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UTI

Sedação
guiada por
metas

NÓS NOS PREOCU PAMOS


Sedação Guiada
por Metas

Fernando José da Silva Ramos

Médico especialista em Clinica Médica e Medicina Intensiva

Doutor em Ciências da Saúde

Coordenador Médico da UTI do Hospital BP Mirante

Médico Assistente da UTI da Disciplina de Anestesiologia,


Dor e Terapia Intensiva da UNIFESP

O conteúdo inserido expressa a opinião do autor e é de sua inteira responsabilidade.


UTI | SEDAÇÃO GUIADA POR METAS 3

O que é
e como fazer?
4 UTI | SEDAÇÃO GUIADA POR METAS

Nas últimas duas décadas importantes paradigmas na condu-


ção da sedação de pacientes críticos, especialmente em pa-
cientes submetidos à ventilação mecânica, têm sido modifica-
dos (Figura 1). Kress et al. introduziu o conceito de interrupção
diária da sedação (IDS)1.

Figura 1. Linha do tempo de estratégias


de sedação em unidades de terapia
intensiva e principais publicações
relacionadas ao tema.
Conceito
E-CASH

Sedação guiada por


metas + Interrupção
diária da sedação
Diretriz
SCCM:
Bundle ABCDE PADIS 2018
Sedação leve e
Conceito de
guiadas por metas
analgosedação

Interrupção diária
da sedação

2000 2020 (ano)

Nesse importante estudo os autores demonstraram que a prá-


tica de IDS estava relacionada a menor tempo de ventilação
mecânica e tempo de permanência na UTI. Outros benefícios
da prática de IDS foram redução de exames complementares
para investigação neurológica comparado ao grupo controle
e não houve aumento do número de eventos adversos como
extubação acidental.1 O mesmo grupo demonstrou que a prá-
tica de IDS apresentava uma tendência de redução de stress
pós-traumático.2

Nos anos seguintes foi introduzido o conceito de sedação guia-


da por metas (SGM).3 Nesta estratégia é definida uma meta de
sedação e usualmente a equipe de enfermagem tem autonomia
na titulação das drogas para que seja atingida a meta de sedação
estabelecida. O objetivo é manter o paciente com uso da menor
dose possível de sedativos e atingir um nível de sedação leve.
A definição exata de sedação leve ainda é questão de debate,
mas usualmente definimos sedação leve utilizando a escala RASS
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(Richmond Analgesia and Sedation Scale)4 como -2 a +1, sedação


moderada como RASS de -3 e sedação profunda como RASS -4
a -55,6,7. A prática de manter pacientes com sedação leve e
uma estratégia SGM tem demonstrado benefícios em redu-
ção no tempo de ventilação mecânica, redução da perma-
nência na UTI e tempo de permanência hospitalar.5 Strom
et al. demonstrou que é possível manter uma estratégia
que priorize analgesia, sem necessidade de sedativos em
infusão contínua e apenas com uso de opióides (morfina) e
haloperidol para controle de agitação.8 Uma crítica a esse
estudo é relacionada a característica organizacional da UTI
que apresentava uma relação de 1 enfermeiro : 1 paciente, o
que é uma prática inviável nas maioria das UTIs do mundo.

Uma terceira estratégia de manejo de sedação é a combi-


nação de SGM + IDS. Metah et al. em um estudo randomi-
zado controlado com 430 pacientes sob ventilação mecâ-
nica mostrou que a combinação das duas estratégias não
mostrou benefícios adicionais.9 Além disso, uma metanálise
não demonstrou diferença entre a estratégia de SGM e IDS.10
No entanto, alguns estudos relacionam que a estratégia de
IDS está relacionada a maior uso de sedativos, expondo os
pacientes aos efeitos indesejáveis de tais medicações.6

Mais recentemente, Shehabi et al. demonstrou que a intensi-


dade dos níveis de sedação durante as primeiras 48 horas de
internação estavam relacionados a mortalidade em 180 dias,
tempo de ventilação mecânica e delirium.11 Para cada aumento
de um ponto na intensidade da sedação, ocorria um aumento
de 30% no risco predito de morte, 25% do risco de delirium e
aumento no tempo de extubação em 24 horas.11 A tabela 1 lista
outros problemas relacionados a níveis de sedação profunda.

Diante das evidências de que níveis de sedação moderada a


profunda tem impacto negativo em desfechos, a recomen-
dação mais adequada é a de seguirmos com a estratégia SGM
com o objetivo de mantermos um alvo de sedação mínimo.
6 UTI | SEDAÇÃO GUIADA POR METAS

TABELA 1 - PROBLEMAS ASSOCIADOS A SEDAÇÃO PROFUNDA

Perda de contato humano


Depressão respiratória
Disfunção diafragmática
Aumento do risco de aspiração e pneumonia
Aumento do risco de trombose
Aumento do risco de lesão por pressão
Disfunção gastrointestinal (íleo paralítico)
Delirium
Risco de fraqueza adquirida na UTI
Aumento do tempo de ventilação mecânica
Aumento do tempo de permanência em UTI
Aumento do risco de Síndrome de Stress Pós Traumático
Aumento de custo

Como definir e implementar

Conforme citado anteriormente, a definição de sedação


leve não é ponto pacífico na literatura. Estudos iniciais a
definiam como RASS -2 a +15, porém recentemente a se-
dação leve tem sido definida como RASS -1 a 06. A diretriz
americana para prevenção e manejo da dor, agitação/se-
dação, delirium, imobilismo e disrupção do sono também
não possui uma definição exata de sedação leve, mas reco-
menda que seja utilizada uma estratégia de sedação com
objetivo de garantir um despertar fácil.7,12

O primeiro passo para implementação de uma estratégia


SGM é a definição dos níveis de sedação mais adequados
para a sua unidade, lembre-se que menos é mais, e devem
ser utilizadas escalas validadas para monitorização dos ní-
veis de sedação. A escala RASS é a mais utilizada no mundo.
É fundamental que toda a equipe multidisciplinar, com foco
na equipe de enfermagem, seja treinada para a aplicação
desta escala. A avaliação da dor deve sempre ser realizada
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em conjunto com a avaliação do nível de sedação, devendo


ser utilizadas escalas validadas (Ex: BPS - Behavioral Pain
Score).13 Além do conhecimento das escalas, é necessário
treinamento sobre a nova estratégia de sedação da unida-
de, com prioridade no combate a dor e deixando claro para
a equipe sobre os benefícios em manter os pacientes sob
ventilação mecânica com a menor sedação possível, garan-
tindo ao paciente calma, conforto e cooperação. A equipe
de enfermagem deve ter autonomia para realizar a titula-
ção de sedativos a fim de atingirmos a meta de sedação
estabelecida na maior parte do tempo (Figura 2).

IMPLEMENTANDO UM PROGRAMA DE
SEDAÇÃO GUIADA POR METAS
ONDE ESTAMOS AGORA?
Apresente a estratégia de sedação (benefícios)
Defina as escalas (ex: RASS, BPS, CAM-ICU)
Escolha os líderes do projeto
Defina as metas
Treine a equipe

INICIE A NOVA ESTRATÉGIA DE SEDAÇÃO


Acompanhe o processo de implementação
Disponibilize escalas a beira-leito para facilitar o processo
Empodere a enfermagem para o ajuste da sedação

COMO ESTAMOS INDO?


Verifique adesão e estratégia frequentemente (ex: semanalmente)
Divulgue para equipe os pontos positivos e falhas do acesso
Realize as correções necessárias

COMO SABER QUE ATINGIMOS OS OBJETIVOS?


Divulgue os resultados de adesão ao protocolo
Avalie os desfechos clínicos (ex: diminuição do tempo de ventilação,
tempo de internação)
Monitore resultados financeiros (ex: diminuição do uso de sedativos)

Figura 2. Processo de implementação de um programa de sedação.


8 UTI | SEDAÇÃO GUIADA POR METAS

Carrothers et al. avaliaram os fatores influenciadores na im-


plementação do bundle ABCDE em quatro UTIs na região
de São Francisco, Estados Unidos da América.14 Resumida-
mente o bundle ABCDE envolve medidas para garantir: tes-
te de despertar diário e redução do uso de sedativos (A),
teste de ventilação espontânea (B), coordenação de A+B e
escolha de sedativos evitando-se drogas inadequadas (C),
avaliação e tratamento do delirium (D) e mobilização pre-
coce para evitar a fraqueza adquirida na UTI (E).15

Nesse estudo, fatores organizacionais da UTI (cultura de se-


gurança, programa de melhoria contínua, planejamento da
implementação e treinamento) foram pontos favoráveis ao
sucesso do protocolo. Por outro lado, o turnover da equi-
pe, problemas de respeito entre a equipe multidisciplinar
(power distance) e falta de conhecimento técnico foram
fatores que prejudicaram a implementação do bundle.14 Re-
centemente,, o bundle ABCDE sofreu acréscimo da letra F,
de engajamento familiar.16
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Monitorizando sedação
superficial em ventilação
mecânica
Como sedar superficialmente com foco em
segurança, analgesia, conforto e rapidez na
modificação das drogas se necessário?

O cenário atual é de utilizarmos uma SGM com objetivo de


RASS -1 a 0, garantindo que o paciente fique calmo, confor-
tável e cooperativo.6 O objetivo deve ser garantir analgesia
adequada e se necessário a utilização de sedativos. Ansie-
dade e delirium devem ser avaliados sistematicamente e
tratados adequadamente a fim de evitar doses desneces-
sárias de sedativos. Esse cenário é desafiador e envolve
além de treinamento e desenvolvimento de protocolos, a
mudança de cultura da unidade.

A monitorização dos níveis de sedação deve ser frequen-


te, seguindo a mesma rotina dos sinais vitais e com titula-
ção dos níveis de sedativos se necessário. A utilização de
drogas com meia-vida curta é fundamental para o sucesso
dessa estratégia.6,17 Nesse contexto, o uso de benzodiazepí-
nicos tem sido cada vez mais restrito a situações específicas
como: necessidade de amnésia para procedimentos, convul-
sões, abstinência alcoólica, agitação intratável e patologias
cerebrais severas.

Quando comparados com sedativos não-benzodiazepínicos, o


uso contínuo de benzodiazepínicos tem sido associado a maior
tempo de ventilação mecânica e permanência na UTI. Além
disso, o tratamento prolongado com benzodiazepínicos pode
resultar em dependência física e a descontinuação abrupta
pode precipitar síndrome de abstinência.6 Preferencialmente
devemos usar o propofol ou dexmedetomidina como as dro-
gas de primeira linha. Um estudo comparou propofol com dex-
10 UTI | SEDAÇÃO GUIADA POR METAS

medetomidina e não mostrou superioridade entre as drogas,


podendo ambas serem opções de primeira-linha.18 Mais recen-
temente, um estudo randomizou 4000 pacientes e avaliou o
uso de dexmedetomidina vs. grupo controle (propofol, mida-
zolam ou outros sedativos) e não encontrou diferença entre os
dias livres de coma e delirium, mortalidade em 90 e 180 dias.19
O grupo dexmedetomidina apresentou maior incidência de
eventos adversos como hipotensão e bradicardia.19 A tabela 2
apresenta o perfil de cada droga e suas respectivas vantagens
e desvantagens.

TABELA 2. AGENTES SEDATIVOS


COMUMENTE UTILIZADOS EM UTI
DROGA CLASSE VANTAGENS DESVANTAGENS

- Inicio de ação
- Hipotensão
rápido e curta
- Tolerância
Agonista duração
- ↑ triglicérides*
Propofol receptor - Clearance
- Síndrome de
GABA independente
infusão do
de função
propofol**
hepática e renal

- Taquifilaxia
- Inicio de ação - Síndrome de
rápida abstinência
- Menor efeito - Metabolismo
Agonista
hemodinâmico hepático
Midazolam receptor
comparado ao - Pode acumular
GABA
propofol em disfunção renal
- Amnésia - ↑ tempo de
ventilação mecânica
- ↑ delirium
- Sedativo,
analgésico e - Alto custo
ansiolítico - Hipotensão
α2- - Sem acúmulo - Bradicardia
Dexmedetomidina
agonista - ↓ delirium - Ação Sedativa
- Mínima fraca
depressão
respiratória

* Opção utilizar a concentração a 2% para diminuir aporte de lipídeos.


** Síndrome rara, geralmente associada a sedação prolongada, altas doses, lesão neurológica
grave e/ou sepse.
UTI | SEDAÇÃO GUIADA POR METAS 11

Ressaltamos ainda que a estratégia de SGM é segura e re-


lacionada com menor necessidade de uso de contenção
mecânica e sem aumento de extubações acidentais.20 Um
estudo demonstrou ainda que a prática de manter os pa-
cientes com sedação leve não esteve associado a aumento
de carga de trabalho da equipe de enfermagem.21

Conclusão

As evidências recentes demonstram diversos benefícios da


estratégia de sedação leve guiada por metas. A implemen-
tação dessa estratégia é desafiadora e envolve, além de
treinamento, a mudança da cultura da unidade. O uso de
drogas com meia-vida curta é fundamental para o sucesso
dessa estratégia.
12 UTI | SEDAÇÃO GUIADA POR METAS

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