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Etilismo e

Tabagismo
SUMÁRIO
ETILISMO........................................................................................................... 3

1. Introdução...........................................................................................................3

2. Avaliação Clínica.................................................................................................6

3. Medidas gerais e preventivas..............................................................................9

4. Intoxicação Alcoólica Aguda..............................................................................13

5. Uso nocivo do álcool..........................................................................................14

6. Síndrome da Dependência Alcóolica..................................................................15

7. Síndrome da Abstinência Alcóolica....................................................................17

8. Síndromes Demenciais......................................................................................22

9. Prognóstico.......................................................................................................24

10. Quando referenciar..........................................................................................24

TABAGISMO..................................................................................................... 25

1. Introdução.........................................................................................................25

2. Quadro clínico...................................................................................................25

3. Avaliação Clínica ..............................................................................................27

4. Como abordar e Aconselhamento......................................................................28

5. Tratamento não farmacológico..........................................................................31

6. Tratamento farmacológico................................................................................31

7. Prognóstico.......................................................................................................35

Referências ........................................................................................................................37
ETILISMO

1. INTRODUÇÃO
O álcool é um depressor do sistema nervoso central que pode causar desde eufo-
ria até progressiva sedação e, apesar de seu consumo milenar, o mesmo pode estar
relacionado a fatores diversos que levam a problemas com a bebida, sejam eles tem-
porários, severos ou recorrentes.
O consumo de álcool ou etilismo pode estar relacionado a problemas que for-
mam um continuum desde a intoxicação aguda, pelo uso nocivo até os casos em
que há dependência. Por esse motivo, o consumo de álcool é hoje considerado um
problema de saúde pública mundial por ser a droga mais consumida no mundo, res-
ponsável por 5,9% das mortes (7,6% para homens e 4% para mulheres) e por estar
diretamente relacionado não somente a morte, mas também prejuízos clínicos, a
invalidez por causas externas, negligência/abuso de crianças, violência doméstica,
acidentes de trânsito e absenteísmo laboral. No Brasil, cerca de 11% dos homens e
2% das mulheres consomem álcool diariamente, ao passo que 48% da população
adulta é abstêmia, no entanto 20% das pessoas que buscam um serviço de atenção
primária à saúde bebem em um nível de alto risco.
Além disso, algo que tem gerado uma preocupação a mais no contexto brasileiro
é o grande consumo de álcool em 65,2% dos jovens do ensino fundamental e médio,
sendo a idade média de início para primeiro consumo aos 12,5 anos. Em todo o mun-
do, aproximadamente 16% dos bebedores com 15 anos de idade ou mais já beberam
grandes quantidades de bebida em pouco tempo, ou seja, bebem em binge.
Beber em binge é um conceito utilizado para se referir ao consumo de álcool em
grandes quantidades e em pouco tempo, sendo para homens a quantidade de 5 do-
ses em 2 horas e para mulheres 4 doses nessas mesmas horas, esse tipo de consu-
mo tem elevados custos sociais e danos para a saúde como por exemplo aumento
da violência, homicídios, etc. Alguns fatores influenciam nos efeitos do “beber em
binge” como: peso do indivíduo, idade, velocidade de consumo, presença de alimento
no estômago, número de doses consumidas.

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MAPA BEBER EM BINGE E FATORES RELACIONADOS

Presença de alimento no
estômago reduz a chance de
intoxicação alcoólica.

Quanto mais rápido o Quanto mais precoce o


consumo, maior o tempo de BEBER hábito de beber, maior
metabolização e EM BINGE chance de problemas
eliminação do conteúdo. relacionados ao ato de beber.

Quanto maior peso, Beber > 5 doses (homens)


menor concentração ou 4 doses (mulheres) em
sanguínea de álcool. curto período de tempo

Quanto mais doses, maior


tendência a intoxicação.

Uma dose ou unidade de álcool é o equivalente a 10g de álcool puro (etanol), de


modo que, para obter a unidade equivalente da bebida a qual a pessoa está fazendo
uso, é necessário multiplicar a quantidade de bebida pela sua concentração alcoó-
lica. Na imagem abaixo é possível ver a concentração alcoólica de alguns tipos de
bebida. Além disso, a quantidade de uma dose é influenciada pelo tamanho do copo
ou quantidade de gelo na bebida.

Na prática! Sr. José bebe diariamente 4 copos, cada um com


50ml cada, de whisky sem gelo. Na embalagem do seu whisky consta que a
concentração do mesmo é 40%. Sr. José ingere 200ml de whisky, sendo 10g de
etanol puro equivalente a 1 dose, ele bebe diariamente 80g de unidade de álco-
ol diariamente.
200ml (quantidade ingerida)×40% (concentração da bebida)=80g de unidade de
álcool

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Figura 1: Concentração alcóolica em diferentes tipos de bebidas
Fonte: Autoria própria

Sabe-se que não existe consumo de álcool isento de riscos, nem há um consenso
sobre quantas unidades seriam necessárias para um indivíduo ter problemas com este
consumo, no entanto, estabeleceu-se um nível de consumo associado ao uso nocivo
de álcool e a dependência valores estes que são diferentes para homens e mulheres:

Consumo de álcool em unidades e associação com uso nocivo e depen-


dência entre homens e mulheres
Homens Mulheres

Baixo risco 0U 0U

Uso nocivo 21U 14U

Dependência 50U 35U

Fonte: Dependência química, 2019

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De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o consumo de risco seria
aquele em que o padrão de consumo aumenta o risco de condições adversas para a
saúde que quando torna-se um hábito significa o consumo 20-40g para mulheres e
40-60g para homens. Já o consumo prejudicial, segundo a OMS, seria aquele em que
há prejuízo concreto para a saúde física e mental da pessoa, associado ao consumo
regular de 40-60g de álcool para homens/mulheres. Enquanto que, o consumo episó-
dico é aquele em que ocorrem repercussões em problemas específicos para a saúde
a partir do consumo de pelo menos 60g de álcool.

2. AVALIAÇÃO CLÍNICA
O consumo do álcool é algo que deve ser sempre abordado nas consultas, de for-
ma respeitosa e rotineira, pois o quanto antes for possível identificar e manejar esse
problema, melhor para o paciente. Muitos profissionais acabam negligenciando a
relevância em realizar essa abordagem pregressa, deixando para intervir quando já
existem complicações ligadas a esse consumo, ou seja, não se intervém na causa,
mas sim nas complicações decorrentes do uso abusivo do álcool.
Como já foi visto em outras aulas e outros Super Materiais, o método clínico
centrado na pessoa é uma ferramenta fundamental na atenção primária à saúde e
deve ser usado inclusive neste momento em que se aborda etilismo nas consultas.
Inicialmente deve-se investigar se há consumo de alguma bebida alcoólica, determi-
nando quantidade, tempo de consumo, frequência, repercussões na vida da pessoa e
história familiar pregressa relativa ao uso nocivo de álcool. Para complementar essa
investigação ao longo da consulta, diante de um paciente que refere consumo de be-
bida alcóolica, realizar um questionário de triagem chamado CAGE em que é possível
identificar se há uso abusivo dessa substância. A presença de 2 ou mais respostas
positivas no CAGE indica uso abusivo de álcool.

Questionário CAGE

C (cut down) Alguma vez você sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber?

A (annoyed) As pessoas o(a) aborrecem ao criticar o seu modo de beber?

G (guilty) Você sente-se culpado(a)/chateado(a) pela maneira como costuma beber?

E (eye-opener) Você costuma beber pela manhã para diminuir o nervosismo ou a ressaca?

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Diante de um paciente com CAGE “positivo” é importante que em uma consulta
seguinte seja realizado outro questionário: o AUDIT. Este é um questionário compos-
to por 10 perguntas que visa avaliar o padrão de consumo nos últimos 12 meses e,
diante do resultado, é possível pactuar intervenções.

Figura 2: AUDIT
Fonte: https://www.supera.org.br/@/material/mtd/pdf/bloco_Audit.pdf )

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Quanto ao exame físico o mesmo deve ser completo, abrangendo todos os siste-
mas, pois sabe-se que o consumo de álcool interfere nos diversos sistemas do or-
ganismo humano. No entanto, é fundamental que o médico esteja atento aos sinais
do exame físico que indicam complicações do uso excessivo crônico de álcool, são
eles: telangiectasias, tremores de extremidades, hepatomegalia e elevação da pres-
são arterial.

Figura 3: Telangiectasias
Fonte: dimid_86/Shutterstock.com

No que diz respeito aos exames complementares, estes não têm muita utilidade
para o diagnóstico do abuso de álcool, no entanto, são importantes para o monito-
ramento das complicações orgânicas decorrentes do álcool, bem como para que o
paciente perceba ao longo do tratamento sua evolução. Algumas alterações labora-
toriais são esperadas em pacientes que bebem com frequência, como por exemplo o
aumento do volume corpuscular médio (VCM) ou macrocitose, além disso, a eleva-
ção de gama-GT (GGT) é um indicador precoce de disfunção hepática, enquanto que
pacientes com elevação desproporcional de AST/TGO em relação a ALT/TGP é um
padrão comum de alteração hepática em pessoas com hepatite alcóolica.

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Saiba mais! A aferição dos níveis séricos de transferrina deficien-
te em carboidrato (CDT) é uma ferramenta possível na identificação de ingesta
crônica de grande quantidade de bebida alcóolica. Tal teste possui especificida-
de de até 90% com melhor desempenho do que o GGT e VCM, no entanto, é me-
nos disponível para realização devido ao seu custo-benefício. Fonte: Campana
A, Zaleski M, Ramos SP, Duailibi SM, Stein AT, Campana A, et al. Abuso e depen-
dência de álcool. Rio de Janeiro: SBMFC; 2012.

3. MEDIDAS GERAIS E PREVENTIVAS


Algumas estratégias podem ser usadas por profissionais da APS diante de um
paciente que consome bebida alcóolica. Medidas preventivas sempre serão a pri-
meira escolha diante de qualquer que seja o paciente, devido a seu potencial de
atingir diversos públicos e atividades, com impacto importante na não evolução para
o consumo. A intervenção breve (IB) é uma dessas ferramentas para uma estratégia
terapêutica estruturada e objetiva e é considerada a 1ª escolha na abordagem de pa-
cientes com suspeita de problemas com uso de álcool. Vale ressaltar que, diante de
um paciente que faz uso crônico de bebida alcoólica, as intervenções terapêuticas
devem ser ofertadas em nível crescente de intensidade, custos e restrições. A IB é
baseada no mnemônico FRAMES:

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Passo a passo da intervenção breve

Comunicar os resultados da avaliação clínica e de instrumentos como o AUDIT, com


F (feedback) esclarecimento sobre o seu nível de risco para problemas de saúde física e mental, fami-
liares e sociais

Estabelecer o estágio de mudança que a pessoa se encontra, responsabilizando-


R
-a por suas decisões . Definir metas com base no desejo da pessoa, enfatizando o
(responsability)
autocuidado.

Orientações e recomendações que o profissional deve oferecer à pessoa, fundamenta-


A (advice) das no conhecimento empírico atual, sendo estas diretas e desvinculadas de juízo de
valor moral ou social, que preserve a autonomia de decisão da pessoa.

Fornecer à pessoa um “cardápio” de alternativas de ações que possam ser implementa-


M (menu)
das por ela e pela equipe de saúde.

E (empathy) Realizar comunicação empática, solidária e compreensiva.

Reforçar o otimismo e a autoconfiança da pessoa, enfatizando seus avanços nas metas


S (self-efficacy)
estabelecidas.

Fonte: Tratado de Medicina de Família e Comunidade, 2019

Para além da abordagem clínica, sempre deve ser abordado nas consultas como
está a motivação do paciente e em que estágio desta motivação o mesmo está sem
culpabilizar o paciente pelo seu consumo ou como o mesmo enxerga o uso de ál-
cool. Isso auxilia no direcionamento de quais ações os profissionais de saúde que
acompanham o paciente podem realizar para incentivá-lo, de modo a ajudá-lo a ma-
nejar seu consumo de álcool até que o mesmo possa deixar o uso dessa substância
caso deseje. Os estágios de motivação também são utilizados para compreender
como é a relação do paciente com o tabagismo que será tratado no próximo tópico.
Como vimos na aula de Dra. Maitê é importante buscar identificar em cada consul-
ta em qual desses estágios o paciente está e sempre atuar de acordo com esse
estágio, dando sempre reforço positivo a cada passo dado pelo paciente, inclusive
apoiando este durante eventuais recaídas.

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MAPA GRAUS DE MOTIVAÇÃO

• Ajude a desenvolver um
plano para a mudança; • Encoraje a colocar
em prática os planos
• Identifique junto com o paciente para mudança de
dificuldades que podem surgir durante a comportamento.
mudança e estratégias para enfrentá-las.

Preparação Ação

• Elogie pelo sucesso


• Oriente sobre possíveis
da mudança de
estratégias para diminuir
comportamento;
ou parar o consumo; Contemplação Manutenção
• Reforce estratégias de
• Incentive a falar vantagens
enfrentamento para
e desvantagens do uso.
prevenir recaídas.

Pré-contemplação Recaídas

• Forneça informações sobre os


riscos ligados ao uso de drogas; • Identifique as situações de
• Incentive o paciente a pensar risco relacionadas à recaída;
os riscos relacionados ao seu • Estabeleça estratégias
uso de substâncias; de enfrentamento para
• Encoraje a pensar na diminuição esta nova etapa.
ou interrupção do uso.

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Saiba mais! A intervenção breve tem como principal objetivo de-
sencadear a decisão e comprometimento com a mudança dos pacientes com a
finalidade de reduzir os riscos de danos causados pelo consumo exagerado de
álcool, através de um enfoque educativo e motivacional. Tal intervenção deve
ser preferencialmente realizada no ambiente da APS devido a maior possibili-
dade de criação de vínculo, bem como, segundo alguns autores, por ser mais
efetiva uma vez que o indivíduo ainda não se encontra em processo tão avan-
çado de dependência química. Revisão sistemática realizada por PEREIRA et al
(2013) mostrou que a IB é efetiva na redução da frequência e quantidade de ál-
cool, não sendo possível definir se é mais eficaz entre bebedores de uso nocivo
ou crônico. Fonte: PEREIRA, M.O. et al. Efetividade da intervenção breve para o
uso abusivo de álcool na atenção primária: revisão sistemática. Rev. bras. en-
ferm. vol.66 no.3 Brasília May/June 2013.

Vale ressaltar que, tanto a IB, quanto as ações do profissional com base nos está-
gios de motivação, devem ser amparados pelo respeito à singularidade do indivíduo,
as relações que permeiam sua vida, bem como elementos da sua relação com o álcool
que não devem ser menosprezados pela leitura moral que o profissional possa fazer.
Desse modo, as propostas terapêuticas para cada pessoa são direcionadas para a
mesma e sua realidade. Estes também são os princípios da estratégia de redução de
danos, uma estratégia tão efetiva quanto às orientadas pela abstinência, a qual a par-
tir da singularidade do indivíduo irá considerar propostas diversas para cada pessoa
que consideram outras possibilidades e metas de tratamento além da abstinência,
visando reduzir os danos associados ao consumo de álcool sejam eles danos para a
saúde física ou social. Com isso, é importante enfatizar que estratégias múltiplas que
combinem tanto o interesse do paciente, como as competências dos profissionais que
estiverem cuidando deste.
Quanto às atividades preventivas, as mesmas são diversas e visam evitar o início
do consumo, de modo a evitar que o ato de utilizar o álcool torne-se algo regular
após o primeiro contato com a substância. Atividades educativas e o incentivo a po-
líticas e campanhas de prevenção devem ser realizadas pelos profissionais de APS,
com ação conjunta entre CAPS, NASF e toda rede de saúde. Um público importante
para direcionar atividades educativas são os jovens, sobretudo, em decorrência do
aumento do consumo entre os mesmos e possibilidade de prevenir o primeiro con-
tato, bem como conscientizar aqueles que porventura já tenham consumido bebi-
das alcóolicas, logo, ações em escolas tem um potencial relevante no contexto da
prevenção.

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MAPA ABORDAGEM E MEDIDAS INICIAIS AO PACIENTE QUE CONSOME BEBIDA ALCÓOLICA

Atividades educativas
em escolas

MEDIDAS PREVENTIVAS:
Sem foco na
1ª escolha!
Colaboração de toda a abstinência → outras
rede: NASF, CAPS, APS... metas e possibilidades

Sempre abordar
nas consultas!
Estratégia de
Atentar para o consumo
Redução de Danos
precoce em jovens! CONSUMO
DE BEBIDA
CAGE: avaliar se há ALCÓOLICA
Intervenção Breve:
uso abusivo FRAMES
AUDIT: investigar
dependência
AVALIAR GRAU
EXAME FÍSICO COMPLETO! DE MOTIVAÇÃO
Avaliar sinais de DO PACIENTE!!
uso crônico:
• Telangiectasias Oferecer intervenções
• Tremores de extremidades terapêuticas em nível
• Hepatomegalia crescente de intensidade,
• Elevação da PA custos e restrições

4. INTOXICAÇÃO ALCOÓLICA AGUDA


O quadro de intoxicação aguda pelo álcool é comum nos serviços de saúde e é
uma condição autolimitada causada pelo excesso de bebida alcóolica além do tole-
rado pelo indivíduo gerando alterações físicas e psíquicas capazes de interferir no
seu funcionamento normal. Seus estágios vão desde uma embriaguez leve até o co-
ma, logo, é importante também investigar hipoglicemia e traumatismo cranioence-
fálico (TCE) associado ou como causa do quadro de rebaixamento caso na história
não fique evidente a associação com ingesta de bebida alcóolica. Além disso, outras
alterações podem ser notadas logo que o paciente chega na Unidade, pois a intoxi-
cação causa alterações no afeto (alegria, excitação e labilidade de humor), na fala
(pastosa, arrastada), no comportamento (impulsividade, agressividade, ataxia), no
pensamento (redução na capacidade de raciocínio e juízo crítico, pensamento lento).

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O manejo inicial do paciente com intoxicação consiste em assegurar que haja a
interrupção da ingesta de álcool, posicionar o paciente em decúbito lateral de modo
a evitar a broncoaspiração de conteúdo gástrico caso venha a vomitar e proporcio-
nar um ambiente seguro e tranquilo. Tais medidas são suficientemente efetivas em
boa parte dos casos. Porém, em algumas situações o paciente apresenta-se com
agitação psicomotora e agressivo o que torna necessária a sua imobilização e se ne-
cessário uso de Haloperidol 5 mg, via intramuscular (IM). Vale ressaltar que benzo-
diazepínicos e histamínicos podem ter efeito cruzado com o álcool, por esse motivo,
a droga de escolha é o haloperidol.
O exame físico do paciente com intoxicação aguda deve ser completo e realizado
o quanto antes buscando complicações agudas (TCE, hipoglicemia, sangramentos,
crises hipertensivas) e crônicas (hepatomegalia e desnutrição). No que diz respeito
aos exames laboratoriais é necessário solicitar: hemograma, exames para avaliar
função hepática e renal, eletrólitos. Outros exames complementares como exames
de imagem devem ser solicitados conforme necessidade diante do quadro de cada
paciente.
A todos os pacientes está indicado o uso de Tiamina 300 mg IM como profilaxia
da Síndrome de Wernicke-Korsakoff. Caso a glicose hipertônica seja indicada ao pa-
ciente, a tiamina deve ser aplicada 30 min antes da glicose. No entanto, é importante
destacar que nem todos os pacientes com intoxicação aguda pelo álcool devem re-
ceber glicose hipertônica endovenosa e soro fisiológico, estes estão indicados ape-
nas se o paciente apresenta-se hipoglicêmico e/ou desidratado, respectivamente.

5. USO NOCIVO DO ÁLCOOL


O uso nocivo do álcool é caracterizado pelo ato de beber “disfuncional” capaz de
interferir na vida do indivíduo causando problemas individuais, legais, psicológicos e
clínicos associados ao consumo de bebidas alcóolicas por um período ≥ 1 ano e que
não satisfaça os critérios para dependência alcoólica (que veremos a seguir).
A abordagem de pacientes que fazem este uso nocivo sempre deve ser realiza-
da nas consultas, fazendo a IB e buscando identificar com o paciente os gatilhos
relacionados a este hábito de modo a ajudá-lo neste processo. Esse momento de
atuação do profissional de saúde é fundamental como forma de evitar a progressão
para a dependência. Existe uma polêmica acerca da indicação de ingesta moderada
de álcool no futuro caso o mesmo deseje, de maneira geral, o uso moderado pode
ser uma opção para aquelas pessoas que não chegaram a ter crises graves devido
ao uso nocivo ou que não seja alcoolista ou que não tenha herança genética para
dependência. No entanto, para aqueles bebedores nocivos que possuem doença he-
pática ou cardíaca, problemas gastrointestinais ou possuam problemas que possam
ser agravados pelo uso do álcool como gestantes e que façam uso crônico de medi-
camentos, a abstinência alcoólica deve ser o objetivo.

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Se liga! O aumento de VCM acima de 91µm³ em homem/mulher
e de GGT acima de 35U/L em homens e 30U/L em mulheres possuem boa e
muito boa respectivamente como marcador biológico do uso nocivo do álcool.
Fonte: Myrick H, Wright T. Clinical management of alcohol abuse and dependen-
ce. In: Galanter M, Kleber HD. The American Psychiatric publishing textbook of
substance abuse treatment. 4th ed. Washington: American Psychiatric; 2008.
p.129-42

A IB é a principal medida de abordagem para estes pacientes usando o mnemô-


nico FRAMES que citamos anteriormente. É importante negociar com o paciente
a redução gradual do seu uso, estabelecer metas e identificar quais situações são
gatilhos ou de risco para o uso da bebida. Além disso, é importante dialogar com o
paciente sua relação com o álcool, quais vantagens e desvantagens vê no uso da
substância, devendo em seguida fornecer material didático informativo de fácil leitu-
ra para o mesmo. Em seguida, é fundamental que o profissional de saúde continue
abordando tais questões em cada consulta e dê suporte ao paciente por meio da
equipe multiprofissional conforme necessidade. Abordagem farmacológica também
é uma opção e será detalhada a seguir na abordagem da dependência alcóolica.

6. SÍNDROME DA DEPENDÊNCIA
ALCÓOLICA
Essa síndrome é caracterizada por sinais e sintomas comportamentais, fisio-
lógicos, cognitivos no qual o uso de álcool torna-se prioridade na vida da pessoa,
ficando outras atividades em segundo plano. Diante disso, além das intervenções
psicossociais, alguns medicamentos podem ser utilizados sendo fundamental a re-
gularidade no seu uso. Como forma de possibilitar melhor adesão ao tratamento é
importante que o profissional crie um plano conjunto de cuidado com o paciente, au-
xilie o mesmo na compreensão do problema, bem como evidencie o funcionamento
e efeitos colaterais dos respectivos tratamentos propostos.
O dissulfiram é um fármaco utilizado no tratamento do alcoolismo, acessível, de
baixo custo e o único sensibilizante ao álcool disponível no Brasil. Seu mecanismo
de ação ocorre no metabolismo hepático do álcool, pois inativa a enzima acetalde-
ído-desidrogenase que é responsável pela conversão de acetaldeído em ácido acé-
tico, logo, com a atuação do dissulfiram ocorre um acúmulo do acetaldeído. Desse
modo, caso a pessoa em uso do medicamento faz ingestão de bebida alcóolica, o
acúmulo de acetaldeído desencadeia uma reação conhecida por “efeito antabuse”

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caracterizada por rubor facial, cefaleia, taquipneia, precordialgia, náuseas, vômitos,
sudorese e cansaço. Tal reação pode durar de 30 min a horas e vai depender da sen-
sibilidade de cada paciente, no entanto, caso a dose de bebida alcóolica seja grande
pode haver progressão do efeito antabuse para confusão mental, rebaixamento do
nível de consciência, hipotensão, coma e até mesmo morte.
Com isso, o dissulfiram age como um freio para o paciente não ingerir bebida al-
cóolica, devido a essas reações desagradáveis vinculadas ao ato de beber, por este
motivo o medicamento deve ser iniciado apenas 12h após a última ingestão de ál-
cool com dose inicial de 500 mg/dia por 1-2 semanas e dose de manutenção de 250
mg/dia. Porém, é importante frisar com o paciente que, uma vez iniciado o tratamen-
to, o medicamento permanece na corrente sanguínea por aproximadamente 1 sema-
na, ou seja, mesmo que a medicação seja interrompida, caso ocorra uma recaída, o
efeito antabuse ainda pode ocorrer. O tempo de tratamento vai depender da melhora
do estado psicossocial do paciente e aquisição do autocontrole do comportamento
de beber.
Outro medicamento que contribui para o tratamento do alcoolismo é a naltrexona,
um antagonista opioide utilizado como coadjuvante das intervenções psicossociais
no tratamento da dependência alcoólica, pois atenua os efeitos prazerosos do ato
de beber. Estudos mostram que seu efeito terapêutico é maior nos primeiros 42 dias
de uso, no entanto, pode atuar reduzindo as taxas de recaídas por até 5 meses. De
modo geral, recomenda-se seu uso por até 12 semanas, com dose inicial de 25 mg/
dia para minimizar os efeitos adversos (o principal é a náusea) na 1ª semana, segui-
da de 50 mg/dia que é a dose de fato para tratamento do alcoolismo. A naltrexona é
contraindicada quando há doença hepática (aguda ou crônica) devido seu potencial
de hepatotoxidade baseado no aumento das transaminases hepáticas. Apesar deste
aumento nas transaminases estar mais associado ao uso de doses altas (> 300 mg/
dia) é importante mesmo assim realizar o controle mensal de bilirrubinas e transami-
nases hepáticas.

Conceito: O dissulfiram atua como um freio no ato de beber, pois


uma vez que seja ingerida bebida alcóolica durante o tratamento ou até 1 sema-
na após sua interrupção, ocorre o “efeito antabuse” uma reação caracterizada
por rubor facial, cefaleia, taquipneia, precordialgia, náuseas, vômitos, sudorese
e cansaço. Já a naltrexona age atenuando os efeitos prazerosos do ato de be-
ber, no entanto, é preciso realizar controle mensal de bilirrubina e transamina-
ses hepáticas devido ao potencial hepatotóxico deste medicamento.

Etilismo e Tabagismo 16
O acamprosato é outro fármaco que vem sendo utilizado por seu efeito na redu-
ção do consumo de álcool, sobretudo, por reduzir os sintomas de abstinência. Tal
medicamento é um coagonista de receptores de glutamato e é um fármaco seguro
por não interagir com o álcool ou com BDZ, no entanto, alguns estudos mostraram
que este é menos efetivo do que o dissulfiram. A dose habitual é 1.200-3.000 mg/dia,
dividido em 3 vezes ao dia, por um período de 3-12 meses.

7. SÍNDROME DA ABSTINÊNCIA
ALCÓOLICA
A síndrome da abstinência alcóolica (SAA) é caracterizada por um conjunto de si-
nais e sintomas que se iniciam cerca de 6h após a diminuição ou interrupção do uso
de álcool, sendo o tempo e intensidade do uso diretamente proporcional à gravidade
da apresentação. O curso dessa síndrome é flutuante e autolimitado, porém seu pico
pode acontecer entre 24 e 48h após o início do quadro e a mesma pode durar até 1
semana.
O quadro clínico da SAA está relacionado com o aumento da atividade do sis-
tema nervoso autônomo, por este motivo, podem ocorrer: tremores, ansiedade,
sudorese, taquicardia, aumento da pressão arterial, cefaleia, náuseas e vômitos,
inquietação, alteração do humor e insônia. Porém, é importante classificar a SAA
de modo a compreender a gravidade do quadro de cada paciente, podendo orientar
melhor o tratamento da síndrome. A classificação pode ser realizada por meio da
aplicação da escala Clinical Withdrawal Assessment Revised (CIWA-Ar) composta
por 10 itens rapidamente respondidos em que o escore final apresenta a gravidade
da SAA: 0-9 leve, 10-18 moderada e >18 grave.

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Figura 4: Instrumento de avaliação da gravidade da síndrome de abstinência alcóolica (CIWA-Ar)
Fonte: Dependência química, 2019

Etilismo e Tabagismo 18
Como já foi dito, o tratamento irá depender da gravidade do quadro do paciente
de modo que, é possível atualmente realizar tratamento ambulatorial quando o es-
core classifica o paciente como leve/moderado e, caso seja grave o tratamento deve
ser feito em nível hospitalar. É importante realizar a adequada indicação de trata-
mento ambulatorial, pois este quando bem indicado reduz os custos no tratamento
e melhora a adesão do paciente. No entanto, outros fatores também irão interferir
nesta decisão como por exemplo a presença de uma rede de apoio e insucessos em
tratamentos anteriores. Caso o paciente apresente: desidratação, história de TCE,
sintomas neurológicos, complicações clínicas (hipertensão, sangramento digestivo,
insuficiência renal), delirium tremens, convulsões e sintomas psicóticos, o mesmo
deve ser tratado, de forma mais adequada, em ambiente hospitalar.

SÍNDROME DA
ABSTINÊNCIA
ALCÓOLICA

LEVE/MODERADA GRAVE

Leve agitação psicomotora, Agitação psicomotora e tremores


tremores finos de extremidades de extremidades intensos

Sudorese discreta, Sudorese profusa, cefaleia,


cefaleia, náuseas e vômitos. náuseas e vômitos.

Sensopercepção inalterada, Sensibilidade visual


paciente orientado e com intensa e quadros similares
juízo crítico preservado. a crises convulsivas.

Desorientação e juízo crítico


Ansiedade leve, sem da realidade comprometido.
episódios de heterogressividade. Conteúdo do pensamento delirante e
alucinações auditivas/táteis/visuais.

Sem comorbidades ou
Comorbidades ou complicações
complicações clínicas/
clínicas/psiquiátricas graves
psiquiátricas graves

Paciente com rede de apoio. Ausência de rede de apoio.

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O tratamento ambulatorial consiste em inicialmente abordar a família e informar
a natureza do problema, como é o curso da SAA e seu tratamento, devendo orientar
que seja proporcionado ao paciente um ambiente calmo e tranquilo. Além disso,
é importante iniciar reposição vitamínica com tiamina 1 ampola ao dia por 7-15
dias e após este período reposição via oral com 300 mg/dia como forma de evitar
a Síndrome de Wernike, postergando a evolução para a fase crônica desta que é
a Síndrome de Wernike-Korsakoff. Além disso, a prescrição de benzodiazepínicos
(BDZ) deve ser feita com base nos sintomas apresentados, mas devem ser retirados
gradualmente ao longo de 1 semana, a 1ª escolha é o uso de Diazepam, mas em pa-
cientes com hepatopatias graves recomenda-se o uso do Lorazepam.

Se liga! A encefalopatia ou síndrome de Wernike (fase aguda) é ca-


racterizada pela tríade: ataxia, confusão mental e anormalidades na movimen-
tação ocular extrínseca. Já a Síndrome de Wernike-Korsakoff é a progressão da
fase aguda para um quadro crônico marcado por amnésia anterógrada, ou seja,
incapacidade de formar novas memórias e confabulação. Caso a abordagem
para esta síndrome seja tardia, pode haver progressão para o coma e em al-
guns casos até a morte. Vale ressaltar que, o desenvolvimento desta síndrome
está atrelado à deficiência de vitamina B1 ou tiamina e por este motivo é impor-
tante sua reposição em pacientes que fazem uso crônico de bebida alcoólica.
Fonte: SILVA, A; ENES, A. Síndrome de Wernicke-Korsakoff -revisão literária da
sua base neuroanatómica. Arq Med vol.27 no.3 Porto jun. 2013

Etilismo e Tabagismo 20
Quando há indicação de tratamento a nível hospitalar o monitoramento do pacien-
te deve ser frequente, mantendo a orientação de proporcionar um ambiente calmo.
A reposição vitamínica é a mesma indicada para os casos leve/moderado. Caso o
paciente apresente confusão mental, o mesmo deve permanecer em jejum devido
ao risco de broncoaspiração, devendo neste caso realizar hidratação endovenosa
a cada 8h com solução com glicose 5%+ NaCl+KCl. A indicação de BDZ também
deve ser feita com base nos sintomas, sendo boa opção para profilaxia de delirium
tremens (DT). A contenção física só deve ser realizada em caso agitação intensa
onde há risco para o paciente e terceiros ou quando não é possível administrar as
medicações.
O DT é uma forma grave e potencialmente fatal da abstinência do álcool que
pode se desenvolver cerca de 1 a 4 dias após a SAA, caracterizado por um estado
de confusão mental agudo, rebaixamento do nível de consciência, desorientação
e desatenção, podendo apresentar alucinações visuais e táteis que pode evoluir
para agitação. É uma psicose orgânica que pode ser revertida em alguns dias com
manejo sempre realizado em hospital geral e tratamento baseado no uso de BDZ
(Diazepam 10-20 mg/h ou Lorazepam 2-4 mg/h) e, se necessário, administrar haldol
5 mg/dia. Além disso, é fundamental realizar hidratação do paciente e avaliação ge-
ral através de exames laboratoriais.

Se liga! O que não fazer na SAA? 1. Administrar glicose indiscri-


minadamente, por risco de precipitar a Síndrome de Wernicke; devendo ad-
ministrá-la somente após o uso da tiamina. 2. Usar fenitoína como forma de
controlar crises convulsivas na SAA, pois este medicamento não parece ser efi-
caz neste contexto. 3. Usar neurolépticos sedativos como forma de controle da
agitação, uma vez que podem induzir convulsões, logo, a escolha para o contro-
le da agitação é haloperidol. 4. Contenção física inadequada e indiscriminada
que pode provocar lesões no paciente. Fonte: Dependência química: prevenção,
tratamento e políticas públicas. 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019.

Etilismo e Tabagismo 21
8. SÍNDROMES DEMENCIAIS
O álcool pode provocar lesões cerebrais difusas prejudicando a memória, capa-
cidade de julgamento, de abstração e de comportamento. Com isso, o comprome-
timento pode ocorrer desde deficiências cognitivas leves percebidas somente em
testes neurológicos, até síndromes demenciais graves. De modo geral, há prejuízo da
memória recente e confabulações sem alterações no nível de consciência.
Alterações psicológicas e radiológicas podem acontecer, mas são reversíveis
após meses de abstinência até mesmo naqueles pacientes que já possuem demên-
cias estabelecidas. O comprometimento cerebral costuma ser mais global como no
caso da Síndrome de Wernicke-Korsakoff que já abordamos anteriormente sendo
indicado o uso de tiamina 300 mg/dia por 12 meses.

Etilismo e Tabagismo 22
FLUXOGRAMA PARA ABORDAGEM A PESSOA COM PROBLEMA DE ABUSO DE ÁLCOOL

Atividades preventivas e de educação

Pessoa que procura ajuda

Suspeita de
problemas com álcool

PROBLEMA AGUDO? Acolhimento (escuta, anamnese com aplicação do CAGE +


CAGE, exame físico e complementar se necessário)

Intoxicação Síndrome de
Aplicar AUDIT
alcoólica Abstinência Alcoólica

Repouso, LEVE/MODERADO GRAVE <8 8 - 15 16-19 > 20


monitoramento,
internação ou
emergência APS: Centro de Risco Risco
Risco baixo Risco alto
ambulatório e desintoxicação moderado muito alto
internação ou internação
domiciliar hospitalar Se PROBLEMA
PERSISTIR

Abordagem Intervenção Breve, Acompanhamento


educativa, abordagem familiar, frequente e pactuar
aconselhamento, avaliar necessidade cuidado com outros
redução de danos de medicação níveis assistenciais

Acompanhamento longitudinal e integral da APS

Etilismo e Tabagismo 23
9. PROGNÓSTICO
O diagnóstico de problemas relacionados ao uso de álcool costuma ser tardio,
pois o período médio entre os primeiros sintomas e a primeira intervenção profis-
sional costuma ser de 5 anos. Esse diagnóstico tardio interfere no prognóstico, de
modo que em 2-3 anos de tratamento apenas 20-30% dos pacientes se mantêm abs-
tinentes, o que acaba por reforçar a ideia de que pessoas que fazem uso crônico de
álcool não se recuperam.
Logo, o diagnóstico e intervenção precoce são fundamentais, sobretudo, no pa-
norama atual em que o uso desta substância tem acontecido cada vez mais em pa-
cientes mais jovens o que pode acarretar em prejuízos inevitáveis neste cérebro em
formação.

10. QUANDO REFERENCIAR


Em algumas situações é necessário referenciar o paciente com transtorno de uso
de álcool, no entanto, ainda assim, a equipe da APS permanece responsável pelo
acompanhamento e tratamento do paciente. É possível referenciar alguns pacientes
para atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e drogas (CAPS-AD)
onde estes podem ser acompanhados por uma equipe multiprofissional trabalhando
em conjunto e dando suporte à equipe de saúde da família.
Algumas situações são indicação de tratamento a nível hospitalar como: depres-
são com ideação suicida, comorbidades clínicas/psiquiátricas não controladas, situ-
ação familiar instável e ausência de resposta ao tratamento ambulatorial. Pacientes
com sintomas leves/moderados podem ser tratados ambulatorialmente na APS, po-
rém, se for desejo do paciente, o mesmo pode ser encaminhado para um centro de
referência.

Etilismo e Tabagismo 24
TABAGISMO

1. INTRODUÇÃO
O tabagismo é considerado uma pandemia e segundo a OMS é a principal causa
de morte prevenível (6 milhões de mortes por ano) e de doenças no mundo afetan-
do mais de 1 bilhão de pessoas. Se a tendência atual for mantida, em 2030 haverá
8 milhões de mortes, sendo que 80% será em países em desenvolvimento. O Brasil,
destaque na produção mundial de tabaco, vem apresentando queda na prevalência de
tabagismo nas últimas décadas apesar do uso do tabaco representar uma parcela im-
portante dos gastos com despesa médica e perda da produtividade no país. Pesquisa
realizada pelo Ministério da Saúde em 2014 mostrou que a prevalências de fumantes
diários em maiores de 18 anos era de 10,8%, sendo maior no sexo masculino (12,8%)
do que no sexo feminino (9%).
Vale ressaltar que, atualmente sabe-se que o risco para fumantes passivos (ina-
lação da fumaça derivada do tabaco por pessoas não fumantes) também é alto, re-
presentando um aumento na morbimortalidade das pessoas expostas e fumaça do
tabaco. Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) revelam que cerca de 7 pessoas
morrem diariamente no Brasil devido ao fumo passivo, assim como fumantes passi-
vos possuem risco 30% maior de câncer de pulmão, 24% de infarto agudo do miocár-
dio e 50% de doenças respiratórias em crianças.
O termo tabagismo está vinculado ao consumo de qualquer substância derivada
do tabaco, podendo apresentar-se como cigarro industrializado, charuto, cigarro de
palha, narguilé, rapé, fumo de rolo, cigarro eletrônico, entre outros. É importante frisar
com o paciente que não existem níveis seguros do consumo do tabaco. Porém, a de-
pendência ao tabaco está relacionada à ação da nicotina no sistema nervoso central
o que eleva os níveis de dopamina.

2. QUADRO CLÍNICO
O manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-V) estabelece cri-
térios para o transtorno de uso do tabaco (abaixo) e permite classificar tal dependência
como leve quando 2-3 critérios abaixo são atendidos, moderada quando na presença de
4-5 critérios e grave quando há 6 ou mais critérios.

Etilismo e Tabagismo 25
Critérios DSM-V para transtorno por uso do tabaco

Critérios para Transtorno por Uso do Tabaco

Consumo de tabaco em quantidades maiores ou por Uso recorrente do tabaco em situações em que há
mais tempo que o planejado exposição a risco (p. ex. fumar na cama)

Desejo persistente ou incapacidade de controlar o Manutenção do uso do tabaco, apesar dos prejuízos
desejo de consumir tabaco físicos e psicológicos

Presença de tolerância, definida como perda ou di-


minuição da sensibilidade aos efeitos iniciais do ta-
Gasto importante de tempo em atividades para obter
baco, levando à necessidade de consumir tabaco em
ou usar tabaco
quantidades cada vez maiores para que se obtenham
os mesmos resultados

Presença de momentos com desejo intenso de usar


Presença de abstinência, caracterizada por um dos
tabaco (fissura)
seguintes: 1) Síndrome de abstinência, na qual a súbi-
Uso recorrente de tabaco interfere na realização de
ta interrupção ou acentuada redução do consumo de
obrigações no trabalho, na escola ou em casa
tabaco por 24 horas resulta em quatro ou mais dos
Uso continuado de tabaco, apesar de problemas
seguintes sintomas: irritabilidade, frustação ou raiva;
sociais ou interpessoais causados ou exacerbados
ansiedade; dificuldade de concentração; aumento do
pelos efeitos do tabaco (p. ex., discussão com outros
apetite; inquietude; humor deprimido ou insônia; 2) O
membros da família em virtude do fumo)
consumo do tabaco ou de substâncias relacionadas
Restrição do repertório de vida, incluindo atividades
(p. ex., nicotina), é necessário para aliviar ou evitar os
sociais, ocupacionais ou recreacionais, em função do
sintomas de abstinência
uso do tabaco

Fonte: Tratado de Medicina de Família e Comunidade, 2019

Nota-se que alguns fumantes possuem uma dependência comportamental vin-


culada ao ato de fumar, ou seja, rotinas do fumante estão associadas ao hábito de
fumar e por isto tornam-se gatilhos: após consumo de café, ao consumir bebidas
alcóolicas, antes/depois de alguma atividade, ao ir no banheiro, ao falar no telefone,
antes de dormir, etc. Além disso, outros podem atrelar o ato de fumar a questões psi-
cológicas o que é chamada de dependência psicológica, ou seja, há uma associação
de sentimentos com o cigarro tornando o tabagismo um “amortecedor de emoções”,
tais como em situações de: estresse, solidão, facilitar interações sociais, relaxar, co-
memorar algo positivo, etc.
A síndrome da abstinência nicotínica pode ocorrer tanto na abstinência total,
bem como na redução ou restrição da nicotina por um período. Com isso, o paciente
apresenta-se: irritado, inquieto, impaciente, distúrbio do sono/insônia, aumento do
apetite ou ganho de peso, humor disfórico ou deprimido e ansiedade pode aumentar
ou diminuir neste período. O início dessa síndrome ocorre cerca de 8h após o último
cigarro, possui pico 72h após e pode durar até 4 semanas.

Etilismo e Tabagismo 26
3. AVALIAÇÃO CLÍNICA
Na avaliação inicial é importante que seja realizada uma conversa individualmente
com o paciente enfatizando sua história tabagística. O profissional deve ser empático,
deixando o paciente à vontade durante a entrevista, de forma que ao final o paciente
saia ciente da sua avaliação e ciente das possibilidades de tratamento do tabagismo.

• Nível de escolaridade e socioeconômico: vários estudos mostram que pacien-


tes com menor escolaridade e nível socioeconômico têm taxas de sucesso in-
feriores na cessação de tabagismo.
• História do tabagismo: importante entender a relação do paciente com o cigar-
ro, como começou, qual tipo de tabaco utiliza, seus gatilhos para o uso e quais
hábitos estão relacionados ao tabagismo.
• Comorbidades e antecedentes de outros transtornos: conhecer as comorbidades
clínicas pode auxiliar até mesmo em um aconselhamento mais direcionado acerca
dos efeitos do tabaco e as comorbidades já existentes. É importante investigar
medicamentos em uso, pois caso seja necessário o uso de medicações antitaba-
gismo deve-se observar possíveis interações medicamentosas e possíveis efeitos
colaterais. Investigar antecedente atual ou prévio de ansiedade, depressão ou abu-
so de drogas tem relevância devido a estas pessoas possuírem maior prevalência
de tabagismo com consumo em maior quantidade. Com isso, é importante que
antes de iniciar o tratamento para cessação do tabagismo, a pessoa esteja o mais
estável possível da sua comorbidade psiquiátrica.
• Apoio social: identificar os apoiadores e “sabotadores” no processo de abstinên-
cia ajuda o paciente a identificar quem pode ajudá-lo. Além disso, evidenciar isto
auxilia o profissional de saúde a pensar juntamente com o paciente, estratégias
futuras que considerem a presença de fumantes no convívio do paciente que po-
dem acabar interferindo no seu processo de cuidado.
• Grau de motivação: como já foi visto na parte de Alcoolismo deste Super
Material, cada paciente encontra-se em um grau de motivação diferente relativo
a sua relação com a substância que faz uso e, identificar este grau de motivação
auxilia no acolhimento e direcionamento de estratégias que podem auxiliar o pa-
ciente no momento em que se encontra. Vale ressaltar que, independente do grau
em que o paciente se encontre, algo deve ser feito devendo ser seguida aquelas
orientações dadas na parte do uso de álcool também para a abordagem do pa-
ciente em uso de tabaco.

Etilismo e Tabagismo 27
• Grau de dependência: A avaliação do grau de dependência a nicotina é feita pela
aplicação do teste de Fagerstrom que consiste em um questionário de 6 pergun-
tas com pontuação variando de 0 a 10 em que valores 0-2 pontos classificam
o grau de dependência como muito baixo, 3-4 baixo, 5 pontos como médio, 6-7
pontos como elevado e entre 8-10 pontos como muito elevado. Além disso, indi-
víduos com valores acima de 6 tem grande probabilidade de passar por síndrome
de abstinência ao parar de fumar.

Teste de Fagerstrom para avaliação da gravidade


da dependência nicotínica

Dentro de 5 min (3 pontos)


Entre 6 e 30 min (2 pontos)
Quanto tempo após acordar você fuma o seu primeiro cigarro?
Entre 31 e 60 min (1 ponto)
Após 60 min (0 ponto)

Você acha difícil não fumar em lugares proibidos, como igrejas, Sim (1 ponto)
bibliotecas, cinemas, ônibus? Não (0 ponto)

O primeiro da manhã (1 ponto)


Qual é o cigarro do dia que lhe traz mais satisfação?
Outros (0 ponto)

Menos de 10 (0 ponto)
De 11 a 20 (1 ponto)
Quantos cigarros você fuma por dia?
De 21 a 30 (2 pontos)
Mais de 31 (3 pontos)

Sim (1 ponto)
Você fuma com mais frequência pela manhã?
Não (0 ponto)

Você fuma mesmo doente, quando precisa ficar de cama a Sim (1 ponto)
maior parte do tempo? Não (0 ponto)

4. COMO ABORDAR E
ACONSELHAMENTO
Alguns pacientes estão ainda em estado de ambivalência no que diz respeito ao
tabagismo, com isso, realizar uma entrevista motivacional é um bom método para
auxiliar na mudança comportamental. Para tal, o profissional de saúde deve acolher
o paciente respeitando seu conflito acerca do tabagismo, buscando analisar sua am-
bivalência como elemento perturbador da decisão de mudança, minimizando junto
ao fumante suas incertezas quanto ao tabagismo e enfatizando expectativas positi-
vas que virão com a abstinência.

Etilismo e Tabagismo 28
A entrevista motivacional é uma forma de abordagem que proporciona uma forma
diferente de estar com o paciente. Inclusive, o profissional de saúde nunca deve per-
der a oportunidade de abordar a questão do tabagismo, devendo sempre ser enfati-
zado que o tabagismo é uma doença crônica que precisa de tratamento, pois quanto
mais intensa a abordagem, maior a taxa de cessação aumentando 40-60% as chan-
ces de abstinência quando comparada com abordagens mais leves.
Durante essa primeira conversa com o paciente, deve-se evidenciar algumas infor-
mações relativas ao hábito de fumar, como por exemplo, dizer que a nicotina é uma
substância psicoativa capaz de provocar dependência e que sua ação no sistema
nervoso central leva a liberação de neurotransmissores que desencadeiam a sensa-
ção de prazer, redução da ansiedade, aumento da atenção e da memória. Além disso,
vale ressaltar ao paciente que, ao parar de fumar é possível que ele experimente epi-
sódios de fissura (forte vontade de fumar com duração de cerca de 5 min) devendo
nesse momento realizar atividades prazerosas e que levem à distração. Deve-se tam-
bém alertar da possibilidade de ocorrência da síndrome de abstinência.
Dois modelos foram criados como forma de sistematizar a abordagem dos profis-
sionais de saúde aos pacientes tabagistas a primeira é a dos 5 As e a outra dos 5 Rs,
a qual deve ser utilizada para pacientes que não desejam parar de fumar imediata-
mente, utilizando está estratégia para melhorar a motivação do mesmo.

Etilismo e Tabagismo 29
5As 5Rs

RELEVÂNCIA: ajudar a identificar


ARGUIR: perguntar a todos
por que deixar de fumar é relevante,
os pacientes se são ou não fumantes
devendo o paciente encontrar seus
e se desejam parar.
próprios motivos.

RISCO: ajudar a identificar


ACONSELHAR: a deixar de fumar;
potenciais riscos na sua vida devido
falar de forma clara e impactante.
ao consumo do tabaco.

RECOMPENSAS: ajudar a
encontrar os benefícios de parar de
AVALIAR: o grau de
fumar e reforçar (melhora paladar e olfato,
motivação e dependência.
economia de dinheiro, melhor para saúde,
bom exemplo para filhos...)

RESISTÊNCIAS: identificar principais


ASSISTIR: aqueles que
barreiras que dificultam a cessação
desejam parar de fumar e oferecer
(medo de ganhar peso, falta de apoio,
opções de tratamento.
sintomas de abstinência...)

REPETIÇÃO: repetir esta intervenção


ACOMPANHAR: marcar uma
sempre que um paciente pouco
consulta na 1ª semana após a parada.
motivado comparecer à consulta.

Tendo sido feita esta abordagem, o paciente deve estipular uma data ou “dia D”
em que irá parar de fumar. Os profissionais de saúde devem estimular a parada
abrupta no lugar de uma redução progressiva no número de cigarros, devendo inclu-
sive auxiliar o paciente a escolher esta data, observando a existência de mais ou me-
nos gatilhos a depender das datas.

Etilismo e Tabagismo 30
5. TRATAMENTO NÃO
FARMACOLÓGICO
O aconselhamento pode ser realizado de forma individual ou em grupo, porém, é
importante previamente conversar com o paciente sobre como se planeja o trata-
mento, expondo não somente as possibilidades de tratamento não farmacológico,
mas citando também as possibilidades de tratamento farmacológico para cessação
do tabagismo. Além disso, é importante compreender a rotina da pessoa, seus horá-
rios disponíveis de forma a promover melhor adesão ao tratamento.
A abordagem em grupo apresenta as maiores taxas de cessação, sobretudo,
quando adjuvantes a terapia medicamentosa. Tem a vantagem de tornar possível a
troca de experiência entre as pessoas, evidenciando as dificuldades de cada um no
processo de parar de fumar fazendo cada uma perceber que as dificuldades são co-
muns. Essa abordagem deve ser feita preferencialmente com um número de no má-
ximo 12 pessoas, por um período de 60 min, devendo ser um total de 6 sessões (4
primeiras semanais e 2 últimas quinzenais). Algumas pessoas, porém, não se adap-
tam ao modelo em grupo tanto por problemas pessoais ou timidez, outras acabam
por inibir o comportamento dos outros e podem acabar interferindo no tratamento
dos colegas, por isso indica-se a abordagem individual.
A terapia cognitiva comportamental (TCC) também deve ser utilizada por meio
estratégias para aquisição e treinamento de habilidades que serão decisivas para
mudança na vida do fumante. Com isso, o tratamento ao paciente deve ser sempre
baseado na empatia, nas orientações, avaliação e parabenização pelos progressos,
bem como dialogando sobre lapsos e recaídas que venham a acontecer.

6. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
O tratamento farmacológico está indicado para:

• Fumantes que fumam 20 cigarros ou mais por dia;


• Fumantes que fumam o 1º cigarro até 30 minutos após acordar e no mínimo 10
cigarros por dia;
• Teste de Fagerstrom ≥ 5;
• Fumantes que já tentaram parar de fumar apenas com TCC;
• Aqueles que não possuem contraindicações clínicas;
• Decisão a critério do profissional.

Etilismo e Tabagismo 31
Primeiro inicia-se o tratamento pela monoterapia, sendo indicada a combinação
de medicamentos naqueles casos em que há elevada dependência, pessoas que já
fizeram tratamento com monoterapia, mas apresentaram resultados insatisfatórios,
ou aqueles que já utilizaram diversos medicamentos antitabagismo e tiveram suces-
so parcial. Vale ressaltar que, a escolha de qual medicamento iniciará o tratamento
irá depender das condições financeiras da pessoa, disponibilidade do medicamento
e presença ou não de contraindicações.

• Terapia de Reposição de Nicotina (TRN): considerada a 1ª escolha no trata-


mento farmacológico do tabagismo, a TRN age ligando-se aos receptores de
nicotina no SNC e com isso, impedindo a ligação da nicotina proveniente dos
cigarros nos mesmos. Possui diversas apresentações disponíveis no Brasil: go-
ma de mascar, pastilhas, adesivos transdérmicos. Vale ressaltar que, indepen-
dente da apresentação, tais medicamentos são eficazes aumentando a taxa de
abstinência.

A goma de mascar tem um gosto característico que indica a liberação de nicotina


que será absorvida pela mucosa oral uma vez que a goma fica posicionada no sulco
gengival, ao adquirir consistência mais firma deve ser mascada novamente, repe-
tindo o processo até atingir o tempo máximo de 30 min. Recomenda-se não ingerir
alimentos ou bebida 15 min antes de mascar a goma e nem durante para não haver
interferência na absorção da nicotina. O pico de concentração é em 20 min e, apesar
de poder ser usada como monoterapia, o uso da goma tem sido mais indicada em
uso combinado com outro medicamento antitabagismo, sendo a goma direcionada
para os momentos de fissura, pois o ato de mascar com frequência pode levar a fadi-
ga da musculatura maxilar e problemas dentais e na articulação temporomandibular.
As pastilhas possuem um mecanismo de ação igual ao da goma, no entanto, são
absorvidas mais rapidamente e não têm como efeitos as dores ou fadiga na região
oral, podendo inclusive serem utilizadas como monoterapia ou em associação. Tanto
a goma, quanto as pastilhas, devem ser utilizadas por até 12 semanas.

Se liga! Deve-se orientar o paciente a evitar fumar durante o uso da


TRN, pois isso pode acarretar em uma concentração ainda maior de nicotina do
que o paciente estava acostumado, o que pode levar a cefaleia, mal-estar, náu-
seas. Caso isto ocorra com frequência, deve-se avaliar o grau de motivação do
fumante.

Etilismo e Tabagismo 32
Os adesivos transdérmicos estão disponíveis em apresentações de 7, 14 e 21mg,
devendo o início do uso deve coincidir com o dia que o paciente parar de fumar.
Atuam liberando continuamente a nicotina e, por isto, devem ser colocados logo ao
acordar em uma região sem pelos, devendo ser trocados a cada 24h devendo ser al-
ternado o local de aplicação. O tratamento deve ser iniciado com o adesivo de maior
concentração (21 mg), podendo a dose máxima ser 42 mg/dia (2 adesivos de 21
mg), passando em seguida para os de 14 e 7 mg. O tempo de tratamento depende do
progresso e grau de dependência da pessoa. Efeitos adversos incluem irritação local
da pele, prurido, bolhas, hipersalivação, insônia, náuseas e vômitos. Os adesivos de-
vem ser utilizados por 8-10 semanas.

• Bupropiona: É um antidepressivo atípico que inibe a recaptação de dopamina


e norepinefrina no SNC, não se sabe ao certo como contribui para a cessação
do tabagismo, mas alguns estudos sugerem que possa contribuir reduzindo a
compulsão por fumar. Deve-se combinar com o paciente que o início do uso da
Bupropiona deve ocorrer 10-14 dias antes do “dia D” devendo o uso do medica-
mento se estender por no máximo 12 semanas. A dose inicial é de 150 mg/dia
durante os 3 primeiros dias, passando para a dose de 300 mg/dia divididos em
2 vez por dia com intervalo de 8h entre cada dose. Contraindicações absolutas:
epilepsia ou história de convulsões (inclusive na infância), anormalidades no
eletroencefalograma, tumores no SNC, trauma craniano e uso de inibidores da
monoaminoxidase nos últimos 15 dias. Os efeitos adversos mais comuns são
sensação de boca seca, insônia, aumento da pressão arterial, tontura e de mo-
do menos frequente, convulsões e dor abdominal.
• Vareniclina: Esse medicamento funciona como agonista parcial da nicotina ao
ligar-se aos receptores liberando baixas doses de dopamina, além disso atua
como antagonista da nicotina, pois impede a ligação da nicotina no SNC. O “dia
D” deve ser programado para 1 semana após o início da Vareniclina e, o esque-
ma de tratamento deve ser o seguinte: 1 comprimido (0,5 mg)/dia do 1º-3º dia,
1 comprimido (0,5 mg) 12/12h do 4º-7º dia, seguido de 1 comprimido (1 mg)
12/12h a partir do 8º dia até o final do tratamento que deve ser de no máximo
12 semanas (estender o tratamento para 24 semanas pode reduzir o risco de
recaídas). A náusea é o efeito colateral mais relatado, sendo pior nas primeiras
semanas e melhorando com a continuidade do tratamento ou com uso de an-
tieméticos, em caso de humor deprimido, ideação suicida ou sonhos vívidos
o medicamento deve ser suspenso. Vale ressaltar que, alguns estudos têm
alertado quanto ao uso da Vareniclina em pessoas com doença cardiovascular
prévia, que pode estar associada a risco de eventos cardiovasculares.

Etilismo e Tabagismo 33
Saiba mais! Um estudo randomizado com 1.027 pessoas (35%
completaram o estudo), comparou a eficácia da Vareniclina com a Bupropiona
e um placebo. Além dos medicamentos, todos os participantes receberam
abordagem breve acerca da cessação do tabagismo. Das semanas de 9 a
12, a taxa de abstinência contínua com Vareniclina foi de 43,9%, enquanto da
Bupropiona foi de 29,8% e do placebo 17,6%. Fonte: Jorenby DE, Hays JT, Rigotti
NA, Azoulay S, Watsky EJ, Williams KE, et al. Efficacy of varenicline, an alpha-
4beta2 nicotinic acetylcholine receptor partial agonist, vs placebo or sustained-
-release bupropion for smoking cessation: a randomized controlled trial. JAMA.
2006;296(1):56-63.

• Nortriplitilina: Diferente dos medicamentos apresentados anteriormente, este


é considerado de 2ª escolha. É um antidepressivo tricíclico que atua bloque-
ando a recaptação de norepinefrina no SNC, aumentando seus níveis na fen-
da sináptica, o seu mecanismo para a cessação do tabagismo ainda não foi
evidenciado. Apesar do seu efeito antitabagístico não estar associado ao seu
mecanismo de ação como antidepressivo, ao ser utilizado com outros medica-
mentos como adesivos transdérmicos pode contribuir também para a redução
de ansiedade. A dose inicial é de 25-50 mg/dia de preferência à noite, sendo
aumentada gradualmente até 75-100 mg/dia mantendo o uso total do por 8-12
semanas. Importante ter cautela ao prescrever para cardiopatas ou portadores
de arritmias, pois pode promover taquicardia sinusal e prolongamento do inter-
valo QT.

Etilismo e Tabagismo 34
7. PROGNÓSTICO
O tabagismo é uma doença crônica e com tratamentos eficazes disponíveis, no
entanto, a recaída é frequente e o profissional não deve usar de julgamentos diante
desta situação, mas sim salientar que esta recaída seja um ponto de “reinício” para
uma nova tentativa de cessação. Costuma acontecer nas primeiras semanas de ces-
sação e alguns pacientes voltam a fumar igual ou mais do que antes de parar, sendo
necessárias várias tentativas até conseguir a abstinência completa e contínua. É
importante diferenciar a recaída de um lapso, neste caso, em um episódio isolado a
pessoa volta a fumar não traduzindo de fato uma recaída, apesar de que uma sequ-
ência de lapsos pode de fato levar a uma recaída.
Muitas pessoas param de fumar sem um acompanhamento adequado o que pode
acarretar em quadros ainda mais graves de ansiedade e síndrome de abstinência.
Por isso, é importante sempre dialogar com os pacientes na consulta, abordar a
questão do tabagismo e oferecer apoio e suporte para o momento em que o pacien-
te escolha parar com o hábito.
Algumas consequências da cessação do tabagismo, como o ganho de peso, são
temidas pelos pacientes, e de fato o ganho de peso pode ocorrer entre 2-4kg por cau-
sa multifatorial como redução do metabolismo, aumento da ansiedade, necessidade
de manipular algo na mão etc. Para isto, é importante reforçar um estilo de vida sau-
dável, prática de atividade física e bons hábitos alimentares.

Etilismo e Tabagismo 35
MAPA RESUMO TABAGISMO

História do tabagismo,
comorbidades, GRAU
DE MOTIVAÇÃO

GRAU DE DEPENDÊNCIA:
Teste de Fagerstrom

5AS e 5Rs

Abordagem em Grupo
Abordagem em Abordagem Individual
todas as consultas! TCC

Morbimortalidade
importante entre Auxiliar o paciente
fumantes passivos na escolha do “dia D”

Pandemia! Principal causa Tratamento não


de morte prevenível farmacológico

Transtorno por uso


Tratamento farmacológico
do tabaco: DSM-V

Dependência comportamental Terapia de Reposição Nicotínica


e psicológica! Bupopriona
Vareniclina
Síndrome de Abstinência Nicotínica: Nortriplitilina
Irritação, insônia, ganho de peso,
alterações no humor • Fumantes que fumam
20 cigarros ou mais por dia;
Dependência
• Fumantes que fumam o 1º cigarro
Leve: 2-3 critérios
até 30 minutos após acordar e no
Moderada: 4-5 critérios
mínimo 10 cigarros por dia;
Grave: > 6 critérios
• Teste de Fagerstrom ≥ 5;
• Fumantes que já tentaram
parar de fumar apenas com TCC;
• Aqueles que não possuem
contraindicações clínicas;
• Decisão a critério do profissional.

Etilismo e Tabagismo 36
REFERÊNCIAS
Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R (orgs.). Dependência química: prevenção, tratamen-
to e políticas públicas [recurso eletrônico]. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.
Gusso G, Lopes JMC, Dias LC. Tratado de medicina de família e comunidade: princí-
pios, formação e prática [recurso ele­trônico]. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019. 2 v.

Etilismo e Tabagismo 37
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