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Unidade Curricular de Oncologia

Monografia
Etanol e cancro oral: qual a relação?

Docente: Professor Doutor José Manuel Borges Nascimento Costa


Discentes: Mariana Serrazes
Mariana Ponte
Patrícia Timofti
Sabrina Santos
Sara Pina
Shirin Chorshanbaeva
Índice

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................3

METODOLOGIA..........................................................................................................................................6

METABOLISMO DO ETANOL..................................................................................................................7

POLIMORFISMO DAS ADH E CARCINOGÉNESE.................................................................................8

CONSTITUINTES DAS BEBIDAS ALCOÓLICAS...................................................................................9

O ETANOL E AS SOLUÇÕES DE BOCHECHO.....................................................................................10

EFEITOS SISTÉMICOS DO ETANOL.....................................................................................................11

ETANOL E MICROFLORA ORAL...........................................................................................................12

EFEITO DO ETANOL NA MUCOSA ORAL...........................................................................................12

EFEITO DO ETANOL NA SALIVA E GLÂNDULAS SALIVARES.....................................................13

EFEITO DO ETANOL NA CAPACIDADE DE REPARAÇÃO DO DNA/ GENOTOXICIDADE DO


ETANOL.....................................................................................................................................................14

INGESTÃO DE ÁLCOOL E CANCRO ORAL.........................................................................................14

EFEITOS BENÉFICOS DO ETANOL.......................................................................................................15

CONCLUSÃO.............................................................................................................................................16

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................................18

2
Introdução

O cancro oral é o 8º e o 13º cancro mais comum no mundo, para homens e


mulheres, respetivamente. 1 Já desde o século XX que o álcool, sobretudo quando em
associação com hábitos tabágicos, tem vindo a ser investigado como um importante
fator de risco para o cancro oral. Vários estudos mostram que, em aproximadamente
75% de todos os cancros orais, encontra-se uma associação entre álcool e tabaco. 2
Além disso, um estudo dos anos 90 classificou cerca de 40% dos pacientes com cancro
da cabeça e do pescoço, grupo no qual se inclui o cancro oral, como sendo alcoólicos. 3
O cancro evolui numa série de etapas distintas, cada uma caracterizada pela
acumulação sequencial de defeitos genéticos adicionais seguidos de expansão clonal.
Há muito tempo que o fumo, o consumo de álcool e a mastigação de tabaco são fatores
de risco associados ao desenvolvimento de cancro oral. Outros fatores etiológicos
suspeitos incluem vírus, tais como o Vírus Papiloma Humano e o Vírus Epstein Barr,
bem como o fungo Candida albicans, a noz de betel, uma dieta baixa em carotenoides e
vitamina A4 e uma higiene oral precária. 4
Há evidências crescentes do papel do álcool no desenvolvimento de cancro oral.
Um estudo recente realizado pela International Epidemiology Cancer Head and Neck
(INHANCE), analisou 11 221 pacientes com cancro de cabeça e pescoço e 16 168
controlos e mostrou um efeito sinérgico muito amplo entre tabaco e álcool.
Curiosamente, este estudo também concluiu que uma proporção do cancro não pode ser
atribuída ao tabaco ou ao álcool, particularmente no caso do cancro da cavidade oral, e
especialmente em mulheres com idade inferior a 45 anos. 1

Quando abordamos o etanol como potencial fator etiológico, o seu papel nas
bebidas alcoólicas pode ser considerado bastante semelhante ao da nicotina no tabaco.
Embora exista apenas uma evidência experimental de que o etanol puro seja
considerado cancerígeno, sabe-se que as bebidas alcoólicas são importantes na etiologia
do cancro oral. No entanto, existe uma dificuldade na avaliação da influência do álcool
na etiologia e patogénese do cancro oral, a qual decorre do facto de que a maioria das
pessoas que bebe muito também fuma. 2 Além disso, pode ser difícil obter informações
fidedignas dos pacientes relativamente ao consumo de álcool. Outra das dificuldades é a
medição precisa de ingestão de álcool (por exemplo, variação na quantidade, tipo e
concentração). Por norma, a abordagem da quantidade de álcool ingerido é feita a partir
de medidas de copos de vinho/cerveja, no entanto a tarefa de aferir resultados concretos
através de dados subjetivos fornecidos pelos próprios doentes continua a ser pouco
válida e conclusiva.5 É ainda importante referir que o tipo de bebida alcoólica foi
considerado significativo após a divulgação dos resultados de um estudo caso-controlo,
que mostrou que os consumidores de cerveja ou vinho apresentam um risco relativo
menor de desenvolver cancro da cabeça e do pescoço, em comparação com indivíduos
que ingerem uísque. 6

3
Visto isto, beber e fumar muito são considerados os fatores de risco mais
importantes no desenvolvimento do cancro da cabeça e pescoço. Evidências relativas à
conexão entre tabagismo e cancro de cabeça e pescoço foram amplamente
documentadas, pois atualmente existe forte evidência científica de que muitos dos
compostos do fumo do tabaco são perigosos para a saúde e alguns são indubitavelmente
cancerígenos. Por outro lado, os efeitos promotores de tumor, no consumo de álcool,
são menos bem definidos, existindo estudos experimentais que demonstram que o etanol
puro não é, por si só, mutagénico ou carcinogénico. 6,7 Além disso, o etanol não é o
único agente cancerígeno encontrado em bebidas alcoólicas, sendo possível encontrar
outros produtos com efeitos mutagénicos na mucosa oral. O etanol é metabolizado em
seres humanos por oxidação em acetaldeído e depois em acetato, que é eliminado na
respiração, na urina e no suor. Num primeiro passo, a oxidação do etanol em
acetaldeído é principalmente realizada pela ADH (enzima álcool desidrogenase,
encontrada principalmente no fígado, mas também na mucosa oral ou até mesmo na
microbiota oral), embora o CYP2E1 também tenha um papel no processo. Numa
segunda etapa, o acetaldeído é oxidado em acetato pela ALDH14. Existem várias
hipóteses sobre a ação cancerígena do álcool, pois por um lado, o álcool pode atuar
como cofator cancerígeno ao solubilizar outros agentes cancerígenos, como os
encontrados no tabaco, e por outro, o acetaldeído pode atuar diretamente como agente
cancerígeno com maiores implicações do que o próprio álcool. O acetaldeído é um
composto altamente reativo e tóxico. Enquanto o acetaldeído é produzido a partir de
etanol no epitélio pela desidrogenase do álcool nas mucosas, a microflora também
contribui para os níveis de acetaldeído por oxidação direta do etanol. Verificou-se que
essa produção de acetaldeído varia amplamente entre indivíduos, no entanto é facto que
os níveis de acetaldeído aumentaram significativamente perante o tabagismo. Portanto,
são necessários mais estudos que permitam fazer uma distinção entre os efeitos do fumo
e do álcool separadamente, mas também dos seus efeitos combinados. 4,8

O facto de um número significante de cancro oral surgir em pessoas que não


fumam nem bebem levou à consideração de outras fontes de álcool (por exemplo,
colutórios e elixires orais). Os colutórios orais são preparações líquidas destinadas a ser
aplicadas nos dentes e mucosas da cavidade oral e faringe, a fim de exercer uma ação
local antissética, adstringente e sedativa. O veículo mais usado é a água e os princípios
ativos são diversos, principalmente antissépticos, antibióticos, antifúngicos,
adstringentes e anti-inflamatórios. O álcool pode ser usado como solvente dos princípios
ativos. Nas soluções para uso externo, como no caso dos colutórios orais, o álcool
possui qualidades tanto como solvente, tanto como antisséptico e, além disso, é
reconhecido como conservante ativo entre 10 e 12%. Uma alta concentração de etanol,
um baixo valor de pH e outros ingredientes de colutórios orais, como adoçantes
artificiais ou agentes aromatizantes, podem ser potenciais irritantes. O álcool tem um
efeito cáustico e, portanto, destrói os tecidos da cavidade oral. Alterações locais, como
descolamento do epitélio, ulcerações da mucosa, gengivite e petéquias, foram

4
observadas em pessoas que usaram colutório com 25% de álcool ou mais. Lesões
brancas associadas ao seu uso prolongado foram observadas na mucosa oral humana e
em animais de laboratório. Níveis de etanol abaixo de 10% geralmente não causam
importantes sensações de dor. 910
O cancro oral tem sido, portanto, causalmente associado à ingestão de etanol,
principalmente quando consumido acima dos limites superiores recomendados de duas
bebidas por dia (30 g de etanol / dia) nos homens e uma bebida por dia (15 g de etanol /
dia) nas mulheres.11 Atualmente, o mecanismo pelo qual o álcool participa em
atividades orais de carcinogénese não é claro, pois apesar da associação definitiva entre
consumo crónico de álcool e cancro oral, o papel exato do álcool na patogénese da
doença não é totalmente compreendido e o seguinte ponto deve ser considerado: nem
todo os doentes com cancro oral consomem álcool e nem todas as pessoas que bebem
bebidas alcoólicas desenvolvem cancro oral. 3,12
O principal objetivo deste trabalho é explanar a associação existente entre o
etanol e a alta incidência de cancro oral, descrevendo as atualizações relativas ao tema.

5
Metodologia

Procedeu-se a uma pesquisa na base de dados PubMed com recurso à seguinte chave:

"Ethanol"[Mesh] AND "Mouth Neoplasms"[Mesh] AND (Review[ptyp] AND


(English[lang] OR Portuguese[lang]))

Perante os resultados obtidos, foi efetuado o seguinte processo metodológico:

26 artigos

Critério de
inclusão:
revisão

26 artigos

Leitura de
título e
resumo

18 artigos

Acesso ao
texto integral

12 artigos

6
Metabolismo do Etanol

Segundo Marichalar-Mendia et al. (2010), o etanol é metabolizado pelos


humanos através da oxidação do acetaldeído que se transforma depois em acetato sendo
posteriormente eliminado através da respiração, urina e transpiração.
Numa primeira fase, a oxidação do etanol em acetaldeído é conseguida
essencialmente pela ADH embora a CYP2E1 também tenha um papel importante no
processo. A ADH é encontrada principalmente no fígado mas também na mucosa oral
ou mesmo na microbiota oral. Num segundo passo, o acetaldeído é oxidado em acetato
pelo ALDH, como demonstrado na fig.1.

FIGURA 1- METABOLISMO DO ETANOL. FONTE: HTTPS://WWW.PASSEIDIRETO.COM/ARQUIVO/65189781/METABOLISMO-DE-ALCOOL

Há várias hipóteses a serem colocadas acerca da carcinogenicidade do álcool,


segundo o autor anteriormente mencionado. Por um lado, pode atuar como um fator co-
carcinogénico solubilizando outros agentes carcinogénicos como os que são
encontrados no tabaco. Por outro lado, o acetaldeído pode atuar diretamente como
carcinogénico, com maiores implicações do que o álcool por si só. Este agente, liga-se
rapidamente a proteínas celulares, conduzindo a erros na replicação de oncogenes e
genes supressores tumorais alterando a função celular, podendo também produzir
mutações genéticas.
Assim, segundo Lopes et al. (2012) verificou-se que o álcool em si não é um
agente carcinogénico, mas que o seu primeiro metabolito endógeno é genotóxico e
conduz a alterações do DNA devido aos produtos que se formam.
O álcool torna-se, desta forma, um agente co-carcinogénico.
Para Kato and Nomura (1994), o etanol altera o metabolismo intracelular do
fígado e de outros órgãos conduzindo à ativação de certos agentes carcinogénicos. O
dano no fígado causado pelo consumo excessivo de álcool diminui a clearance

7
metabólica de certas substâncias carcinogénicas. Pode atuar como co-carcinogénio
através da solubilização de um verdadeiro agente carcinogénico ou como seu promotor
através da estimulação da proliferação celular.
Marichalar-Mendia et al. (2010) defende ainda que o metabolismo do etanol
pode incluir a ativação do CYP2E1. A reação catalisada por este aumenta a quantidade
de radicais livres conduzindo a uma peroxidação lipídica que pode alterar a estrutura da
membrana celular ativando substâncias xenobióticas como as nitrosaminas e os pró-
carcinogénicos.
Segundo este, a capacidade individual para metabolização do álcool em
acetaldeído e depois em acetato é principalmente determinada por genes responsáveis
pela ADH, ALDH e CYP2E1.

Polimorfismo das ADH e Carcinogénese

As ADH são um grupo de enzimas bastante envolvidas na metabolização do


álcool. É uma proteína citoplasmática codificada por 7 genes pertencentes ao
cromossoma 4. As suas isoenzimas estão divididas em várias classes tendo em conta a
especificidade, sensibilidade aos inibidores, localização, migração eletroforética e
propriedades imunológicas.
A classe 1 contem proteínas diméricas nos loci ADH1A, ADH1B, ADH1C. As
mudanças nos aminoácidos entre a B e a C devem-se aos domínios de ligação NAD que
altera a capacidade de dissociação do NADH, limitando a catálise do álcool.
Os principais polimorfismos são os que estão localizados nas isoenzimas
ADH1B e C e que demonstram ter diferentes distribuições nos diferentes grupos
étnicos.
As variantes *2 e *3 de ADH1B são as que apresentam maior atividade
enzimática quando comparadas com o alelo normal *1, levando a uma taxa de
conversão do acetaldeído mais rápida. Esta maior velocidade de catalização pode causar
efeitos adversos depois do consumo de álcool, como rubor fácil levando a uma
prevenção no consumo de álcool por parte destes sujeitos.
No entanto, apesar dos indivíduos com o alelo *1 terem taxas normais de
conversão, apresentam danos a longo prazo. Marichalar-Mendia et al. (2010) observou
que a presença deste alelo aumenta a predisposição para o cancro da cabeça e do
pescoço, sobretudo carcinoma espinho-celular da cabeça e pescoço, incluindo cancro da
orofaringe.
O mesmo autor, observou ainda que o risco de cancro no trato digestivo alto é
menor em indivíduos com *2, sendo este um fator de proteção individual. As pessoas
com *1 apresentam maior risco de desenvolver cancro do trato digestivo alto, no entanto
a relação entre o alelo e o cancro oral não foi significante.

8
A*1 de ADH1C está presente em cerca de 50% da população, apresentam 2.5
vezes mais atividade enzimática na transformação do etanol em acetaldeído do que o
alelo *2.
Os que têm *1 apresentam metabolismo do etanol mais rápido no estômago e
fígado enquanto os *2 tem ritmo normal ou lento. Com *1 temos o metabolismo mais
acelerado levando a uma maior acumulação de acetaldeído nos tecidos que tem sido
associado a um maior risco de cancro da cabeça e pescoço. Verificou-se um risco 4
vezes maior de cancro. Apesar destes resultados, ainda não foi encontrada uma relação
entre a presença de diferentes polimorfismos de ADH e o risco de ter carcinomas da
cabeça e pescoço.
As ALDH são um grupo de enzimas NAD dependente que catalisam a oxidação
do acetaldeído, sendo a segunda enzima no processo de oxidação do álcool. A sua
atividade enzimática pode ser diferente tendo em conta as suas diversas isoformas. As
diferenças podem ser a nível das características físico-químicas, propriedades
enzimáticas, localização sub-celular e distribuição tecidular.
As regiões funcionais da proteína são sempre as mesmas nas diversas classes,
mudando apenas a estrutura. As classes 1 e 2 estão envolvidas na conversão do
acetaldeído em ácido acético.
A enzima ALDH1 localizada no cromossoma 9, está envolvida na síntese do
ácido retinóico que é critico para o normal desenvolvimento e homeostasia de diversos
tecidos e órgãos. Algumas variações podem explicar as diferenças na sensibilidade ao
álcool, no entanto estes mecanismos metabólicos ainda não estão bem estabelecidos.
A ALDH1A metaboliza o ácido retinóico que inibe o crescimento tumoral
através da indução da apoptose e da expressão do recetor para o fator de crescimento
epidermal. É sugerido que o ácido retinóico pode ter efeitos quimiopreventivos em
relação ao cancro oral ou pré-cancro.
A ALDH2 é uma enzima mitocondrial do cromossoma 12 com elevada afinidade
para o acetaldeído, importante no metabolismo humano. Os que tem a forma 2 têm uma
enzima inativa incapaz de oxidar o acetaldeído acumulando-o. É mais comum na
população asiática. A presença deste alelo associado ao consumo de álcool aumenta o
risco de desenvolvimento de cancro da cabeça e do pescoço.
O Citocromo p450 2E1 (CYP2E1) são as enzimas predominantes na fase 1 do
metabolismo oxidativo xenobiótico. Está no cromossoma 10. O polimorfismo implicado
na suscetibilidade ao cancro é o *6. (Marichalar-Mendia et al. 2010).

Constituintes das Bebidas Alcoólicas


Os 3 grandes membros constituintes são: metil (methanol), isopropil (propan-2-ol)
e etil (ethanol, C 2 H 5 OH) alcoois.

O Metanol e o propan-2-ol são tóxicos para consumo, enquanto que o etanol em


conjunto com água e a glicose são os componentes principais das bebidas alcoólicas. As

9
bebidas alcoólicas podem conter impurezas carcinogénicas, nomeadamente a N-
nitrosodietilamina.

O etanol e as Soluções de Bochecho

As soluções de bochecho são preparações líquidas aplicadas nos dentes, na


mucosa da cavidade oral e faringe com função antisséptica, adstringente e sedativa no
local.
O álcool tem a capacidade de levar à desnaturação de proteínas e lípidos,
evidenciando também uma atividade anti-microbiana contra bactérias, fungos e vírus, o
que justifica o seu uso como solvente, agente de preservação e antisético das soluções
de bochecho. Altas concentrações de álcool nestas soluções podem levar à descamação
epitelial, queratose, ulcerações da mucosa, gengivite, petéquias e dor oral (Carretero
Peláez et al. 2004). O álcool tem um efeito caústico e, portanto, destrói os tecidos da
cavidade oral.
Uma elevada concentração de etanol, baixo pH e outros ingredientes das
soluções de bochecho como os adoçantes ou agentes de sabor podem ser potencialmente
irritantes de forma individual ou sinérgica. Parece existir também uma relação direta
entre o etanol destas soluções e o desenvolvimento de cancro (oral, laringe e faringe),
daí estudos recentes advogarem que os profissionais de saúde devem evitar a sua
recomendação por longos períodos de tempo.
O etanol é utilizado como solvente de soluções de bochecho em concentrações
variadas de 6% a 26.9%.
As formas sem álcool, com CHX, são igualmente eficazes no controlo da placa
bacteriana e na redução da inflamação gengival. Deve ser recomendada em pacientes
cuja utilização de álcool está contraindicada como indivíduos com mucosite,
imunodeprimidos, irradiados da cabeça e do pescoço, pacientes sensíveis ao álcool ou
em crianças (Carretero Peláez et al. 2004). Uma das grandes utilizações é no combate à
halitose (Carretero Peláez et al. 2004).
Segundo (Lemos-Júnior and Villoria 2008) na xerostomia não se encontraram
diferenças significativas nos diferentes tipos de solução após utilização de 1 semana em
termos de fluxo salivar e secura oral.
Em casos de sensação de queimadura esta queixa pode ficar exacerbada nos
pacientes que utilizam as soluções, estando diretamente relacionada com os níveis de
concentração e tempo de uso. Não está recomendado em pacientes com lesões na
mucosa ativas. A sensação diminui quando o paciente deixa de utilizar as soluções. A
utilização de soluções com baixos níveis de álcool e agentes favorecedores de sabor
obtiveram bons resultados em reduzir a sensação de queimadura. A diluição do produto
no início da utilização e o gradual aumento da concentração mostrou ter melhor
aceitação pelos pacientes.

10
A ingestão em crianças pode causar hipoglicémia, seguida de convulsões,
podendo mesmo ser letal. A literatura relata que o etanol afeta a normal glicogenólise e
gliconeogénese promovendo condições hipoglicémicas derivadas da ingestão destas
soluções pelas crianças. Ao contrário do que acontece nos adultos, as crises de
hipoglicémia nas crianças não estão associadas a pobres condições nutricionais antes da
ingestão destas soluções.
Em alcoólicos, estas soluções quando ingeridas em larga quantidade, podem
contribuir para uma acidose metabólica severa, falência multiorgânica ou mesmo à
morte. A sua utilização não é remendada em pessoas a recuperar da dependência do
álcool.
É recomendada a utilização destas soluções quando existe inadequado controlo
mecânico da placa bacteriana e na prevenção da doença periodontal. Pretende-se que
exista entrega de agentes antimicrobianos às mucosas impedindo a adesão supra e
infragengival das bactérias aos dentes (Lemos-Júnior and Villoria 2008).

Efeitos Sistémicos do etanol

O prognóstico de pacientes com tumores da cabeça e do pescoço é pior em


pacientes alcoólicos segundo (Deleyiannis et al), principlamente devido a fenómenos de
imunosupressão.

Há também um maior risco de morte, devido à ação do etanol a nível do fígado e


também de aberrações a nível dos cromossomas.

Parece haver uma relação inversa entre uma dieta rica em vegetais e frutas
frescas e a prevalência de cancro oral, contrariamente a uma dieta rica em carnes e
gorduras saturadas que leva a um maior risco de cancro oral. Em pacientes alcoólicos o
que se verifica é um estado de má nutrição, que por sua vez aumenta o risco de cancro
devido a menores concentrações de minerais tais como o zinco, ferro, selénio.

É de referir os efeitos imunossupressores do álcool tanto ao nível da imunidade


inata, através da diminuição da ação dos linfócitos T e da menor citotoxicidade das
células NK, como ao nível da imunidade adquirida, pela diminuição quantitativa dos
PMN.

A relação entre o consumo de álcool e a saúde geral está descrita na fig.2.

11
FIGURA 2- MODELO DO CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTCOMES DE SAÚDE GERAL. FONTE:
VARONI EM, LODI G, IRITI M. ETHANOL VERSUS PHYTOCHEMICALS IN WINE: ORAL CANCER RISK IN A LIGHT DRINKING PERSPECTIVE. INT J MOL SCI. 2015

Etanol e Microflora Oral

A microflora oral contribui diretamente para a formação do acetaldeído pela


oxidação do etanol.

O etanol leva a alterações do fluxo salivar o que aliado a casos de xerostomia


aumenta os níveis bacterianos.

Também alterações a nível da composição são verificadas em indivíduos


consumidores de álcool. Os microorganismos associados a altos níveis deste composto
são bactérias aeróbias Gram positivas como Streptococcus salivarius, Streptococcus
viridans hemolítico, Corynebacterium sp. e Stomatococcus sp.

Em indivíduos que realizem bochechos com CHX os níveis de acetaldeído estão


mais baixos comparado com consumidores de álcool.

Parece haver relação entre um descuido da higiene oral em indivíduos alcoólicos


severos e a maior produção do metabolito tóxico do etanol, que consequentemente
aumenta a incidência de cancro oral em pacientes alcoólicos com uma má higiene oral.

A associação entre a maior falta de peças dentárias, higiene oral pobre e maior
incidência de cancro oral também foi demonstrada por outros autores.

Efeito do Etanol na Mucosa Oral

12
(Mascres et al.) Observou atrofia epitelial em células expostas ao consumo de
álcool. Alterações na dimensão da camada basal e também vários graus de destruição
dos tecidos dependendo da concentração de etanol.

O consumo crónico por sua vez causou atrofia da mucosa em contacto direto
com o álcool, mas também alterações a nível sistémico em associação com fenómenos
de hiper-regeneração, devido à ação citotóxica do etanol, que poderá aumentar a
suscetibilidade da mesma aos agentes químicos carcinogénicos.

Alterações a nivel da bicamada fosfolipídica levam ao aumento da sua


permeabilidade, podendo levar assim a maior penetração de agentes carcinogénicos e
moléculas de alto peso molecular (Howie et al.).

Os possíveis mecanismos de ação do etanol na mucosa oral são, a longo prazo:


aumento da densidade da camada basal, queratose, maior número de figuras mitóticas,
redução da espessura do epitélio.

Através da citologia aspirativa verificou-se uma redução da área citoplasmática


correlacionada com células cancerígenas, no entanto com um perfil diploide (normal)
(Cowpe et al., 1988).

Outros estudos são necessários tendo em conta fatores como o tipo de exposição,
quantidade e anos de consumo de álcool, também como deficiências nutricionias e
hematológicas podem influenciar os resultados destes estudos. Testes micronucleares
poderão ser utilizados para a deteção do risco de cancro oral.

Tendo em conta o transporte intracelular, os autores (Squier, 1991) (Du et al.,


2000; Howie et al., 2001; Squier et al., 1986) sugerem que o etanol aumenta a
penetração de agentes carcinogénicos na mucosa oral, isto é, aumentam sua
permeabilidade. A concentração de etanol influência a permeabilidade da mucosa, mas
existem também outros fatores, como a nicotina. Tendo em conta o local da mucosa
como por exemplo mucosa jugal ou pavimento, existe maior ou menor influência pelo
etanol, facto que ainda não foi esclarecido pelos estudos, sendo necessários estudos in
vivo.

Os mecanismos intracelulares envolvidos levam à redução dos fenómenos de


pinocitose em pacientes consumidores de elevadas taxas de álcool. Mais estudos são
necessários para confirmar se os locais onde este fenómeno ocorre correspondem aos
locais mais suscetíveis ao cancro e também a influência da concentração de etanol
(Axford et al., 1999).

13
Efeito do Etanol na saliva e glândulas Salivares

Observou-se o aumento de dimensões da parótida foi em pacientes alcoólicos


(Maier et al.).

Observou-se acumulção lipídica nas células acinares da parótida com uma


redução do conteúdo proteico e também redução do fluxo salivar, consequente de uma
eventual atrofia glandular (Simanows-ki et al.).

Uma diminuição do fluxo salivar leva a uma menor capacidade de limpeza das
mucosas e consequente aumento da suscetibilidade das mesmas à carcinogénese, já que
foi descrito que a saliva inibe a ação de certos agentes mutagénicos.

Efeito do Etanol na capacidade de reparação do DNA/ Genotoxicidade


do etanol

A capacidade de reparação do DNA diminui levando a uma maior


suscetibilidade do mesmo a agentes carcinogenicos. O consumo crónico de etanol interfere
na reparação de DNA alquilado.

O álcool influencia a proliferação das células totipotentes a nível intracelular


(endocitose) ou extracelular (permeabilidade). A variabilidade individual e a
consequente suscetibilidade genética explicam por que é que alguns indivíduos que
consomem álcool e tabaco igualmente apresentam diferentes riscos de cancro oral

O etanol promove a potenciação da genotoxicidade de outros mutagénicos,


clastogénicos e carcinogénicos.

Ingestão de álcool e Cancro Oral

Segundo Lemos-Júnior and Villoria (2008), a literatura acerca das soluções de


bochecho com álcool e cancro oral é inconsistente e contraditória. No entanto,
McCullough and Farah (2008) constatou que o risco de desenvolvimento de cancro oral
tem-se vindo a verificar estar relacionado com a intensidade e a duração da exposição
ao álcool e ao tabaco.

14
Para Lemos-Júnior and Villoria (2008), o tabaco e o consumo de álcool são
causas primárias no desenvolvimento do cancro faríngeo, enquanto a irradiação solar é a
causa primária de cancro labial, apesar de existirem pequenos aspetos que também
contribuem como a nutrição, profissão e os polimorfismos genéticos.
É sugerido que o etanol altera a superfície das células da mucosa ou dos tecidos
da cavidade oral e que essa alteração pode aumentar a exposição ou facilitar a ação dos
agentes carcinogénicos no tabaco ou mesmo nas bebidas em si.
A associação entre a ingestão de álcool e o cancro oral foi analisado (Kato and
Nomura 1994) em relação aos sítios da cavidade oral em que é mais frequente:
pavimento oral, língua, palato mole, pilar das tonsilas anteriores.
O efeito dose-resposta do álcool consumido por dia foi notório, principalmente
no pilar das tonsilas anteriores que foi superior ao pavimento oral e língua. Os
resultados dos estudos sugerem que a laringe, envolvida diretamente na exposição ao
álcool, tem maior risco de desenvolvimento de cancro (Kato and Nomura 1994).
McCullough and Farah (2008) verificaram que a ingestão de álcool foi um fator
de risco independente do desenvolvimento de lesões, sem diferenças no tipo de bebida,
padrão de ingestão ou utilização do tabaco. Constataram ainda uma interação entre
ingestão de álcool e tabaco derivada dos efeitos aditivos estarem potenciados.

Efeitos benéficos do Etanol

O etanol tem efeitos benéficos quando consumido com moderação.


Parece reduzir risco de doença coronária e Diabetes tipo2, aumentando os níveis
na circulação de adiponectina.
Os efeitos benéficos do etanol prendem-se aos seus componentes polifenolicos,
visto que estes têm inúmeras atividades in vitro, como ação antioxidante,
antimicrobiana, antiviral, anti-inflamatória e anticancerígena.
No entanto estes factos ainda não foram confirmados por ensaios clínicos.

15
Conclusão

Existe uma crescente evidência sobre o papel do álcool no desenvolvimento de


cancro oral e o seu impacto cumulativo com o hábito tabágico no aumento do risco.
A constituição das bebidas alcoólicas é maioritariamente água e etanol, sendo
este o principal agente carcinogénico. O mecanismo patogénico do consumo alcoólico
consiste na produção local de acetaldeídos carcinogénicos derivados do etanol pelos
microrganismos orais. Determinados polimorfismos nos genes que codificam as
enzimas que controlam os níveis de acetaldeído (CYP, ADH e ALDH) resultam numa
atividade metabólica aumentada ou diminuída que, consequentemente, poderá resultar
em diferentes riscos de cancro oral. Vários estudos têm procurado uma possível
correlação entre polimorfismos destas enzimas e o risco aumentado de cancro da cabeça
e do pescoço em indivíduos consumidores de álcool.

A cavidade oral, enquanto primeiro local de contacto com o álcool, é


especialmente suscetível aos seus efeitos in situ. O álcool pode afetar diretamente a
membrana celular dos tecidos orais na sua bicamada fosfolipídica o que aumenta a
permeabilidade celular a substâncias nocivas.

Foi observado um maior número de microrganismos nas células epiteliais de


tecidos malignos em comparação com epitélio são. Os microrganismos que estavam
associados a uma maior produção de acetaldeído abrangiam bactérias gram-positivas
aeróbias nomeadamente Streptococcus salivarius, Streptococcus viridans,
Corynebacterium sp. e Stomatococcus sp..

Apesar da eficácia das soluções de bochecho com álcool na redução da carga


bacteriana em estudos in vitro, será prudente limitar o seu uso apenas a situações com
necessidades terapêuticas específicas ou, em alternativa, substituir por colutórios sem
álcool com eficácia semelhante. As soluções devem ser devem ser prescritas pelo
médico dentista que também deve fazer o paciente acompanhar-se de instruções escritas
de utilização, controlar e limitar o seu uso por um curto período de tempo.

Os médicos dentistas têm um papel fundamental na identificação de pacientes de


risco. O clínico deve investigar os riscos específicos do paciente tendo em conta os
comportamentos sinérgicos - padrão de consumo de álcool, dieta, hábitos tabágicos -
aconselhar na cessação desses mesmos hábitos e por fim fazer o correto
encaminhamento para a especialidade devida.

Os efeitos sistémicos do álcool interagem com os efeitos locais na morfologia e


função das glândulas salivares. Além disso, ocorre acumulação de microrganismos
patológicos na mucosa o que conduz a infeções crónicas. A crescente suscetibilidade a

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carcinogéneos e a proliferação celular conduzem a alterações genéticas que produzem
displasia, leucoplasia e carcinoma.

A falta de consistência entre estudos prende-se com as diferenças metodológicas,


amostras pequenas e a dificuldade na medição da exposição ao álcool sendo necessários
estudos futuros com amostras mais homogéneas. O estudo de marcadores genéticos e
moleculares do metabolismo do álcool e tabaco poderiam ajudar a esclarecer o
mecanismo carcinogénicos destes fatores, assim como o risco potencial associado ao
álcool dos colutórios.

Com base na evidência estudada, é altamente desaconselhado o uso a longo


prazo de antisséticos orais que contenham álcool.

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