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VINICIUS FULAS
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Vida e Obra, p. VI.
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Ibid. Ainda sobre a crítica, R. G. Santos afirma que "Kierkegaard critica os idealistas, em especial
Hegel, ao dar o exemplo de um pensador que elabora um enorme sistema que explica toda a existência
humana e a história do mundo; mas este pensador teme encontrar a verdade, de que tudo aquilo que
construiu são "palácios" sem sentido, que nem mesmo ele habita.”
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Ao contrário do que se poderia pensar, foi o próprio Kierkegaard que rompeu com esse matrimônio, e
não por falta de amor ou coisa pior, pois eram apaixonados, como fica aparente em uma nota de seu
diário: “Vós, soberana do meu coração, guardada na profundeza secreta do meu peito, na plenitude do meu
pensamento, ali [...] divindade desconhecida! Ó, posso eu realmente acreditar nas palavras dos poetas, que
quando se vê pela primeira vez o objecto do seu amor, imagina já tê-la visto há muito tempo, que todo o
amor assim como todo o conhecimento é lembrança, que o amor tem também as suas profecias dentro do
indivíduo.” A razão do rompimento foi por sua visão de que sua vocação não era compatível com uma
relação deste tipo. Bem, essa vocação tinha muito a ver com sua declaração de que sua vida seria de
reflexão do princípio ao fim. Além disso, por outro lado, declarava também que sua melancolia o
tornava impróprio para o casamento.
procurava abarcar a vida fora de mim mesmo. Esse silêncio agrada-me
porque me sinto capaz desse esforço e com coragem para segurar o espelho,
mostre-me ele o que mostrar, o meu ideal ou a minha caricatura.4
Esse movimento introspectivo realizado por Kierkegaard a partir dos eventos de sua
vida e o encontro com Hegel provocará na filosofia uma espécie de giro conceitual, uma
alteração no foco da filosofia, refletindo como pano de fundo em toda a contemporaneidade,
seja ampliando essa filosofia ou criticando-a: não mais buscar a verdade fora do sujeito, no
mundo ou nos seus fundamentos últimos, mas em si mesmo, olhando para dentro num ato de
reflexibilidade e análise da sua própria existência enquanto ser humano existente e concreto.
Trata-se de um movimento semelhante aos que fizeram os modernos com o estabelecimento e
desenvolvimento do cogito. Entretanto, se nos modernos tínhamos um conceito de cogito
preocupado sobretudo com o conhecimento, aqui temos uma preocupação com a existência, ou
conhecimento dela.
Na própria seção exploraremos de maneira expositiva os três estádios da existência
humana pensados por Kierkegaard e, ao final, na terceira seção, faremos uma apreciação de
seus resultados, tendo por critério o modo como essa filosofia nasce. Visto que nasce como
forte crítica ao pensamento de Hegel, acusando este de ter ignorado os elementos da vida
concreta e de subjugar essa vida a um mecanismo determinante, a filosofia de Kierkegaard,
para que cumpra com seus objetivos, deve apresentar esses elementos da vida concreta e
retirar o sujeito deste sistema determinante.
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p. VIII
2. ADVERTÊNCIAS INICIAIS
A primeira questão que nos é colocada aqui é de como devemos compreender a noção
dos estádios no pensamento filosófico de Kierkegaard. Para se ter uma boa compreensão
dessa noção, é necessário advertir contra as ideias de que 1) os estádios são fases que se
passam de modo necessário em um tempo linear, 2) que suas fronteiras são bem delimitadas e
de que 3) demarcam transformações completas nos indivíduos.
Os estádios não possuem suas fronteiras entre si muito bem delimitadas. Ao contrário,
se mesclam e se confundem na existência. Um indivíduo pode carregar em si características
do estádio estético e ético ao mesmo tempo, por exemplo. O que será determinante para o
estádio em que se está é o elemento-guia que prevalece diante dos outros naquele momento de
sua vida. É por esse motivo também que os estádios não demarcam transformações completas
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Pode-se optar, como muitos optam, por “estágio” em vez de “estádio”. Estágio, por sua vez, se remete de
maneira temporal e não espacial. Nos pareceu, pelas razões apresentadas no parágrafo seguinte, mais adequado
referirmo-nos com a solução apresentada aqui. De qualquer forma que seja, o que importa é termos em mente as
condições explicitadas por Kierkegaard para compreender sua filosofia.
na vida dos indivíduos. Na verdade, eles são reflexos concretos das faculdades naturais do ser
humano, tais como o desejo, o dever e a fé/amor. Por isso, não se trata de abandonar os traços
do estádio anterior, mas de ressignificá-los tendo por base as características do estádio em que
se está. Oliveira e Cremonezi concluem essa questão:
Falar em esfera da existência é apontar o ponto de vista, o horizonte, a
preocupação pelo qual se examina e se quer participar na existência. Na
medida em que há faculdade e necessidades estéticas, éticas e religiosas na
existência humana, não se pode conceber o abandono puro e simples de
uma ou duas dessas faculdades para nos enclausurarmos em uma esfera a
despeito de todo o resto. Trata-se antes de privilegiar um desses aspectos e
de relacioná-lo com o todo com base nessa decisão. (2008, p.2)
Mesmo que Kierkegaard tenha criticado essencialmente o pensamento de Hegel, não
pôde deixar de ser tocado por ele, adotando naturalmente a estrutura dialética em algumas de
suas concepções. Aqui não é diferente. Se é verdade que os três estádios não se regulam por
uma estrutura linear e necessária do tempo, se regulam, ao contrário, por uma estrutura
dialética. Os estádios estético e ético compõem tese e antítese, enquanto que o religioso a
síntese. A partir deste ponto de vista, fica claro também que os estádios possuem uma
hierarquia entre si, tendo como o ápice da existência o encontro com o Absoluto, como
veremos mais adiante. Outra coisa que fica salientada a partir desta visão é a liberdade: a
síntese (o ápice da existência) deve ser realizada pelo próprio indivíduo, e não ocorre de
maneira natural, mas por vontade e necessidade do próprio indivíduo de construir sua própria
existência.
3. OS TRÊS ESTÁDIOS DA EXISTÊNCIA HUMANA
Ora, o problema que se impõe naturalmente a Kierkegaard quando este acusa e critica
Hegel de compreender a vida humana subordinada a um sistema, compreensão essa que, para
Kierkegaard, faz sumir os traços subjetivos e concretos da mesma, é explicá-la com outro
enfoque, não mais olhando para o grande mecanismo que a ronda e concebendo a existência
humana como subsumida neste grande fluxo, mas para ela própria, isto é, essa vida concreta,
subjetiva, individual e seus aspectos.
Para abarcar a vida concreta do indivíduo, Kierkegaard lança mão da noção dos três
estádios da existência humana, um reflexo filosófico de sua própria vida, que surge em uma
de suas primeiras obras, Temor e Tremor, de 1843. Do ponto de vista do dinamarquês,
haveriam três estádios possíveis da vida humana, tendo em cada uma delas uma faculdade
predominante e norteadora da existência em questão. São, respectivamente, estádio estético e
o desejo, estádio ético e o dever, estádio religioso e a fé.
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A verdadeira moral zomba da moral, disse Pascal no século XVII. O amor está além do bem e do mal, disse
Nietzsche poucas décadas depois de Kierkegaard. Em outras palavras, o amor desconhece regras universais de
conduta.
Aqui é preciso tomar um certo cuidado. Novamente, não se trata de subsumir a
liberdade individual perante a grandeza de Deus, e como que obedecer os ideais de Deus (e do
cristianismo) de acordo com isso. Ao contrário, o indivíduo que passou pelos três estádios
quer regular suas ações pelo amor, pela fé, e se aproxima de Deus na medida em que este é o
sujeito e representação máxima do amor. Trata-se, portanto, de uma identificação de sua
vontade com a vontade de Deus, e não uma adequação aos ideais Dele.
O estádio religioso é, portanto, o estádio adulto da existência humana, a síntese entre
os contraditórios. É também o estádio da vida autêntica: o indivíduo se regra de maneira
subjetiva, carregando em si a vontade de Deus.
3.4. Conclusão
De acordo com a presente exposição, podemos concluir que Kierkegaard cumpre com
sua proposta de tentar explicar a vida concreta do Homem, com suas situações limítrofes e
sua busca por uma vida autêntica dotada de sentido. A partir dos eventos de sua vida, buscou
aquilo que chamamos aqui de giro conceitual, isto é, de passar a buscar o conhecimento do Eu
e de sua existência partindo de uma subjetividade existencial e concreta. Essa mudança no
paradigma da filosofia estará de maneira ou de outra em muitas peças de nossa
contemporaneidade.
Vimos que é da relação dialética entre os estádios estético e ético que o Homem é
capaz de realizar sua síntese, atingindo o estádio religioso, marcado pelo encontro com Deus e
o amor como regulador de suas ações. O que resta examinar, e o que será feito na seção
seguinte, será testar, a partir de certos critérios, sua explicação da vida pelos três estádios e
compreender se Kierkegaard consegue cumprir com suas pretensões.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS E APRECIAÇÃO
Vimos nas unidades anteriores que a filosofia de Kierkegaard nasce como crítica ao
idealismo alemão, sobretudo ao idealismo de Hegel. O filósofo dinamarquês acusa Hegel de
ter “aprisionado” o indivíduo num grande sistema, abordagem tal que abre mão de qualquer
aspecto concreto, subjetivo e existencial dos indivíduos, mas que foca na estrutura da
realidade e o modo de compreensão dela - a dialética. Assim, as preocupações da filosofia de
Kierkegaard centram-se numa libertação do indivíduo das garras do idealismo hegeliano e,
coerentemente, sua explicação da vida humana deve carregar certos traços para que se
constitua uma nova forma de pensar a existência humana. Estes traços que Kierkegaard
precisa atender na sua explicação são: pensar o indivíduo 1) levando em conta os aspectos
concretos de sua vida e 2) liberto deste sistema que o suprime.
É possível dizer que Kierkegaard cumpre com o primeiro requisito de sua filosofia,
isto é, ele pensa o indivíduo levando em conta os aspectos concretos dessa vida. Os três
estádios da existência são reflexos de uma verdadeira vida concreta, a de Kierkegaard, e
parecem ter correspondência, em certa medida, à vida humana geral, no que diz respeito ao
seu campo subjetivo: as preocupações com a auto realização e a autenticidade, as seduções da
vida e o desespero, o dilema da escolha e a angústia, a insuficiência que nos faz buscar algo
maior que nós. Por isso, a filosofia de Kierkegaard nos concede, dentre outras coisas, matéria
para pensarmos nossa própria existência e condição enquanto seres humanos.
O segundo ponto, sobre pensar o indivíduo liberto do sistema que o suprime (no caso,
a dialética hegeliana), se mostra um pouco mais complexo que o primeiro. Quando
Kierkegaard acusa Hegel de ter suprimido o indivíduo a uma estrutura, ele quer dizer que
nessa perspectiva não é possível pensá-lo sem ela, pois a compreensão da nossa existência
deve ser buscada olhando para fora, para o objetivo, essa estrutura, e não para dentro, para o
subjetivo. Kierkegaard pensa o indivíduo como liberto deste sistema na medida em que
inverte esse paradigma, colocando o espelho voltado para o sujeito, buscando a realização e a
compreensão da existência a partir da subjetividade. Na perspectiva de Kierkegaard, o que
determina o indivíduo não é mais um fluxo externo que estrutura toda a realidade, mas a
própria vontade e liberdade desse indivíduo que escolhe seus caminhos, retirando assim o
indivíduo da prisão de Hegel.
Entretanto, um problema - um tanto implícito - pode surgir. Kierkegaard parece retirar
o indivíduo do sistema de Hegel, a estrutura da realidade, mas colocá-lo sob outro sistema, o
seu pensamento determinante dos aspectos da existência, ainda que este tenha um peso
diferente. Isto é: se é certo que Kierkegaard retira o indivíduo do sistema hegeliano, ele o faz
através de uma sistematização da própria existência, determinando seus aspectos possíveis; se
ele de fato abarca a vida concreta, o faz através dos elementos de sua própria, sendo, em certa
medida, pessoal. Kierkegaard realiza, portanto, uma determinação pessoal da existência em
geral, o que, a título de matéria para o pensamento, não encontramos problema, pois atinge
sua finalidade de nos fazer pensar sobre a nossa própria existência das considerações de
Kierkegaard sobre a sua própria. Mas como resposta definitiva ao que é a existência em geral,
quando ele tece uma teoria que responde como atingir a realização e a autenticidade, quais os
elementos esperados nesse caminho, a necessidade da fé, pode ser insuficiente para outras
existências.
Quer dizer, então, que para que um indivíduo se realize na vida e possua uma
existência autêntica, é preciso seguir os passos descritos e vividos por Kierkegaard? Nesse
ponto o último estádio, o religioso, se mostra o mais preocupante. Como pode-se esperar que
uma existência atinja seu ápice a partir do contato com Deus, um feito tão pessoal e
particular? Kierkegaard não se contenta em expor o “método” de compreensão da existência,
esse olhar para o subjetivo, mas arrisca a estabelecer os possíveis estádios que compõem essa
existência e os caminhos que podem ser seguidos nela. Assim, ao retirar o indivíduo da cerca
do hegelianismo e pensar sobre a existência em geral, parece acabar por resumir as
existências particulares à dele.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
PRIMÁRIA
BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA