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Bom dia turma!

Decidi abordar algo de Alberto Caeiro, conhecido como o


«mestre», em torno do qual se inspiram os outros heterónimos de Fernando
Pessoa, nasceu em Abril de 1889 em Lisboa, mas viveu grande parte da sua vida
numa quinta no Ribatejo onde viria a conhecer Álvaro de Campos. A sua educação
cingiu-se à instrução primária, o que combina com a simplicidade e naturalidade
de que ele próprio escreve. Louro, de olhos azuis, estatura média, cara rapada,
um pouco mais baixo que Ricardo Reis, é dotado de uma aparência muito diferente
dos outros dois heterónimos. É também frágil, embora não o aparente muito, e
morreu, precocemente (tuberculoso), em 1915 em Lisboa. O mestre é aquele de
cuja biografia menos se ocupou Fernando Pessoa, pois a sua vida foram os seus
poemas, como disse Ricardo Reis:
«A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nela mais de que narrar. Os seus
poemas são o que houve nele de vida. Em tudo o mais não houve incidentes, nem há
história».

O poema que eu selecionei foi o décimo sexto da obra “O guardador de


rebanhos” cujo título é:

XVI - Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois

Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois


Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...


A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

Ou então faziam de mim qualquer coisa diferente


E eu não sabia nada do que de mim faziam...
Mas eu não sou um carro, sou diferente
Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam.
Como é de especular, o tema central do poema é a vida. Vida esta, que na
primeira estrofe, é adjetivada como rural a partir do uso da metáfora presente
em “Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois”. Ao fazer esta
comparação podemos identificar dois aspetos: o facto de este centrar a sua
escrita na natureza, identificando-se como um poeta bucólico, e de este se
associar a um objeto inanimado (carro de bois) refutando os prazeres, as
ambições e os desejos que, normalmente, expressam a vida citadina. Deste modo,
demonstra a preferência por uma vivência rotineira (Ao observarmos os dois
últimos versos da primeira estrofe “E que para de onde veio volta depois/Quase
à noitinha pela mesma estrada” percebemos que este não ambiciona um novo
caminho, ou seja, não ambiciona algo de novo na sua vida escolhendo entrar,
então, numa monotonia.)
Na segunda estrofe, e tendo em conta esta ideia de monotonia e de rotina,
o sujeito poético afirma que não quer ter esperança (E podemos literalmente
entender isto em “Não tinha que ter esperança - tinha só que ter rodas”)
demonstrando que deseja eliminar o sentir, e consequentemente, o viver da forma
que vive, o que está subentendido no facto de este almejar ser somente um
“carro de bois”. O único real querer do eu-lírico seria obter uma vida
automatizada/mecânica de forma a que quando uma peça falhasse fosse posto de
lado sem sequer saber como nem porquê (“Quando eu já não servia, tiravam-me as
rodas/E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco”).
Já na terceira estrofe o sujeito poético faz-nos perceber que este
desejaria que a sua vida fosse simples assim porque não era ele que iria ter um
controlo sobre si, mas sim a Natureza pois seria ela que decidiria se alguma
peça se iria estragar, por exemplo. É claro que se analisarmos os versos 11 e
12 do poema: “Mas eu não sou um carro, sou diferente/Mas em que sou realmente
diferente nunca me diriam”, conseguimos detetar a frustração que o sujeito
poético sente, pois este não vive como gostaria de viver, muito embora aprecie
o tipo de vida de campo que vive. É de ter em atenção que a utilização da
anáfora nestes versos (“Mas/Mas”) por parte de Alberto Caeiro, evidenciou
claramente o contraste entre a vida que deseja e a vida que leva. Logo, podemos
concordar que o sujeito-poético supervaloriza a simplicidade das coisas do
campo (do meio rural), acreditando também que não é preciso ir muito longe para
que a vida se torne aconchegante já que o simples facto de viver é, claramente,
o bastante, no entanto, embora sejam vidas parecidas, a que este deseja e a que
tem não são iguais.
No caso de uma análise mais externa, reparamos que a simplicidade de
Caeiro é o foco essencial da sua escrita, no entanto, este poema sofre um maior
cuidado do que o normal, pois apresenta uma rima cruzada (ABAB) sendo que b, em
cada estrofe, se trata da mesma palavra (“estrada/estrada” e
“diferente/diferente”) representando um pouco a falta de preocupação que o
poeta tem em relação à rima. Além disso, este poema é constituído por três
quadras e possui uma métrica irregular.
Para sumarizar, Alberto Caeiro mesmo sendo um poeta da Natureza e
escrevendo sempre o lado mais simples desta, consegue de uma maneira
surpreendente, elaborar um momento poético simplista, mas introspetivo. Muito
obrigada pela vossa atenção!

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