 347.
41
“Enquanto na superação implícita tem-se um novo precedente, embora não se faça menção expressa à
mudança de posicionamento, na transformação o precedente é efetivamente incompatível com o anterior,
mas há uma tentativa de compatibilização de ambos os resultados”. PEIXOTO, Ravi. Superação do
precedente e segurança jurídica. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 207.
(2) Análise do precedente, com a apuração de seus fatores
preponderantes. Na atividade de análise, realiza-se a depuração das premissas que
formaram a ratio decidendi. Essa atividade pode se valer de identificação das deduções,
induções ou analogias no caso julgado. Busca-se demonstrar o que foi determinante, o
que foi desconsiderado e quais as premissas e passagens do raciocínio do precedente.
(3) Comparação entre o precedente e o caso problema. Nesse momento
há comparação entre os elementos determinantes do caso problema e aqueles do caso
formador do precedente. A tarefa de comparar, após apurados os elementos de cada caso
é preponderantemente dedutiva podendo ser assim formulada: Se A é igual a B, então
aplica-se o precedente. Se A é diferente de B, não se aplica o precedente.

3.3. Aplicação de precedentes

Diante desse quadro de melhor especificação das operações inferenciais é


passo necessário concluir que se o precedente consiste na ratio decidendi, que é a razão
universalizável, explicitando uma orientação jurídica aplicável a casos idênticos, e se a
analogia pressupõe diferentes instâncias normativas, então não pode haver aplicação de
precedentes por analogia. Isso a menos que se ressignifique o que consistem
“precedentes” ou se dê teor diverso à expressão “analogia”, retomando-se a falácia
apresentada no título deste ensaio. Assim estabelecido, é fácil entender, nos termos de
Friedrich Schauer, porque “a estrutura de um argumento a partir do precedente é muito
diferente da estrutura de um argumento por analogia” 42.

Não há precedente aplicável por analogia, pois, nesse caso, ter-se-á uma
regra geral diversa de solução entre os casos de sua formação e aplicação. Porém, nada
impede que se utilize uma decisão que é precedente para um determinado caso como
sugestão para decisão de matéria distinta. Nesse caso, não se quer aplicar a mesma regra,
pois o caso problema se sujeita a regra diferente, mas propor uma correlação na passagem
entre os respectivos elementos do foro e do tema.

Defende-se que a ratio decidendi formada em um Recurso Repetitivo no


STJ, entre outras hipóteses indicadas como vinculantes pela legislação processual

42
SCHAUER, Friedrich. Why Precedent in Law (and Elsewhere) is Not Totally (or Even Substantially)
About Analogy. Perspectives on Psychological Science, v. 3, n. 6, 2008, p. 454-460, p. 459.
brasileira, não poderá ser entendida como um precedente se for utilizada para sugerir um
raciocínio aplicável a casos diversos daqueles para os quais foi concebido. Nesse
particular, será tão somente um julgamento com potencial persuasivo, para sugestão
analógica, e não um precedente.

Por exemplo, no REsp nº. 1.008.667/PR 43, sob o albergue da sistemática


representativa da controvérsia, o STJ firmou a tese de que a ausência de juntada das razões
de agravo de instrumento no primeiro grau de jurisdição, se arguido e provado pelo
agravado, dá conta da inadmissibilidade do recurso, em interpretação ao art. 526 do
CPC/1973 44. Esse julgamento somente pode encarado como precedente, quando diante
de questões versadas na vigência da mesma lei processual. Nesse caso, a atividade de
interpretação do precedente deverá enunciar a regra geral e apresentar o parâmetro de sua
aplicabilidade. Especificamente a esse caso, percebe-se que se tratava de agravo de
instrumento tendo vigência o art. 526 do CPC/1973, que propôs uma interpretação
sistemática daquele código processual 45.

A identificação do precedente como ratio decidendi equivale à enunciação


da regra geral e dos suportes de sua incidência, o que leva a uma formatação dedutiva da
aplicação de precedentes 46:

43
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART.
543-C, DO CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 526 E § ÚNICO DO CPC. NECESSIDADE DE
MANIFESTAÇÃO DO AGRAVADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO EX OFFICIO,
AINDA QUE NÃO CITADO O AGRAVADO. (...) 1. "O agravante, no prazo de 3 (três) dias, requererá
juntada, aos autos do processo de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua
interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso." (CPC, art. 526, caput)
Parágrafo único. O não cumprimento do disposto neste artigo, desde que arguido e provado pelo agravado,
importa inadmissibilidade do agravo. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001) 2. Destarte, o
descumprimento das providências enumeradas no caput do art. 526 do CPC, adotáveis no prazo de três dias,
somente enseja as consequências dispostas em seu parágrafo único se o agravado suscitar a questão formal
no momento processual oportuno, sob pena de preclusão. (...) Acórdão submetido ao regime do art. 543-C
do CPC e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1008667/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL,
julgado em 18/11/2009, DJe 17/12/2009).
44
Em exame crítico sobre a necessidade de juntada de razões no primeiro grau, ver SCARPARO, Eduardo.
Anacronismo e jurisprudência defensiva: o insustentável art. 1.018 do CPC/2015. In: Rogéria Dotti.
(Org.). Processo Civil Entre A Técnica Processual E A Tutela Dos Direitos: Estudos Em Homenagem A
Luiz Guilherme Marinoni. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 789-806.
45
Como apontado no acórdão, “o descumprimento das providências enumeradas no caput do art. 526 do
CPC, adotáveis no prazo de três dias, somente enseja as consequências dispostas em seu parágrafo único
se o agravado suscitar a questão formal no momento processual oportuno, sob pena de preclusão”. A ratio
decidendi tem sido indicada mediante interpretação a contrario sensu: essas consequências são aplicáveis
quando suscitada a questão no momento oportuno (contrarrazões), devendo-se não admitir os recursos.
46
“O uso do precedente no sistema jurídico não condiz com a recuperçaão de um entre vários candidatos a
fontes análogas, nem é sobre uso da analogia para auxiliar o julgador a alcançar uma melhor decisão. Antes
disso, é sobre a obrigação do julgador de seguir uma decisão anterior errada (para ele) somente porque ela
existe”. SCHAUER, Friedrich. Why Precedent in Law (and Elsewhere) is Not Totally (or Even
Substantially) About Analogy. Perspectives on Psychological Science, v. 3, n. 6, 2008, p. 454-460, p. 457.
Silogismo III
A não juntada de razões de agravo no primeiro grau, desde que arguida e provada
P
pelo agravado, determina a inadmissibilidade do recurso.
No caso em exame, houve alegação e prova da ausência de juntada das razões no
p
primeiro grau.
Logo,
C Não deve ser admitido o recurso.

Assim, quando se busca aplicar o REsp nº. 1.008.667/PR para fomentar


uma interpretação da sistemática do art. 1.018 do CPC/2015, esse julgamento não baliza
a aplicação de precedente, já que a sujeição à ratio decidendi diz respeito a regra distinta
de aplicação. O acórdão em questão terá papel analógico, de sugerir um modo de resolver
um problema (tema) a partir de uma relação conhecida (foro). O julgamento é a regra de
sugestão de passagem, tendo papel persuasivo relevante. No entanto, não se estará diante
de um precedente aplicável, já que a situação a qual se quer aplicar é distinta () daquela
da qual exsurgiu o precedente.

Agravo sem razões juntadas Agravo sem razões juntadas


(Art. 526. CPC/1973) (Art. 1.018. CPC/2015)
_______________________ ≠ _______________________
REsp 1.008.667/PR
Inadmissibilidade Inadmissibilidade
(foro) (tema)

Não poderá esse ser considerado um precedente aplicável à questão sob a


vigência do CPC/2015, dado que a ratio decidendi da decisão paradigma não estará
fundada estritamente nessas mesmas razões daquelas aplicáveis ao caso problema. Basta
se cogitar que o sistema processual civil do contraditório, da colaboração e da
admissibilidade dos recursos – mantidos aqui apenas em três os itens para uma listagem
breve – não se mostra igual no CPC/2015 e no CPC/1973. Como todos esses elementos
inequivocamente estruturam a aplicação da legislação e dão teor ao conteúdo
hermenêutico do direito processual civil no que diz respeito à admissibilidade recursal, é
bastante sensível que as avaliações realizadas sob a legislação revogada se valem de
elementos diferentes daquelas que devem ser conduzidas sob a lei vigente. Mesmo que
em alguns casos possam ser aproximados os sistemas do CPC/1973 e do CPC/2015, e
ainda que em outros as conclusões sejam similares, não se pode deixar de reconhecer que
são regidas por relações diferentes entre os termos. Nesse caso, não há precedente
aplicável, a menos que, por analogia, os órgãos competentes para edição de precedentes
criem novo padrão decisório para as hipóteses decorrentes do CPC/2015.

Por isso, se uma parte apresenta um julgamento representativo de uma


controvérsia para extrair a respectiva ratio decidendi, afirmando se tratar de um
precedente, estará trabalhando logicamente com a perspectiva de aplicar tal regra como
dedução. A contraparte, por sua vez, poderá tentar elidir a aplicação sugerindo se tratar
de analogia, já que o caso em questão não se submeteria a mesma regra, merecendo uma
distinção (distinguishing). Essas operações são realizadas cotidianamente na vida forense,
ainda que sem a percepção do modo de inferência que é utilizado para produção de cada
uma de suas conclusões.

Em esquema:

(1) Se idênticos os elementos preponderantes. Há aplicação do


precedente. Nesse caso, deve-se identificar a respectiva regra universal, a ratio decidendi,
mediante análise do raciocínio utilizado na decisão paradigma. Assim estabelecido, tem-
se a premissa maior para a dedução em modelo silogístico, cogitando-se, no entanto,
eventual revisão do precedente em hipóteses excepcionais em que o precedente, embora
inicialmente aplicável, será revogado ou modificado.
(2) Se não forem idênticos os elementos preponderantes. Não há
precedente aplicável, tendo-se a oportunidade para, se mediante o procedimento
adequado para respectiva formação, editar-se novo precedente a regular a hipótese.

4. CONCLUSÕES

Buscou-se apresentar diferentes modos de progressão dos raciocínios, com


a indicação das particularidades da dedução, da indução e da analogia. Nesse sentido,
após um exame preliminar das características e hipóteses inferenciais, relacionou-se cada
uma de suas implicações no trabalho geral com precedentes.

Em termos práticos, considerou-se que a atividade com precedentes pode


ser compreendida em três etapas: a formação, a análise e a aplicação de precedentes.
Quando se está diante de formação de precedentes, a ausência de uma regra geral
aplicável viabiliza o uso de mais variada gama inferencial como a dedução, a indução e a
analogia. Por outro lado, o trabalho de análise tem por finalidade identificar as hipóteses
de aplicação do precedente e, para tanto, a hermenêutica do julgamento formador do
precedente está em questão. Nesse particular, também são amplas as inferências
utilizáveis, como ilustrado ao longo do texto.

O precedente é a razão universalizável da decisão, cuja descoberta exige


sua aplicação aos casos semelhantes. Após a interpretação e a extração da ratio decidendi,
a inferência de aplicação é dedutiva. A analogia poderá ter lugar eventualmente na
formação e interpretação de precedentes, mas são essas etapas que antecedem a sua
aplicação estrita. Quando se busca aplicar precedente, tem-se a prévia identificação entre
o caso problema e o caso paradigma, de modo que o padrão decisório assume a função de
premissa maior em uma estrutura silogística. Escapar da dedução, nesse caso, é indevido.

Nesse sentido, se a analogia pode ter funções na formação e na análise de


precedentes, não o terá na aplicação (que é dedutiva). A menos que falaciosamente se
amplie a significação de aplicação ou se admita que precedentes não sejam precedentes
ou, quem sabe ainda, que a analogia não seja bem isso que se chama de analogia.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Exemplo. In: (Ed.). Dicionário de Filosofia. 4ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
ARISTÓTELES. Órganon. 2ª ed. Bauru: Edipro, 2010.
ARISTÓTELES. Retórica. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2013.
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3ª ed.
São Paulo: Landy, 2006.
BREWER, Scott. Logocratic method and the analysis of arguments in evidence. Law,
probability and risk, v. 10, p. 175-202, 2011.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FIORIN, José Luiz. Argumentação. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016.
FLACH, Peter e KAKAS, Antonis. Abductive and inductive reasoning: background and
issues. In: Flach e Kakas (Ed.). Abduction and Induction. 1ª ed.
Dordrecht: Springer Science-Business Media, 2000, p.1-27.
IACONA, Andrea. L'argumentazione. 2ª ed. Torino: Einaudi, 2010.
KREBS, Hélio Ricardo Diniz. Sistema de precedentes e direitos fundamentais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010.
MEYER, Michel. A retórica. 1ª ed. São Paulo: Ática, 2007.
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2017.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014.
PERELMAN, Chäim e LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a
nova retórica. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Argumentação Jurídica: técnicas de persuasão e lógica
informal. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
SCARPARO, Eduardo. Anacronismo e jurisprudência defensiva: o insustentável art.
1.018 do CPC/2015. In: Rogéria Dotti. (Org.). Processo Civil Entre A
Técnica Processual E A Tutela Dos Direitos: Estudos Em Homenagem A
Luiz Guilherme Marinoni. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017,
p. 789-806.
SCARPARO, Eduardo. Inferência para melhor explicação (IME) e persuasão racional:
ferramentas e critérios de adequada valoração probatória. São Paulo,
Revista de Processo, n. 300, fev. 2020.
SCHAUER, Friedrich. Why Precedent in Law (and Elsewhere) is Not Totally (or Even
Substantially) About Analogy. Perspectives on Psychological Science, v.
3, n. 6, 2008, p. 454-460.
SINNOTT-ARMSTRONG, Walter e FOGELIN, Robert. Understanding arguments:
an introduction to informal logic. 9ª ed. Stamford: Cengage Learning,
2015.
TRINGALI, Dante. Introdução à retórica: a retórica como crítica literária. 1ª ed. São
Paulo: Duas Cidades, 1988.

Você também pode gostar