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A distinção entre ser Cristão e ser Calvinista

Nota dos tradutores: O texto a seguir é um trecho adaptado do debate entre Willian Lane Craig e
Edwin Curley. O tema central do debate é a “Existência do Deus Cristão”. É interessante notar que
Curley, um “ex-cristão”, levanta diversos argumentos para demonstrar que o Deus conforme
apresentado pela bíblia é ilógico e, portanto, é muito provável que ele não seja o verdadeiro Deus.
O engraçado do seu discurso é que os argumentos são todos voltados contra a concepção calvinista
de Deus (por exemplo, um Deus que escolhe arbitrariamente pessoas para mandar para o inferno), o
que de fato não é a verdade bíblica; ou seja, o oponente do cristianismo erra completamente o alvo
ao atacar o Deus cristão. Respondendo aos argumentos, o Dr. Craig faz a distinção entre ser
Cristão e ser Calvinista, tendo em vista que Curley afirmou que “o calvinismo é o cristianismo”,
algo comum entre os calvinistas (e parece que entre os “ex-cristãos calvinistas” também). Essa
resposta do Dr. Craig foi arrasadora.

Edwin Curley – Discurso de Abertura

1. O.K. Há outros lugares que eu gostaria de estar esta noite. E certamente há outros
lugares nos quais minha esposa gostaria de me acompanhar esta noite. Mas eu estou aqui
para argumentar contra a existência do Deus cristão. Eu não estou aqui para defender o
ateísmo, ao contrário da impressão que o discurso do Dr. Craig pode ter lhe dado. Olha, eu
acho que há muitas maneiras de pensar sobre Deus. E eu acho que algumas delas são
maneiras que eu poderia aceitar. Eu simplesmente não posso aceitar o Deus cristão.

2. Quando eu era criança, eu era cristão. Quando adulto, passei a ter dúvidas sobre a fé.
Por um tempo autodenominei-me agnóstico. Estas dúvidas levaram-me, enquanto eu
estava na faculdade, para o estudo da filosofia e sua história. Muitos dos filósofos que
estudei eram cristãos, para quem a defesa racional da sua religião era muito importante.
Meus estudos não sanaram minhas dúvidas; eles multiplicaram-nas. Hoje eu penso que
não há qualquer chance da religião cristã ser verdadeira. ‘Agnóstico’ não parece mais o
rótulo correto para mim, não quando estamos falando do Deus cristão.

3. O rótulo mais comum para alguém que uma vez já abraçou o cristianismo e, em seguida,
o rejeitou  é “herege”. Eu não tenho nenhuma objeção a esse rótulo, agora que já
concordaram em abolir a pena de morte por heresia. (Risos)

4. Minha iniciação neste caminho se deu através da leitura do livro de orações que minha
mãe me deu quando eu tinha 16 anos. Na parte de trás estavam impressos os artigos que
os membros da minha religião, a Igreja Episcopal, deveriam concordar. Eu não os li
cuidadosamente quando estava me preparando para confirmação. Naquele momento eu
tinha apenas 13 anos e havia muitas coisas que eu não entendia. O nosso ministro era um
homem bom: muito inteligente, culto e humano. Aos 13 anos, sobre sua autoridade, eu
estava disposto a aceitar o que quer que ele me dissesse.

5. Então, aos 16 anos, eu li os artigos da religião cuidadosamente e criticamente pela


primeira vez. Eu estava perturbado que minha igreja aceitara a predestinação. Antes da
fundação do mundo, dizia um dos artigos, Deus tinha escolhido alguns vasos para honra e
outros para desonra. Até onde eu podia ver, havia tão bom fundamento bíblico para este
ensino quanto para qualquer outra doutrina afirmada pela igreja. Um dos principais
princípios de minha igreja era o de que ninguém deveria ser obrigado a acreditar, como
necessária para a salvação, em qualquer doutrina que não pudesse ser provada a partir
das Escrituras.

6. Havia também fortes razões filosóficas para aceitar a predestinação. Se Deus é


onisciente, se ele sabe de tudo, ele deve ter conhecimento prévio do destino das suas
criaturas. Se ele é onipotente, pode fazer qualquer coisa, ou qualquer coisa que é
logicamente possível fazer, então nada acontece senão por sua vontade. Então, se eu
acabar no inferno, ele já conheceria este destino desde a eternidade, e ele teria desejado
isso desde a eternidade.

7. A predestinação não é tão amplamente aceita hoje como era quando a minha igreja foi
fundada no século 16. Eu conheço muitos cristãos que a rejeitam. E eu simpatizo com eles.
O seu coração está no lugar certo, com certeza. Eu não posso acreditar que um Deus justo
e amoroso criaria seres e os predestinaria a passar a eternidade no inferno. Mas os
cristãos podem rejeitar a predestinação somente se assumirem o custo de ignorar a
autoridade de suas escrituras e as implicações de sua teologia.

8. Esqueça a predestinação. E o inferno? Essa é uma situação diferente. Eu não vejo


nenhuma razão filosófica para crer em um castigo eterno para os pecadores. A filosofia é
contrária a isso.

9. A filosofia ensina que a punição deve ser proporcional ao crime. Vamos admitir, para o
bem do argumento, que todos nós somos em algum sentido pecadores. Qual de nós,
olhando para o seu coração, pode dizer honestamente que nunca fez nada seriamente
errado, pelo menos uma vez em sua vida? Mas a doutrina do Inferno advoga que a maioria
de nós pecadores sofrerão tormento eterno.

10. Em alguns casos, isso pode ser justo. Hitler foi o responsável pelas mortes horríveis de
milhões de judeus, para não mencionar os ciganos, eslavos e homossexuais. Talvez para
crimes dessa magnitude o castigo eterno possa ser justificado.

11. Eu sou, no sentido que eu especifiquei, um pecador. Mas, com toda sinceridade, devo
dizer que para mim os meus pecados parecem muito menores em comparação com os de
Hitler. Eu não matei ninguém, nem torturei ninguém, nem fui responsável pela morte ou
tortura de qualquer um. No entanto, se a doutrina do inferno estiver correta, farei
companhia a Hitler no Inferno. Sem dúvida, eu não sou um juiz imparcial neste caso, mas
não me parece justo. (Risos)

12. Apesar dessas dificuldades, o inferno fazia parte do ensino da minha igreja, e faz parte
do ensino de muitas igrejas cristãs. Este não é um acidente. A doutrina tem forte apoio nas
escrituras cristãs.

13. A crença no inferno também perdeu força desde que minha igreja foi fundada. Eu
encontro muitos cristãos que rejeitam o inferno. O seu coração está no lugar certo, com
certeza. Eu não posso acreditar que um Deus justo e amoroso destinaria a maioria de suas
criaturas a passar a eternidade no inferno. Mas os cristãos que rejeitam o inferno podem
fazê-lo somente ao custo de rejeitar também a autoridade de suas escrituras.

14. Eu concedo, para o bem do argumento, de que todos nós somos pecadores. Agora,
deixe-me qualificar isso. Muito provavelmente todos nós nesta sala somos pecadores,
desde que o requisito para ser um pecador seja fazer algo muito errado ao menos uma vez
na vida. Mas eu não admito que absolutamente todos os seres humanos são pecadores.

15. Eu tenho uma neta, a quem eu amo. Ela é uma garota doce e tem apenas sete anos.
Ela já deve ter cometido um grande número de pecados. Sei que às vezes ela não se
importa muito com sua mãe. Às vezes ela é malvada com seu irmão menor. Eu não acho
nada disso grave o suficiente para merecer o castigo eterno. Mas, talvez, há pecados que
eu não conheça. Em qualquer caso, ela não é completamente inocente. Provavelmente
nenhuma criança dessa idade é completamente inocente. E Jesus disse que devemos ser
perfeitos como o Pai celeste é perfeito. Isso é um padrão difícil.
16. Mas quando eu penso sobre situação de minha neta em idade tão precoce, digo, na
unidade de tratamento intensivo neonatal, onde passou os primeiros meses de sua vida,
com um tubo de oxigênio, um tubo de alimentação e um monitor cardíaco todo amarrado
em seu corpo minúsculo, pois ela nasceu na 29ª semana de gravidez da minha filha e
pesava menos de 1,3608kg ; então, eu não posso pensar nela, nessa fase de sua vida,
como uma pecadora merecedora do inferno.

17. Na tradição cristã, é normal batizar crianças em tenra idade, pois acredita-se que eles
vêm ao mundo contaminados pelo pecado de Adão e Eva. Esta é a doutrina do pecado
original. Eu não posso acreditar no pecado original. Minha neta pode ser uma pecadora
agora, mas não quando ela estava na unidade de terapia intensiva.

18. O pecado original também é hoje menos aceito do que quando minha igreja foi
fundada. Encontro muitos cristãos que rejeitam o pecado original. Eu simpatizo com eles. O
seu coração está no lugar certo, com certeza. Mas os cristãos podem rejeitar o pecado
original somente ao custo de um substancial re-interpretação das suas escrituras e
tradições.

19. De forma consistente com a doutrina do pecado original, é comum entre os cristãos a
acreditar que se nós somos justificados, é pela fé em Jesus. Uma vez que todos nós
somos pecadores, não podemos ganhar a salvação pelas nossas obras. Mas podemos ser
perdoados e tratados como se fôssemos justos. A marca de termos sido perdoados é que
Deus, por um ato de graça, dá-nos a fé.

20. Esta doutrina tem implicações que eu acho horríveis. Isso implica que aqueles entre
nós que não têm fé em Jesus não receberam a graça, não foram perdoados, e, se
continuarem nesse estado, vão para o inferno. Portanto, a doutrina da justificação pela fé,
que tem forte apoio nas escrituras cristãs, conduz inevitavelmente ao exclusivismo, a idéia
de que todos os que rejeitam a doutrina cristã devem ser condenados, não importa quão
bom eles podem ser, por padrões comuns.
21. Se Deus escolheu os beneficiários de sua graça com base em algum mérito distinto
que possuíam, isso pode não ser injusto com aqueles que ele não escolheu, a quem
presumiria-se a falta que tal mérito. Mas isso seria contrário à idéia de graça, o que implica
um dom gratuito, não é algo dado a alguém que merece por conta do seu mérito.

22. Por isso, normalmente é sustentada a ideia de que Deus não tem qualquer razão para
escolher alguns e outros não. Ele age de forma totalmente arbitrária. É um dogma duro e
horrendo essa “doutrina da graça”. Suponho que, se você já aceitou o inferno e o pecado
original, você pode ser grato por ter uma chance de salvação, mesmo que não parece ser
uma loteria em que as chances não estão do seu lado. Claro, se você acha que tem fé,
então também pode pensar que ganhou na loteria e ignorar as considerações sobre os
infelizes perdedores.

23. Bem, até agora minhas objeções têm sido principalmente teológicas; são objeções aos
ensinamentos cuja base é essencialmente bíblica e não filosófica. A principal exceção a
essa generalização é a doutrina da predestinação, que tem fundamentos filosóficos, bem
como fundamentos bíblicos. Sei que muitos cristãos aqui esta noite não entenderão que a
sua compreensão do cristianismo os obriga a aceitar todas essas doutrinas, ou porque eles
têm uma interpretação diferente da escritura, ou porque não consideram as escrituras
cristãs como absolutamente autoritária na determinação de suas crenças e conduta . Eu
tenho dito que aqueles cristãos que adotam uma atitude mais livre em relação as escrituras
e não entendem que a sua aceitação do cristianismo os impele à predestinação, ou inferno,
ou pecado original, ou a justificação pela fé, ou exclusivismo, têm seus corações no lugar
certo, eu digo. Mas eu também acho que os seus pés podem estar plantadas na rampa
escorregadia da heresia, e que os cristãos mais conservadores, que conferem maior
autoridade às Escrituras, têm o direito mais claro para se autodenominarem cristãos. O
quanto do cristianismo tradicional você pode rejeitar e ainda ser um cristão?

24. Vamos considerar agora às objeções não tão biblicamente embasadas. É comum entre
os cristãos acreditar que Deus é um ser pessoal, que criou o universo e que é onipotente,
onisciente e perfeitamente bom. De fato, é comum dizer que Deus deve possuir todas as
perfeições.

25. No entanto, observa-se que o mundo, este ser perfeito criado, tem muitas imperfeições:
há muita alegria no mundo; mas também há muito sofrimento, do qual qrande parte
aparentemente imerecido; e há pecado. Nós chamamos essas coisas de “mal”. Como tais
coisas podem existir em um mundo que deve sua origem a um Deus com os atributos que
os cristãos acreditam que seu Deus possui?

26. A resposta usual para isso é dizer que embora Deus podesse ter criado um mundo sem
o mal, foi melhor para ele criar esse mundo, apesar dos males que ele contém. A
ocorrência desses males era necessário para os bens que são ainda maiores. Se Deus
tivesse criado o mundo sem nenhum mal, esse mundo seria menos bom do que o atual,
considerando todo o conjunto de coisas, mesmo com todo o mal que ele contém. Isso é
chamado de defesa do bem maior.

27. O cristão pode dizer: Nós, seres humanos com razão fazemos muitas coisas que
esperamos causar danos evitáveis. Nós construímos uma ponte de São Francisco a Marin
County, sabendo que na construção alguns trabalhadores vão cair na água e se afogar.
Poderíamos evitar a morte por não construir a ponte. Mas a ponte é um grande bem.
Dadas as nossas limitações humanas, não podemos construí-la sem que algumas pessoas
morram como consequência. Então, nós a construímos e aceitamos a morte como parte do
custo interligar os locais através dessas águas. E permissão divina para a existência do
mal também pode ser justificada pelo bem maior a qual tal permissão conduz.

28. Um ser onipotente, é claro, não enfrenta todas as escolhas difíceis que fazemos. Se ele
quer uma ponte sobre as águas, ele só precisa dizer: “Faça-se uma ponte.” E haverá.

29. Uma pergunta que a defesa do bem maior levanta é: que tipo de bem poderia estar tão
intimamente conectado com o mal que mesmo um ser onipotente teria de aceitar o mal
como custo para realizar este bem? E que bem poderia ser tão grande que justificasse tal
ser aceitar a quantidade de mal que existe no mundo como preço para alcançar esse bem?

30. A resposta habitual nos dias de hoje é: a liberdade. Se existir o bem moral, deve haver
liberdade. E o preço de dar liberdade aos seres humanos é que às vezes eles vão abusar
dela. Mesmo um ser onipotente não pode levar uma pessoa a fazer o bem livremente. E a
liberdade, com o bem moral que às vezes resulta dela, é um bem suficientemente grande
que faz com que os males, que também resultam dela, sejam aceitáveis. [Isto é o que é
chamado de defesa do livre-arbítrio.]

31. Há um problema, é claro, ao se apelar para a liberdade humana a fim de resolver o


problema do mal, quando você também acredita em predestinação e presciência divina.
Este é um problema de longa data, que muitos filósofos têm enfrentado. Nenhuma solução
ganhou aceitação geral. Se o Dr. Craig aceita as doutrinas da predestinação e presciência
divina e também apela para a liberdade humana para resolver o problema do mal, ele terá
que trabalhar uma maneira de explicar como essas coisas são consistentes, e eu vou ouvir
com interesse essa explicação.

32. Nesse meio tempo, porém, existem outros problemas sobre o apelo à liberdade. Há
males cuja ocorrência não tem nenhuma conexão visível com a liberdade. Teólogos
chamam de males naturais, ou seja, coisas como terremotos, inundações, furacões,
doenças, e assim por diante. Se um veado morre em um incêndio florestal, sofrendo
horrivelmente, isso é um mal. Não é só o sofrimento humano que devemos levar em
consideração quando tratamos sobre o bem contra o mal neste mundo.

33. Agora, se você aceitar qualquer coisa como a teoria da evolução, você vai acreditar
que havia outros animais no planeta muito antes dos humanos apareceram em cena.
Muitos deles devem ter sofrido terrivelmente quando suas espécies se extinguiram.
Nenhum destes sofrimentos pode ser justificado como uma conseqüência necessária da
liberdade dos seres humanos. Nós não estávamos por perto na ocasião. Então, nada disso
parece estar além do poder da onipotência para impedir sem o fracasso do bem.

34. Outra objeção: A defesa do bem maior pode facilmente levar a uma espécie de análise
custo-benefício que é profundamente repugnante para o nosso senso moral. Considere o
tipo de caso que preocupava Ivan no grande romance de Dostoievski, Os Irmãos Karamazov.
A menina é tratada brutalmente por seus pais, que batem nela porque ela fez algo que os
deixa com raiva. Talvez ela faz xixi na cama repetidamente, e eles acham que ela tem
idade suficiente para controlar a bexiga. Ou, talvez, o pai é um alcoólatra que abusa
sexualmente de sua filha. Os Irmãos Karamazov é uma ficção, mas para ouvir sobre casos
reais como este, você só precisa ouvir regularmente o jornal das 11h00.

35. A defesa do livre-arbítrio parece dizer em casos deste tipo: bem, é tudo muito triste, é
claro, mas este é o preço que temos que pagar para ter liberdade. Para o pai de ter a
oportunidade de mostrar o bem moral, Deus deve dar-lhe a oportunidade de escolher o
mal. Você não pode ter a oportunidade de um sem o outro. E o fato do pai ter a
oportunidade de mostrar o bem moral é um grande bem tal que supera o fato de ele
escolher o mal.

36. Mas note quem recebe o bem aqui: É o pai. E notem quem sofre o mal: É a menina.
Admitamos, para efeito de argumentação, que o benefício supera o custo. A liberdade é um
grande bem. Entretanto, ainda faz alguma diferença quem paga o custo. A liberdade pode
ser um grande bem, até mesmo um bem tão grande que compensaria um sofrimento
realmente horrível. Mas a justiça requer alguma atenção, não só para o valor líquido do
bem, depois de ter subtraído o mal, mas também para a forma como o bem e o mal são
distribuídos. Algumas distribuições não são justas.

37. A menção de Ivan Karamazov me traz à minha objeção final. Ivan afirma que, se Deus
não existe, tudo é permitido. Dr. Craig acredita na mesma coisa. Dostoiévski, falando
através de Ivan, pode ter declarado o problema do mal tão poderosamente quanto qualquer
ateu, mas ele próprio era um cristão, que acreditava que Deus deveria existir para que
tivessemos senso de moralidade.

38. Eu acho que o oposto é verdadeiro. Eu acho que a fé cristã torna a moralidade, como
normalmente pensamos sobre ela, ininteligível. Considere a história de Abraão e Isaque.
Um dia, Deus pôs Abraão à prova. Ele disse a Abraão: “Toma teu filho, Isaque, a quem
amas, e vai à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto.” Deus não dá nenhuma razão
para este comando horrível. E Abraão não pede nenhuma. Ele simplesmente se propõe a
obedecer o comando. E ele quase cumpre a ordem. Ele tem a faca levantada para matar
seu filho, quando Deus envia um anjo para deter sua mão. Deus, então, diz que está
satisfeito com Abraão. ” Porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu
filho, o teu único filho.” No final, Deus realmente não requer o sacrifício. Mas ele exige que
Abraão demonstre a sua disposição em realizar o sacrifício.

39. Qual é a moral desta história? Eu sugiro que seja esta: como criaturas de Deus, a
nossa maior lealdade deve ser para Deus, mesmo que isso requeira o sacrifício de nossas
mais profundas lealdades humanas; Deus é nosso Criador, nosso Senhor, e nós lhe
devemos obediência absoluta, não importa o que ele ordene; ele pode ordenar qualquer
coisa. Não existem restrições à sua vontade; de modo que pode fazer o que desejar. Não
há previsão do que ele possa exigir; e não há nada que garanta que suas ordens não
mudarão de uma hora para outra. No início da história, Deus ordena a Abraão que mate
Isaque; no meio ele ordena a Abraão que não mate Isaque.

40. Se existe um Deus, que é capaz de ordenar qualquer coisa; e se a nossa maior
lealdade deve ser a este Deus, não há nada, salvo a desobediência a Deus, que possamos
seguramente afirmar que esteja além dos limites; nenhum ato de um certo tipo que
simplesmente não possa ser feito, até mesmo estupro, para usar o exemplo do Dr. Craig.
Se este Deus existe e devemos obedecê-lo incondicionalmente, então qualquer coisa pode
vir a ser permitida. Este ponto de vista é destrutivo à moralidade comumente por nós
idealizada.

41. Este é o meu argumento de abertura. Eu ofereci sete objeções, sete objeções mortais,
eu diria: o teísmo cristão tem o compromisso com a predestinação, com o inferno, com o
pecado original, com a justificação pela fé, e com o exclusivismo; não há uma boa solução
para o problema do mal; e é destrutivo à moralidade conforme a entendemos. Estas são
apenas algumas das objeções que tornam impossível para mim acreditar no Deus cristão.
William Lane Craig – Primeira Refutação

1. Eu quero agradecer ao Dr. Curley por suas observações muito pessoais e sensíveis.
Nesse discurso eu espero mostrar, no entanto, que a maioria de suas objeções são
destinadas a um alvo falso, em uma concepção de Deus que eu, como Cristão, rejeito. O
que o Dr. Curley oferece é, de fato, um conjunto de sete objeções mortais ao Deus
Calvinista, não ao Deus Cristão. Somente igualando o Calvinismo ao Cristianismo é que
suas objeções têm alguma força. E eu nego exatamente essa igualdade. Eu não sou um
Calvinista.

2. Agora, para aqueles que não são familiarizados com essa terminologia, deixe-me
explicar. O Calvinismo é um tipo de teologia decorrente do reformador Protestante Francês
João Calvino. Essa teologia mantém que todas as pessoas estão escravizadas ao pecado,
mas que Deus em sua graça, escolheu soberanamente salvar somente alguns deles e
deixar o resto para ser condenados. Aqueles que Ele predestinou à salvação, Ele traz
irresistivelmente e os dá uma fé justificadora. Assim, a salvação ou condenação de alguém
não é o resultado do livre arbítrio humano, mas de uma escolha soberana de Deus.

3. O Calvinismo é justamente a teologia dos Anglicanos, ou Episcopais, igreja na qual o Dr.


Curley foi criado. Mas a maioria das denominações cristãs não defende o Calvinismo. É
simplesmente paroquial pensar que todas essas outras denominações não são, portanto,
verdadeiramente cristãs. Estão os Católicos, Metodistas, Batistas e Ortodoxos Orientais,
todos sobre o terreno escorregadio da heresia como o Dr. Curley afirma? Eu acho que
pensar desta forma seria um dogmatismo de visão extremamente limitada.

4. Minhas próprias visões teológicas são amplamente Wesleyanas, chamadas pelo nome
de John Wesley, o fundador do Metodismo. Eu creio no livre arbítrio humano e que o lugar
no qual nós passaremos a eternidade é, em última análise, o resultado de nossas próprias
escolhas. Então, deixe-me considerar especificamente as objeções teológicas do Dr.
Curley.

5. I: Predestinação.

O Dr. Curley apresenta o seguinte argumento:

1. Predestinação é incompatível com o amor e a justiça de Deus.


2. Predestinação é ensinada na Bíblia.
3. Portanto, o Deus da Bíblia não existe.
6. Eu concordo com a sua primeira premissa, mas eu nego a segunda, que predestinação,
como ele a define, é ensinada na Bíblia. Ao contrário, eu acho que a Bíblia ensina que é a
vontade de Deus que todas as pessoas sejam salvas. II Pedro 3.9 declara, “não querendo
que ninguém se perca, senão que todos venham a arrepender-se”. E I Timóteo 2.4 diz,
“Deus, nosso salvador deseja que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao pleno
conhecimento da Verdade”. Então, a vontade de Deus é que todas as pessoas sejam salvas e
o único obstáculo contra a realização da Sua vontade é a liberdade humana.

7. Mas e as passagens bíblicas sobre a predestinação? Eu sugiro que elas sejam


entendidascorporativamente. Deus predestinou um grupo, um povo, para a glorificação e
salvação. Mas quem é membro do grupo? Aqueles que respondem livremente a oferta de
perdão de Deus em Cristo Jesus e colocam sua confiança nEle. E, desta forma, eu penso
que o Dr. Curley está simplesmente equivocado sobre o fato de que um cristão crente na
Bíblia tem que crer em uma predestinação individual arbitrária.

8. II: O Argumento do Inferno.

O Dr. Curley apresenta o seguinte argumento:

1. Pecados menores não merecem punição eterna.


2. A Bíblia ensina que Deus punirá eternamente pecados menores.
3. Portanto, o Deus da Bíblia não existe.

9. Agora, nesse argumento eu acho que as duas premissas são falsas. Mas o tempo só me
permite tratar com a segunda. Com respeito à segunda premissa, está longe de ser óbvio
que a Bíblia ensina a punição eterna por pecados menores. Antes, o que nos separa de
Deus para sempre é o pecado de rejeitá-lo livremente mantendo-o fora de nossas vidas.
Esse é um pecado de gravidade e proporção infinita, desde que é a decisão livre das
criaturas de rejeitar o próprio Deus. É certo que o Calvinismo do Dr. Curley não tem espaço
para esse tipo de pecado. Mas, na visão bíblica, nem é tanto Deus, mas as próprias
criaturas quem determinam seus destinos eternos.

10. III: Pecado Original.

O Dr. Curley dá o seguinte argumento:

1. Crianças são condenadas por causa do pecado original.


2. A Bíblia ensina o pecado original.
3. Portanto, o Deus da Bíblia não existe.
11. Eu questiono a primeira premissa. De fato, eu desafio o Dr. Curley a ler pra mim uma
simples passagem da Escritura que ensina que as crianças são condenadas por causa do
pecado original. A Bíblia não ensina tal coisa. Ao contrário, Jesus tomou crianças
pequenas em seus braços e as abençoou dizendo “Deixem as crianças vir a mim…porque
das tais é o reino dos céus” (Mc 10.14).

12. IV e V: Justificação por Fé e Exclusivismo. (Os argumentos 4 e 5 são tratados em


conjunto)

Aqui o argumento do Dr. Curley parece assim:

1. A Bíblia ensina que Deus dá a fé justificadora àqueles a quem Ele escolher


arbitrariamente e exclui os demais.
2. É injusto fazer isso.
3. Portanto, o Deus da Bíblia não existe.

13. Eu acho que a primeira premissa é falsa. Em nenhum lugar o Novo Testamento ensina
que a fé justificadora é outorgada arbitrariamente por Deus. Antes, a justificação pela fé é a
maravilhosa doutrina de que o perdão de Deus e a salvação são dons gratuitos que você
não pode fazer nada para merecer. Essa é uma doutrina maravilhosa, pois nos livra do
difícil trabalho de tentar ganhar o favor de Deus e tentar merecer a salvação. Tudo o que
nós temos que fazer é colocar a confiança nele livremente. Portanto, Deus não exclui
ninguém. Jesus disse, “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (João 7.37). Mas
algumas pessoas excluem a Deus livremente de suas vidas.

14. Então, em resumo às cinco objeções teológicas eu quero dizer: Dr. Curley, e eu quero
dizer isso sinceramente, eu tenho boas novas pra você. (A palavra “evangelho” significa “boas
novas”). Você não tem que ser um Calvinista para ser um Cristão! (Risos).

Então, deixe-me retornar às objeções filosóficas restantes.

15. VI: O Problema do Mal.

Aqui, o argumento do Dr. Curley parece ser alguma coisa como isso:

1. Deus existe.
2. Se Deus é Todo-Poderoso, Ele pode criar o mundo que Ele quiser.
3. Se Deus é Todo-Benevolente, Ele criaria um mundo sem mal.
4. Portanto, o mal não deveria existir.
Mas, o mal existe. Então segue, portanto, que Deus não existe.

16. Agora, o problema com esse argumento é que o Dr. Curley não mostrou que qualquer
das duas premissas cruciais é necessariamente verdadeira. Tome a premissa (2), que um
Deus Todo-Poderoso pode criar o mundo que Ele quiser. Se Deus deseja criar criaturas
livres, então, é logicamente impossível para Ele fazer com que elas livremente façam o que
Ele quer. Então, o Dr. Curley teria que mostrar que existe um mundo de criaturas livres que
Deus poderia criar, no qual há tanto bem quanto neste mundo, mas que tem menos mal.
Mas como ele provaria tal coisa? É pura especulação.

17. E sobre a premissa (3), que um Deus Todo-Amoroso preferiria um mundo sem mal.
Essa premissa poderia ser verdade se o propósito de Deus fosse criar um ambiente
confortável para seus animais de estimação humanos. Mas na visão Cristã, nós não somos
animais de estimação de Deus. E o propósito da vida não é felicidade, como tal, mas o
conhecimento de Deus e sua salvação que trará no final das contas a verdadeira felicidade.
Mas muitos males ocorrem na vida os quais são totalmente sem propósito com respeito a
produzir felicidade humana. Mas eles podem não ser sem propósito com respeito a
produzir um profundo conhecimento de Deus. O Dr. Curley teria que provar que existe
outro mundo que Deus poderia ter criado com essa quantidade de conhecimento de Deus
e de sua salvação, mas com menos mal. Mas como alguém poderia provar tal coisa?
Novamente, é pura especulação. E, portanto, o problema do mal, eu penso, é
simplesmente inconclusivo e não invalida o teísmo Cristão.

18. Finalmente, VII: O Problema da Moralidade.

Aqui o argumento segue assim:

1. Se a moralidade ordenada por Deus é verdadeira, então Ele é capaz de ordenar


qualquer coisa.
2. A moralidade ordenada por Deus é destrutiva à moralidade comumente por nós
idealizada.
3. Portanto, a lei moral divina não é verdadeira.

19. Diante disso, mesmo se as premissas desse argumento forem verdadeiras, o


argumento é deficiente, visto que é inválido; a conclusão não segue das premissas. A
moralidade ordenada por Deus ainda poderia ser verdadeira mesmo se tivesse as
conseqüências letais que o Dr. Curley atribui a ela.
20. Mas as premissas são realmente verdadeiras? Bem, eu penso que não. Primeiro, não é
o caso de Deus ser o responsável por comandar todas as coisas. Os comandos de Deus
necessariamente fluem de sua própria natureza e caráter, que é essencialmente amor,
santo, compaixão, justo, e assim por diante. E assim, seus comandos não são arbitrários,
mas refletem a própria moralidade perfeita de Deus.

21. Segundo, a moralidade ordenada por Deus não é destrutiva à moralidade precisamente
porque os comandos de Deus são estáveis e firmes. O caso de Abraão e Isaque é a
exceção que prova a regra. Eu acho que nós podemos seguramente guiar as nossas vidas
pelos Dez Mandamentos e pela Regra de Ouro sem nos preocupar se Deus nos mandará
fazer alguma coisa contrária. E relembre a alternativa: se não existe nenhum Deus, então
tudo é relativo, e nós temos perdido completamente nosso escopo moral. Como
Dostoevsky disse corretamente, “Todas as coisas são permitidas”.

22. Penso que apesar do Dr. Curley talvez nos ter dado boas razões para achar que o
calvinismo não é verdadeiro, ele não nos deu boas razões para pensar que o teísmo
Cristão não é verdadeiro. Ao contrário, eu acho que nós já vimos cinco boas razões, ainda
não refutadas, para pensar que o Criador e Designer do universo existe, que é o lócus dos
valores absolutos e que se revelou decisivamente em Jesus Cristo. E, portanto, eu penso
que o teísmo Cristão é uma cosmovisão mais plausível.

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