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A

sexualidade
Mesmo com a sexualidade, que entretanto passou por muito tempo por um tipo de função
corporal, trata-se, não de um automatismo periférico, mas de uma intencionalidade que segue o
movimento geral da existência. (...)
A sexualidade não é um ciclo autónomo. Ela está ligada interiormente a todo ser cognoscente e
atuante, e esses três setores do comportamento manifestam uma única estrutura típica, estão numa
relação de expressão recíproca. Reencontramo-nos aqui com as aquisições mais duráveis da psicanálise.
Quaisquer que pudessem ter sido as declarações de princípio de Freud, as pesquisas psicana-líticàs
chegam de fato não a explicar o homem pela infra-estrutura sexual, mas a reencontrar na sexualidade
as relações e as atitudes que antigamente passavam por relações e atitudes de consciência; e a
significação da psicanálise não se encontra tanto em repetir a psicologia biológica, mas em descobrir,
nas funções que se acreditara como "puramente corporais", um movimento dialético e reintegrar a
sexualidade no ser humano. Um discípulo dissidente de Freud (W. Steckel) mostra, por exemplo, que a
frigidez quase nunca está ligada a condições anatómicas ou fisiológicas, mas que ela traduz, a maior
parte das vezes, a recusa ao orgasmo, à condição feminina ou à condição de ser sexuado, e este, por
sua vez, a recusa ao parceiro sexual e ao destino que ele representa. Mesmo em Freud seria errado
crermos que a psicanálise excluiu a descrição dos motivos psicológicos que se opõe ao método
fenomenológico: ao contrário, ele contribuiu (sem o saber) para o seu desenvolvimento ao afirmar,
segundo palavras de Freud, que todo ato humano "tem um sentido", e ao procurar, de todos os modos,
compreender o acontecimento ao invés de ligá-lo a condições mecânicas. Em Freud mesmo, o sexual
não é o genital, a vida sexual não é um simples efeito dos processos cujo centro são os órgãos genitais,
a libido não é um instinto, isto é, uma atividade orientada para fins determinados, ela é o poder geral
que tem o sujeito psicofísico de aderir a diferentes meios, de fixar-se por diferentes experiências, de
adquirir estruturas de conduta. Ela é o que faz com que o homem tenha uma história. Se a história sexual
de um homem dá a chave de sua vida, é porque na sexualidade do homem se projeta sua maneira de ser
com relação ao mundo, isto é, com relação ao tempo e aos outros homens. (...) A vida genital está
imbricada na vida total do sujeito.
(M. Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção, p. 168.)

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