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BRUNO REBECCA BEZERRA

Os jogos (Játekók) de György Kurtág para piano

Trabalho realizado no ambito de conclusão da Unidade


Curricular Didática da Múusica II – Professora Dr.º Nuno Caçote

13/06/2022
Índice

Breve resenha biográfica ...........................................................................3


A liberdade do toque .................................................................................3
O Piano Lúdico e Performático .................................................................5
Notação gráfica...........................................................................................6
Técnica Alargada .......................................................................................8
Referências bibliográficas ..........................................................................9
Breve resenha biográfica 

György Kurtág nasceu em 19 de fevereiro de 1926 na Romênia.  É um dos mais


importantes compositores e pianistas vivos, Estudou Piano, composição e música de
camara na Academia de música Franz Liszt, também foi aluno de composição de Darius
Milhaud e Olivier Messian em Paris. Neste período teve contato com obras de Weber e
Bartók, que por sua vez influenciaram sua obra.  A obra de Kurtág aproxima-se da obra
de Bela Bartók, possivelmente Kurtág é considerado um dos melhores interpretes de
Bartók.  
A tensão e dissonância de sua obra foi moldada devido o período em que viveu sob o
regime comunista. Trabalhou como Repetidor na Hungarian National Philharmonia,
tembém como also professor at the Ferenc Liszt Academy of Music , em Budapeset,
perimeiro de Piano e depois de música de camara 
Seu reconhecimento internacional deu-se quando seu maior trabalho até hoje, The
Sayings of Peter Bornemisza, foi realizado por Erika Sziklay e Lóránt Szəcs no
Darmstadt Summer Courses for New Music.  
 
A liberdade do toque 
  
O estudo do Piano traz consigo um carater tecnicista atribuído a seculos de ensino
tradicional, a leitura, a técnica, exercícios e peças são concebidos em grande parte como
únicos meios de se alcançar habilidades pianísticas. 
No entanto, com o esgotamento do sistema tonal no seculo XX a estética musical
ampliou as possibilidades de organização das notas da escala dando lugar a novas
sonoridades e sistemas, consequentemente as respetivas abordagens didáticas também
alcançaram um status de estudo e observação. Neste sentido Rojo (2003) elucida:  
 “ Los sistemas de notación y gráfica en la música del siglo XX han sido de gran interés
por su capacidad expresiva y por su origibalidad artístico-plástica. La permanente
voluntad evolutiva del mundo sonoro a lo largo de estos años con la consecuente
transformación de lo herdado del pasado ha requerido que los medios representativos
reflejen con fidelidad el contenido de la idea compositiva. La diversidad de las ideas ha
motivado que su simbología sea igualmente variada y posiblemente de contraste.”
(Rojo, 2003) 
 
 
É fundamental percebermos esta evolução paradigmática para então estarmos
preparados para inserir na formação musical a estética da música contemporânea, esta
por sua vez, traz consigo para alem de novas possibilidades sonoras um caráter
libertário e exploratório que, aliado à educação musical estabelece bases solidas para o
pensamento crítico musical e a criatividade. 
Os jogos (Játekók) de György Kurtág para piano fundamenta-se exatamente sobre estas
bases, com o adicional da observação do movimento livre bem como a conexão com o
instrumento, em palavras do próprio autor, a obra tem como foco: “...to write a series of
works that allowed pianists to discover the enjoyment of a game, the enjoyment of
movement, in order to develop the initiative and the freedom of the performer. "(Kurtág,
2009 as cited in Terrien, 2018). A própria noção de escrita não exata dialoga com os
preceitos da música contemporânea 
  
É bastante recorrente na minha prática docente, iniciar logo na primeira aula de Piano
com a exploração do movimento de arco realizado cruzamento das mãos e braços ao
sobrepor as notas dó do piano em sequência de oitavas. Este exercício exploratório não
tem somente como foco o movimento livre, mas também proporciona a sensação
estética da plena consonância das oitavas, gerando uma ressonância a partir do pedal de
sustain. A segurança e a leveza deste exercício fundamentam-se na apropriação do
estudante do conceito de oitavas, previamente vivenciado através de uma exploração
geográfica da estrutura do teclado. 
A ideia de inserir numa aula inicial com um exercício prático e exploratório proporciona
um entendimento global do significado do piano enquanto instrumento. A observação
ergonómica do corpo em relação ao Piano é ainda um tema pouco abordado na literatura
atual. No entanto podemos observar na literatura que a orientação e busca pelo toque
baseado na liberdade muscular fundamentam a elaboração da obra Játekók. Leena&
Hyvönen (2004) argumentam que “... the actual role of the body as our primary mode of
knowing has been neglected in teaching piano […] However, the actual role of body
movement in musical learning and knowing has been poorly examined” 
  Neste mesmo estudo analisam: 

 “How bodily movement within the frames of Dalcroze Eurhythmics can


facilitate musical knowing and how the body can function as a constitutive
attribute of such knowing; and how bodily experience provides a means of
developing skills, competencies and understanding necessary to work in the
expressional mode of musical knowing.”( Leena& Hyvönen, 2004, pág. 2) 
  
 A busca pela experiência sensorial e conexão com o Piano e seus mecanismos é uma
ressalva da obra. Junttu (2010) argumenta que: “... using Játékok as part of the teaching
material can help to awaken the possibility for children to experience music and
movement in a sensitive way.” A criança experimenta através do toque o peso e a leveza
das teclas, e através do tato estabele um primeiro contato com o instrumento, este por
sua vez, de caráter tátil, oferece uma experiência sensorial que servira de incentivo para
a exploração sonora. À medida que descobrem sons que lhe agradam e atribuem-lhes
sentido os repetindo ou padronizando, tal como é comentado no Prefácio à obra um
esclarecimento a cerca dos elementos específicos da linguagem composicional usada: 
  
“ A ideia de compor Játekók foi inspirada em crianças brincando espontaneamente ao
piano, crianças para as quais o instrumento ainda é um brinquedo, elas o experimentam,
acariciam , atacam e deixam os dedos correr sobre eles aparentemente juntam sons
incoerentes, mas se em algumas crianças isso desperta o instinto musical, tentarão
encontrar essas harmonias, descobertas por acaso, e se divertirão com elas” (Cabezas,
2014, as cited in Kurtág, 2004) 

Junttu (2008) elucida sobre a natureza cinestésica de crianças ao fazer música: “The
presence of multiple and integrated forms of bodily movement suggest the significance
of a multi-sensory experience involving what they see, as well as what they hear and
feel” (Junttu,2008)  
  
O Piano Lúdico e Performático 
  
As crianças interpretam o piano como um grande brinquedo que faz sons se acionarem
as teclas, é comum ao experimentarem o toque das teclas se sentirem interessadas pelo
facto de ao acionarem teclas uma resposta sonora é produzida, tal elemento lúdico é
encontrado em diversos brinquedos eletrónicos ou mecânicos. Ao pressionar um
peluche ele produz uma fala amigável, ao pressionar um botão de um controle de uma
consola é gerado uma resposta audiovisual, portanto não é de se espantar caso as
crianças não entendam de imediato o piano como um instrumento musical a ser
estudado, muito menos de suas capacidades poéticas e outras abstrações intelectuais
ainda não presentes no aparelho cognitivo da criança. 
  
Inúmeras literaturas nos fornecem esclarecimentos sobre o ato lúdico do jogo, no
entanto podemos ressaltar uma visão a respeito do lúdico na performance e seu caráter
teatral encontrada na obra “ Hommo Ludens” : 
 O mesmo verificamos no ator, que, quando está no palco, deixa-se absorver
inteiramente pelo "jogo" da representação teatral, ao mesmo tempo que tem
consciência da natureza desta. O mesmo é válido para o violinista, que se
eleva a um mundo superior ao de todos os dias, sem perder a consciência do
caráter lúdico de sua atividade. (Huizinga, 2000, pág. 21) 
  
Notação gráfica 

Os treinos auditivos e imitativos são complementares, ao se trabalhar as habilidades de


observação técnica e cinestésica do movimento a ser realizado, automaticamente o
campo auditivo é acionado, estabelecendo relações visuais cinestésicas e sonoras, desta
forma: “... the notation should be approached in an experiencing manner, or rather; the
pieces can be learnt by imitating the teacher’s model.” (Junttu,2008) 
Encontramos também em Schafer (1991) notações não convencionais, para dar
impressão de altura, o autor experimenta sinais que propõe diferentes texturas para um
som piano, forte, crescendo, diminuendo, curtos ou longos. 
 
 
 Em relação à notação não convencional Schafer defende que o trabalho de notação
gráfica de uma composição no contexto escolar deve ser feito após a execução da
mesma: 

“Jamais falo de notação no início. Quando eventualmente surge o tema,


deixo que a classe lute um pouco com ele. A essa altura já estão compondo
peças, que podem ser vocais ou concebidas para instrumentos simples de
percussão. Como em geral os alunos trabalham em grupos menores, podem
conduzir esses pequenos exercícios discutindo antes o que pretendem fazer.”
(SCHAFER, 1991, p. 297). 
Por outro lado, há também a possibilidade de discutir os termos apresentados nas
partituras de Játekók, de maneira a perceber a interpretar os sinais grafados e suas
intenções: 
“ It is up to the learner to make the link between what seems explicit
in a score (pitch, duration, intensity, etc.) and what is implicit (the
activities by which they are expressed), in order to give them meaning,
especially a musical meaning. It is the implicit contained in the task
that impels the musician to reorganize his or her activities, to adapt
them, and to give a meaning to the score.” (Terrien & Huart, 2018) 
  
Os autores complementam: “ if Játékok is intended for young pianists, the explanatory
note that he proposes proves by no means easy to understand. Some of them will require
the assistance of the teacher or of an adult to understand it.” (Terrien & Huart, 2018) 
Portanto, em ambas as visões há um consenso quanto a flexibilidade interpretativa do
conceito de notação gráfica não convencional. 
Kurtág considera uma lacuna nos métodos tradicionais de Piano que desfavorece
diretamente as habilidades que o autor considera como primordiais na iniciação ao
piano: 

“ Throughout his career, Kurtág has been critical of traditional piano


pedagogical methods. His main criticism has been that standard methods
lack freedom to experiment, and are not conducive to stimulating children’s
playfulness and curiosity. Kurtág also believes these methods decrease
students’ listening and the ability to develop expressive qualities.” (Juttu) 
  
Junttu (2008) enumera alguns elementos não tradicionais encontradas na notação gráfica
de Játekók : “ 1) an unusual, novel notation; 2) the use of a wide range of the keyboard
that features the inclusion of various ledger lines; 3) the uncommon placement of notes;
and 4) a wide gap between pieces that feature varying degrees of difficulty,” 
Kurtág usa sua própria notação gráfica para expressar diferentes ideias musicais, sejam
estas notas isoladas, ritmos ou cluster e glissandos, este último, com uma grande
variedade de posições das mãos: palmas, palma com rotação, palma em movimento
circular, antebraço e pulso. 
As notas brancas e pretas grandes indicam um cluster a ser tocado com a palma da mão,
sendo as brancas para indicar durações mais longas, as lingas verticais grossas cruzando
o pentagrama indica um cluster a ser tocado com o antebraço. São empregues também
dois tipos de sinais de duração, um curto e um longo, no entanto o autor enfatiza que
esses valores não so medidos de forma exata, nem é esse o foco da interpretação. 
Recorrer a escrita não convencional no processo de iniciação ao Piano pode ser um
recurso válido, uma vez que, conforme já mencionado, iniciar um aluno ao piano tendo
como ponto de partida a leitura pode exigir um grau de abstração ainda não presente em
algumas faixas etárias, alem do fato que a literatura corrobora o quão tedioso pode ser
esta atividade nesta fase. 
Utilizar números em vez de nomes de notas, tendo como referência o dedilhado é
bastante recorrente na minha prática docente. De início a simples disposição de
sequências de dedilhado para indicar as notas a serem tocadas em determinados
pentacordes.  
Em seguida introduz-se a noção de direccionalidade, ao dispor os números não mais em
único plano mas sim a demostrar visualmente os números a subir, descer ou a repetir. 
Demosntrar através de pequenas sequências de numeros as possiveis articulações a
serem aplicadas ( legato e non-legato). Em relação a duração das notas, a diferenciação
se da ao sublinhar os números que terão uma duração maior. Com esses elementos
dialogamos com a notação gráfica não convencional, igualmente facilitadora do fazer
musical no processo de aprendizagem do Piano. 
 
Técnica Alargada 

Com a evolução mecânica e tecnológica dos instrumentos musicais as possibilidades


sonoras também se “alargaram”, termo este para se referir a uma técnica conhecida
como técnica alargada ou técnica estendida, explorando assim novas formas de
produção sonora nao convencionais, e consequentemente a criação de uma notação
gráfica adequada: “En la nueva concepción sonora ha necesitado medios interpretativos
adecuados. Sus múltiples recursos renovadores del catálogo tradicional así lo requerían”
(Rojo, 2008). O autor defende que tanto a plasticidade dos sons, quanto o som
representado graficamente servem igualmente aos interesses artísticos enquanto Obra, e
ressalta que a partitura deve ser interpretada como uma partitura convencional, no
entanto se afasta da concessão de partitura por esta, não servir de base para memória ou
interpretação. 

Podemos facilmente sermos surpreendidos pela  beleza estética da grafia, as linhas, as


curvas e os padrões pitorescos, são as referências para uma interpretação imaginativa ao
conceder-hes status de decodificação picto-sonora: 
 
“El interés artístico de la gráfica considerando la belleza de tus rasgos, ha
sido planteado como medio que podría sugerir por si mismo la propuesta
imaginación criativa, partiendo de la expresividad plástica de los diseños
concebidos por el compositor y teniendo presente las márgenes posibles de
variación en la realización de sus significativos ejemplos.” (Rojos, 2008) 

  

Referências bibliográficas 
  
Cabezas, H. C. (2014). Estudo sobre aspectos pianístico-pedagógicos desenvolvidos no
primeiro volume do Játekók, de György Kurtág [Doctoral dissertation, Escola de
Comunicações e Artes- Universidade de São Paulo]. Semantic Scholars.
https://www.semanticscholar.org/paper/Estudo-sobre-aspectos-pian%C3%ADstico-
pedag%C3%B3gicos-no-do-Cabezas/794ca3c02ef2bc2806ad559ee5e2b276a931f930

Huizinga, J. (1991). Homo Ludens (4ªth ed.). EDITORA PERSPECTIVA S.A.

Jang, J. (2015). An instructional guide to teaching kurtág’s játékok volume I to


beginning and intermediate piano students [Master's thesis, UNIVERSITY OF NORTH
TEXAS]. https://digital.library.unt.edu/ark:/67531/metadc801950/m2/1/high_res_d/
dissertation.pdf
Juntunen , M., & Hyvönen, L. (2004). Embodiment in musical knowing: how body
movement facilitates learning within Dalcroze Eurhythmics. British Journal of Music
Education, 2(21), 199-214. https://doi.org/10.1017/S0265051704005686 

Junttu, Kristina. György Kurtág’s Játékok Brings the Body to the Centre of Learning.
Piano.” The Finnish Journal of Music Education 11, no.1-2 (2008): 97-106.

http://www.junttu.net/kristiina/Jatekok_brings.html

Rojo, J. V. (2003). Notacion y grafia musical en el siglo xx (1st ed.). Iberautor


Promociones Culturales.

Schafer, M. (1991). O ouvido Pensante (2th ed.). unesp

Terrien, P., & Huart, E. ( 2018). György Kurtág's Játékok: a tool to learn the
piano. Online journal for artistic research in music, 2(1), 35 - 49.
https://www.researchgate.net/publication/327835169_Gyorgy_Kurtag
%27s_Jatekok_a_tool_to_learn_the_piano_Music_for_and_by_children

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