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“FREEDOM AS THE ABSENCE OF ARBITRARY POWER”

RESUMO CRÍTICO

O artigo de Skinner, inserido no livro “The Republican Contribution to Contemporary


Political Theory”, desenvolve o conceito de liberdade republicana, como proposto por
Pettit. Berlin (1969) polarizou o conceito: numa vertente positiva ser livre é ter as
condições que garantam a nossa autodeterminação, implicando uma maior intervenção
estatal; numa conceção negativa ser livre é não ter nenhum obstáculo a interferir com a
nossa ação, colocando fortes limitações no poder do Estado.

Pettit inovou apresentando uma terceira visão. Defende que o principal garante da
liberdade não é a não interferência de outros sobre a nossa pessoa, mas sim a não
arbitrariedade no poder que interfere sobre nós. Daí o termo republicano na sua
essência- condições como uma constituição democrática, separação de poderes e a
fiscalização do poder político é que garantem as condições para que as pessoas sejam
independentes da interferência arbitrária. A legitimidade do poder baseia-se não só no
consentimento, mas na regulação e fiscalização do poder.

Skinner apresenta dois objetivos: construir a linhagem histórica da liberdade


republicana e responder aos contra-argumentos de Ian Carter e Matthew Kramer, que
comparam a visão republicana à negativa.

Reconhece a problemática do termo “republicano” - autores como Locke apresentam


esta visão, mas nunca seriam republicanos. Sugere o termo “neo-romana”, invocando a
origem da teoria. Analisou o Digesto1, onde o homem livre não é aquele sujeito ao
potestate domini, domínio de um senhor, mas é aquele que está em sui iuris, capaz de
agir sobre a sua própria vontade e direito. Partiu para autores como John Milton, James
Harrington e John Locke, que se insurgiram contra a monarquia e fortes poderes
executivos que seriam arbitrários, apresentando uma liberdade mais relacionada com a
legitimidade do governo. Um escravo é aquele condenado a viver a sua vida em
sujeição a um senhor “…com um poder arbitrário sobre a sua vida”2. Também a
Revolução Americana compreende em si a possibilidade de uma interferência

1
Corpus Iuris Civilis Romanii
2
Locke 1988: II.24, p.285
democrática e não arbitrária, “no taxation without representation”. Com o crescimento
do utilitarismo esta visão desmoroneceu, até ser reavivada por Pettit no fim do séc. XX.

Destaca-se da liberdade negativa na sua premissa central: a simples presença de poder


arbitrário transforma homens livres em escravos, mesmo que não haja uma interferência
na vida das pessoas.

Discute o paradoxo que relaciona leis coercivas, como as prisionais, com a liberdade.
Um preso pode ser livre? Na conceção negativa um preso não é livre pois há
interferências na sua capacidade de ação. Os mesmos teóricos acusam Pettit de criar
uma conceção de liberdade paradoxal e moralizada, onde as restrições impostas em
nome do bem comum não contam como instâncias de interferência. Se assim fosse esta
teoria aproximar-se-ia mais de uma conceção positiva. Skinner, que inicialmente fez
mesmas críticas. corrige-se, compreendendo a explicação de Pettit “we remain free-men
if our liberties can be constrained only with our consent”3. Os cidadãos presos, embora
privados de liberdades civis, continuam livres, se a criação dessa lei coerciva foi
elaborada de forma não arbitrária. Há a distinção entre desfrutar de liberdades
específicas e sermos homens livres. Assim “neither a tax levy, nor even a term of
imprisionment, need take away someone’s freedom”4, resolvendo-se o dilema sem criar
uma visão moralística.

E um escravo cujo senhor não interfere em nada na sua vida, será livre? Skinner
responde negativamente com 2 argumentos. (1) Quando estamos sujeitos ao poder
arbitrário de outrem, mesmo que esse não interfira, deixamos de poder agir de acordo
com a nossa vontade. As nossas ações deixam de ter um caráter próprio pois agimos
apenas dentro de limites implicitamente impostos e tacitamente aceites pelo senhor, que
podem alargar ou diminuir a qualquer momento. Ser livre é poder agir de acordo com a
nossa vontade em qualquer assunto e momento e, permanecer sob o domínio de alguém,
mesmo sem interferência, torna essa autodeterminação impossível. “It is the mere
potentia of the ruler”5 que impede o pleno escopo de ação.

(2) Analisa também a experiência psicológica de sofrer poder arbitrário. Já não se trata
de reduções de liberdade devido à coação de um senhor, mas devido à consciência deste
poder, aquilo que Pettit refere como “self-censorship”. Os romanos focaram-se nesta

3
Skinner, 2008, p.88
4
Pettit, 1997, p.56 n.3
5
Skinner, 2008, p.90
componente, demonstrando ser expetável que aqueles que vivem em servidão se
comportem como servos, “You will now be inclined to shape and adapt your behavior
in just such a way as to try to minimize the risk that your master will intervene in your
life in a detrimental way.”6. John Milton também o desenvolve, onde a censura é feita
pela própria pessoa de forma a agradar o senhor ou a diminuir algum risco, limitando a
livre escolha e impedindo a franqueza e honestidade. O argumento é ainda desenvolvido
por autores romanos (Sallust) e ingleses (Trenchard e Gordon’s) no patamar da cidade.
Sob o domínio de um governo arbitrário o comércio, a indústria e as artes tendem a
decair, uma vez que os cidadãos não estão seguros de que os proveitos dessas atividades
retornem a si. O incentivo a produzir riqueza diminui uma vez que se pode pensar que,
quanto mais riqueza se gera, maior a atenção do governador e maior a probabilidade da
sua interferência. Como o povo não está em controlo, nem da situação e nem de quem
governará a seguir, há um desincentivo no investimento à economia e cultura.

De seguida parte à análise de três contra-argumentos de Kramer e Carter,


contemporâneos defensores da liberdade negativa que vão além da pura assunção
tradicional, na qual a liberdade é apenas limitada quando alguém nos força a algo,
defendendo que há também redução de liberdade quando nos impossibilitam um curso
de ação. Tentam assim defender que a liberdade republicana pode ser acomodada dentro
da visão negativa. (1) Com o exemplo do salteador que demanda “o teu dinheiro ou a
tua vida”, Krammer explica que ele apenas elimina um curso de ação hipotético- manter
simultaneamente a vida e o dinheiro- sem uma interferência direta de coação, , “…the
obstructions that take away freedom may be purely hypothetical in character, since they
may only have the effect of removing options from potencial choice.”7, mantendo
possível a liberdade de escolha entre um deles. Skinner acusa-o de simplificação,
rematando que a escolha retirada não era simplesmente hipotética, era uma escolha
existente- até ele aparecer podíamos manter ambos dinheiro e vida, daí que, para essa
escolha ser eliminada, é necessário um grau de coerção que Krammer não admite.

(2) Defendem ainda que a perda de liberdade dos escravos depende inteiramente da
probabilidade de que os senhores exerçam os seus poderes, “to the degree to which the
dominating do not interfere, to that degree the freedom of the dominated is
unimpaired”8. Se o senhor for amável e não houver probabilidade de impor a sua
6
Ib. p.90
7
Ib. p.95
8
Ib. p.96
vontade, os dominados apenas vêm a sua liberdade restringida de forma diminuta. Já os
republicanos afirmam que, se for totalmente impossível que este senhor exerça a sua
vontade, então a liberdade dos dominados não é meramente reduzida, é plena, pois eles
estão livres do domínio arbitrário. Mas se restar a probabilidade de interferência, a
liberdade dos dominados não é apenas reduzida, é nula, perpetuando a distinção das
visões.

Outro contra-argumento (3) prende-se com a razão pela qual o comportamento dos
escravos mantêm-se na servitude mesmo que os dominadores não interfiram. Para
Krammer e Carter certas hipóteses de conduta foram eliminadas devido ao medo de
retaliação. Mas, para Skinner, este medo funda-se na incerteza das consequências do seu
comportamento. O escravo que é audaz não sabe se será recompensado ou castigado.
Neste sentido, “no conjoined options have definetly been rendered impossible of
performance”9, pois tanto pode acontecer de o senhor apreciar a audácia ou não. Se o
comportamento servil se baseia em primeiro lugar na incerteza das consequências e não
na impossibilidade de uma ação, então a visão de Krammer e Carter redunda numa
liberdade plena dos escravos, enquanto na visão republicana continuam
inquestionavelmente não livres.

Creio que a liberdade republicana vai ao fundo da questão, “the capacity to engage in
acts of arbitrary interference depends upon the prior posession of arbitrary power” 10, E
acaba por ser mais completa: por não entender a liberdade como não interferência
consegue suportar caraterísticas da conceção positiva, escapando ao extremismo
libertário, como suporta a proteção de direitos individuais, reivindicados na conceção
negativa, através da legitimidade do poder estatal.

Imaginemos um trabalhador sem contrato de trabalho: há um consentimento, quiçá por


necessidade, mas há também uma incerteza, o trabalhador não tem garantias do que o
patrão possa eventualmente decidir quanto ao seu horário, salário etc… e está sujeito
apenas a um acordo verbal que não vale como defesa jurídica. A experiência psicológica
desta dominação levará o trabalhador a limitar os seus direitos, liberdades e garantias.
Se houver um contrato, criado, regulado e submetido a leis consentidas pelo povo, o
poder passa a ser legítimo, o patrão deixa de poder tomar atitudes arbitrárias e o
trabalhador deixa de viver na incerteza do que pode ocorrer.

9
Ib. p.99
10
Ib. p.84
Não obstante, desvalorizo o afunilamento presente no artigo. Entre situações
hipotéticas, improváveis ou fatores simultâneos, deixamos de focar naquilo que
realmente interessa- perceber substancialmente que tipo de condutas podem ser
restringidas sem que isso nos torne menos livres. Há uma defesa de pressupostos
formais para a interferência ser legítima, mas falha a discussão e resposta à pergunta
“que condutas devem limitar a liberdade e que condutas fornecem a base para a
liberdade?”.

Joana Pinto, PG46895

Mestrado em Filosofia Política, 2021-2022

Universidade do Minho

BIBLIOGRAFIA:

Berlin, I., 1969, ‘Two Concepts of Liberty’, in I. Berlin, Four Essays on Liberty,
London: Oxford University Press

Locke, John (1988), Two Treatises of Government, ed. Peter Laslett. Cambridge

Pettit, Philip, 1997, Republicanism: A Theory of Freedom and Government, Oxford:


Oxford University Press.

Skinner, Quentin, 2008, “Freedom as the absence of arbitrary power”, in Cecil Laborde
and John Maynor (eds.), Republicanism and Political Theory, Oxford, Blackwell
Publishing, pp. 83-101.

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