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3.

A influência do farisaísmo na fé dos judeus

As referências aos fariseus podem ser encontradas basicamente em quatro


fontes, sendo elas os escritos canônicos (evangelhos e Atos dos Apóstolos), a
literatura rabínica posterior, os escritos de Flavio Josefo e a literatura de
Qumrã.

Segundo Saldarini (2005), essas fontes não são suficientes para aclarar
muitas questões importantes do ponto de vista sociológico sobre este
importante grupo judaico, mas também é de parecer que correlações com o
contexto social do Império Romano e da estrutura social do período hasmoneu
e herodiano, fornecem limites e orientações para reconstrução satisfatória.

Daí, infere-se que os fariseus, no entorno do primeiro século da Era


Comum, era um dos grupos mais conhecidos, principalmente por sua forma
distinta de viver o judaísmo e por conta do seu profundo envolvimento social.
Os registros na literatura rabínica bem como os relatos no Novo Testamento
apresentam vários elementos característicos dos fariseus, enquanto que em
Josefo, percebe-se que era um grupo social bem conhecido pela forma da
narrativa, que não se esforça em descrever detalhes desnecessários para um
público que já era familiar dos fariseus.

Nos manuscritos do Mar Morto, especialmente nos pesharim (comentários


de vários escritos da Bíblia Hebraica), há referências sobre um certo grupo de
judeus que permaneceu em Jerusalém a despeito das mudanças trazidas pelos
governantes helenistas, que estavam resignados com a alteração dos
costumes judaicos e eram considerados por isso transgressores da Lei. Tal
assertiva era eco da habituidade da luta política e facciosa do período greco-
romano que dominou o processo de helenização da palestina do entorno do
primeiro século a.C. e trazem elementos que nos delineiam como era o jogo
político em busca de apoio por parte dos hasmoneus, que por conta dos grupos
antagônicos, precisava constantemente de vários arranjos, coercitivos,
beligerantes ou consensuais em busca de legitimação e nesse processo
provocavam instabilidade entre os fariseus, essênios e saduceus, como
relatado em Josefo e nos Manuscritos do Mar Morto.

Por conta dessa instabilidade e pelo fato de os fariseus perdurarem por dois
séculos na sociedade palestina, deduz-se que estes formam um excelente
exemplo de grupo que precisou acomodar muitas mudanças internas, a fim de
garantir a sua influência social, mantendo seus privilégios, como qualquer outro
grupo social o faria, diante de mudanças políticas, sociais, culturais e
econômicas.

Assim, desempenharam vários papéis e funções sociais, tanto em relação


ao momento político em que viviam quanto em relação à abrangência
populacional e mesmo transcultural, tendo em vista as várias colônias judaicas
esparsas por conta da dispersão.

Na questão política, por exemplo, a influência farisaica variou com os


governantes, desde a pouca influência, na maioria das vezes, provocada pela
interferência dos saduceus, que formavam a elite sacerdotal do Templo de
Jerusalém e dos herodianos, até o momento de maior influência e prestígio
político sob Alexandra Salomé, a rainha judia (141 a.C . – 67 a.C.).

Em relação ao controle do Templo, as evidências que dispomos nos


remetem ao fato que jamais exerceram maioria na sua direção administrativa,
mas ocupavam assento no tribunal religioso de costumes do povo judaico, o
Sinédrio. Em relação a sua distribuição na população, sabe-se que eram
letrados em sua maioria, corporativa e voluntário, o que os habilitava a
ocuparem espaço social mais relevante que os camponeses comuns, mas
estavam abaixo da elite dominante. Em Jerusalém desempenhavam funções
administrativas e burocráticas, mas segundo os evangelhos sinóticos, também
são descritos na Galiléia.

Sobre a atuação na Galiléia, a pesquisa demonstra que é necessário


debruçar-se um pouco mais sobre a questão para avaliar qual foi
necessariamente o papel desempenhados pelos fariseus. Saldarini (2005) é de
parecer que os fariseus não integravam a elite dominante na região, mas que
provavelmente eram representantes da elite religiosa de Jerusalém,
defendendo os interesses do Templo, o que explicaria os constantes embates
registrados nos evangelhos sinóticos de Jesus e seus seguidores, com os
fariseus. Ou ainda poderiam ser funcionários sob os herodianos, que
desejavam manter a paz social e a arrecadação tributária, o que poderia
explicar a ênfase farisaica na observância dos dízimos agrícolas.

Voltando-se para a questão religiosa, os fariseus, que, segundo Josefo


eram “em torno de seis mil” no primeiro século a.C., gozavam de grande
prestígio entre o homem comum. O nome fariseu (gr.:φαρισαιοι),
provavelmente é derivado do hebraico “‫”פרושים‬, que significa “separado”. Essa
separação autoproclamada, não dizia respeito ao isolamento da sociedade (a
exemplo dos essênios), mas a uma separação mais transcendental,
envolvendo questões espirituais: seria uma separação dos costumes helênicos
e das práticas dos dominadores, que estaria contra a Lei de Deus.

Como eram muito amalgamados no tecido social, em especial nas camadas


mais próximas do estrato básico, os fariseus desenvolviam grande influência
popular, sendo considerados pessoas “favorecidas por Deus” e, por conta de
sua relativa flexibilidade, alcançavam parcela significativa do povo, pois não
dispunham de acessos restritos e rituais de acesso elaborados, nem
dependiam de pertencimento a famílias específicas ou a elites econômicas
para sua expansão e crescimento (OCONNOR, 2017).

As colunas da fé farisaica eram a Torá e a tradição. Esta última alicerçada


sobre o que era conhecido como a tradição dos Pais, basicamente oriundos
das duas escolas rabínicas: a mais rigorosa e literal Shimei e a mais leniente e
adaptativa, de Hilel. Entretanto, qualquer que seja a tradição, os fariseus são
retratos tanto nos evangelhos como na literatura rabínica, como muito
preocupados com a pureza ritual, que formava o cerne de sua crença e prática
(MOSIER, 2021).

Segundo Eliade (2011), o judaísmo tinha como reforço contra o terror da


história, as visões apocalípticas (evidenciadas pelo profetismo e literatura
apocalíptica) e isso era tanto mais claro no senso comum, quanto mais se
observava a opressão romana, que ecoava lembranças do exílio como castigo
de Deus contra o seu povo desobediente.
Para essa mesma pesquisadora, a reação helenizante sob Antíoco Epifânio,
que se configurava em obstinação em eliminar a Torá, trouxe como reação o
zelo farisaico pela Torá. Shimon ben Laquish (apud ELIADE, 2011), asseverou
“a existência do mundo, depende de Israel aceitar a Torá; sem isso o mundo
retornará ao caos” e esse era de fato o sentimento de então incutido no povo
pelo ensino dos fariseus.

De fato, o processo de helenização pelo qual passaram nos períodos


hasmoneu e herodiano, marcou a atuação e popularização do chamado partido
fariseu, pois eram tidos como autoridades na interpretação da Torá pelo povo,
apresentando uma forma de convivência e adaptação aos novos tempos.

Em contraste com os demais grupos judaicos, especialmente os saduceus,


os fariseus ensinavam maior proximidade de Deus com os homens, interagindo
com a humanidade, numa mescla de soberania divina e responsabilidade
humana. As diferenças entre os grupos dentro do judaísmo também diziam
respeito ainda a questões de pureza ritual e tributação, que eram reflexos das
interpretações da importância da aliança judaica e do compromisso de Deus
com a nação e sua terra.

Com as devidas reservas, os fariseus podem ser comparados a escolas


filosóficas helenistas, com uma proposta de reforma da vida cotidiana, uma vez
que estavam alijados, por quase todo o período, do processo de decisão
política dos judeus – espaço ocupado pelos saduceus e por grupos
simpatizantes dos helenizantes.

Com essa proposta, o ensino e atuação farisaica entre o povo pareceu ter
alcançado mais e mais adeptos e admiradores com o passar do tempo. Assim,
temos a diagramação dos fariseus como sendo portadores da palavra
autorizativa nas regras de fé e prática comunais.

É importante considerar que a as esperanças messiânicas dos judeus


repousavam sobre a observância da Torá, mas a correta interpretação da Torá
era sobrepujada pela aplicação correta da Torá, capitaneada pelos fariseus,
que infundiam esses valores na sociedade.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

VESPA, T. BENDITO AQUELE QUE VEM EM NOME DO SENHOR. Kerygma,


v. 15, n. 1, p. 63-72, 1 out. 2020.

KOELSTER, Helmut, INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO, Volume 2:


História e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2016.

MERRIL, Eugene H. HISTÓRIA DE ISRAEL NO ANTIGO TESTAMENTO. Rio


de Janeiro: CPAD, 2018.

FABRIS, Ronaldo. PAULO: APÓSTOLO DOS GENTIOS. São Paulo: Paulinas,


2020.

MIRCEA, Eliade. HISTÓRIA DAS CRENÇAS E DAS IDÉIAS RELIGIOSAS,


Volume III: de Gautama Buda ao triunfo do Cristianismo. Rio de Janeiro: Zahar,
2011.

ARBIOL, Carlos Gil. PAULO NA ORIGEM DO CRISTIANISMO. São Paulo:


Paulinas, 2018.

SALDARINI, Anthony. FARISEUS, ESCRIBAS E SADUCEUS NA SOCIEDADE


PALESTINENSE. São Paulo: Paulinas, 2005.

OCONNOR, M. J. P. PHARISEE. UBC Comunity and Partner Publications.


Database of Religious HIstory (DRH). Disponível em
<http://open.library.ubc.ca/collections/ubccommunityandpartnerspublicati/
52387/itens/1.0394979. Acesso em 13 de março de 2021.

MOSIER, Quinn, R. JEWISH NOMISM IN AND AROUND THE FIRT CENTURY


A.D. MIDWESTERN BAPTIST THEOLOGICAL SEMINARY, 2019. Disponível
em
http://www.academia.edu/download/61663246/FINAL_COPY_OF_NT_SURVE
Y_PAPER_1_320200102-79694_bbfdrw.pdf

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