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Aluno: Dyllan Soares Prof.: Thales H. N.

de Andrade
RA: 743913 Matéria: Elites, Instituições e Política
Publicada no início da década de 1960, Os Herdeiros (2014) se insere principalmente
no debate da sociologia da educação, principalmente no que diz respeito qual seria mais
importante, fatores interiores ou exteriores a sistema escolar. Dentro deste quadro de pesquisa
a importância da capital cultural e social que os estudantes de origens sociais distintas tenham
ao ingressar no ensino superior mostrou-se decisiva na reprodução de certas classes sociais, e
neste sentido acabam sendo bastante revelante sobre dinâmicas de elites.
Uma primeira observação a ser feita sobre a publicação da pesquisa do Bourdieu e
Passeron é que deu num momento de expansão do sistema universitária francês, o que
desembocaria quatro anos depois em maio de 1968. A realidade social francesa, e dos
estudantes universitários no mundo na década de 1960 é bastante distinta da realidade atual.
Neste sentido interessa menos saber os dados quantitativos contidos no livro do que os
traços gerais da dinâmica social que elites estabelecem. Uma das primeiras é a distribuição
desigual das classes sociais dentro do ensino superior.
Sem dúvida, no nível do ensino superior, a desigualdade inicial das diversas
camadas sociais diante da escola aparece primeiramente no fato de serem
desigualmente representadas. Ainda seria preciso observar que a parcela de
estudantes originários das diversas classes reflete apenas incompletamente a
desigualidade escolar, as categorias sociais mais representadas no ensino superior
sendo ao mesmo tempo as menos representadas na população ativa […] Mas
raramente se percebe certas formas ocultas de desigualdade diante da escola como a
relegação dos filhos das classes baixas e médias a algumas disciplinas e o atraso ou a
repetência nos estudos (BOURDIEU, PASSERON, 2014, 16 p.)

A reprodução de classes afluentes dentro do sistema educacional se manifesta não


apenas na quantidade de alunos de certas camadas sociais entram nas escolas, mas de formas
mais sutis. A escolha e o sucesso em certas disciplinas não é, do ponto de vista sociológica,
arbitraria. Variáveis como a família, principalmente no que diz respeito a profissão do pai e,
para além da família imediata, os parentes estendidos que tenham ou não formação superior.
O capital cultural e social da herança familiar permitam aos jovens maiores ou menor
probabilidade de sucesso nas provas de ingresso a universidades e sucesso nos cursos
escolhidos:
[…] a consciência de que os estudos (e sobretudo alguns) custam caro e de que há
profissões nas quais não se pode entrar sem algum patrimônio, as desigualdades da
informação sobre os estudos e suas possibilidades, o modelos culturais que associam
certas profissões e escolhas escolares (o latim, por exemplo) a um meio social, enfim
a predisposição, socialmente condicionada, a adaptar-se aos modelos, às regras e aos
valores que regem a escola, toda esse conjunto de fatores que faz com que se sinta
“em seu lugar” ou “deslocado” na escola e que seja percebido como tal determina,
apesar de todas as aptidões iguais, uma taxa de sucesso escolar desigual segundo as
classes sociais, e particularmente nas disciplinas que supõem toda uma aquisição,
quer se trate de instrumentos intelectuais, de hábitos culturais ou de rendimentos.
(Ibid., 29 – 30 p.)

Há ainda uma forte ideologia de “dom” entre os jovens burgueses que frequentam o
ensino superior, o que leva a eles a ter uma profunda desgosto em relação a trabalhos
acadêmicos que não conformam com a visão romântica que os atraem para, principalmente
entre alunos das humanidades. É interessante notar como os autores se distinguem em relação
ao Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto aqui, colocando como ideológica a crença de que os
eleitos detenham naturalmente, ou ao menos monopolizam uma qualidade por serem os
melhores. Os autores colocam isso como resultado de uma mecanismos de reprodução de
capitais dentro de uma instituição, algo que não aparece nas teorias clássicas sobre elites.
Como notam os autores, essa ideologia não é independente de posição de classe, e é
fomentada desda antes da entrada a ensino superior:
É a pequena burguesia, classe de transição, que adere mais fortemente aos valores
escolares, pois a escola promete preencher todas as expectativas confundindo os
valores do sucesso social com os do prestígio cultura. Os membros das classes
médias distinguem-se (e entendem distinguir-se) das classes inferiores atribuindo à
cultura da elite, da qual frequentemente têm um conhecimento longínquo, um
reconhecimento decisório que revela sua boa vontade cultural, sua intenção vazia de
acesso à cultura. É portanto sob a dupla relação da facilidade em assimilar a cultura
e da propensão em adquiri-la que os estudantes oriundos das classes camponesas e
operária estão em desvantagem: até recentemente, eles nem sequer conseguiam
encontrar, em seu meio familiar, a incitação ao esforço escolar que permite às
camadas médias compensar o desapossamento pela aspiração à posse […] (Ibid., 40
p.)

Não se ignora que o professor que opõe o aluno “brilhante” ou “dotado” ao aluno
“sério” não julga, em muitos casos, nada além da relação com a cultura à qual um e
outro estão socialmente prometidos pelo seu nascimento. (Ibid., 40 p.)
Desda infância as culturas das elites são valorizadas até mesmo por quem tenha pouco
contato com ele, e agentes sociais em cargos decisivos para a reprodução desta aprovação é
marcante na educação não apenas francês como em demais países.
Há uma relação complexa entre o interior e exterior do sistema educacional que
reproduz as desigualdades de classe na sociedade moderna. Acesso distinto a capital cultural
exigida a priori nestas instituições garante que “os eleitos” tenham maior facilidade em se
darem bem, enquanto os desfavorecidos tenham que dobrar seus esforços para recompensar a
falta de capitais essências:
É por isso que não há maneira melhor de servir ao sistema acreditando combatê-la
do que imputar unicamente às desigualdades econômicas ou a uma vontade política
todas as desigualdades diante da escola. O sistema de educação pode na verdade
assegurar a perpetuação do privilégio unicamente pelo jogo de sua própria lógica;
dito de outra forma, ele pode servir aos privilégios sem que os privilégios tenham
que se servir dele: em seguida, toda revindicação que tende a autonomiza um
aspecto do sistema de ensino, ainda que se tratando do ensino superior na sua
totalidade, ou, por abstração ao segundo grau, de um ou outro aspecto do ensino
superior, serve objetivamente ao sistema e a tudo o que serve ao sistema, pois basta
deixar esses fatores agirem, da escola maternal ao ensino superior, para assegurar a
perpetuação do privilégio social. (Ibid. 45 p.)

Se, por um lado, reformas organizacionais dentro do sistema escolar são importantes, e
democratização a acesso a estas instituições são uma via de acensão social em sociedades
modernas, é tão quão importante reconhecer que as dificuldades que alunos de classes
desfavorecidos venha de antes de seu ingresso. Assim mudanças pontoais não resolveriam a
reprodução de classe e o caráter conservador da educação moderna. A elite continuaria
beneficiando da educação escolar em maior grau desde que suas manifestações culturais
sejam o padrão a ser alcançadas.
A contribuição da perspectiva bourdisiana para a teoria das elites é chamar atenção
para os meios pelos quais estes se reproduzam. A hereditariedade não é novidade nos estudos
sobre elites. No entanto, as teorias clássicas, de modo geral, se limitaram a afirmar que elites
passam seus dons para frente. Bourdieu e Passeron chamam atenção para a existência que
exitem instituições, como universidades de elites, que através de expectativas acadêmicas em
volta de capitais culturais garantam que as elites conservam seu status privilegiada.
Referências:
BOURDIEU, P., PASSERON, J-C.. Os Herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis
Editora da UFSC, 2014. 172 p.

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