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Eduardo Vicente1
OS ANOS 60 E 70
1
Eduardo Vicente é Graduado em Música Popular e Mestre em Sociologia pela UNICAMP, Doutor em
Comunicação pela ECA/USP e professor efetivo de Rádio no curso de Audiovisual dessa mesma instituição.
Suas áreas de pesquisa são a indústria fonográfica, a linguagem sonora e a produção radiofônica.
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Música e Disco no Brasil, São Paulo, ECA/USP, 2002.
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nacional” será agora exercido majoritariamente pelo empreendimento privado e não mais pelo
Estado, o que resultará numa “formidável expansão do nível de produção, de distribuição e de
consumo da cultura” (Ortiz, 1988: 121).
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As quantidades totais estão calculadas em álbuns conforme o sistema do IFPI, no qual três singles (compactos
simples ou duplos) são contabilizados como um álbum.
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consolida-se a partir de 1963 com o sucesso da Jovem Guarda; a EMI faz-se presente a partir
de 1969, através da aquisição da Odeon; a subsidiária brasileira da WEA, o braço fonográfico
do grupo Warner, é fundada em 1976 e a da Ariola – pertencente ao conglomerado alemão
Bertellsman (BMG) – surge em 1979. A RCA, que mais tarde seria adquirida pela
Bertelsman, tornando-se o núcleo da BMG, operava no país desde 1925 e completava o
quadro das empresas internacionais mais significativas em nosso cenário doméstico.
Rita Morelli irá vincular o início desse período de consolidação e, ao mesmo tempo,
internacionalização da indústria fonográfica do país às vendas de música internacional,
apontando para o fato de que, para as subsidiárias das empresas transnacionais, era “muito
mais fácil lançar um disco já gravado no exterior do que arcar com as despesas de gravação de
um disco no Brasil” (Morelli, 1991: 48).
Além disso, dados da ABPD apresentados pelo jornal O Estado de São Paulo em 1976
demonstram que, embora o número de lançamentos de discos com repertório internacional
4
A face oculta do disco, informe especial da Revista Banas, 10/03/1975. Até 1948 a Continental foi responsável
também pela impressão dos discos da RCA em São Paulo.
5
Segundo Biaggio Baccarin, ex-diretor artístico da gravadora, a Chantecler foi fundada por Cássio Muniz em
função do fato de que a RCA – empresa que representava – iria passar a ter distribuição própria no país.
Entrevista concedida a 11/10/99.
6
Dúvidas sobre a fusão das gravadoras, Folha de São Paulo, 01/10/1981.
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A Warner no mercado do disco brasileiro, O Estado de São Paulo, 26/08/1976.
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expansão, jovem e efetivamente massificado, ao qual boa parte da música brasileira dos anos
1960 não podia responder plenamente. Relembrando o cenário internacional de dez ou quinze
anos antes, quando do início do rock, teremos um quadro bastante similar: o de um público
consumidor jovem, de baixo poder aquisitivo, sendo incorporado ao mercado através da
compra de compactos de artistas de sucesso frequentemente efêmero.
Porém, embora vários desses artistas tenham obtido um relativo sucesso, isso só
ocorre ao longo de um período relativamente curto (basicamente entre 1972 e 1977) e em
relação a carreiras bastante fugazes – com as menções aos artistas devendo-se quase que
invariavelmente a um único LP. Esse fato, bem como a opção posterior de vários desses
nomes por renovar suas carreiras cantando e/ou compondo em português, parece demonstrar
que esse fenômeno constituiu-se meramente como etapa de um processo mais amplo que, na
década de 1980, e através principalmente do rock e da música infantil, acabaria por resultar na
constituição de um conjunto de artistas e de repertório domésticos, voltados a um mercado
jovem e efetivamente massificado.
O COMPACTO
Mas para discutir melhor esse processo é necessário que analisemos com mais
cuidado a questão do compacto simples (single). Entendo que ele expressa uma relação com o
mercado diferente daquela estabelecida pelo LP. Ela foi assim explicada por João Carlos
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50
milhões de unidades
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singles
ano
álbuns
Fonte: ABPD
Porém, é preciso considerar um aspecto que esses números não tornam evidente: o
de que essa ênfase comercial no fonograma e não no artista não era uma característica apenas
dos compactos: ela estava presente também nos LPs de trilhas de novelas e de coletâneas de
sucessos (de rádios FM, DJs, promotores de bailes disco, etc). E a participação desse tipo de
produção no mercado de LPs não pode ser, de forma alguma, menosprezada. A Rede Globo,
por exemplo, criou a gravadora Som Livre em julho de 1971 visando quase que
exclusivamente esse tipo de produção. Em apenas 25 dias, a gravadora colocou no mercado
seu primeiro disco: a trilha da novela O Cafona, que vendeu expressivas 200 mil cópias. Em
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1975, além de manter as trilhas de novela como seu mais importante campo de atuação, a
gravadora obtinha sucesso também lançando coletâneas de sucessos de rádios FM como a
Excelsior (Máquina do Som e Padrão 670) e a Mundial (Sua Paz Mundial e Super Parada)8.
A comprovação do acerto dessa estratégia veio já em 1977, quando a Som Livre se tornou a
gravadora de maior vendagem no país (Morelli, 1991: 70) e a integração entre áudio e vídeo
fornecida pelas trilhas de novela transformou-se “na mais sólida sustentação que o setor
conheceu”9.
Assim, apesar das altas vendagens de LPs, não se pode dizer que, em relação a um
mercado ampliado, o fortalecimento do formato, associado à valorização da imagem do artista
estivesse efetivamente consolidado ao longo da década de 70. Esse será, como se pode
imaginar, o grande objetivo de médio e longo prazo das gravadoras instaladas no país e não
irá, como espero demonstrar em futuros artigos, consolidar-se antes da década de 80.
8
Quem escolhe o que você ouve? Folha da Tarde, 13/07/1975. A matéria é assinada por Maurício Kubrusly.
9
Idem, ibidem.
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Continental, Alberto Biyngton Neto, apontava ainda o fato das empresas internacionais
obterem recursos fora do país e, assim, fugirem das altas taxas de juros que já começavam a
sufocar as empresas domésticas10. Já Enrique Lebemdiger, então presidente da Fermata,
denunciava em 1981 que as multinacionais “desregularam totalmente o mercado brasileiro...
passaram a vender discos aos lojistas em consignação e concederam prazos de até 180 dias
para pagamento”. Obrigadas a conceder iguais condições, as gravadoras nacionais viram todo
seu lucro ir “por água abaixo”, com os juros consumindo quase 40% do valor do disco. Além
disso, Lebemdiger acusava as gravadoras de dumping, vendendo discos de grande sucesso
abaixo do preço de mercado11. E essas não eram as únicas acusações: Biyngton falava de
pagamento de propinas (jabaculê) às rádios, de evasão de divisas através do pagamento
irregular de royalties, e pedia, entre outras coisas, a criação da obrigatoriedade de que 50%
dos lançamentos fonográficos fosse de música brasileira, do mesmo modo como ocorria nas
rádios12.
10
A luta pelo direito a uma competição justa, Jornal do Brasil, 13/07/1980. Vale observar que as críticas e trocas
de acusações tenderam a se acentuar ainda mais ao final da década de 70, quando os sinais de recessão
econômica e conseqüente contração do mercado já se tornavam evidentes.
11
Dúvidas sobre a fusão das gravadoras, Folha de São Paulo, 01/10/1981.
12
A luta pelo direito a uma competição justa, Jornal do Brasil, 13/07/1980.
13
“Em 1977, a Som Livre foi a marca mais anunciada na TV paulista, com um total maior do que o da Gessy
Lever, duas vezes maior que o da Souza Cruz e quatro vezes superior ao da Coca-Cola”, A “Volksdisco” é uma
força, Revista Isto É, 02/08/1978. Ver também As televisões e suas gravadoras: os números milionários de uma
publicidade gratuita, Jornal do Brasil, 29/06/1980.
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tornavam mais despersonalizadas” e o que se impunha não eram mais questões de lealdade,
tradição ou respeito, mas “princípios mercadológicos” (Ortiz, 1994: 142).
14
A luta pelo direito a uma competição justa, Jornal do Brasil, 13/07/1980. A moralização seria em relação ao
jabaculê, às distorções dos resultados das vendas ocasionadas pela entrega dos discos em consignação às lojas, às
paradas manipuladas, etc.
15
Entrevista de Antonio C. Agostini, assessor da presidência da ABPD, pertencente ao acervo da pesquisa Disco
em São Paulo (Idart, 1980), disponível no Centro Cultural São Paulo.
16
Ofendido, Biyngton acabou por retirar sua empresa da ABPD. A luta pelo direito a uma competição justa,
Jornal do Brasil, 13/07/1980.
17
A Mocambo procura sócio para não fechar, Gazeta Mercantil, 07/06/1977.
18
A lista era então formada por CBS, PolyGram, RCA, EMI-Odeon, WEA e Som Livre. Vendas de discos
caíram 226% nos últimos cinco anos, O Globo, 07/10/1984.
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A SEGMENTAÇÃO DO MERCADO
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Dúvidas sobre a fusão das gravadoras, Folha de São Paulo, 01/10/1981. Os discos econômicos realmente
custavam aproximadamente 50% do valor dos discos top seller.
20
Quando a solução é mudar de gênero, Gazeta Mercantil, 04/12/1979.
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Não estou afirmando aqui que as majors internacionais não tivessem interesse por
esse mercado: José Augusto e Agnaldo Timóteo gravavam pela EMI; Jane & Herondy, Perla,
Sérgio Reis e Lílian, pela RCA; Kátia e Roberto Carlos pela CBS, etc. O que tento demonstrar
é que, em relação aos segmentos de maior sofisticação, elas tendiam efetivamente a manter
um controle estreito sobre o mercado.
Não creio que essa situação se explique apenas pela questão do disco econômico.
O crescimento constante do setor e a grande lucratividade garantida pelos incentivos fiscais
certamente também tiveram seu papel, levando as empresas a uma certa “acomodação” em
relação à exploração de novos mercados, principalmente aqueles mais distanciados do eixo
Rio/São Paulo. Seja como for, as empresas internacionais parecem ter tido grande dificuldade
em desenvolver o know how necessário para atuar nos segmentos mais ligados às tradições
rurais e/ou nordestinas e que, através do crescimento urbano, começavam a ter um importante
público na periferia das grandes cidades. Talvez por isso, o grande fenômeno de massificação
do mercado musical dos anos 1970 tenha sido mesmo o samba, com sua feição
predominantemente urbana. Ele estará representado nas listagens de vendas através dos
sambas-enredo das escolas cariocas do Grupo I (Top-Tape) e de nomes como Martinho da
Vila (RCA), Originais do Samba (RCA), Agepê (Continental), Beth Carvalho (RCA), Clara
Nunes (Odeon), Alcione (Phillips), Jair Rodrigues (Phillips) e Benito de Paula (Copacabana),
entre outros21.
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CONCLUSÕES
21
Os nomes relacionados são de artistas que ocuparam as 10 primeiras posições das listagens do Nopem ao
longo da década de 70.
22
Continental, 30 anos antes e depois, Jornal do Brasil, 27/01/1974.
23
Com o grupo Olodum, a Banda Mel, etc. A investida da Continental, Jornal do Brasil, 25/04/1987.
24
Com o boom sertanejo dos anos 90 essa situação não persistiu, sendo a Continental e a Copacabana
absorvidas, ainda no início da década, por Warner e Sony, respectivamente.
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promoção envolvendo redes de rádio e TVs, situação que acabou dando à produção e
distribuição das trilhas de novelas uma grande relevância no contexto da indústria.
Também tivemos, no período, as bases para uma divisão de mercado que tendeu a
colocar as gravadoras nacionais na precária condição de explorar gêneros preteridos pelas
grandes gravadoras e/ou trabalhar na prospecção de novos segmentos e artistas.
Mas, se houve uma estratégia assumida pela indústria fonográfica no período que
esteve perfeitamente afinada com as tendências internacionais, essa foi a da busca pelo
mercado jovem. Pode-se verificar que, no período, essa preocupação que fica evidente,
inclusive, nas denominações de alguns dos movimentos musicais e iniciativas de divulgação
aqui desenvolvidos, como Bossa Nova, Jovem Guarda, Festivais Universitários da Canção e
Movimento Artístico Universitário (MAU), entre outros. Nessa busca cada vez mais intensa e
racionalizada, que assumirá importância ainda maior nos anos 80, merece destaque a saída de
Andre Midani da direção da PolyGram, ocorrida em 1976. Com atuação marcante no cenário
da indústria desde a década de 50 (quando foi um dos grandes apoiadores da Bossa Nova),
Midani reunira na PolyGram um dos casts mais significativos da história da indústria no país,
integrado por praticamente todos os nomes consagrados da MPB. Sua atitude de deixá-lo em
troca da missão de fundar a WEA do Brasil parece-me demarcar, ao menos simbolicamente, o
encerramento de toda uma era da história do disco no país. Sua afirmação de que o futuro da
indústria estava no rock25 e de que o cast de sua gravadora seria formado apenas por artistas
com menos de 30 anos, que soubessem administrar suas próprias carreiras, foi sintomática do
novo momento que então se iniciava.
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Um chefão das arábias, Jornal do Brasil, 01/12/1985.
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BIBLIOGRAFIA
FLICHY, P. Las Multinacionales del Audiovisual: Barcelona, Ed. Gustavo Gilli, 1982.
VICENTE, Eduardo. Música e Disco no Brasi: A Trajetória da Indústria nos anos 80 e 90.
Tese de doutorado não publicada. São Paulo, ECA/USP, 2002.
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