Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Paralisia cerebral
Cerebral palsy
Palavras-chave: Resumo
Paralisia Cerebral, Paralisia cerebral é uma lesão permanente e não progressiva do sistema nervoso em desenvolvimento que afeta
Diagnóstico Clínico, o tônus, os reflexos e as posturas, comprometendo o desenvolvimento motor do indivíduo. É um diagnóstico que
Hipóxia Encefálica, abrange síndromes clínicas muito diversas em tipo, gravidade de comprometimento funcional, além de uma variedade
Continuidade da de comorbidades clínicas e neurológicas. Neste artigo de revisão são relacionadas as principais etiologias, descritas as
Assistência ao Paciente. características do diagnóstico topográfico e funcional, discutida a importância do diagnóstico precoce e do tratamento,
tais como a necessidade de utilizar métodos baseados em evidências, a observância da saúde global e a sistemática
preventiva para a luxação de quadril.
Keywords: Abstract
Cerebral Palsy, Cerebral palsy is a permanent and nonprogressive lesion of the developing nervous system. It affects tonus, reflexes
Clinical Diagnosis, and posture and impairs the child’s motor development. It is the main cause of deficiency in childhood and has a
Hypoxia-Ischemia Brain, variable presentation and many clinical and neurological comorbidities. In this review, it is related the main causes, it
Follow-Up Studies. is described the topographic and functional diagnosis, highlighted the importance of the early diagnosis and evidence
based treatment, including the need for hip supervision.
1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Pediatria - Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
49
A paralisia cerebral, também chamada encefalopatia promove isquemia, consequente morte celular e paralisia
crônica não progressiva, é a causa mais frequente de deficiên- cerebral como desfecho. Por definição, AVCs considerados
cia motora na infância e refere-se a um grupo heterogêneo de perinatais devem ter tempo de ocorrência entre 20 semanas
condições que cursa com disfunção motora central, afetando de vida fetal e 28 dias pós-parto e ser confirmados por neu-
o tônus, a postura e os movimentos. Decorre de lesão per- roimagem ou neuropatologia. São a causa mais comum de
manente ao cérebro em desenvolvimento e apresenta-se de paralisia cerebral hemiplégica e neonatos com encefalopatia
forma variável em termos de distribuição anatômica da lesão, ou convulsões de origem indeterminada necessitam exame
gravidade de acometimento motor e sintomas clínicos associa- de ressonância magnética (RM) de crânio com difusão e an-
dos. A grande variabilidade requer que estes pacientes e suas giografia por RM para descartar um acidente vascular agudo5.
famílias sejam abordados de maneira sistematizada levando Os AVCs perinatais dividem-se nos subtipos de isquemia
em conta dimensões amplas de atenção à saúde. neonatal arterial (neonatal arterial isquemic stroke-NAIS);
A prevalência estimada de pessoas com paralisia ce- trombose neonatal de seios venosos (NCSVT- Neonatal cere-
rebral é em torno de 2,1 casos para 1000 nascidos vivos e bral sinovenous thrombosis); acidente vascular hemorrágico
mantém-se constante ao longo de décadas em diversos estu- neonatal (NHS-neonatal hemorragic stroke); acidente vascular
dos1,2. Em países como o Brasil, com grande heterogeneidade isquêmico arterial presumidamente perinatal (APPIS- arterial
regional e desigualdade de cuidados, é possível que tenhamos presumed isquemic stroke) e infarto venoso periventricular
a convivência de cenários muito distintos, com prevalências (PVI-periventricular venous infartation) no bebê a termo.
médias em grupos populacionais e regiões que sejam maiores, Apesar de muitas vezes o fator causal dos AVCs não ser
se adequadamente avaliadas. identificado, é importante que se realize a investigação de cau-
Importante sinalizar, também, que as condições de saú- sas potencialmente recorrentes. Destas, as principais a serem
de são grandemente influenciadas pela pobreza e que 80% das investigadas incluem a pesquisa de anticorpos antifosfolipídios,
pessoas com deficiência no planeta encontram-se em países e fator V de Leiden, protrombinogênio, deficiência de proteína
baixa e média renda3. Podemos supor, portanto, que as cifras S ou proteína C, lipoproteína, antitrombina III, fator VIIIc, e
europeias e norte-americanas de prevalência subestimam homocisteína. Crianças com desenvolvimento de dominância
os números brasileiros para deficiência e paralisia cerebral. manual antes dos 12 meses devem ser investigadas para a
Desde a atenção pré e perinatal e os cuidados avançados ao possibilidade de um acidente vascular neonatal ter ocorrido,
recém-nato de risco até a supervisão do desenvolvimento, acelerando a escolha do dimidio dominante6.
todos implicam impacto na prevalência final do diagnóstico A encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI) se refere a
e em sua gravidade. sintomas cerebrais após a redução de oxigênio no sangue e
nos tecidos decorrente de interrupção no seu suprimento.
FATORES DE RISCO E ETIOLOGIA Alterações da consciência, tônus, reflexos e a ocorrência de
convulsões compõem os sintomas clínicos do quadro agudo. A
São fatores para risco aumentado de paralisia cerebral vulnerabilidade das estruturas de gânglios da base ao insulto
todos os que influenciam negativamente a saúde da mãe, a hipóxico isquêmico faz com que seja a principal etiologia das
exposição a agentes tóxicos e infecciosos, as condições de formas discinéticas de paralisia cerebral e aproximadamente
viabilidade e nutrição do bebê, as condições de parto e a 30% do total de casos7.
ocorrência de eventos hipóxicos ou traumáticos no período Situações que sensibilizam o feto aos efeitos da hipóxia
perinatal. As condições de maior risco para o desfecho de pa- são a presença de febre ou infecção materno-fetal, cuja libera-
ralisia cerebral são a prematuridade abaixo de 28 semanas, o ção de citocinas pró-inflamatórias confere efeito sinérgico ao
peso do nascimento abaixo de 1500g e o índice de vitalidade da hipóxia para o desfecho de lesão celular. Fatores genéticos
do recém-nascido aferido pelo índice de Apgar menor que 7 conferem diferenças no padrão de respostas inflamatórias ou
no quinto minuto4. Ademais, entende-se que múltiplos fatores de ativação de vias pró-trombóticas e o gênero do concepto
potencializam o dano cerebral. determina sensibilidades distintas aos fatores agressores em
As malformações estruturais regionais com déficit função de vias diferentes de ativação de apoptose nos con-
motor tais como as agenesias e as esquizencefalias, hemimega- ceptos de gêneros distintos8.
lencefalias, paquigirias, poligimicrogirias, lisencefalias e outros A presença de crescimento intrauterino retardado
defeitos de migração e embriogênese são etiologias comuns (CIUR) e hipóxia intrauterina crônica predispõem a níveis mais
para a paralisia cerebral e podem ocorrer em crianças que não altos de acidose em presença do mesmo grau de hipóxia se
apresentem história de risco gestacional ou perinatal. Estas comparados a eventos sem estas condições. Clinicamente, a
condições não são evidentes e apenas serão diagnosticadas EHI é classificada em leve, moderada e grave tendo, esta últi-
por exames de imagem adequados, geralmente a ressonância ma, alterações de consciência com estupor e coma capacidade
magnética. de sucção e reflexos primitivos débeis, além de convulsões
A ocorrência de acidentes vasculares (AVCs) perinatais que podem ser refratárias aos medicamentos. Bradicardia,
por doença cerebrovascular focal da rede arterial ou venosa hipotensão e apneia são comuns nos casos graves e morta-
Tabela 2. Sistemas de Classificação de funcionalidade Motora Grosseira (GMFCS- Gross Motor Function Classification Scale); Manual (MACS Manual Assessment
Classification Scale); Comunicação (CFCS-Communication Function Classification System) e de Alimentação (EDACS- Eating and Drinking Classification Scale)22-25,30.
Nível Funcional GMFCS Motor Grosseiro MACS Manual CFCS Comunicação EDACS Alimentação
I Anda sem limitação Segura objetos facilmente Envia e recebe mensagens Come e bebe eficientemente
eficientemente e de maneira segura
II Anda com limitação mas Segura objetos com veloci- Eficiente, mas lento Efetivo com alguma perda
sem auxílio dade/ aptidão reduzida de qualidade
III Equipamento de apoio Segura objetos com dificul- Eficiente com pessoas co- Limitações de segurança e
bengala/andador dade, necessita de ajuda nhecidas eficiência
IV Limitações de mobilidade. Segura alguns poucos obje- Inconsistente com familiares Limitações significativas de
Cadeira motorizada tos de maneira adaptada segurança
V Transportado em cadeira Não segura objetos Raramente efetivo Incapaz de alimentação
manual segura
de acordo com seus desfechos e foram classificados como ossos. Ainda, recomenda-se o uso de calhas ortopédicas e a
eficazes 16% (sinalizados como luz verde, faça) provavelmente supervisão sistemática para a prevenção de luxação de quadril,
eficazes 58%, provavelmente ineficazes 20% e ineficazes 6% o controle de úlceras de pressão e o treinamento aeróbico para
(luz vermelha, não faça). a manutenção da funcionalidade26.
Supreendentemente, diversas técnicas amplamente Em relação a treinamentos de reabilitação, são indi-
empregadas na reabilitação de crianças com paralisia cere- cados treinamentos de função bimanual e outros dirigidos
bral mostraram evidências científicas fracas. De modo geral, a atividades funcionais. Foge ao objetivo deste texto o de-
entende-se que é necessária a elaboração de protocolos de talhamento das recomendações terapêuticas específicas, no
investigação que esclareçam acerca dos métodos de eficácia entanto, a busca por evidências de eficácia deve ser sempre
incerta e que tempo e recursos sejam empregados em oferecer estabelecida nas recomendações terapêuticas. Estas devem
métodos comprovadamente eficientes. ser dirigidas não a uma promessa de cura, mas ao objetivo
As intervenções comprovadamente eficazes dis- de tornar o indivíduo funcional dentro de suas possibilidades.
tribuem-se por áreas de funcionalidade de acordo com a
Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) e são um SAÚDE GLOBAL E QUESTÕES CLÍNICAS
conjunto de técnicas incluindo medicamentos e procedi- COMPLEXAS
mentos cirúrgicos ou não, além de atividades de intervenção
terapêutica. Certamente eficazes são medicamentos como Os pacientes com paralisia cerebral apresentam maior
anticonvulsivantes para o tratamento de convulsões, toxina risco de comorbidades clínicas e aqueles que são classificados
botulínica, benzodiazepínicos e rizotomia dorsal para o tra- com maior comprometimento funcional, GMFCS IV e V, são
tamento de espasticidade e bifosfonatos para a saúde dos especialmente propensos a complicações graves que levam à