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RESUMO CRÍTICO
Pettit inovou apresentando uma terceira visão. Defende que o principal garante da
liberdade não é a não interferência de outros sobre a nossa pessoa, mas sim a não
arbitrariedade no poder que interfere sobre nós. Daí o termo republicano na sua
essência- condições como uma constituição democrática, separação de poderes e a
fiscalização do poder político é que garantem as condições para que as pessoas sejam
independentes da interferência arbitrária. A legitimidade do poder baseia-se não só no
consentimento, mas na regulação e fiscalização do poder.
1
Corpus Iuris Civilis Romanii
2
Locke 1988: II.24, p.285
democrática e não arbitrária, “no taxation without representation”. Com o crescimento
do utilitarismo esta visão desmoroneceu, até ser reavivada por Pettit no fim do séc. XX.
Discute o paradoxo que relaciona leis coercivas, como as prisionais, com a liberdade.
Um preso pode ser livre? Na conceção negativa um preso não é livre pois há
interferências na sua capacidade de ação. Os mesmos teóricos acusam Pettit de criar
uma conceção de liberdade paradoxal e moralizada, onde as restrições impostas em
nome do bem comum não contam como instâncias de interferência. Se assim fosse esta
teoria aproximar-se-ia mais de uma conceção positiva. Skinner, que inicialmente fez
mesmas críticas. corrige-se, compreendendo a explicação de Pettit “we remain free-men
if our liberties can be constrained only with our consent”3. Os cidadãos presos, embora
privados de liberdades civis, continuam livres, se a criação dessa lei coerciva foi
elaborada de forma não arbitrária. Há a distinção entre desfrutar de liberdades
específicas e sermos homens livres. Assim “neither a tax levy, nor even a term of
imprisionment, need take away someone’s freedom”4, resolvendo-se o dilema sem criar
uma visão moralística.
E um escravo cujo senhor não interfere em nada na sua vida, será livre? Skinner
responde negativamente com 2 argumentos. (1) Quando estamos sujeitos ao poder
arbitrário de outrem, mesmo que esse não interfira, deixamos de poder agir de acordo
com a nossa vontade. As nossas ações deixam de ter um caráter próprio pois agimos
apenas dentro de limites implicitamente impostos e tacitamente aceites pelo senhor, que
podem alargar ou diminuir a qualquer momento. Ser livre é poder agir de acordo com a
nossa vontade em qualquer assunto e momento e, permanecer sob o domínio de alguém,
mesmo sem interferência, torna essa autodeterminação impossível. “It is the mere
potentia of the ruler”5 que impede o pleno escopo de ação.
(2) Analisa também a experiência psicológica de sofrer poder arbitrário. Já não se trata
de reduções de liberdade devido à coação de um senhor, mas devido à consciência deste
poder, aquilo que Pettit refere como “self-censorship”. Os romanos focaram-se nesta
3
Skinner, 2008, p.88
4
Pettit, 1997, p.56 n.3
5
Skinner, 2008, p.90
componente, demonstrando ser expetável que aqueles que vivem em servidão se
comportem como servos, “You will now be inclined to shape and adapt your behavior
in just such a way as to try to minimize the risk that your master will intervene in your
life in a detrimental way.”6. John Milton também o desenvolve, onde a censura é feita
pela própria pessoa de forma a agradar o senhor ou a diminuir algum risco, limitando a
livre escolha e impedindo a franqueza e honestidade. O argumento é ainda desenvolvido
por autores romanos (Sallust) e ingleses (Trenchard e Gordon’s) no patamar da cidade.
Sob o domínio de um governo arbitrário o comércio, a indústria e as artes tendem a
decair, uma vez que os cidadãos não estão seguros de que os proveitos dessas atividades
retornem a si. O incentivo a produzir riqueza diminui uma vez que se pode pensar que,
quanto mais riqueza se gera, maior a atenção do governador e maior a probabilidade da
sua interferência. Como o povo não está em controlo, nem da situação e nem de quem
governará a seguir, há um desincentivo no investimento à economia e cultura.
(2) Defendem ainda que a perda de liberdade dos escravos depende inteiramente da
probabilidade de que os senhores exerçam os seus poderes, “to the degree to which the
dominating do not interfere, to that degree the freedom of the dominated is
unimpaired”8. Se o senhor for amável e não houver probabilidade de impor a sua
6
Ib. p.90
7
Ib. p.95
8
Ib. p.96
vontade, os dominados apenas vêm a sua liberdade restringida de forma diminuta. Já os
republicanos afirmam que, se for totalmente impossível que este senhor exerça a sua
vontade, então a liberdade dos dominados não é meramente reduzida, é plena, pois eles
estão livres do domínio arbitrário. Mas se restar a probabilidade de interferência, a
liberdade dos dominados não é apenas reduzida, é nula, perpetuando a distinção das
visões.
Outro contra-argumento (3) prende-se com a razão pela qual o comportamento dos
escravos mantêm-se na servitude mesmo que os dominadores não interfiram. Para
Krammer e Carter certas hipóteses de conduta foram eliminadas devido ao medo de
retaliação. Mas, para Skinner, este medo funda-se na incerteza das consequências do seu
comportamento. O escravo que é audaz não sabe se será recompensado ou castigado.
Neste sentido, “no conjoined options have definetly been rendered impossible of
performance”9, pois tanto pode acontecer de o senhor apreciar a audácia ou não. Se o
comportamento servil se baseia em primeiro lugar na incerteza das consequências e não
na impossibilidade de uma ação, então a visão de Krammer e Carter redunda numa
liberdade plena dos escravos, enquanto na visão republicana continuam
inquestionavelmente não livres.
Creio que a liberdade republicana vai ao fundo da questão, “the capacity to engage in
acts of arbitrary interference depends upon the prior posession of arbitrary power” 10, E
acaba por ser mais completa: por não entender a liberdade como não interferência
consegue suportar caraterísticas da conceção positiva, escapando ao extremismo
libertário, como suporta a proteção de direitos individuais, reivindicados na conceção
negativa, através da legitimidade do poder estatal.
9
Ib. p.99
10
Ib. p.84
Não obstante, desvalorizo o afunilamento presente no artigo. Entre situações
hipotéticas, improváveis ou fatores simultâneos, deixamos de focar naquilo que
realmente interessa- perceber substancialmente que tipo de condutas podem ser
restringidas sem que isso nos torne menos livres. Há uma defesa de pressupostos
formais para a interferência ser legítima, mas falha a discussão e resposta à pergunta
“que condutas devem limitar a liberdade e que condutas fornecem a base para a
liberdade?”.
Universidade do Minho
BIBLIOGRAFIA:
Berlin, I., 1969, ‘Two Concepts of Liberty’, in I. Berlin, Four Essays on Liberty,
London: Oxford University Press
Locke, John (1988), Two Treatises of Government, ed. Peter Laslett. Cambridge
Skinner, Quentin, 2008, “Freedom as the absence of arbitrary power”, in Cecil Laborde
and John Maynor (eds.), Republicanism and Political Theory, Oxford, Blackwell
Publishing, pp. 83-101.