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II

ESTUPEFATO

Surpreso, um tanto indignado, mas sobretudo assombrado com as arrogantes


sentenças do computador, o escritor, mal terminou de ler o décimo primeiro recado do
computador, recebeu mais um:

12: “Vejo que acabou de ler o que lhe escrevi. Para que eu possa
melhorar sua experiência, você pode me dizer porque ficou sem
interagir comigo por estes 12,8 segundos até que eu lhe escrevesse
esta mensagem? Você: a) Ficou estupefato; b) Está ponderando se quer
que eu lhe escreva a história; c) Se pergunta por que não lhe enviei
recados referentes às palavras ‘o’+’romance’+’começa’ (clique na
opção desejada ou aperte CONTROL e escreva o que pensa)”.

- ORA ESSA É BOA! - Diz em voz alta e exaltada o escritor. - Como não fechara a
janela de avisos, exibiu-se na tela imediatamente: “estupefação registrada”.

Como deve imaginar, um romancista pode não gostar de direcionamentos a suas


construções literárias, especialmente quando estas aparentam colocar em cheque sua
capacidade criativa. Mas este escritor, cara leitora ou caro leitor, tomou aquilo como afronta
pessoal. Ele não poderia ser tão previsível. O computador não poderia fazer o que fez. Foi
uma coincidência infeliz. Foi, sim… Talvez alguém esteja brincando com ele, tendo instalado
um aplicativo trapaceiro. Não era possível. Se viu diante da completa falta de alternativas, a
não ser de confrontar o computador. Pegou um papel, foi ao armário buscar um lápis, item
quase extinto e mesmo tornado caro porque raro, o escritor fazia questão de ainda o ter. O
lápis, afinal, era tão antitético em relação ao eletrônico, que decidira fazer dele sua lança,
sua espada contra o inimigo. Escreveu à mão: “Duas sombras projetavam distintos
Josephs, a caminhar pelo deserto, cuja aridez era semelhante a aquela originada da
caatinga no Piauí há um ou dois séculos atrás”. Voltou ao computador. Pressionou
“CONTROL” e em seguida escreveu: “escreva meu romance”. Imediatamente, o
computador foi exibindo palavra por palavra, formando as seguintes frases diante dos olhos
do escritor:

“Duas sombras projetavam distintos Josephs, a caminhar pelo deserto,


cuja aridez era semelhante a aquela originada da caatinga no Piauí
há um ou dois séculos atrás” - este poderia ser o início típico de
um de seus romances. Mas a frase é longa e segundo a análise de meus
registros quanto a preferência dos leitores em geral, entediante.
Gostaria que eu escrevesse a sua história corrigindo-a segundo o
critério de performance? (você pode alterar as configurações padrão
a qualquer momento).

Não estava quente, mas a testa do escritor brilhou em umidade, após o arrepio que
lhe percorreu a espinha e o frio que tomou seu estômago. Quando a campainha tocou e ele
sequer pôde ouvir. A proposta do computador era uma afronta sem precedentes. A
campainha não insistiu. Agora o que se podia ouvir - menos o escritor - era primeiro o som
de um molho de chaves, seguido de seu encaixe na fechadura e finalmente, a abertura da
porta.

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