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ÍNDICE
INTRODUÇÃO
1. DELIMITAÇÃO DO TEXTO
2. CONTEXTO DO TEXTO
4. ESTRUTURA DO TEXTO
6. CONCLUSÃO
INTRODUÇÃO
1
Τῇ δὲ μιᾷ τῶν σαββάτων Μαρία ἡ Μαγδαληνὴ ἔρχεται πρωῒ σκοτίας ἔτι οὔσης εἰς τὸ μνημεῖον
καὶ βλέπει τὸν λίθον ἠρμένον ἐκ τοῦ μνημείου. 2 τρέχει οὖν καὶ ἔρχεται πρὸς Σίμωνα Πέτρον καὶ
πρὸς τὸν ἄλλον μαθητὴν ὃν ἐφίλει ὁ Ἰησοῦς καὶ λέγει αὐτοῖς· ἦραν τὸν κύριον ἐκ τοῦ μνημείου καὶ
οὐκ οἴδαμεν ποῦ ἔθηκαν αὐτόν. 3 Ἐξῆλθεν οὖν ὁ Πέτρος καὶ ὁ ἄλλος μαθητὴς καὶ ἤρχοντο εἰς τὸ
μνημεῖον. 4 ἔτρεχον δὲ οἱ δύο ὁμοῦ· καὶ ὁ ἄλλος μαθητὴς προέδραμεν τάχιον τοῦ Πέτρου καὶ
ἦλθεν πρῶτος εἰς τὸ μνημεῖον, 5 καὶ παρακύψας βλέπει κείμενα τὰ ὀθόνια, οὐ μέντοι
εἰσῆλθεν. 6 ἔρχεται οὖν καὶ Σίμων Πέτρος ἀκολουθῶν αὐτῷ καὶ εἰσῆλθεν εἰς τὸ μνημεῖον, καὶ
θεωρεῖ τὰ ὀθόνια κείμενα, 7 καὶ τὸ σουδάριον, ὃ ἦν ἐπὶ τῆς κεφαλῆς αὐτοῦ, οὐ μετὰ τῶν ὀθονίων
κείμενον ἀλλὰ χωρὶς ἐντετυλιγμένον εἰς ἕνα τόπον. 8 τότε οὖν εἰσῆλθεν καὶ ὁ ἄλλος μαθητὴς ὁ
ἐλθὼν πρῶτος εἰς τὸ μνημεῖον καὶ εἶδεν καὶ ἐπίστευσεν· 9 οὐδέπω γὰρ ᾔδεισαν τὴν γραφὴν ὅτι δεῖ
αὐτὸν ἐκ νεκρῶν ἀναστῆναι. 10 ἀπῆλθον οὖν πάλιν πρὸς αὐτοὺς οἱ μαθηταί.
1
No primeiro dia da semana, Maria Madalena vai ao sepulcro, de madrugada, quando ainda
estava escuro, e vê que a pedra fora retirada do sepulcro. 2Corre então e vai a Simão Pedro e ao
outro discípulo, que Jesus amava, e lhes diz: “Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos
onde o colocaram”. 3Pedro saiu, então, com o outro discípulo e se dirigiram ao sepulcro. 4Os
dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao
sepulcro. 5Inclinando-se, viu os panos de linho por terra, mas não entrou. 6Então, chega também
Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro; vê os panos de linho por terra 7e o sudário que
cobrira a cabeça de Jesus. O sudário não estava com os panos de linho no chão, mas enrolado
em um lugar, à parte. 8Então, entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao
sepulcro: e viu e creu. 9Pois ainda não tinham compreendido que, conforme a Escritura, ele
devia ressuscitar dos mortos. 10Os discípulos, então, voltaram para casa.
O ato da ressurreição em si, como qualquer novo processo de produção, está envolto em
obscuridade. Os que redigiram o Novo testamento mencionam apenas o que viram por
si mesmos quando o sepulcro já estava vazio. E mesmo na descrição do sepulcro vazio
há diferenças entre os Evangelistas. João, em sua narração dos acontecimentos da
ressurreição, difere muito dos Sinóticos. A seqüência narrativa joanina no sepulcro
vazio é uma combinação de duas narrativas diferentes, como se vê nos Evangelhos
Sinóticos, o que faz dela uma das narrativas mais explícitas e interessantes relacionadas
à ressurreição de Jesus. Elas contêm a visita das mulheres (ou da mulher) ao sepulcro
vazio e a visita dos Discípulos (Pedro, ou Pedro e o Discípulo Amado). Provavelmente,
nessa narração, João recorreu aos Evangelhos Sinóticos ou às tradições, junto com suas
próprias fontes. Ao contrário de outros Evangelhos, que relatam um grupo de mulheres
como primeiros visitantes ao sepulcro vazio, João menciona apenas Maria Madalena (Jo
20:1-2, 11-18; cf. Mc 16:1-8; Mt 27:1-8; Lc 24:1-11, 22-23). Ao mesmo tempo, o
episódio da visita ao sepulcro por Pedro (Jo 20:3-10; cf. Lc 24:12,24) é interpolado
nesta narração. João também inclui o Discípulo Amado em sua narração. Apresento um
breve estudo exegético de João 20:1-10. Esta passagem narra a visita dos Discípulos ao
sepulcro, seguida por uma aparente menção ao sepulcro vazio por Maria Madalena, que
visitara o sepulcro na madrugada.
1. DELIMITAÇÃO DO TEXTO
Jo 20:10 menciona o retorno de Pedro e do Discípulo Amando para casa. Isso indica que o
fim da passagem e a subseqüente entrada dos anjos e de Jesus confirmam uma nova
passagem. Portanto, Jo 20:1-10 pode ser considerada uma única unidade textual.
2. CONTEXTO DO TEXTO
João compôs a narrativa da Ressurreição com grande zelo artístico. O sepulcro vazio e a
câmara superior são os dois lugares dos atos narrativos. Cada ato narrativo contém duas cenas
diferentes. Cada cena também tem dois protagonistas: Pedro e o Discípulo Amado; Maria
Madalena e Jesus; Jesus e os Discípulos; Jesus e Tomé. Como já vimos, um coadjuvante
numa das cenas assume o protagonismo na seguinte. O estilo narrativo joanino, de progressão
em espiral, também opera aqui. Usando o método da espiral, o autor retorna constantemente
ao mesmo tema da Ressurreição, com variações e progressão sutis, culminando na
proclamação de Jesus como ‘meu Senhor e meu Deus’ de Tomé e na subseqüente promessa
de bem-aventurança aos que crêem sem ver tangivelmente o Jesus ressuscitado.
1
BLASS, F, DEBRUNNER, A e FUNK RW. A Greek Grammar of The New Testament and Other Early Christian
Literature. Chicago: The University of Chicago Press, 1961. “βλέπω,” §1504 (1).
2
Isto não exclui o fato de βλέπω ser usado também em outros sentidos. Vide FRIBERG, T. e FRIBERG, B (ed.).
Analytical Lexicon of the Greek New Testament. 1ª ed., Grand Rapids (MI): Baker Books, 2000. “βλέπω,” p. 92
(“βλέπω fut. βλέψω; 1aor. ἔβλεψα; ver, olhar para; (1) no sentido de percepção sensorial ver (Mt. 7:3); (2), ao
contrário de estar cego ser capaz de ver (Lc 7:21); figurativamente, no sentido de percepção espiritual ver,
entender, estar ciente de (Jo 9:39; Ro 11:8); (3) no sentido de observação atenta olhar, considerar (Mt 5:28; Jo
13:22); (4) no sentido de funções mentais; (a) no sentido de dirigir a atenção notar, observar, considerar (1Cor
Dessa forma, aquele que viu pode se lembrar do que foi visto, mas isso dispensaria qualquer
processamento interno da informação. Maria Madalena e o Discípulo Amado perceberam
externamente o sepulcro vazio. “Então, chega também Simão Pedro, que o seguia, e entrou no
sepulcro; vê os panos de linho por terra …” (Jo 20:6). No texto grego, ocorre uma mudança
do verbo. João usa o verbo θεωρέω (theoreo) aqui. A mudança do verbo indica uma
mudança na intensidade do ‘ver’. θεωρέω (theoreo) significa “observar algo contínua e
atentamente, muitas vezes com a implicação de que o objeto da observação é algo
incomum”3 Dessa forma, a visão de Pedro do sepulcro vazio é mais intensa e clara. Também
há a indicação de que o que ele viu dentro do sepulcro é incomum! Depois que Pedro entrou,
“entrou também o outro Discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro; e viu e creu” (Jo 20:8).
Ocorre, novamente, uma mudança no verbo em grego. O autor usa, agora, o verbo ὁράω
(horao), que também indica o ato de ver em geral, mas de maneira transcendente. 4 Ao
contrário de βλέπω (blepo) nos exemplos anteriores, ὁράω (horao) indica, aqui, um
processamento mental interno, relacionado com o que foi percebido pelo sentido. Portanto,
esse ‘ver’ leva à crença na Ressurreição.5 Dessa forma, a unidade textual em questão faz uma
revelação progressiva, usando diferentes conotações do ato de ver.6
4. ESTRUTURA DO TEXTO
O texto pode ser estruturado na linha de sua revelação progressiva, desta forma:
1. Maria Madalena vê o sepulcro aberto e chama Pedro e João (20:1-3).
2. O Discípulo Amado vê o sepulcro vazio com os panos de linho, mas não entra (20:4-
5).
3. Pedro entra no sepulcro e o vê detalhadamente (20:6-7).
4. O Discípulo Amado entra no sepulcro vazio, vê e crê (20:8-9).
5. Os Discípulos retornam (20:10).7
1:26); (b) no sentido de receber uma advertência, tomar cuidado, ficar atento (Mc 13:9); (c) no sentido de
perceber mentalmente descobrir, encontrar, tomar conhecimento (Ro 7:23)”). (Tradução do verbete pelo autor)
3
Louw, JP e Nida, EA (ed.). Greek-English Lexicon of the New Testament: Based on Semantic Domains.
Massachusetts: Hendrickson. 2019. §24.14. (Tradução do verbete pelo autor).
4
BAUER, W. A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature. Chicago:
University of Chicago Press; 3ª ed. § 5358.
5
A passagem seguinte sobre a aparição de Jesus para Maria Madalena também usa dois verbos para o ato de ver,
‘θεωρέω’ e ‘ὁράω.’ Preferiu-se o verbo ὁράω para a proclamação de Maria aos Discípulos sobre sua
experiência (cf. Jo 20:18). O mesmo acontece em relação à visão do Senhor pelos Discípulos em 20:20, o relato
deles a Tomé em 20:25 e à promessa de bem-aventurança de Jesus àqueles que crêem sem ver, em 20:29. Isso
reforça o argumento de que o verbo ὁράω refere-se a um ver sobrenatural nas narrativas de João sobre a
Ressurreição.
6
A ‘visão’ ou o ‘ver’ é um tema importante no Evangelho de João. As narrativas desse Evangelho (4:1-42; 5:1-
15; 9:35-38; e 20:1-10, 11-18) são marcadas pelo tema do “procurar/encontrar” e da transição do “não ver/não
saber” para “ver/saber/crer”. O conceito joanino de ‘ver’ começa em 1:14. As primeiras palavras de Jesus no
Evangelho de João são um convite a ‘vir e ver’ (cf. 1:38-39). Esse conceito de ‘ver’ é exemplificado na parábola
do cego no capítulo 9, em que o cego faz uma progressão de “ver em geral” (βλέπω, em 9:7, 15, 19, 21, 25) para
“ver e crer em Jesus” (ὁράω, em 9:37).
7
Também é possível estruturar a passagem de maneira quiástica (disposição cruzada, em referência à letra grega
“qui” (Χ)). Essa estruturação faz com que o exame detalhado do sepulcro vazio por Pedro seja o ato central. Isso
enfatizaria mais a disposição incomum do sepulcro, criando um testemunho físico da Ressurreição. A estrutura
5. ANÁLISE EXEGÉTICA DO TEXTO
A frase Τῇ δὲ μιᾷ τῶ ν σαββά των… πρωῒ σκοτίας ἔτι οὔ σης (No primeiro dia da
semana, quando ainda estava escuro) denota o tempo. A frase Τῇ δὲ μιᾷ τῶ ν
σαββά των (te de mia ton sabbaton), que significa literalmente “o primeiro dia dos
Sabbaths”, refere-se ao primeiro dia da semana ou ao primeiro dia após o
Sabbath.8 Portanto, o incidente mencionado nesta passagem ocorre no início da manhã
de domingo após o Sabbath, e ainda estava escuro. A passagem anterior (Jo 19:38-42),
narra o sepultamento de Jesus. José de Arimatéia obteve de Pilatos a permissão para
sepultar Jesus num sepulcro próximo. “Ali, então, por causa da Preparação dos judeus e
porque o sepulcro estava perto, eles depositaram Jesus” (Jo 19:42). Jesus foi sepultado
no dia da Preparação, o dia anterior ao Sabbath (cf. Jo 19:31) e Seu sepulcro foi
encontrado vazio no primeiro dia após o Sabbath. Aqui, os Evangelhos 9 não empregam
a expressão querigmática “no terceiro dia” ou “após três dias”, talvez porque a
indicação básica do encontro do sepulcro tenha sido fixada na memória cristã antes que
o possível simbolismo do cálculo por três dias tivesse sequer sido percebido.
João refere-se ao tempo como πρωϊ σκοτίας ἑτι οὑ σης (proi skotias heti ouses), “de
madrugada, quando ainda estava escuro”. Isso aparentemente contradiz a afirmação de
Marcos sobre a visita das mulheres ao sepulcro. Mc 16:2 afirma que as mulheres foram
ao sepulcro muito cedo… ao nascer do sol (cf. Mt. 28:1: “ao raiar do... dia”; Lc 24:1:
“muito cedo ainda”). Talvez maria tivesse sido a primeira, entre um grupo de mulheres,
a chegar ao sepulcro, ou João refere-se à saída de Maria de sua casa, ao passo que
Marcos fala de sua chegada ao sepulcro. Porém, essa conclusão é mera suposição, mas a
ênfase de João à chegada dela ao sepulcro quando ainda estava escuro pode ser
associada à teologia joanina da luz e da escuridão. Para John, a escuridão está
quiástica é a seguinte.
A. Maria Madalena vê o sepulcro aberto e chama Pedro e João (20:1-3).
B. O Discípulo Amado vê o sepulcro vazio com os panos de linho, mas não entra (20:4-5).
C. Pedro entra no sepulcro e o vê detalhadamente (20:6-7).
B’. O Discípulo Amado entra no sepulcro vazio, vê e crê (20:8-9).
A’. Os Discípulos retornam (20:10).
8
O uso dos números cardinais para referir-se aos dias do mês é, talvez, um hebraísmo de João.
9
Os quatro Evangelhos seguem o mesmo padrão aqui.
relacionada à descrença, e Maria – ao menos nesta passagem – não abandona sua
descrença da possibilidade da Ressurreição de Jesus.
João não especifica o motivo de Maria Madalena ter ido ao sepulcro. Marcos e Lucas
mencionam que as mulheres foram para ungir o corpo de Jesus. No entanto, Mateus diz
que elas foram para ver o sepulcro porque não sabiam ao certo se conseguiriam entrar
no sepulcro vigiado. Para João, o corpo de J
Jesus fora ungido no momento do sepultamento por José de Arimatéia e Nicodemo (cf.
19:38–42). Portanto, Maria (e, provavelmente, outras mulheres que a acompanhavam)
teriam chegado ao sepulcro para a habitual lamentação. O costume de prantear ao
sepulcro já havia sido mencionado em Jo 11:31. O Evangelho Apócrifo de Pedro
também corrobora essa visão:
50
Ορθρου δε της κυριακης Μαριαμ η Μαγδαληνη, μαθήτρια του κυρίου,
φοβούμενη δια τους Ιουδαίους, επειδή εφλεγοντο υπο της οργής, ουκ εποιησεν
επι τω μνηματι του κυρίου α ειωθεσαν ποιειν αι γυναίκες επι τοις
αποθνησκουσι και τοις αγαπωμενοις αυταις. 51λαβουσα μεθ εαυτης τας φιλάς
ήλθε επι το μνημειον οπού ην τεθείς. 52και εφοβουντο μη ιδωσιν αυτας οι
Ιουδαίοι και ελεγον, Ει και μη εν εκείνη τη ήμερα η εσταυρωθη εδυνηθημεν
κλαυσαι και κοψασθαι, και νυν επι του μνήματος αυτου ποιησωμεν ταυτα.
50
Ao alvorecer do Dia do Senhor, Maria Madalena, discípula do Senhor, temendo
os judeus, pois estavam inflamados de raiva, não fez no sepulcro [monumento] do
Senhor, o que costumam fazer as mulheres por aqueles que morreram e por
aqueles a quem elas amam. 51Levou com ela [as] amigas ao sepulcro onde Ele
jazia, 52temendo que os judeus as vissem, e diziam: embora no dia em que Ele foi
10
O uso da primeira pessoa do plural para indicar a primeira pessoa do singular era comum no aramaico
galileu. Assim sendo, por que o autor não usaria a mesma forma no v.13?
crucificado não tenhamos conseguido chorar e lamentar, agora, no Seu sepulcro,
podemos fazê-lo.11
Quando Maria Madalena chegou ao sepulcro, ela viu a pedra afastada, καὶ βλέπει τὸ n
λίθον ἠρμένον ἐκ τοῦ μνημείου (kai blepei ton lithon ermenon ek tou mnemeiou). Para
sair do sepulcro, não foi necessário que o Jesus Ressuscitado retirasse a pedra que havia
sido colocada na entrada. É evidente que Ele foi capaz de passar pela pedra que fechava
o sepulcro (cf. Jo 20:19, 26). Não obstante, a pedra precisou ser retirada. Isso foi
necessário por dois motivos: 1. Para indicar que o sepulcro havia sido vencido, que a
vitória havia sido alcançada. 2. Para que Pedro e João pudessem entrar (cf. 20:6, 8), e
que todos pudessem ver que o sepulcro estava vazio!”
Ao contrário do paralelo lucano (cf. Lc 24:12, 24), não se menciona se Pedro e o outro
Discípulo acreditaram no que Maria disse. Pedro e o Discípulo Amado saíram e foram
ao sepulcro. Vale observar que Lc 24:12 menciona apenas que Pedro correu para o
sepulcro, ao passo que Lc 24:24 menciona τινες τῶ ν σὺ ν ἡμῖν (tines ton sun hemin),
que pode ser traduzido como “alguns dos que estavam conosco”. Portanto, a
possibilidade de alguém ter corrido junto com Pedro não pode ser absolutamente
descartada. Porém, não há nenhuma menção de que Maria os acompanhou de volta ao
sepulcro, embora ela tenha voltado a ele no versículo 11. O paralelo lucano também não
menciona, nenhum acompanhamento. Isso fortalece o argumento de que os vv. 2-10
foram uma interpolação.
Pedro e o Discípulo Amado estavam correndo juntos (ὁμοῦ ), mas este correu mais
rápido do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. Muitos intérpretes da Bíblia já
tentaram argumentar que o Discípulo Amado era mais jovem do que Pedro porque
corria mais rápido.12 Porém, esse argumento é deficiente, pois o versículo não diz nada
sobre a idade do Discípulo, além de a idade nem sempre ter relação com a velocidade ao
correr. O autor pode apenas ter tido a intenção de demonstrar a intensidade do amor do
Discípulo Amado e sua passagem à crença na possibilidade da Ressurreição (cf. 20:8).
12
As tradições que determinam o Apóstolo João como o Discípulo Amado que compôs o Evangelho
reputam ser este um excelente argumento de apoio. Acredita-se que João fosse mais jovem, vivendo até a
última década do século I.
5.3. PEDRO ENTRA NO SEPULCRO E O VÊ DETALHADAMENTE (20:6-7).
ἔρχεται οὖν καὶ Σίμων Πέτρος ἀκολουθῶν αὐτῷ καὶ εἰσῆλθεν εἰς τὸ μνημεῖον, καὶ
6
θεωρεῖ τὰ ὀθόνια κείμενα, 7 καὶ τὸ σουδάριον, ὃ ἦν ἐπὶ τῆς κεφαλῆς αὐτοῦ, οὐ μετὰ τῶν
ὀθονίων κείμενον ἀλλὰ χωρὶς ἐντετυλιγμένον εἰς ἕνα τόπον (Jo 20:6-7).
Ao contrário do Discípulo Amado, Pedro não parou na entrada do sepulcro, mas entrou.
Como já vimos, aqui pode-se perceber uma narração progressiva do sepulcro vazio.
Maria Madalena viu o sepulcro aberto, mas não se preocupou em olhar nem entrar. O
Discípulo Amado olhou para dentro e viu os panos de linho, mas não se preocupou em
entrar até que Pedro entrou e viu os panos de linho. Ele também viu o σουδά ριον
(soudarion), o lenço que havia estado na cabeça de Jesus.13
Os panos de linho (τὰ ὀθόνια /ta othonia) eram prova suficiente de que o corpo não fora
simplesmente retirado. Ladrões de túmulos ou as autoridades/o jardineiro não teriam se
dado ao trabalho de retirar os panos de linho. O argumento do roubo ou da remoção
também não se sustenta, pois o pano que estava na cabeça de Jesus foi “enrolado”
(ἐντυλίσσω /entulisso) num lugar, à parte. O σουδά ριον (soudarion) era uma espécie
de lenço para enxugar o suor do rosto. Ele também foi mencionado em relação à
ressuscitação de Lázaro (Jo 11:44). Porém, alguém precisou retirar os panos e o lenço
do Seu rosto após Sua saída do sepulcro. Se o lenço estava tão atado a um corpo morto,
quem fosse retirar esse corpo apressadamente não se preocuparia em deixar os panos
para trás e tão bem arrumados, “enrolados em um lugar, à parte”.
13
Observe, também, que foi o Discípulo Amado que reconheceu Jesus na margem, mas foi Pedro que
pulou na água para chegar primeiro a Jesus (Jo 21:7).
‘ver’ do Discípulo Amado. εἶδεν (eiden) é a 3ª pessoa do singular do aoristo 14 ativo do
indicativo do verbo ὁράω (horao). Como já vimos, ὁράω (horao) significa ‘ver com
percepção’, mas com ênfase em ver de maneira transcendente. ὁράω (horao) é um
termo amplamente usado no Evangelho de João. João Batista convidou seus ouvintes a
ver o ‘Cordeiro de Deus’ (Jo 1:29, 36). Ele também diz, ao testemunhar, “E eu vi e dou
testemunho de que ele é o Eleito de Deus” (Jo 1:34). Jesus, então, convida seus futuros
seguidores a ‘vir e ver’ (cf. Jo 1:39, 46). Também há muitos outros exemplos em que
João usa o verbo ὁράω no sentido de percepção além do sentido normal da visão (cf. Jo
1:47-51; 3:3 11, 32, 36, etc.). Também é importante salientar que ὁράω (horao) é usado
junto com πιστεύ ω (pisteuo), que significa crer/ter fé. A frase ‘ele viu e creu’ antecipa
o encontro de Jesus com Tomé, quando Jesus pronuncia, “felizes os que não viram e
creram!” (Jo 20:29). Para João, esse tipo de fé fundamentada num testemunho confiável
é superior à fé fundamentada num testemunho ocular.
É verdade que o Evangelista não especifica em que o ‘outro Discípulo’ acreditou. Ele
acreditou no relato de Maria Madalena? Porém, tal argumento seria anticlimático para
toda a cena. Dada a maneira progressiva da revelação no ‘ver’, seria seguro dizer que o
Discípulo Amado acreditou na Ressurreição. No entanto, o uso da terceira pessoa do
plural ᾔδεισαν (edeisan) no v. 9 dificulta a aceitação de que o Discípulo Amado creu na
Ressureição, uma vez que ᾔδεισαν (edeisan) se aplica a Pedro e ao Discípulo Amado.
Porém, a resposta de Pedro àquilo em que acreditou o Discípulo Amado não foi
registrada por João. Teria surgido aí um conflito entre as crenças de Pedro e do
Discípulo Amado? Se assim foi, poderia ser porque eles, até então, não haviam
compreendido a Escritura? Mas esse argumento seria completamente especulativo.
Também pode-se argumentar que a compreensão da Escritura a respeito da Ressurreição
não tenha nada a ver com a crença na Ressurreição. Seria difícil para alguém que tivesse
visto a ressuscitação de Lázaro crer na Ressurreição de Jesus? Além disso, o leitor
certamente é lembrado, aqui, da ressuscitação de Lázaro pela descrição dos panos ali
colocados. Os panos de linho (τὰ ὀθόνια / ta othonia) que envolveram o corpo de Jesus
seriam um paralelo com as bandagens (ἡ κειρία /he keiria) com que as mãos e os pés de
Lázaro estavam envolvidos, e tanto Jesus como Lázaro tinham o lenço de rosto
(σουδά ριον /soudarion). Assim, parece que o Discípulo Amado entrou no sepulcro
depois de Pedro e, vendo o estado dos panos mortuários, creu na Ressurreição, embora
não tivesse compreendido a Escritura que falava da Ressurreição.
Assim, presume-se que o Discípulo Amado acreditou com base na visão do sepulcro
vazio bem arrumado, e não com base na Escritura. Alguns exegetas argumentariam que
o Discípulo Amado acreditou com base no sepulcro vazio e sem ver por si mesmo a
Ressurreição. Portanto, ao contrário de Tomé, que exige ver o Jesus ressurgido, eles
14
Aoristo é um tempo verbal existente nas línguas indo-européias, como o grego e o sânscrito. Em grego,
ἀό ριστος (aó ristos) significa ‘sem limite’. Numa tradução mais livre, significa ‘indefinido’ ou
‘indeterminado’. O aoristo indica uma ação verbal ou um acontecimento, sem definir de maneira absoluta
o seu tempo de duração, ou sem definir com precisão o tempo em que a ação ocorreu. É uma espécie de
tempo passado indefinido, indeterminado. Nas línguas modernas, este tempo verbal não existe.
põem em pé de igualdade a fé do Discípulo Amado e a fé dos crentes posteriores, que
acreditaram sem ver Jesus. Porém, esse argumento é deficiente, pois está escrito ‘ele viu
e creu’. Ele tinha provas tangíveis e incontestáveis para crer na Ressurreição, e não
apenas um testemunho confiável. Segundo o Evangelho de João, a fé separada do ver é
superior (Jo 20:29).
Além disso, indica-se o fato de que os Discípulos não prepararam uma história que se
adequasse à sua compreensão da Escritura. Lucas (24:25-27) declara que os Discípulos
passaram a entender o pleno significado da Escritura no que diz respeito à Ressurreição
apenas mediante as aparições de Jesus Ressuscitado. Contudo, não fica clara a Escritura
que o Evangelista tem em mente. O singular γραφή (grafe) pode indicar que ele
pensava num texto específico do Antigo Testamento – entre as possibilidades estão Sl
16:10; Is 53:10-12; e Os 6:2 – embora não se possa descartar que ele se refere à
Escritura em sua integralidade. O verbo δεῖ (dei, “é necessário”), no v. 9 sugere que o
ressurgimento de Jesus era uma necessidade divina.
Ao contrário de Lc 24:12, em que Pedro ficou ‘muito surpreso com o que acontecera’,
João não menciona o que os Discípulos pensaram ou fizeram em seu retorno. Os
Discípulos simplesmente voltaram para suas casas. Porém, a versão grega não usa a
palavra ‘casa’. Ela simplesmente diz que voltaram “para os seus”. Essa volta refere-se,
provavelmente, ao fato de essa fé na Ressurreição não ter causado nenhuma mudança
significativa em suas vidas. Isso também fica claro pelo fato de eles terem fechado as
portas até a noite, por medo dos judeus (Jo 20:19).
6. CONCLUSÃO
A visita das mulheres ao sepulcro vazio é uma conhecida tradição entre os primeiros
cristãos. Mas a visita de dois homens que confirmam a existência do sepulcro vazio é
mais joanina, embora a visita de Pedro (ou de mais Discípulos, como vimos antes) com
base nas palavras das mulheres seja relatada em Lc 24:12, 24. Lucas também não
menciona que Pedro acreditou, pois Pedro foi embora ‘muito surpreso com o que
acontecera’. Agora, o relato joanino de dois homens torna a prova admissível pelo
ordenamento jurídico judaico (cf. Dt 17:6; 19:15). Além disso, se considerarmos o
Discípulo Amado como o autor do Evangelho, seu testemunho da Ressurreição tem
mais peso.
O sepulcro vazio foi, sem dúvida, uma indicação da Ressurreição, mas o fato de o
sepulcro estar meramente vazio teria suscitado muitas dúvidas quanto à sua
autenticidade. É por isso, provavelmente, que o Evangelista não estava meramente
apresentando um sepulcro vazio, mas um sepulcro bem arrumado sem o corpo de Jesus.
Os panos mortuários não estavam espalhados pelo sepulcro, e sim dispostos de maneira
organizada. Foi isso que levou o Discípulo Amado a crer. Em resumo, por meio de uma
narração progressiva bem organizada, João dá autenticidade ao sepulcro aberto e
organizado sem o corpo de Jesus, constituindo uma sólida evidência da Ressurreição de
Jesus.